SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.28 número1Unhas das mãos como biomarcador para fluorose dentáriaConcepção do direito à saúde na perspectiva do profissional técnico de nível médio do Sistema Único de Saúde índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282versão On-line ISSN 2175-3598

J. Hum. Growth Dev. vol.28 no.1 São Paulo jan./mar. 2018

http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.143885 

ARTIGO ORIGINAL

 

Tradução e adaptação cultural do questionário ABC-V (Assessment of Burden in Chronic-Venous Disease) para o Português

 

 

Rafael Cunha de AlmeidaI; Paulo Roberto Zamfolini ZachêuI; Mariana Terra DinizII; Maria Carolina Cozzi Pires de Oliveira DiasII; Isabella Cherkezian GuiguerI; Ricardo Cunha de AlmeidaIII; Joao Antonio CorrêaIV

IMédico formado pela Faculdade de Medicina do ABC (FMABC) - Santo André (SP), Brasil
IIResidência Médica em Angiologia e Cirurgia Vascular pela Faculdade de Medicina do ABC, Santo André (SP), Brasil
IIIAcadêmico de Medicina da Universidade do Vale do Sapucaí
IVProf. Titular da Disciplina de Angiologia e Cirurgia Vascular da Faculdade de Medicina do ABC

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: O questionário ABC-V (Assessment of Burden in Chronic Venous Disease) representa uma importante ferramenta na avaliação da carga que a Doença Venosa Crônica (DVC) inflige na qualidade de vida (QV) de seus portadores. No entanto, para que ele possa ser empregado no estudo da população brasileira, primeiramente deve ser submetido a um processo de tradução e adaptação. A DVC apresenta alta incidência e prevalência, se tornando uma questão relevante à saúde pública. Desta forma, o questionário ABC-V ao buscar avaliar a DVC e influência na QV dos pacientes, qualifica diferentes aspectos e cria um parâmetro para que essa população afetada possa ser melhor estudada.
OBJETIVO: Prover tradução e validação cultural do questionário Assessment of Burden in Chronic-Venous Disease (ABC-V) para a língua portuguesa.
MÉTODO: O questionário ABC-V passou por duas traduções independentes para o português, por dois tradutores bilíngües. Em seguida, os tradutores deram origem a uma versão consensual, que foi retrotraduzida por dois tradutores de língua nativa inglesa, sendo geradas as versões retro traduzidas. Posteriormente, todas as versões foram submetidas à análise por um comitê de profissionais especialistas em tradução e na cultura dos países da versão original e da brasileira, e os tradutores envolvidos. O comitê produziu a versão pré-final em português, para o pré-teste. Consequentemente, deu-se o teste da versão pré-final do questionário, sendo testado em um N entre 30 e 40 pessoas. Finalmente, o comitê anteriormente formado reavaliou todos os relatórios feitos durante o processo e analisou se houve dificuldade de entendimento do questionário por parte dos indivíduos nos quais foi aplicada a versão pré-final.
RESULTADOS: Foram entrevistados 31 pacientes na fase de Pré-teste no ambulatório de Doenças Venosas Crônicas do Hospital de Ensino Padre Anchieta. Com a análise dos questionários empregados no Pré teste, pode-se observar o fato de que na língua inglesa usam-se muito os verbos no tempo passivo, diferentemente do que acontece na língua portuguesa. Dessa forma percebeu-se a necessidade de usar termos e expressões mais coloquiais para que houvesse melhor compreensão das perguntas, porém sem alterar o sentido do autor e também para que sua intenção fosse mantida, principalmente para que o questionário possa ser adequado a diferentes níveis socioeconômicos, sobretudo àqueles com nível social e educacional mais baixo. Pelo fato de as perguntas não serem quantitativas e sim qualitativas, elas acabam dando maior abertura a interpretações diferentes e dependem da subjetividade de cada entrevistado, sendo relacionadas muito a "o que você pensa de", "como você percebe tal coisa", e isso também se apresentou como fator de dificuldade para realizarmos a adaptação do questionário à realidade da população brasileira. Com os resultados obtidos da fase de Pré Teste foi então elaborada a versão traduzida e adaptada culturalmente do questionário ABC-V.
CONCLUSÃO: O questionário ABC-V foi amplamente traduzido e adaptado culturalmente para a língua portuguesa, estando apto para ser empregado no Brasil para avaliar a melhora da qualidade de vida em pacientes portadores de doença venosa crônica.

Palavras-chave: doença venosa crônica, qualidade de vida, inquéritos e questionários, tradução.


 

 

INTRODUÇÃO

A Doença Venosa Crônica (DCV) é o estado de hipertensão venosa que pode ser causada por uma obstrução do fluxo e/ou insuficiência das valvas venosas, podendo ser superficial ou profunda. Abrange tanto as varizes primárias quanto as secundárias em seus diferentes estágios. Há maior prevalência no sexo feminino e em indivíduos a partir da terceira década de vida, período que coincide com o período mais produtivo da população, causando transtornos na vida dos pacientes, sendo responsável por limitações em tarefas rotineiras, podendo até ser motivo para aposentadoria precoce1.

A DVC afeta entre 10 e 20% da população mundial2. Na Europa, em adultos entre 30 e 70 anos de idade, 5 a 15% apresentam essa doença, sendo que 1% apresenta úlcera varicosa. Nos Estados Unidos, em torno de 7 milhões de pessoas têm DVC, a qual é a causa de 70 a 90% de todas as úlceras de membro inferior3,4. No Brasil, em estudo de Maffei et al.1, estimou-se que a população de Botucatu apresentava uma prevalência de varizes de 35,5% e de 1.5% de formas avançadas da doença1.

Embora não cause o óbito, os problemas decorrentes da DVC não se limitam apenas às questões estéticas, mas também prejuízos funcionais. Os sintomas mais apresentados são dor, perda de mobilidade, prurido, edemas, sensação de membros pesados, alterações tróficas da pele, câimbras e culminando com o aparecimento de ulcerações, sintomas estes consequentes do acometimento da microcirculaçao5.

O tratamento irá depender do grau de acometimento e da fase evolutiva da doença. O tratamento compressivo com uso de meias elásticas, a escleroterapia e o tratamento cirúrgico são procedimentos bem difundidos. Técnicas como a termoablação de safenas e a espuma densa ecoguiada estão desenvolvendo-se com bons resultados. No entanto, o uso de medicamentos específicos para o tratamento da DVC, denominados de flebotônicos ou medicamentos venoativos, apesar de sua eficácia comprovada com melhora dos sintomas e redução do edema, ainda são motivos de controvérsias, abrangendo um grande número de compostos cujos efeitos específicos ainda necessitam de melhor elucidação5.

O tratamento não está ligado necessariamente à cura da DVC, mas também o seu controle. Por se tratar de uma patologia de alta prevalência e incidência com diferentes fases e estágios de gravidade, a busca pela melhora da qualidade de vida (QV) passa a representar a reinserção do paciente às suas tarefas cotidianas de modo que a sua doença tenha uma carga menor em sua vida, diminuindo suas limitações e impactos psicológicos6.

Para mensurar o impacto na QV dos pacientes afetados pela DVC foi criado o questionário ABC-V (Assessment of Burden in Chronic - Venous Disease). Já submetido à avaliação, este questionário provou-se mais adaptado para avaliar este grupo de pacientes do que outros medidores da QV menos específicos. Atualmente, o ABC-V apresenta-se disponível em quatro versões: Inglês, Espanhol, Francês e Romeno7,8.

Para que o questionário ABC-V possa ser empregado no Brasil foi necessário submetê-lo a um processo de tradução para o Português e adaptação cultural para que assim possa ser aplicado em pacientes portadores de DVC.

Assim, objetivo é prover tradução e validação cultural do questionário Assessment of Burden in Chronic-Venous Disease (ABC-V) para a língua portuguesa.

 

MÉTODO

O questionário ABC-V compreende um total de 36 questões divididas de acordo com a abordagem dos seguintes aspectos: sofrimento causado pela dor da doença (1 a 4); quanto à doença limita atividades diárias (5 a 14); quanto atrapalha relacionamentos pessoais e familiares (15 a 18); quanto prejudica o rendimento no trabalho (19 a 22); qual seu impacto psicológico para os indivíduos (23 a 32); como eles tem a percepção de seu problema frente aos médicos e aos tratamentos a que já foram submetidos (33 a 36). Para cada uma dessas perguntas há 3 opções de resposta: não, este não é o meu caso (0); sim, este é o meu caso, mas viver com isso não é difícil (1); sim, este é o meu caso e viver com isso é difícil (2). Como escalas de 10 são mais fáceis de trabalhar, a pontuação de cada um dos seis aspectos abordados recebe nota de 0 a 10, obtida por uma regra de três. A fim de melhor avaliar o impacto da doença, o questionário possui três Escalas Analógicas Visuais (Visual Analogue Scales - VAS) para testar e tentar validar a sua relevância: psicológica, física e vida com a doença. Cada da uma das VAS possuem valor de 0 a 10, dessa maneira a pontuação mínima do questionário é 0 e a máxima 90.

Segundo recomendação de Beaton et al.9, num primeiro momento o questionário ABC-V passou por duas traduções independentes para o português de forma semântica, idiomática, cultural e conceitual, por dois tradutores bilíngues, cuja língua materna seja o português-brasileiro originando as versões (V1) e (V2).

Em seguida num passo, os tradutores deram origem a uma versão consensual (V12), que foi retrotraduzida por dois tradutores de língua nativa inglesa, sem conhecimento prévio sobre o questionário, sendo geradas as versões retro-traduzidas (R1 e R2).

Posteriormente, todas as versões (V1, V2, V12, R1, R2) foram submetidas à análise por um comitê de profissionais especialistas em tradução e na cultura dos países da versão original e da brasileira, metodologistas, médicos conceituados da área relacionada com bom entendimento de ambas as línguas e os tradutores envolvidos.

Este comitê permaneceu em contato com os autores do questionário original durante esta parte do processo. Cabe ao comitê avaliar quanto às equivalências semântica, idiomática, conceitual e cultural e às possíveis adaptações necessárias. O comitê deverá produzir a versão pré-final (F1) em português, para o pré-teste.

Consequentemente, deu-se o teste da versão pré-final do questionário, a fim de perceber dificuldades por parte da população em compreender a verdadeira intenção do autor original com seu questionário. Ele foi testado em um N entre 30 e 40 pessoas.

Finalmente, o comitê anteriormente formado reavaliou todos os relatórios feitos durante o processo e analisou se houve dificuldade de entendimento do questionário por parte dos indivíduos nos quais foi aplicada a versão pré-final.

 

RESULTADOS

A partir dos processos destacados por Beaton et al., houve duas versões criadas a partir da tradução direta do questionário original de J-J Guex et al., versões V1 e V2. Essas duas traduções foram analisadas e uma versão consensual V12 foi elaborada. Essa versão V12 passou por duas retro traduções realizadas por pessoas diferentes e sem acesso ao questionário original produzindo então as versões R1 e R2. Após a configuração destas cinco versões (V1, V2, V12, R1 e R2), um comitê de profissionais formado por especialistas nas línguas e culturas envolvidas, profissionais da saúde e os tradutores envolvidos, elaboraram uma versão pré final, a qual foi submetida ao pré teste com pacientes a fim de verificar o grau de compreensão dos mesmos em relação ao questionário.

Durante os meses de dezembro/2014 e janeiro/2015 foram entrevistados 31 pacientes na fase de Pré-Teste no ambulatório de Doenças Venosas Crônicas do Hospital de Ensino Padre Anchieta. Os questionários foram aplicados de forma assistida para que houvesse uma melhor avaliação da capacidade de compreensão do conteúdo apresentado. Os dados referentes aos pacientes, bem como suas respostas ao questionário não foram utilizados neste trabalho de forma alguma.

Com os resultados obtidos a partir da coleta de informações decorrentes da fase de Pré Teste, deu-se início a análise das questões que apresentaram alguma forma de dificuldades de entendimento por parte dos pacientes, juntamente com os relatórios anteriormente elaborados e a ponderação do comitê anteriormente formado, foi então elaborada, seguindo a metodologia de Beaton et al., a versão traduzida e adaptada culturalmente do questionário ABC-V.

 

Tabela 1

 

DISCUSSÃO

O Brasil ainda não dispõe de muitos instrumentos de avaliação da qualidade de vida em doenças específicas, tornando necessária a tradução e padronização de instrumentos estrangeiros, como é o caso do ABC-V.

Ao realizar processos inadequados de tradução e adaptação cultural podem-se obter resultados tendenciosos e errados. Buscando minimizar erros, a metodologia utilizada neste estudo segue modelos internacionalmente aceitos. Os procedimentos utilizados para tradução e adaptação cultural do ABC-V, foram satisfatórios. A reunião com o comitê de profissionais possibilitou uma discussão sobre o instrumento, em relação aos seus objetivos, formas de preenchimento e adequação do mesmo, no sentido de permitir fácil entendimento e rápido preenchimento. As questões foram adaptadas visando equivalência semântica e cultural.

No questionário consensual, criou-se um padrão diferente do original na ordem das sentenças de cada pergunta, com o intuito de facilitar o entendimento do(a) entrevistado(a), em consequência à isso, na retro tradução também apareceram sentenças, por exemplo, invertidas diferentemente do questionário original, porém sem que houvesse uma alteração no sentido da mesma.

A cultura brasileira e latina em geral é diferente da norte americana, isto é, os norte americanos são em geral mais diretos em alguns pontos da linguagem do que latino americanos em geral, e os brasileiros não fogem à essa regra.

Nota-se também que algumas expressões ou palavras em inglês não possuíam uma exata correspondente em português, e no momento da retro tradução baseada no questionário consensual feita por tradutores sem acesso à versão original, essas diferenças de expressões foram mais evidentes para nós. Entretanto, em todas essas situações, foram analisados diversos outros termos para que se pudesse manter o sentido e a intenção original do autor na versão brasileira.

O Pré-teste foi realizado com 31 pacientes, n adequado para os critérios estabelecidos na metodologia empregada. Estes pacientes representaram uma população alvo que consiste em sua maioria, de pessoas de nível educacional baixo, com dificuldades de leitura, compreensão e em alguns casos analfabeta. Nestes casos houve a necessidade que o questionário fosse simplesmente lido para os pacientes, sem que houvesse nenhuma forma de comentário ou explicação além do que se encontra no próprio texto, desta forma evitando uma resposta induzida ainda que inconscientemente.

Com a análise dos questionários empregados no Pré teste, pode-se observar o fato de que na língua inglesa usam-se muito os verbos no tempo passivo, diferentemente do que acontece na língua portuguesa. Dessa forma percebeu-se a necessidade de usar termos e expressões mais coloquiais para que houvesse melhor compreensão das perguntas, porém sem alterar o sentido do autor e também para que sua intenção fosse mantida, principalmente para que o questionário possa ser adequado a diferentes níveis socioeconômicos, sobretudo àqueles com nível social e educacional mais baixo.

Pelo fato de as perguntas não serem quantitativas e sim qualitativas, elas acabam dando maior abertura a interpretações diferentes e dependem da subjetividade de cada entrevistado, sendo relacionadas muito a "o que você pensa de", "como você percebe tal coisa", e isso também se apresentou como fator de dificuldade para realizarmos a adaptação do questionário à realidade da população brasileira.

 

CONCLUSÃO

Assim, o questionário ABC-V foi amplamente traduzido e adaptado culturalmente para a língua portuguesa, estando apto para ser empregado no Brasil para avaliar a melhora da qualidade de vida em pacientes portadores de doença venosa crônica.

 

REFERÊNCIAS

1. Maffei FH, Magaldi C, Pinho SZ, Lastoria S, Pinho W, Yoshida WB. Varicose veins and chronic venous insufficiency in Brazil: prevalence among 1775 inhabitants of a country town. Int J Epidemiol. 1986;15(2):210-7.         [ Links ]

2. Costa LM, Higino WJF, Leal FJ, Couto RC. Perfil clínico e sociodemográfico dos portadores de doença venosa crônica atendidos em centros de saúde de Maceió (AL). J Vasc Bras. 2012;11(2):109-13. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1677-54492012000200007        [ Links ]

3. Brand FN, Dannenberg AL, Abbott RD, Kannel WB. The epidemiology of varicose veins: the Framingham study. Am J Prev Med. 1988;4(2):96-101.         [ Links ]

4. Heit JA, Rooke TW, Silverstein MD, Mohr DN, Lohse CM, Petterson TM, et al. Trends in the incidence of venous stasis syndrome and venous ulcer: a 25- year population-based study. J Vasc Surg. 2001;33(5):1022-7. DOI: http://dx.doi.org/10.1067/mva.2001.113308        [ Links ]

5. Santos MERC. Uso dos flebotônicos no tratamento da doença venosa crônica. Rev Bras Med. 2011;68(4):117-21.         [ Links ]

6. Moura RMF, Gonçalces GS, Navarro TP, Britto RR, Dias RC. Correlação entre classificação clínica CEAP e qualidade de vida na doença venosa crônica. Rev Bras Fisioter. 2010;14(2):99-105. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-35552010005000007        [ Links ]

7. Casian D, Gutsu E, Culiuc V. Validation of the Romanian Translated ABC-V (Assessment of Burden in Chronic Venous Disease) questionnaire. Chirurgia. 2013;108(3): 381-4.         [ Links ]

8. Guex JJ, Rahhali N, Taïeb C. The patient's burden of chronic venous disorders: construction of a questionnaire. Phlebology. 2010;25(6):280-5. DOI: http://dx.doi.org/10.1258/phleb.2010.010039        [ Links ]

9. Beaton DE, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine (Phila Pa 1976). 2000;25(24):3186-91.         [ Links ]

 

Endereço para correspondência:
rca.abc@gmail.com

Manuscrito recebido: Outubro 2017
Manuscrito aceito: Dezembro 2017
Versão online: Março 2018

Creative Commons License