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Journal of Human Growth and Development

Print version ISSN 0104-1282On-line version ISSN 2175-3598

J. Hum. Growth Dev. vol.27 no.2 São Paulo May/Aug. 2017

http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.125827 

ARTIGO ORIGINAL

 

Maconha como a segunda substância psicoativa mais comumente usada entre estudantes

 

 

Thaíse VincenziI; Débora Nunes MarioII; Graziela Oro CericatoII; Michele Natara PortilioI; Lilian RigoII

IDentistry student of Faculdade Meridional/IMED, RS, Brazil
IIDepartment of Dentistry, Faculdade Meridional, Brazil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: O uso de substâncias psicoativas (SPA) é uma prática utilizada pelo homem desde seus primórdios. Entretanto, a partir dos anos 60, teve seu consumo substancialmente aumentado, e se tornou conhecida por comprometer a saúde e ocasionar a morte de milhões de pessoas todos os anos.
OBJETIVO: O uso de substâncias psicoativas é uma prática utilizada há muitos anos, porém, a partir dos anos 60, teve seu consumo substancialmente aumentado. O objetivo deste estudo foi verificar a prevalência do uso de substâncias psicoativas entre estudantes de Odontologia, bem como analisar a influência das variáveis sociodemográficas e identificar o nível de satisfação com a vida entre os estudantes.
MÉTODO: O delineamento é do tipo transversal composto por 159 estudantes de Odontologia de uma instituição de ensino de um município do sul do Brasil matriculados nos oito períodos do curso. Os sujeitos forma submetidos anonimamente a um questionário autoaplicável com perguntas referentes a variáveis sociodemográficas, uso de substâncias psicoativas (SPA) adaptadas pelo instrumento validado Teste de Triagem para Álcool, Tabaco e Substâncias (ASSIST), e a avaliação do grau de satisfação com a vida, a partir da Escala de Satisfação com a Vida (ESVC).
RESULTADOS: O uso de SPA em algum momento da vida teve prevalência de 90,6%, sendo, o álcool, a droga mais consumida, seguida pela maconha. O uso de medicamentos para depressão mostrou associação ao consumo de álcool. O consumo de maconha também esteve associado ao uso de antidepressivos, sendo a maconha mais consumida pelos homens. A maior parte da amostra relatou insatisfação com sua vida.
CONCLUSÃO: A prevalência do uso PAS é alta entre os estudantes de Odontologia entrevistados. O PAS mais utilizado pelos alunos foi o álcool, seguido de maconha, drogas psicoativas, e tabaco.

Palavras-chave: drogas ilícitas,usuários de drogas, entorpecentes, estudantes de odontologia.


 

 

INTRODUÇÃO

O uso de substâncias psicoativas (SPA) é uma prática utilizada pelo homem desde seus primórdios. Entretanto, a partir dos anos 60, teve seu consumo substancialmente aumentado, e se tornou conhecida por comprometer a saúde e ocasionar a morte de milhões de pessoas todos os anos1,2. SPA incluem drogas lícitas, ilícitas e medicamentos psicoativos. Álcool e cigarro estão entre as drogas lícitas, enquanto a maconha, cocaína, heroína, dietilamida do ácido lisérgico (LSD), crack e ecstasy são drogas ilícitas. O abuso de estimulantes prescritos ou não, como anfetaminas, também é comumente relatado3. Em comparação com outras doenças que levam ao óbito, o uso de SPA está entre as principais causas de morte2. O uso repetido do SPA não está ligado apenas à doença e morte, mas também à dependência e predisposição para comportamentos criminosos e anti-sociais2,4.

Alterações físicas também são relatadas entre usuários de SPA. Na saúde bucal, por exemplo, surgem problemas periodontais, perdas ósseas, alterações no fluxo salivar, cáries frequentes, xerostomia, dor e bruxismo5.

O uso precoce de SPA atinge todos os níveis sociais e, cada vez mais, jovens estudantes, gerando uma preocupação global. Fatores como idade, sexo, nível de educação dos usuários e dos pais, ter familiares ou amigos dependentes de drogas, são conhecidos por influenciar o uso de SPA6. O consumo entre os universitários da área da saúde merece especial atenção, sobretudo porque esses futuros profissionais serão responsáveis pela identificação e encaminhamento dos pacientes com problemas relacionados ao uso de drogas, além de servirem como exemplo para seus pacientes7.

Apesar do crescente número de usuários de drogas, essa classe de pacientes especiais ainda é pouco estudada. Este fato contribui para que profissionais da área da saúde desconheçam como atuar com essa parcela da população8. Pesquisas que envolvam dados do uso de substâncias psicoativas por parte de acadêmicos desta área tornam-se relevantes. Compreender a natureza do uso de SPA, bem como os fatores que contribuem para isso, pode permitir a elaboração de estratégias de intervenção eficazes.

O presente estudo tem como objetivo verificar a prevalência do uso de SPA pelos estudantes de Odontologia de uma instituição de ensino localizada em um município do sul do Brasil, bem como analisar a influência das variáveis sociodemográficas e identificar o nível de satisfação com a vida entre os estudantes de Odontologia.

 

MÉTODO

Qualificação da Amostra e Local do Estudo

A pesquisa realizada foi observacional apresentando uma abordagem do tipo quantitativa, com delineamento de corte transversal. A amostra foi constituída por todos os alunos matriculados nos oito períodos do curso de Odontologia da Faculdade Meridional/IMED, Passo Fundo, Rio Grande do Sul. A partir dos dados coletados no setor de registros acadêmicos da Instituição, a população total de alunos matriculados foi de 190 estudantes. Para o cálculo amostral utilizou-se um intervalo de confiança de 95% e acrescentou-se mais 16% a amostra final que finalizou em 159 estudantes. Um intervalo de confiança de 95% foi utilizado para o cálculo da amostra e acrescentando mais 16%, o que finalizou em 159 estudantes de Odontologia. O período da coleta dos dados foi agosto de 2015.

O estudo observou as diretrizes da Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade Meridional-IMED com o parecer de número 752.939.

Procedimentos e instrumentos para a coleta de dados

A coleta de dados foi realizada por meio da aplicação de um questionário de autopreenchimento anônimo composto por questões referentes ao uso de SPA, complementado com as variáveis sociodemográficas e Escala de Satisfação com a Vida. As questões sobre o uso de SPA foram apoiadas pelo instrumento validado conhecido como Teste de Triagem para Álcool, Tabaco e Substâncias (ASSIST)9. Este questionário utilizado na atenção primária tem o intuito de realizar uma triagem do uso nocivo de álcool, tabaco e drogas ilícitas, porém, não é autoaplicável. Dessa forma, utilizamos uma adaptação deste instrumento, proposta por Rocha et al.10, que desenvolveram o questionário autoaplicável permitindo a identificação da prevalência e padrão de consumo de álcool e drogas entre profissionais de saúde. Ainda, a Escala de Satisfação com a Vida (ESV - Satisfaction With Life Scale), criada no início da década de 1980, é um instrumento autor respondido de cinco itens, que propõe avaliar o componente cognitivo do bem-estar subjetivo, ou seja, a satisfação com a vida. Por meio de uma avaliação global, e não de aspectos da vida específicos, o próprio respondente pode eleger o que é fundamental para sua satisfação com a vida. A escala tem sido amplamente utilizada em diversas populações de diferentes culturas no mundo inteiro11. A aplicação do questionário se deu da seguinte forma: foi explicado o objetivo da pesquisa e feito o convite a todos os alunos presentes em sala de aula, com a garantia do anonimato. Após a assinatura do TCLE e o preenchimento do questionário, os próprios alunos colocaram dentro de um envelope, que foi lacrado pelo pesquisador na frente deles, evitando qualquer tipo de identificação posterior.

As variáveis foram agrupadas utilizando como critérios para categorizar as variáveis do estudo, a distribuição de suas frequências: 1) dados sociodemográficos: período do curso (4 anos); faixa etária; sexo; estado civil; moradores da casa; trabalha fora de casa; 2) dados sobre o uso de substâncias psicoativas, entre elas (bebida alcoólica; ansiolíticos, tranquilizante, sedativos, remédios para emagrecer; derivados do tabaco; maconha; cocaína; crack; êxtase; usa para (relaxar/aliviar a tensão; se alegrar/comemorar; controlar a depressão/medo; controlar a necessidade de alimentação; falar em público; estudar; conter a dor; dormir; outras; frequência do uso de drogas nos últimos dias (nenhuma; 1 vez por semana; ou mais vezes por semana; quase todos os dias; diariamente); falta de assiduidade em aula devido ao uso de álcool e drogas; teve/tem diagnóstico de depressão, uso de medicação para depressão; 3) dados de satisfação com a vida (muito insatisfeito; insatisfeito; levemente insatisfeito; nem satisfeito/nem insatisfeito; levemente satisfeito; satisfeito; e muito satisfeito).

Análise dos Dados

Os dados foram processados eletronicamente com a utilização do Programa Statistical Package for Social Science (SPSS), versão 18.0. Assim, foram analisados pela estatística descritiva, as prevalências e frequências de todas as variáveis. Além disso, utilizou-se a estatística inferencial, a fim de avaliar a associação entre as variáveis dependentes, escolhidas pelas maiores prevalências de substancias utilizadas pelos alunos: 1. Uso de álcool- (sim e não; e 2). Uso de maconha- (sim e não) e as variáveis independentes sociodemográficas - períodos (I e IV períodos e V e VIII períodos); sexo (masculino e feminino); faixa etária (16-25 anos e 26 ou mais); estado civil (solteiro e casado/união estável); moradores na casa (sozinho e amigos/familiares); trabalha fora de casa (não e sim); uso de medicamento para depressão (não e sim); Satisfação com a Vida (1- muito insatisfeitos/insatisfeitos e 2 a 7 - demais categorias -outros).

 

RESULTADOS

Na Tabela 1 estão descritos os dados referentes à ocorrência das variáveis independentes. É possível observar que, dos 159 alunos, o maior percentual pertencia ao segundo período do curso (22,6% alunos). A faixa etária predominante foi de 18 e 25 anos (87,4%), sendo a maioria do sexo feminino (77,4%) (Tabela 1).

Na Tabela 2 estão descritos os dados referentes à ocorrência das variáveis do uso de SPA. Com relação ao consumo de SPA, verificou-se que 90,6% dos alunos teriam feito o uso em algum momento da vida. Com clareza, a substância mais consumida pelos alunos foi o álcool (90,6%), seguida pela maconha (31,4%), medicamentos psicoativos (27%), derivados do tabaco (21,4%). Ainda, quando questionados acerca do diagnóstico de depressão, 87,4% afirmaram que nunca foram diagnosticados e, também, não foram submetidos a tratamento com fármacos antidepressivos (Tabela 2).

Para a análise bivariada foram feitos dois modelos para verificar associações, utilizado para testar a hipótese de igualdade e equivalência entre as proporções, num intervalo de confiança de 95% o nível de significância de 5%, entre as variáveis independentes e as duas SPA mais utilizadas pelos estudantes. Para isso, em um dos modelos, a variável dependente foi composta pelo uso de substância alcoólica e no outro modelo, a variável foi o uso de maconha.

Nos resultados da análise inferencial, ao teste do Qui-quadrado de Person e Teste Exato de Fisher, a variável uso de medicamentos para depressão apresentou associação com o uso de álcool (p=0,049), inferindo que, a 100% dos indivíduos que usam medicamentos para depressão fazem uso de bebida alcoólica. Quando a variável dependente analisada foi o uso de maconha, houve relação estatisticamente significativa entre o uso desta substância e o sexo dos usuários (p=0,046), sendo que 72,4% das mulheres nunca usaram maconha. Outra relação estatística foi verificada entre o uso de medicamentos para depressão (p=0,004), demonstrando que os 73,6% dos indivíduos que não usam este tipo de medicação, também não fazem uso de maconha, conforme apresentado na Tabela 3.

 

DISCUSSÃO

O consumo de drogas lícitas e ilícitas é um problema de saúde pública em todo o mundo, o que conduz a realização de estudos neste sentido. Frequentemente, universitários são apresentados a alguma dessas substâncias. Os jovens, na faixa etária dos 15 aos 24 anos, constituem o público alvo de muitas indústrias de consumo e lazer, visto que são considerados potenciais consumidores de SPA12,13.

Neste estudo observamos que a maioria dos estudantes universitários entrevistados consome ou já consumiu alguma SPA, predominantemente álcool seguido da maconha, grande parte destes sente a influência negativa desta prática nos estudos. Quase a totalidade dos entrevistados faz uso de SPA com a finalidade de bem-estar, o que condiz com o elevado índice de insatisfação com a vida, referido aqui.

Segundo dados obtidos em estudos realizados em diferentes estados brasileiros, e também em outros países, o álcool é a droga mais consumida13-15. Esta substância deprime o sistema nervoso central e afeta as capacidades de raciocínio, pensamento lógico, julgamento e provoca alterações na coordenação motora e nos reflexos. Ao mesmo instante, proporciona sensação de relaxamento e prazer. Entretanto, o consumo de drogas lícitas costumeiramente antecede o uso de outras substâncias psicoativas, a exemplo da maconha e da cocaína16.

Os motivos para o consumo de substâncias psicoativas estão relacionados ao período de desenvolvimento em que os jovens se encontram. Comportamentos e características da adolescência, tais como curiosidade, influência dos amigos, diversão ou prazer, instigam ao uso de drogas17. A facilidade de acesso a drogas lícitas ou ilícitas torna a experimentação ainda mais convidativa aos jovens. Fatores que induzem à intranquilidade, às angústias e à depressão, contribuem, sobremaneira, para que os estudantes experimentem as diversas substâncias entorpecentes, que variam conforme o perfil emocional e psicológico de cada um18. Foi demonstrado no presente estudo, que os estudantes utilizam SPA principalmente com a finalidade de relaxamento, comemoração e para controle da depressão. Em estudo semelhante, com acadêmicos do curso de Medicina da Faculdade de Salvador (BA), a motivação para o uso foi o prazer, e não o estresse do curso18. Entretanto, em estudo realizado com estudantes de pós-graduação, a sobrecarga de trabalho, assim como o acesso facilitado às drogas, viabilizou o consumo10. O uso SPA tem demonstrado uma crescente em estudantes universitários, sendo que o ingresso na universidade é considerado uma experiência desconhecida para muitos e, com isso, os mesmos podem adquirir além de novos conhecimentos, novos hábitos e novas formas de agir e se relacionar, sendo que a experimentação desse novo território, a convivência com novos grupos e também outros fatores podem contribuir para a utilização de SPA19.

De acordo com o II Levantamento Domiciliar feito no Brasil sobre o uso de drogas, realizado pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), a prevalência do consumo de cocaína, avaliado em 108 cidades do país, foi de 2,9%, e em relação ao uso de crack foi de 1,5%20. No presente estudo nenhum aluno relatou o uso de crack. Em relação à cocaína, 1,9% dos alunos sustentou o uso em algum momento da vida.

Neste estudo, as SPA mais utilizadas pelos acadêmicos do curso de Odontologia foram o álcool, seguido da maconha, medicamentos psicoativos, tabaco, LSD e cocaína. Os resultados dos estudos são unânimes quando afirmam que o tabaco aparece como a segunda SPA mais consumida em qualquer localização geográfica e em qualquer faixa de idade12-14,21. Todavia, no presente estudo, o tabaco aparece em quarto lugar entre as SPA mais consumidas pelos universitários, e a maconha como a segunda mais consumida. Observa-se que a maconha é a primeira droga de iniciação eleita entre as ilícitas, com início de uso entre 12 e 16 anos de idade22. Nesse contexto, um estudo denominado de Monitorando o Futuro que consiste em uma série de pesquisas nacionais, com dados coletados anualmente, com os estudantes universitários norte-americanos desde 1980, demonstrou que, em 2014, pela primeira vez o consumo diário da maconha ultrapassou o uso de cigarros, devido ao fato de que cada vez mais, menos jovens e adultos jovens vem o uso da maconha como perigoso19.

Aqui, não fizemos diferenciação entre drogas lícitas e ilícitas. Se assim fosse, o tabaco apareceria como a segunda SPA lícita mais consumida e a maconha como primeira SPA ilícita de eleição. Dados do levantamento domiciliar de 2001, que abrangeu 107 cidades brasileiras com mais de 200 mil habitantes, mostraram que a maconha apareceu como a droga ilícita preferida entre os entrevistados23. No presente estudo, o percentual de jovens que relatou já ter feito uso da maconha foi expressivamente maior em comparação aos dados do levantamento domiciliar de 2001, se aproximando de países que possuem os maiores índices de utilização da droga, como Estados Unidos e Espanha23. Este fato não deve ser analisado de forma isolada, mas sim associado com o contexto social, especialmente com as relações familiares, cuja influência na formação do indivíduo é indiscutível. Além disso, a influência de pares também é tida como fator relevante para a iniciação e manutenção do uso da maconha24.

Neste estudo foi utilizada a Escala de Satisfação Com a Vida (ESV), criada em 1980, que visa estimar a partir de uma avaliação global, a satisfação do indivíduo em relação as suas condições de vida atual e um padrão de vida por ele estabelecido como desejável25. No presente estudo, em relação à variável de Satisfação com a vida, os estudantes do curso de odontologia mostraram-se, de uma forma geral, insatisfeitos com suas condições atuais de vida em relação ao padrão almejado para uma vida desejável. Nesse aspecto, a maioria se considera insatisfeito ou muito insatisfeito. Os escores obtidos para a satisfação de vida nesse estudo diferem dos dados apresentados por outro estudo realizado na região sul do Brasil, onde universitários de instituições públicas e privadas em diferentes áreas de formação relataram maior percentual de satisfação com as suas condições de vida, quando comparados aos estudantes insatisfeitos26.

Para quase 80% dos estudantes que participaram da pesquisa, o álcool ou outras drogas exercem influência na formação intelectual. Mais de um quarto dos entrevistados relataram, ainda, que o uso dessas substâncias foi responsável pela falta às atividades acadêmicas em algum momento. Tal fato, também foi evidenciado no estudo realizado com universitários do curso de enfermagem, onde após beber, 21% admitem ter faltado às aulas, 16,5% ter dirigido e 2,3% ter sofrido acidentes ou ter faltado ao trabalho12. Alguns autores afirmam, fundamentados em pesquisas, que o uso crônico da maconha pode provocar déficits de aprendizagem, atenção e memória, diminuição da motivação, diminuição da capacidade visual, da coordenação motora, ansiedade e depressão27. A promoção de políticas públicas e de ensino voltadas no sentido de intervir no desenvolvimento psicossocial de jovens é relevante, uma vez que grande percentual destes pode estar suscetível a fugas sociais induzidas por fatores familiares ou por influências. Programas de promoção da saúde integral do adolescente, como o Ensino de Habilidades de Vida da Organização Mundial da Saúde28, auxiliam a formação intelectual de jovens encorajando-os no enfrentamento de situações complexas ou problemas diários.

No presente estudo houve influência da variável independente uso de medicamento para depressão e o consumo de álcool e de maconha. Estudos demonstraram que o consumo de maconha aumenta a probabilidade de desenvolver uma doença psicótica29, e o uso na adolescência tem sido associado com um maior risco30. Há muito tempo já é conhecida a associação entre depressão e o uso da maconha, e há um risco aumentado para o sexo masculino, observação também evidenciada no presente estudo. Além de depressão, outras doenças psicóticas, como ansiedade, transtorno bipolar e esquizofrenia, demonstraram associação com o uso da maconha31. Associado a isso, um estudo sugere que os indivíduos com uma maior predisposição genética para a esquizofrenia são tanto mais propensos a usar maconha e em maiores quantidades que aqueles sem predisposição genética. Assim, além dos dados epidemiológicos que mostram essas relações, estudos clínicos corroboram com esses achados32.

Os dados aqui apresentados foram coletados por meio de questionário anônimo autoaplicável coletivamente em sala de aula. Com isso, o fato de que os dados tenham sido autor relato pode ter levado ao viés de memória e subnotificação. A comprovação dos dados dependeria de exames, aumentando a confiabilidades, entretanto, aumentaria também o índice de recusa na participação do estudo. Apesar de a presente pesquisa ter sido constituída por número pequeno de universitários de um curso específico, almeja-se que os dados apresentados possam acrescentar aspectos relevantes para o entendimento das questões sociais acerca da prática do uso de SPA, especialmente as drogas ilícitas. Assim, embora esse tenha sido um trabalho com uma amostra pontual de um curso específico, os dados aqui demonstrados podem contribuir para a avaliação da necessidade de implantação de um serviço multiprofissional de atendimento aos usuários de SPA dentro das Universidades.

Em estudos futuros, sugere-se aplicar o instrumento de medida a um maior número de estudantes universitários, englobando na amostra, outros cursos de graduação, na tentativa de obter resultados mais conclusivos.

 

CONCLUSÃO

A prevalência do uso de SPA é alta entre os estudantes de Odontologia entrevistados. A SPA mais consumida pelos alunos foi o álcool, seguida pela maconha, medicamentos psicoativos e tabaco. As evidências indicam que algumas variáveis exercem influência no consumo das substâncias psicoativas consumidas pelos acadêmicos. Em relação ao aspecto de satisfação com a vida, a maioria dos entrevistados relatou insatisfação com suas situações de vida atuais.

Os dados demonstrados aqui afirmam a necessidade de intervenções no meio acadêmico, especialmente da instituição estudada, quanto ao uso de SPA, sugerindo a abordagem deste tema nos currículos acadêmicos, a fim de contribuir para a formação de profissionais bem instruídos e qualificados. O desenho e a implementação de programas de prevenção ao uso de SPA e promoção da saúde são urgentes, e devem ser aplicados com prioridade em populações suscetíveis, como adolescentes e estudantes universitários. Novos estudos devem ser realizados para determinar o nível de abuso e/ou dependência de drogas e suas consequências para a saúde. Finalmente, a importância da concepção e implementação de um programa de resgate, para aqueles que já desenvolveram dependência do SPA, também merece atenção.

 

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Endereço para correspondência:
lilianrigo@imed.edu.br/ lilianrigo@via-rs.net

Manuscript received: 25 January 2017
Manuscript accepted: 02 August 2017
Version of record online: 06 September 2017

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