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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282versão On-line ISSN 2175-3598

J. Hum. Growth Dev. vol.27 no.3 São Paulo set./dec. 2017

http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.128227 

ARTIGO ORIGINAL

 

Comparação e concordância de critérios à classificação do IMC de idosas fisicamente ativas, residentes no Sertão Nordestino

 

 

Marcelo de Maio NascimentoI; Luiz Gabriel Dantas PereiraII; Phillipe Ramon Nogueira CordeiroIII; Luciana Márcia Gomes de AraújoIV

IVale do São Francisco Federal University, Physical Education Department. Av. José de Sá Maniçoba S/N, 56304-917 Centro, Petrolina-PE, Tel.: +55 87- 2101-6857
IIVale do São Francisco Federal University, Physical Education Department
IIIVale do São Francisco Federal University, Physical Education Department
IVVale do São Francisco Federal University, Physical Education Department

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: O estudo do estado nutricional de idosos merece atenção, visto que não existe um consenso sobre os critérios ideias à avaliação do Índice de Massa Corporal (IMC) dessa população.
OBJETIVO: Avaliar o estado nutricional de idosas praticantes regulares de exercícios físicos, bem como comparar os critérios da Organização Mundial de Saúde (OMS) e de Lipschitz à identificação do risco de saúde e examinar sua concordância.
MÉTODO: Estudo transversal analítico descritivo, realizado com 76 idosas integrantes de grupos de exercícios físicos, em Petrolina-PE. O estado nutricional foi obtido pelo cálculo do IMC, conforme os critérios da OMS e Lipschitz. Utilizou-se a análise de Variância (ANOVA) para comparação das variáveis, seguida pelo post hoc de Tukey. A estatística de Kappa estabeleceu a concordância entre os critérios do IMC, o coeficiente de Spearman determinou a correlação entre o IMC e a medida da circunferência abdominal (CA).
RESULTADOS: Idosas entre 60-79 anos foram classificadas, sobretudo, com excesso de peso pela OMS e eutróficas por Lipschitz. Octogenárias demonstraram eutrofia segundo o critério de Lipschitz, a OMS divergiu para este grupo entre magreza e eutrofia. Verificou-se concordância fraca entre ambos os critérios, Kappa (0,232, p=0,002) e forte correlação entre o IMC e a CA (r=0,722, p<0,001),
CONCLUSÃO: Existiu divergência entre os critérios da OMS e Lipschitz. A OMS se mostrou mais sensíveis para identificar sobrepeso e obesidade e Lipschitz o peso normal e a desnutrição. A medida da CA foi mais competente para detectar o risco de saúde, principalmente, em idosas eutróficas.

Palavras-chave: idoso, IMC, circunferência abdominal, obesidade.


 

 

INTRODUÇÃO

O sobrepeso e, em especial, a obesidade são considerados como doenças crônicas que interagem com um conjunto de enfermidades de gravidade epidemiológica1. No corpo humano, o excesso de tecido adiposo tanto se associa, como potencializa o desenvolvimento de patologias cardiovasculares, osteomusculares e neoplásicas2,3. No caso de indivíduos idosos, população foco desta investigação, estudos de revisão sistemática e meta-análise demonstraram ainda existir relação entre a obesidade, a demência e a capacidade cognitiva4,5.

Alterações do estado nutricional refletem negativamente sobre a qualidade de vida (QV) do idoso, podendo lhe conduzir, até mesmo, à morte2,3. Desse modo, o sobrepeso e a obesidade são tratados como questão de saúde pública2,6, o que evidencia a necessidade do desenvolvimento de estudos e do aperfeiçoamento de medidas que qualifiquem a avaliação do estado nutricional. Os fatores que geram alterações nutricionais se encontram relacionados às características genéticas da pessoa, igualmente, a aspectos culturais e o próprio estilo de vida adotado pelo idoso. Em geral, o diagnóstico do estado nutricional é obtido mediante a avaliação do risco nutricional, determinado pelo Índice de Massa Corporal (IMC), também conhecido como índice de Quetelet7.

Estudos destacaram que o uso do IMC oferece vantagens, por ser um procedimento de baixo custo e fácil aplicação, apresentando pequena variedade intra e inter-avaliadores7. O IMC funciona como preditor da morbidade e mortalidade, sendo, frequentemente, empregado na estimativa da prevalência da obesidade de populações2,3,5. Investigações desenvolvidos com amostras representativas evidenciaram existir correlação significativa entre o IMC e os demais indicadores antropométricos de gordura não visceral6-8, como a prega cutânea subescapular (PCSE), prega cutânea triciptal (PCT) e a medida da circunferência do quadril (CQ), além da medida de gordura visceral, avaliada pela circunferência abdominal (CA)4.

Por outro lado, também é conhecido que o IMC apresenta déficits, visto que não é capaz de diferenciar a massa magra da massa gorda7,8, não permitir a interpretação dos resultados por sexo ou faixa-etária e não diferenciar características étnicas e culturais9. Outra questão problemática à determinação do estado nutricional são os pontos de corte do IMC. Assim, a depender do critério adotado, o idoso será classificado em uma ou outra categoria, que apontará ou não o risco de saúde10, seja para a obesidade ou para o estado de desnutrição.

Diante disso, a circunferência abdominal (CA) é referida como medida mais eficiente que o IMC à previsão do risco de saúde relacionado à obesidade11. Isso se deve porque, nas últimas décadas, a concentração de gordura na região abdominal vem sendo fortemente relacionada ao risco de doenças metabólicas da população. No caso da pessoa idosa, o acúmulo de gordura na região da cintura é comum, isso sobrevém da combinação entre o sedentarismo e o conjunto de alterações do metabolismo, próprias do processo do envelhecimento humano1,2,4. Assim, a avaliação da CA se apresenta como uma medida antropométrica importante, existindo evidências de que sua associação com o IMC seja capaz de prever melhor o risco à saúde, que o IMC isoladamente4,6.

Os critérios mais utilizados para a análise do IMC da população idosa são os propostos pela Organização Mundial de Saúde (OMS)2 e Lipschitz12. O juízo da OMS é o mais empregado, porém, comparativamente, ele apresenta limitações, visto que não considera alterações do desenvolvimento humano. Já o critério de Lipschitz considera transformações do processo do envelhecimento, as quais interferem diretamente no cálculo do IMC, como a diminuição da água corporal total, a densidade mineral óssea (DMO), a redução da massa livre de gordura (MLG) e o aumento da gordura corporal (GC). Ademais, considerando que a atividade física (AF) beneficia o metabolismo, retardando o conjunto de transformações causadas pelo processo do envelhecimento13, estudos que avaliaram o IMC de idosos praticantes regulares de exercícios físicos (EF), ainda não apresentaram um consenso sobre a melhor medida para o exame do estado nutricional dessa população.

Sendo assim, o presente estudo teve como objetivo avaliar o estado nutricional e a medida da CA de um grupo de idosas praticantes regulares de exercícios físicos, comparar os critérios da OMS e de Lipschitz à identificação do risco de saúde e examinar sua concordância.

 

MÉTODO

Trata-se de um estudo transversal analítico descritivo, com amostra não-probabilística e intencional, realizado com 76 indivíduos do sexo feminino (68,76±5,86 anos). As participantes integravam um programa de AF, oferecido pelo curso de Educação Física da Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF) à comunidade idosa, residente em Petrolina-PE. As atividades praticadas compreenderam a hidroginástica, natação, musculação, ginástica geral, tênis e o Pilates. A prática do EF foi de duas vezes por semana, com encontros de 60 minutos. Como critério de inclusão foi adotado a idade mínima de 60 anos, frequentar as atividades com tempo mínimo de três meses e não apresentar lesão muscular, articular ou óssea no período da avaliação. Foram excluídos aqueles que não apresentaram 75% de presença nas atividades físicas durante o período de execução da investigação ou não assinaram o Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE). O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal do Vale do São Francisco/UNIVASF (CAAE: 44113715.3.0000.5196).

Instrumentos

A avaliação nutricional foi obtida por meio do cálculo do IMC de Quételet: massa corporal (kg/m2)/(estatura)2. A massa corporal foi determinada por uma balança digital - WISO - com 0,1 kg de resolução e capacidade máxima de 150 kg, devidamente calibrada. A estatura foi mensurada pela distância entre a planta dos pés e o ponto mais alto da cabeça (vértex), com a cabeça orientada no plano de Frankfuert14. Para a avaliação dos indicadores de massa corporal e estatura, as idosas permaneceram descalças, com um mínimo de roupa e se posicionaram em pé e de costas para a escala da balança. O indicador de adiposidade utilizado foi a CA, sua determinação ocorreu por meio de uma fita métrica flexível e inelástica colocada ao redor da cintura. O procedimento foi realizado na menor curvatura, sem comprimir os tecidos, mais precisamente, entre as costelas e a crista ilíaca. Nos casos de impossibilidade de identificação da menor curvatura, a avaliação foi realizada 2 cm acima da cicatriz umbilical.

Trabalhou-se com duas variáveis dependentes para o estabelecimento da classificação do estado nutricional, OMS2 e Lipschitz12, conforme os seguintes critérios: OMS: baixo peso (IMC<18,5kg/m2), eutrofia (IMC 18,5kg/m2- 24,9kg/m2), sobrepeso (IMC 25 - 29,9kg/m2), obesidade Grau I (IMC 30 kg/m2 - 34,9 kg/m2), obesidade Grau II (IMC 35 kg/m2 - 39,9 kg/m2) e obesidade Grau III (IMC 40 kg/m2); Lipschitz: baixo peso (IMC<22kg/m2), eutrofia (IMC 22 kg/m2 - 27kg/m2) e excesso de peso (IMC>27kg/m2). O critério utilizado à indicação do risco de complicações metabólicas em mulheres para variável gordura visceral foi o proposto pela OMS2: CA>80cm para o risco aumentado e CA>88cm para o risco aumentado substancialmente.

Análise estatística

Os resultados foram apresentados por meio da análise descritiva de tendência central (média, desvio padrão e frequências). O exame da distribuição dos dados foi verificado pelo teste de normalidade de Kolmogorov-Smirnov. Análise de Variância (ANOVA) de uma entrada foi utilizada à comparação das variáveis estudadas, seguida pelo post hoc de Tukey. O exame da legitimidade dos resultados do IMC foi calculado pelo coeficiente Kappa de Cohen: valores próximos de 1,0 indicam excelente resultado, revelando o padrão ouro. Para associação entre o IMC e a CA foi aplicado o coeficiente de correlação de Spearman. Os dados foram processados no software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 19.0. O programa MedCalc, versão 15.2 foi utilizado para apresentação de gráficos. O nível de significância adotado foi de p<0,050.

 

RESULTADOS

Entre as 76 mulheres que integraram o presente estudo, 41 (53,9%) eram sexagenárias, 31 (42,2%) setuagenárias e 3 (3,9%) octogenárias. A Tabela 1 apresenta os resultados médios das principais variáveis, categorizadas por faixas etárias. Diferenças significativas foram observadas entre as faixas etárias (p<0,001). Verificou-se diminuição da massa corporal e da estatura com o aumento da idade, diferença significativa foi apontada para a estatura, na comparação entre sexagenárias e septuagenárias (p0,050). Considerando o IMC, idosas entre 60-79 de idade apontaram médias, praticamente, idênticas, já octogenárias indicaram valores inferiores (p0,050). A avaliação da gordura visceral demonstrou risco aumentado para complicações metabólicas (CA>88 cm), em todas as faixas etárias, com diferenças significativas (p0,050).

Com o auxílio do coeficiente Kappa de Cohen, verificou-se fraco nível de concordância entre os índices designados pelos critérios da OMS e de Lipschitz (0,232; p=0,002). O achado se torna mais evidente a partir da análise comparativa das classificações do estado nutricional, por faixas etárias (Tabela 2). De acordo com a OMS, identificou-se o estado de magreza em 3/76 idosas, já Lipschitz classificou 7/76. Com relação ao peso normal, a OMS detectou 16/76, por outro lado, Lipschitz apontou 30/76 idosas. Considerando que a classificação de Lipschitz não faz distinção entre as categorias sobrepeso e obesidade, mas a OMS distingue ambas, optou-se por agrupar 39/76 das idosas classificadas pela OMS com sobrepeso, 12/76 com obesidade Grau I e 6/76 com obesidade Grau II. Sendo assim, a avaliação do risco de saúde realizada pela OMS indicou 57/76 idosas, enquanto que Lipschitz detectou 39/76.

A Figura 1 compara as médias da CA com o estado nutricional, discriminando os resultados pelos critérios da OMS e de Lipschitz. Considerando o valor de CA80cm como indicador de gordura visceral para o risco de saúde e a medida de CA>88cm para o risco aumentado, observa-se que idosas classificadas sob o baixo peso não apresentaram risco de saúde. Contudo, aquelas qualificadas com o peso normal, por ambos os critérios, indicaram valores de CA80cm, advertindo para o risco de saúde. Como esperado, idosas qualificadas com sobrepeso e obesidade demonstraram médias de CA superiores a 90cm, advertindo para o risco aumentado de saúde.

 

 

Com o objetivo de verificar a concordância entre as medidas do IMC e da CA foi determinado o nível de correlação entre as variáveis. A análise estatística indicou forte relação (r=0,722, p<0,001), demonstrando que as medidas são complementares à predição do risco de saúde de idosas fisicamente ativas, observado na figura 2.

 

 

DISCUSSÃO

A população analisada foi composta por mulheres, uma característica do programa de atividade física onde a investigação foi realizada. O predomínio da feminização na velhice e em programas de atividade física à nível nacional foi enfatizado por estudos anteriores15,16, destacando o comprometimento de idosos do sexo feminino na prevenção em saúde.

Considerando a estratificação por faixas etárias, sexagenárias e septuagenárias compreenderam 96,1% da população avaliada, as demais participantes eram octogenárias. No presente estudo, antecedendo a comparação dos juízos do IMC, foram agregados os pontos de corte da OMS referentes ao sobrepeso, obesidade Grau I e II. Assim, comparativamente, a OMS classificou 73,5% idosas, prioritariamente, sob o estado nutricional de sobrepeso e obesidade. Por outro lado, Lipschitz categorizou 49,4% participantes com excesso de peso. Assim, comparativamente, Lipschitz qualificou 50% mais idosas sob o peso normal que a OMS. Não obstante, o achado deixa dúvidas sobre a existência de idosas falsas-positivas entre aquelas classificadas com sobrepeso pela OMS.

Em se tratando do grupo de octogenárias também se observou divergência entre os juízos, visto que Lipschitz qualificou 100% das participantes acima de 80 anos de idade como eutróficas. Já a OMS apontou 66,7% das participantes sob o estado de magreza e 33,3% como eutróficas. O achado corroborou com estudos anteriores que descreveram existir relativa redução do IMC com o avanço da idade. Isso se deve a diminuição da massa magra, aumento da massa gorda e alteração do padrão de distribuição da gordura corporal2,17, algo comum após os 70 anos8.

Segundo a literatura especializada, comparativamente, mulheres apresentam maior ganho de gordura subcutânea que homens17. O caso merece atenção, principalmente, junto à população de idosos, por causa dos elevados níveis de hipertensão arterial que quando associados à obesidade podem aumentar de 2 a 4 vezes o risco de enfarte do miocárdio e de acidente vascular encefálico17,18. Em estudo realizado na região Nordeste19, com 236 mulheres, entre 60-80 anos, verificou-se que a obesidade acompanhada de comorbidades, como a diabetes mellitus, a hipertensão arterial, doenças cardiovasculares, renais e osteoarticulares favorece o surgimento da síndrome metabólica. Nessa perspectiva, a prática regular de EF pode agir como fator regulador e/ou protetor da saúde do idoso13.

O sobrepeso e a obesidade também refletem diretamente sobre o estado funcional do indivíduo, impedindo-o de realizar de forma independente suas atividades de vida diária (AVD)2,5,6. Em investigação desenvolvida com 3496 idosos, não institucionalizados, da população portuguesa13, acima de 65 anos, observou-se que a aptidão física é determinante para funcionalidade e independência do idoso. Como providência, sugeriu-se que esses adotassem um nível de atividade física aeróbica, semanal, de 150 minutos, associado com exercícios de fortalecimento muscular. Segundo os autores, a medida é capaz de prevenir e/ou atenuar as implicações negativas do sobrepeso e da obesidade sobre o organismo humano17. Diante disso, pode-se dizer que idosas sexagenárias e septuagenárias avaliadas no presente estudo, mesmo tendo exibido sobrepeso e/ou obesidade tiveram a prática regular do EF como fator protetor de sua saúde. Pois além da participação, duas vezes por semana, nas atividades do programa de AF, existiu ainda o gasto calórico durante à realização das AVDs.

A análise estatística apontou baixa concordância entre os critérios da OMS e de Lipschitz para o estabelecimento do estado nutricional de idosas praticantes regulares de EF. Nessa perspectiva, observou-se que os pontos de corte de Lipschitz apresentaram maior sensibilidade à classificação do baixo peso. Souza et al.8 ao avaliarem 131 idosos, na cidade de Porto Alegre-RS, encontraram na condição de baixo peso dois idosos (1,5%) por intermédio dos critérios da OMS e 21 (16%) segundo os pontos de corte de Lipschitz. Corroborando com esses resultados, no presente estudo, o critério da OMS indicou três idosas (3,8%) sob o estado de magreza, outras 7 (9,2%) foram classificadas pela medida de Lipschitz. Os achados confirmam a literatura especializada que atribui a Lipschitz maior eficácia à determinação do baixo peso8. Em outra investigação realizada com 106 idosas, na cidade do Recife-PE20, a OMS classificou 1,9% das participantes sob o estado de desnutrição, enquanto Lipschitz apontou 12,3%.

É importante salientar que, em se tratando do estado nutricional da população idosa, deve-se atentar que indivíduos em idade 70 anos se apresentam mais predispostos a doenças, o que caracteriza uma população fragilizada20. Isso significa dizer que o diagnóstico do baixo peso também exige atenção, visto que idosos se apresentam vulneráveis ao estado de desnutrição. Além disso, a ingestão alimentar desse grupo é um procedimento complexo, não sendo possível definir, com exatidão, suas necessidades nutricionais. Assim, existem restrições quanto aos métodos dietéticos a serem aplicados com idosos8,21.

Em relação ao peso normal, foi verificada prevalência de 38% ao se aplicar o critério de Lipschitz e de 21,5% por meio do juízo da OMS. Em estudo realizado em Recife-PE20, também com idosas, a medida de Lipschitz qualificou 40,6% idosas sob o peso normal, já a OMS 33%. Comparativamente, referindo-se ao sobrepeso e a obesidade, o critério da OMS foi mais sensível que Lipschitz no exame do risco de saúde. Essa baixa concordância entre os critérios foi evidenciada por um coeficiente de Kappa fraco. De acordo com Souza et al.8, a avaliação do estado nutricional de idosos é problemática porque não existem pontos de corte específicos para essa população. Sendo assim, os valores utilizados são os mesmos aplicados com indivíduos jovens e adultos22.

Assume-se, que, para a população avaliada, os pontos de corte da OMS e Lipschitz podem ser empregados, entretanto, sob cautela, cabendo ao pesquisador, com base na literatura especializada, determinar a validade ou não da medida obtida. Como se sabe, o uso do IMC apresenta controvérsias, Stevens et al.23 ao desenvolverem um estudo étnico comparativo sobre o estado nutricional de mulheres afro-americanas e brancas, salientaram que a escolha dos valores que determinam os pontos de corte pode estar relacionada a questões políticas. Pois os resultados do exame do IMC são importantes, visto que os dados funcionam como parâmetro à aprovação de parte do orçamento do governo, além de integrarem estratégias de promoção à saúde6.

Um importante achado do presente estudo consistiu na constatação do risco de saúde a partir da avaliação da gordura visceral (CA). Esta medida permitiu detectar o risco de saúde em situação oculta, isso significa dizer em idosas classificadas tanto pela OMS, como por Lipschitz sob o estado nutricional normal (Figura 1). O achado corroborou com estudos anteriores que advertiram sobre as limitações do IMC à determinação exata do estado de saúde, principalmente, de idosos7,8. Esse resultado serve como um alerta, pois indivíduos eutróficos com valores elevados de CA pertencem ao grupo que combina adiposidade visceral com a perda de massa magra, os chamados magros dismetabólicos. Esses se encontram predispostos a desenvolverem doenças análogas aos obesos, como, por exemplo, o aumento das taxas de colesterol, doenças coronárias, diabetes e hipertensão, sendo merecedores de especial atenção e cuidado.

Em investigação realizada com 14.394 indivíduos, Janssen et al.24 analisaram o IMC e a medida da CA a fim de estimar a relação entre distúrbios nutricionais com a prevalência de doenças e sua relação com fatores de risco para doenças. Os resultados demonstraram que tanto indivíduos com peso normal, como com sobrepeso e obesidade apresentaram risco análogo de saúde. Diante disso, os autores concluíram que a CA seria a medida mais apropriada à indicação do risco de doença. No presente estudo, obteve-se correlação forte e significativa (r=0,722; p<0,001) entre a CA e o IMC. Este resultado confirmou que, para a população avaliada, o risco de saúde pode ser abonado pelo exame da gordura visceral. A constatação não desqualifica o uso do IMC como medida preditora do risco de saúde, o qual permanece como artifício útil à avaliação do estado de saúde.

Outro interessante achado do presente estudo foi que idosas octogenárias, classificadas sob o estado nutricional normal por ambos os critérios, demonstraram risco aumentado para complicações metabólicas (CA>88 cm, p0,050). O caso ratifica os resultados de investigações anteriores que qualificaram a medida da CA como capaz de predizer melhor o risco de doenças cardiometabólicas25, inclusive em situações ocultas15.

Considera-se como possível limitação deste estudo, a não inclusão de medida de dobras cutâneas, o que poderia ampliar a discussão dos resultados. Sugere-se a realização de futuros estudos que comparem os critérios do IMC e examinem a concordância deste com CA, principalmente, em idosos praticantes regulares de exercícios físicos, a fim de que os resultados possam complementar os achados desta investigação.

 

CONCLUSÃO

Em conclusão, verificou-se baixo nível de concordância entre os critérios da OMS e Lipschitz na avaliação do estado nutricional de idosas praticantes regulares de exercícios físicos. Para a idade de 60-79 anos, a OMS classificou as participantes, sobretudo, na faixa do sobrepeso e da obesidade, enquanto, que Lipschitz foi mais sensível à determinação do peso normal e da desnutrição. Os critérios também não foram unanimes à avaliação do estado nutricional de octogenárias, qualificadas na faixa do peso normal e da magreza. A medida da gordura visceral se mostrou mais específica que o IMC à discriminação do risco aumentado para complicações metabólicas, em especial, de idosas classificadas por ambos os critérios como eutróficas.

Agradecimentos

Ao Edital MEC-PROEXT/2015-2016.

 

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Manuscrito recebido: Janeiro 2017
Manuscrito aceito: Novembro 2017
Versão online: Dezembro 2017

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