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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282versão On-line ISSN 2175-3598

J. Hum. Growth Dev. vol.28 no.1 São Paulo jan./mar. 2018

http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.143886 

ARTIGO ORIGINAL

 

Concepção do direito à saúde na perspectiva do profissional técnico de nível médio do Sistema Único de Saúde

 

 

Rosa Maria de Souza Barbosa de MeloI, II; Giovana Barbosa MoraisIII; Jullyana Barbosa MoraisIV; Silvana Nair LeiteV

ISecretaria de Estado da Saúde do Acre. Rio Branco- Acre- Brasil
IILaboratório de Delineamento e Escrita Científica/ Faculdade de Medicina do ABC. Santo André - São Paulo - Brasil
IIIUniversidade Federal do Acre - Centro de Ciências Biológicas e da Natureza. Rio Branco- Acre- Brasil
IVPoder Judiciário do Estado do Acre. Rio Branco-Acre- Brasil
VUniversidade Federal de Santa Catarina - Campus Reitor João David Ferreira Lima. Florianópolis- Santa Catarina- Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: O Direito à saúde, uma das conquistas garantidas pela Constituição Cidadã promulgada em 1988, veio em resposta aos movimentos de luta dos cidadãos pela Reforma Sanitária em 1986. Na proposta do Sistema Único de Saúde (SUS) a garantia desse direito está estabelecida.
OBJETIVO: Analisar a concepção de direito à saúde no contexto do profissional de nível médio no SUS.
MÉTODO: Pesquisa de abordagem qualitativa, através de 2 grupos focais envolvendo 9 egressos de uma Escola Técnica em Saúde do SUS do norte do Brasil, dos cursos de análises clínicas, higiene dental e enfermagem, atuando no SUS. O tratamento dos dados foi por análise de conteúdo.
RESULTADOS: Três categorias retratam os resultados obtidos congregando conceitos de saúde e de direito à saúde e concepções de saúde; práticas de saúde e acesso à atenção; e ainda, conteúdos da formação, cuidado sanitário e humanização.
CONCLUSÃO: Os participantes desse estudo demonstram uma concepção de direito à saúde voltada ao legislado e seus conceitos de saúde abordam elementos da política do SUS, dentre outros, promoção, prevenção, humanização; suas concepções de saúde estão marcadamente voltadas ao modelo biologicista, focado na doença e no medicamento.

Palavras-chave: direito à saúde, SUS, qualificação profissional, currículos, pessoal técnico de saúde.


 

 

INTRODUÇÃO

Prestar cuidados diretos à saúde do indivíduo envolve dois sujeitos: o profissional de saúde (pessoa legalmente instituída para a prestação dos cuidados) e o usuário, (pessoa que busca o atendimento), sujeitos estes que podem divergir em concepções e visões de mundo, que os fazem pensar e agir de acordo com o que acreditam e/ou com o papel no qual se inserem na sociedade.

Pela lógica do cuidado à saúde perpassa o direito à saúde, o qual se internaliza nos direitos sociais, como um direito intrínseco ao princípio da dignidade humana, qual seja estar intimamente relacionado à vida e ao bem-estar social1.

Nessa dimensão, Dallari e Maggio2 referem a saúde como um direito de todos, cujas ações devem se apresentar organizadas e eficientes, para então serem dispostas à população, embora de modo evidente se experencie o conflito entre o discurso dos direitos humanos e as condições econômicas a remeter o atendimento sanitário a posição mercantil.

Enquanto respostas do Estado frente às necessidades vivenciadas pela sociedade civil, Mendes3 insiste que a discussão acerca da proposição de organização do Sistema Único de Saúde (SUS) deve partir da análise de quais necessidades se ressente a população brasileira e assim, acomodar, segundo Humenhuk4 um conjunto de normas jurídicas objetivando a atenção à saúde, como parte do direito de segunda geração: um direito social prestacional, por necessitar de atuação positiva por parte do Estado, e também um direito público e subjetivo.

Nessa direção, Barbianni et al.5 entendem o acesso aos vários serviços e recursos de saúde como a pedra de toque da materialização do direito à saúde e da consubstancialização dos princípios do SUS.

Inscrita constitucionalmente, nos artigos 196 a 200, a saúde se apresenta como um "direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação"6.

Nesse contexto, institui-se o Sistema Único de Saúde, que se alicerça na igualdade, equidade e integralidade, e se estabelece organizacionalmente pela hierarquização, regionalização, resolubilidade, descentralização, participação social e complementaridade do setor privado, princípios estes advindos do movimento pela Reforma Sanitária/19867.

O SUS então criado traz em seu bojo a proposta de alteração da situação de desigualdade na assistência à Saúde a qualquer cidadão, sem distinção, de acordo com a Constituição Federativa do Brasil- CFB/1988 que assegura a promoção do bem de todos, independentemente de origem e de outros atributos6.

No entanto, tem-se de fato que um quarto da renda total do Brasil se encontra concentrado em 1% da população adulta brasileira levando a uma situação em que "um milésimo das pessoas acumula mais renda que toda a metade mais pobre da população junta"8.

Cotta et al.9, considerando não ser a desigualdade um fenômeno literalmente vinculado à falta de recursos econômicos, mas também a este associado, concordam que ao se focalizar o campo da saúde mister se faz atentar às ações e posturas que o profissional de saúde deva adotar diante do processo saúde-doença, de modo a relacionar competência com as necessidades diversas da coletividade, o que torna bem-sucedida a educação no campo da saúde.

No agir dos profissionais de saúde pode-se presenciar ainda como fruto da construção histórica atrelada à condição herdada do preterimento, a reprodução em algum grau dessa herança quando por um lado o profissional conceba a sua ação não como sua obrigação e direito do usuário, mas como favor, e pelo outro, em muitas das vezes, o usuário do serviço acatando tal postura, por ter a concepção de que o atendimento a ele dispensado se dá como benécia ou caridade.

Assim, a pesquisa objetiva analisar as concepções de direito à saúde na prática do profissional técnico de nível médio no Sistema Único de Saúde (SUS).

 

MÉTODO

Trata-se de um estudo observacional e descritivo de abordagem qualitativa, realizado numa Escola Técnica do SUS - ETSUS, no Norte do Brasil.

O percurso adotado nesse trabalho perpassou pela realização de dois grupos focais norteados pela lógica proposta por Minayo10, Severo et al.11. Os grupos focais proporcionam uma análise de cunho qualitativo, importante para a compreensão da lógica interna de grupos, instituições e atores, e abrange: (a) valores culturais e representações sobre sua história e temas específicos; (b) relações entre indivíduos, instituições e movimentos sociais; e, (c) processos históricos, sociais e de implementação de políticas públicas e sociais. Tal abordagem considera a crença, as relações cultural e de poder, que se constrói de várias formas no cotidiano10. Por essa ótica, defendem Bauer e Gaskell12 que a pesquisa qualitativa lida com interpretações das realidades sociais.

Trad13 assevera que, por ocasião da organização do grupo focal, dever-se-á atentar para os recursos necessários, incluindo os moderadores, a definição dos participantes e dos grupos, processo de seleção e tempo de duração, de maneira a se obter êxito nessa proposição.

Os participantes foram alunos egressos da escola identificados através da análise das listas de concludentes fornecidas pela instituição. No período de coleta de dados, a ETSUS possuía 132 egressos, sendo distribuídos em 84 Técnicos em Análises Clínicas, 28 Técnicos em Enfermagem e 20 Técnicos em Higiene Dental.

Ainda, baseando-se nas normas para realização dos grupos focais, estabeleceu-se como critério de inclusão aqueles profissionais que estivessem atuando no SUS, o que totalizou 12 egressos, sendo que 3 dos participantes se ausentaram do momento de realização dos grupos, o que totalizou 9 partícipes do estudo.

O formato desses grupos comportou a representatividade das 3 áreas de formação eleitas para este estudo e atendeu à orientação da literatura quanto à formatação de grupos pequenos, perfazendo então dois grupos, sendo um composto por 4 e outro por 5 egressos, respectivamente.

O trajeto dos grupos focais compreendeu quatro momentos, sendo que nos três primeiros foi estabelecido o convite formal às instituições públicas vinculadas aos egressos, a apresentação do grupo/normas de convivência e a seção quebra-gelo. Por fim, no quarto momento, houve a aplicação das perguntas elencadas.

Para a coleta dos dados foi utilizado um roteiro estruturado composto por 12 perguntas que nortearam os trabalhos, variando conforme o encaminhamento das discussões, tais como: "Qual seu entendimento de "Direito à Saúde"? Quem tem direito à saúde? Como a formação técnica ofertada pela ETSUS contribuiu para a sua prática de trabalho de modo a contemplar o "Direito à Saúde" do cidadão?"

Os encontros aconteceram nas dependências da instituição em dias diferentes e sequenciais, respectivamente 29 e 30 de abril de 2009, e se desenvolveram no tempo aproximado de duas horas cada um e a cada dia.

Esses foram gravados e posteriormente transcritos para então se analisar os depoimentos de cada participante, mediante a técnica de análise de conteúdo proposta por Bardin14, o que resultou na definição de três categorias. Observe-se que as gravações foram destruídas ao término do estudo.

Respeitaram-se os preceitos éticos da resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde que rege a pesquisa com seres humanos. A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Vale do Itajaí, sob parecer nº 39/09 de 20 de fevereiro de 2009.

Ainda, a fim de respeitar o anonimato dos participantes, os técnicos egressos foram identificados como TE1, TE2, TE3....TE9.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Inicialmente, foi elencado um total de 12 participantes para a composição dos grupos focais; destes, houve 25% de ausência, e dos 75% que estiveram presentes, 66,7% eram do sexo feminino e 33,3% do sexo masculino. A idade média dos egressos esteve em torno de 40 a 47 anos, sendo prevalentes aqueles de religião cristã protestante (55%).

Nesta etapa da pesquisa realizou-se a categorização da análise, num total de três categorias, de acordo com os passos de Bardin14 e reuniu um conjunto de depoimentos referenciados pelos grupos focais, em razão dos caracteres comuns, sob um título determinado, sintetizada na Tabela 1.

Conceitos de saúde e de direito à saúde e Concepções de saúde

Os experimentos de vida, singulares às pessoas, provocam sensações que podem desencadear respostas materializando o improvável ou o inusitado. Nessa perspectiva, viver o conceito está sempre vinculado a um problema relacionado a esse experimentar. No tocante à saúde tem-se que seu conceito de origem não se conforma cientificamente logo, acessível a todos, trazendo um pensar comum, embora rejeitado, relacionando exercício físico e dieta15,16.

Entretanto, na era antiga, Dallari e Nunes Junior16 referem que o termo grego hygieia representava saúde e abrangia a condição da pessoa que se encontra bem na vida. Bem-estar completo nos aspectos físico, mental e social, não simplificado a simples ausência de doenças, é um conceito de saúde estabelecido pela Organização Mundial de Saúde- OMS/WHO17. Tal conceito, expresso por Bezerra e Sorpreso18, devido sua abrangência, subjetividade e imaginário de plenitude, ocasionou grandes questionamentos. Pensamento semelhante demonstram Vasconcelos e Santos19 quando apontam ser necessária a compreensão do quanto é ilusório e sem fundamento atingir o pleno estado de saúde. Para Araújo et al.20 a incorporação do conceito de saúde que evidencie a conjuntura na qual se insere a maior parte das pessoas permite que uma interpretação objetiva se estabeleça.

Nesse contexto, os técnicos do estudo externam um conceito de saúde abrangente trazendo consigo aspectos físicos, mentais, espirituais, emocionais, bem como, legais/constitucionais. Os egressos avançam na direção de uma conceituação de direito à saúde que transcende a base assistencial alcançando o indivíduo e entorno/ território.

"...está bem financeiramente, fisicamente e psicologicamente... o bem-estar físico, social e mental. " (TE2)

"Saúde... é não ter problemas financeiros... familiares; ter lazer, prazer, saúde mental, convívio com outras pessoas, interação. " (TE6)

" Prá gente ter saúde... precisa tá com o emocional bem. É tudo importante... tudo tem que funcionar perfeito, desde uma habitação até o emocional, o moral, o físico. " (TE8)

" ... saúde... vou levar para a parte espiritual. Às vezes queremos tantas coisas e não temos, porque nos falta a paz de Deus! E quando tudo isso está balanceado conseguimos ter saúde. " (TE9)

"O direito a saúde... engloba o meio, as pessoas. Eu tenho direito de ter uma alimentação que não me seja nociva, de beber uma água que não me seja nociva, ... o direito à saúde... engloba o meio, as pessoas. " (TE1)

"... por que a Constituição Federal diz que a saúde é um direito de todos e dever do estado e da família... O Direito a saúde é primordial, mas não acontece. " (TE 6)

"... saúde também é educação. A saúde deve estar inserida na escola ...saiu do pré-escolar ou nas primeiras séries já deve ali estar tratando se saúde, conscientização de saúde aos pequenos cidadãozinhos. " (TE3)

Dessa maneira, os conceitos de saúde expressos acomodam a pessoa em sua pluralidade, com suas relações e vínculos, alinhados ao que rege o SUS e à Organização Mundial de Saúde- OMS, a qual, segundo sua Constituição, de 22 de julho de 1946, admite como objetivo a consecução do mais alto nível de saúde possível, por todos os povos. Para tanto, definiu ser cada governo responsável pela saúde de seu povo, a qual somente poderá ser obtida através de medidas sanitárias e sociais coerente17.

Conforme aponta Buss21, as abordagens nesse campo já se faziam presentes no âmbito mundial, perpassando pelo Canadá, EUA, Grã Bretânia, Suécia, Colômbia, Nova Iork, Cairo, URSS. Assim, na década de 70 os registros pertinentes conformaram o Informe Lalonde, a Declaração de Alma-Ata e outros; nos anos 80, foi a vez do Relatório Black, Toronto Saudável 2000, a Carta de Ottawa dentre outros; nos anos 90 cite-se a Declaração de Sundsvall, Jacarta e outros registros.

Nessas circunstâncias, identificou-se nas falas dos participantes do estudo uma conceituação de saúde alinhada à OMS, considerando o indivíduo e seu entorno, e ao Sistema Único de Saúde. Dessa forma, a saúde é um valor coletivo, um bem de todos, devendo cada um gozá-la individualmente, sem prejuízo de outrem e, solidariamente, com todos17.

Aith et al.22 reforçam ainda que é a partir dos caminhos adotados pelo Estado respeitando e possibilitando a participação social nas decisões normativas com acesso universal e igualdade na atenção prestada nos serviços constituinte do SUS, que se alcança o conceito jurídico de saúde, a efetiva extensão deste direito e o tamanho do dever do Estado.

Portanto, o acima defendido pelos autores guarda pertinência com uma das dimensões do primeiro conceito de cidadania a que se tem, desenvolvido por Marshall, em 1950, no livro Citizenship and Social Class, qual seja, a cidadania social que incluía uma série de direitos sociais em períodos de desemprego e de doença, no século XX, permitindo a presença das pessoas nos processos de bem-estar econômico e social da comunidade23.

É oportuno salientar que além dos níveis de bem-estar econômico e social, os técnicos também abordam a questão da espiritualidade, reconhecendo a conceituação ampliada da saúde. Essa, como necessidade do povo a ser dirimida pelo Estado atuante nos diversos interfaceamentos, corresponde a um direito constitucionalmente estabelecido, de tal forma verbalizado pelos técnicos resgatando a intersetorialidade, a dignidade humana, o conhecimento das leis e a apropriação das informações, bem como à vinculação ao pagamento de impostos.

Leite e Mafra24 identificaram em pesquisa sobre a trajetória e percepções dos usuários do SUS no acesso aos medicamentos pela via judicial que, por um lado, o entendimento de direito à saúde dos usuários ainda é pouco explorado; por outro, é o pensar dos condutores do processo - profissionais e gestores, além dos pesquisadores que sobrevém nas produções disponíveis. Os participantes, na maioria (39%) não tinham o conhecimento que poderiam pleitear o medicamento sem ter que judicializar.

Mitano et al.25 tratam em seu estudo que o direito a saúde também se insere na Constituição da República de Moçambique de 2004 (Art. 49) quando define que todos os cidadãos têm direito à assistência médica e sanitária, cabendo ainda ao Estado promover e defender a saúde pública, embora não fique nítido como o país deva ofertar tais serviços equitativamente.

Prosseguem os autores relatando ser o financiamento do sistema nacional de saúde moçambicano um dos mais baixos da região da África Austral, e que cerca de 66% de seus gastos têm dependência externa. Assim, entendem que se estabelece uma assimetria entre as políticas de saúde predeterminadas pelo Estado e as práticas vigentes, e ainda percebem ser incipiente o enfoque na equidade e qualidade25.

Nessa direção, Mendes26 afirma que no Brasil a porcentagem do gasto total do governo em saúde é de 47%, enquanto no setor privado a contribuição é de 53%, conformando o aspecto segmentado do sistema de saúde brasileiro.

Entretanto, saúde assim como doença não tem significado único para todos pois, a existência de valores individuais, religiosos, filosóficos, bem como os aspectos temporais, espaciais e sociais integram toda uma conjuntura27.

Contudo, nos conceitos e concepções de saúde trazidos pelos técnicos da pesquisa, observa-se a interação do agente com o fenômeno social, uma vez que esse se reveste de construções socialmente representativas, as quais permitem compreensão e interpretação da realidade estudada28.

A propósito, Gomes et al.29 reportam que a percepção de saúde enquanto fenômeno se efetiva a partir da experiência vivida do processo saúde-doença, associando-se os vários determinantes (sociais, culturais, biológicos entre outros) inseridas no cotidiano e história de vida.

Assim, propor assistência à saúde implica em decidir por ações que guardem coerência com as peculiaridades inerentes a cada população, sob pena de se cair num ciclo vicioso de atenção descompassada da necessidade reclamada pelos usuários. Esta sintonia abrange as significações culturais mostrando que a linguagem da doença não é apenas sobre o adoecer e o morrer do corpo, mas linguagem dirigida à sociedade e às relações sociais de forma históricas10.

Práticas de saúde e Acesso da atenção

Falar sobre saúde pressupõe posicionamentos na direção da política sanitária nacional acompanhados por conhecimentos que materializem o modelo de atenção proposto pelo SUS.

Entretanto, considerando os diversos aspectos, econômicos, sociais, políticos e culturais, dialogar sobre saúde combinando tais abordagens pode ser um exercício não tão simples. Embora possa se apresentar árduo, esse processo oportuniza reflexões críticas sobre as práticas realizadas30.

As práticas adotadas nem sempre conversam com a proposta organizacional da política nacional de saúde, orientada através de fluxos e processos estabelecidos. Percebe-se através dos depoimentos dos técnicos do estudo certa preferência pelo exercício da saúde vinculado à garantia da Lei, mas também se utilizam do favorecimento de seus pares mediado pela distribuição de medicamentos e atos técnicos percorrendo a via paralela (amizade) para se alcançar o SUS. E ainda, questionamentos quanto à procura do usuário do SUS pelo serviço particular, a menção aos âmbitos de prevenção, cura e reabilitação, bem como o direito à saúde como retorno ao pagamento dos impostos.

"O cidadão chegou com um pedido ... de um médico particular ... eu disse: cidadão ... já não era nem prá tu ter ido no particular; ... é direito teu! O estado já tinha [...]que assegurar tudo!" (TE1)

" As pessoas procuram lá na minha casa mais para aferir a pressão; não sei por que (risos), mas os meus vizinhos são quase todos hipertensos;aí perguntam: ah, não tem um captopril, um ontenegro ?... É porque eles têm que dormir na fila [...] a gente faz o que pode né! " (TE8)

"... pedir medicação é desde a família até os vizinhos. Eles pedem remédios para verme [...] Na minha casa, sempre vão pessoas para eu aplicar injeção [...] as pessoas acham que não fazemos porque não queremos." (TE4)

"... moro num ramal lá na BR 364 e as pessoas me pedem muito o remédio. Digo que só pego o remédio com a receita; uma vizinha disse: fui tirar o dente e não foi tirado porque a minha pressão estava lá em cima. Tu não facilitas pra mim? Eu disse não! E se você morrer na cadeira?" (TE5)

" Explicamos que se o SUS não cobre àquele serviço, a unidade se responsabiliza e manda até fazer fora; nunca informamos que não faz." (TE4)

" Nós ajudamos aquelas pessoas, principalmente aquelas pessoas de baixa renda. No itinerante[1], a gente vê o quanto essas pessoas precisam da gente. (TE3)

"... no momento que nós somos profissionais temos que fazer as coisas direito; um dia a gente pode virar paciente e aí? ...quando vira paciente, doente né, a gente já quer exigir com todo rancor ou com raiva porque sabe.. " (TE7)

" No meu caso, sinto dó dos pacientes. Às vezes ponho para serem atendidos, mas há queixa. Não adianta eu ser caridosa e a pessoa que vai tirar a dor não pactuar disso! " (TE7)

"... o dinheiro dos impostos é prá quê? Para pagar o funcionário, prá ter renda pra pagar aquele exame, o médico, tudo que engloba a despesa, como se diz... nada é de graça. . É importante a gente não ficar alheio, acomodado, se puder envolver o esclarecimento individual."(TE 9).

"... geralmente quando me procuram é para pedir ficha. Nada de prevenção, apenas a parte curativa. Quando vou dar uma explicação, não querem saber!" (TE9)

"... tu trabalha lá, tu pode pegar o resultado, o laudo?... você pode me ajudar a fazer esse tipo de exame?... é exatamente assim, eles nos procuram para facilitar o atendimento...um jeitinho que é errado (ar de riso, mas a gente procura ajudar da nossa maneira, né?" (TE7)

"As pessoas não querem saúde e sim medicamentos! " (TE5)

"... geralmente tem aquele que indica: o jeitinho brasileiro! ... o atendimento de saúde que a população tem direito é na parte preventiva, curativa e a reabilitação. ... a população tem direito a tudo isso". (TE9)

Embora refiram o aspecto legal, os participantes da pesquisa deixam evidente a ligação do direito à saúde com a questão do acesso, simplificado na obtenção da consulta e medicamento desfocado da dimensão da promoção. Nota-se a dificuldade que o usuário enfrenta no que se refere ao acesso da atenção sanitária.

Não diferente, Silva e Motta31 em estudo realizado com o objetivo conhecer a percepção dos usuários sobre a política de saúde na atenção básica, identificaram a falta de relação entre a concepção de prevenção e a promoção de saúde, apesar de que deveria haver associação entre ambas.

Ademais, a partir da Constituição de 1988 o direito a saúde se inseria nos direitos sociais (Art. 6º), sendo reconhecido como direito de todos e dever do Estado, bem como assegurara o acesso universal e igualitário das ações para promoção, proteção e recuperação da saúde (Art. 196)6.

Entretanto, mesmo com a chegada do SUS e toda sua proposta, tem-se a considerar o quadro sanitário brasileiro que mescla doenças da contemporaneidade com doenças transmissíveis (que já nem constituem um problema em sociedades mais desenvolvidas), doenças mentais e violências em geral; e também, a preocupação da forma com que os gastos em saúde são efetivados. Dessa forma, é oportuno salientar que a maioria das transferências financeiras pelo ente federal é vinculada aos programas do Ministério da Saúde, de modo que esses recursos não podem ser redirecionados para outros fins. Portanto, os municípios somente executam a política definida pela esfera federal, criando constrangimentos à independência administrativa dos gestores32.

Por essa lógica, e também na visão dos técnicos do estudo, o acesso à saúde pelo Sistema Único ainda não contempla a sociedade com suficiência no acesso e os estrangulamentos dos serviços estimulam o crescimento da procura pela assistência privada, a qual pode ser devido à falta de credibilidade da atenção ofertada pelo SUS, dentre outras vulnerabilidades33.

Assegurada na Constituição Federal do Brasil, a participação de terceiros na assistência à saúde está expressa nos artigos 197 e 199. De igual forma, está assegurada a complementariedade ao SUS que se conforma a partir das necessidades sanitárias assistenciais dos usuários do SUS. Tanto assim que a complementariedade se materializa e justifica a partir da na comprovada falta de suficiência do SUS em ofertar os serviços de saúde em consonância com as necessidades dos usuários, ao tempo que a instância privada se apresenta apta a proceder com essa oferta. É oportuno referir que a escolha dessa prática pelo poder público ocorre preferencialmente com as instituições sem fins lucrativos34.

Atender às necessidades sanitárias dos usuários diz respeito a sua singularidade, considerando cada um nas suas peculiaridades, conferindo os atributos da equidade. Essa, é definida como a inexistência de diferenças sistêmicas, que é capaz de recuperar a ética e a justiça no que tange a valores e regras distributivas, pois, reconhecendo que as pessoas são únicas e diferentes entre si, admite a adoção de tratamentos diferentes com o propósito de compensar essas desigualdades35.

Nesse expressar, é perceptível a prática dos participantes do estudo conforme suas raízes e bagagens de vida, de tal forma a reproduzir a temática asseverada por Da Matta36 quanto ao modo como o brasileiro age para garantir, refutando a burocracia, o seu intento, fazendo valer os seus direitos, usando suas relações pessoais ou a força do sabe com quem está falando.

Nesse contexto, o brasileiro assumindo um posicionamento dúbio, refletida nessa estratégia, tanto pode signicar conformismo ao injusto e inaceitável, como também a sobrevivência ao experenciado no dia a dia37.

Conteúdos da formação, Cuidado sanitário e Humanização

A democratização advinda da reforma sanitária e contextualizada na política pública de saúde do Brasil requer desempenho harmônico entre o modo de cuidar e a gestão da saúde. Dessa forma, permitir aos sujeitos participarem do processo remete à garantia do seu protagonismo tanto no fazer saúde quanto na formação dos trabalhadores do SUS, deslocando a prática sanitária sobre o sujeito para com o sujeito38.

Assim, o processo de formação se explicita na condição de contribuir para que as pessoas caminhem na direção do aprendizado, uma vez que elas nunca sairão completas em qualquer que seja a etapa formativa, e sim com atitude formativa para condução daquela até o fim da existência39.

Nessa linha, com o advento do SUS, a saúde pública nacional no seu aspecto assistencial requer a cumplicidade das práticas do agente profissional com serviço. Nesse sentido, conforme asseveram Batista e Gonçalves40 esse exercício se concretiza ao "articular os saberes e renovar as capacidades de enfrentar as situações [...] nos processos de trabalho, diante da diversidade das profissões, dos usuários, das tecnologias, das relações, da organização de serviços e dos espaços".

Todavia, é importante dizer que o campo da saúde busca para seus técnicos de nível médio, novas referências formativas na perspectiva de promover que alunos e trabalhadores pratiquem um pensar crítico e reflexivo, de modo a se tornarem competentes para o cuidar do outro, aplicando os saberes com potencial resolutivo41.

A partir da aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional42 e seus respectivos instrumentos legais complementares, uma nova modalidade no campo educacional se instituiu no Brasil. Em referência à Educação Profissional, a referida Lei é considerada um marco na sua forma de tratamento, pela forma global com que o tema é tratado, e pela flexibilidade permitida ao sistema e aos alunos.

Nesse sentido, os técnicos estudados percebem o novo processo de aprendizagem como fortalecedor para suas práticas, a partir do conhecimento apreendido na formação modelada pelo SUS, trazendo a tríade de saberes, abrangendo o saber-saber, o saber-fazer e o saber-ser. Nessa tendência, entende-se que os processos de atualização e capacitação agregados à formação técnica se posicionam como articuladores e potenciais diferenciadores na direção da materialidade do ser crítico e reflexivo esperado no SUS.

Isto posto, espera-se minimizar a assimetria entre aquele que emite o saber e o aluno. É uma a relação entre o saber e o fazer em que a transmissão do conhecimento se desenvolve na lógica de que há num lado do processo um detentor do saber e no outro aquele que o desconhece43.

" ...toda a população tem direito a saúde. Quando nos calamos estamos sendo coniventes. Fica muita gente para ser consultada porque o médico sai, vai em casa, almoça.... o dentista, vai em casa jantar... e fica muita gente esperando; Nós que conhecemos e que estamos no dia-a-dia vendo o descaso com o público, deveríamos colocar a boca no trombone e fazer a nossa parte. " (TE4)

"... saúde também é educação. A saúde deve estar inserida na escola ...saiu do pré-escolar ou nas primeiras séries já deve ali estar tratando de saúde e a conscientização de saúde aos pequenos cidadãozinhos. " (TE3)

[...] na parte relacionada à humanização, no começo e na parte final do Curso, e também quando estávamos no estágio, levamos para a prática a humanização, o direito do cidadão e ali já estávamos praticando. Fazendo os procedimentos com outra visão. Era teoria e pratica e cada momento desses, era maravilhoso! (TE9)

[...] Com a formação técnica conhecemos mais o SUS... estudamos a legislação. Éramos funcionários, mas não tínhamos acesso às informações; aprendemos, a saber, que somos funcionários públicos, estamos ali para amenizarmos a dor do nosso próximo; não sabíamos sobre os nossos direitos e nos cursos técnicos considero que aprendemos o mínimo com relação ao nosso espaço; inclusive a questão da ética, das praticas, isso ficou a desejar, mas os outros saberes foram bem enfatizados e contribuíram muito; até quando as pessoas estão reclamando temos algum argumento; e serviu para termos mais consciência do que é o SUS. (TE6)

[...] A formação que a escola me deu, me fez ficar mais humana! Quando sou procurada já não atendo mais com cara amarrada. A escola ensinou tratar bem os outros; tratou muito a humanização. (TE5)

[...] quando tenho que falar desta escola, fico emocionado; lembro os momentos que passei aqui... as discussões com os colegas na sala de aula, tudo visando o crescimento profissional, o crescimento de cidadania; aqui aprendi saúde, cidadania, deveres, direitos eu saí com certeza daqui desta escola, não o mesmo que entrei.(TE1)

[...] eu devo tudo a escola... a prática do trabalho de modo a contemplar o direito à saúde é que através do meu conhecimento eu pude conhecer o sistema de saúde que é o SUS que eu não conhecia... a gente leu muito e quem não aprendeu foi porque não quis mesmo, pois a escola ensinou direitinho... a gente tendo o conhecimento fica mais fácil de ajudar as pessoas tanto na forma profissional como na prática; fica tudo mais fácil! (TE8)

Batista e Gonçalves40 trabalhando com quatro grupos de pessoas, identificaram em dois dos grupos que os indivíduos têm o desejo de apreender outras experiências e realidades em saúde, entendendo que dessa forma se dê o reposicionamento de suas práticas sanitárias rumo a uma melhor qualificação.

Portanto, as mudanças na formação perpassam pela construção coletiva, participativa e pertinente às realidades locais, considerando também a bagagem singular de cada profissional daquilo que conhecem do SUS, uma vez que a partir de sua lógica, essa política colaborou com o rompimento da prática dos profissionais apoiada nos conhecimentos técnico-teóricos no corpo e na doença, por exemplo40,44,45.

Necessário ainda, entender saúde como resultante de um conjunto de ações de prevenção de doenças, promoção da saúde, cura e reabilitação, materializada através da pluralidade do saber e do trabalho em equipe interdisciplinar e multiprofissional, inclusive, em rede44.

Em se tratando de interdisciplinaridade observa-se sua presença quando há o manifesto e ponderação sobre o alinhamento entre o discurso e a prática dos técnicos estudados, repensando sobre os espaços da prática em saúde e os espaços acadêmicos, o que possivelmente trazem, além do desenvolvimento de cuidados integrais a julgar pelo vínculo e a escuta, as demais respostas efetivas à população por ocasião de seu atendimento em quaisquer dos âmbitos assistenciais46.

Contudo, é adequado esclarecer que na atualidade ainda persevera a concepção de que as pessoas são educadas na intenção de se comportarem de maneira saudável, perdurando a negação das participações dos condicionantes materiais que assumem, nas várias ocasiões, o papel de dificultador do exercício da pratica saudável de vida. É a culpabilização do indivíduo, desvinculado de sua experiência vivida47.

Na contramão do processo, à época da instituição do SUS, a reorientação do modelo de atenção à saúde se materializara, porém, os seus trabalhadores contavam ainda com uma formação tradicional, fragmentada, descompassada com a proposta do SUS, pois esse foi mais rápido do que a reforma do ensino7.

Nessa dimensão, a preocupação com a formação dos profissionais de saúde está bem explícita no momento da 9ª Conferência Nacional de Saúde que associou a necessidade da revisão dos currículos de forma coerente com as realidades sociais, étnico culturais e o quadro epidemiológico, propondo uma formação geral com visão integral e comprometimento social.

Assim, ao lado dos desafios inerentes às mudanças necessárias para a formação e o processo de trabalho, coube à criação das escolas de formação de trabalhadores de saúde nas instituições de saúde a tentativa de enfrentar as mudanças, trazendo a inserção dos currículos compatíveis com o modelo sócio epidemiológico do Brasil48.

Nesse horizonte, deve-se referenciar o propósito das Escolas Técnicas de Saúde do SUS- ETSUS em profissionalizar os trabalhadores empregados nos serviços de saúde que ainda não têm a qualificação necessária para a execução de suas funções. Assim, em 1999 eram 26 instituições, sendo que a região norte experimentava um grande vazio de forma que para profissionalizar e certificar os trabalhadores dessa região realizou-se cursos para auxiliares e técnicos por meio da Escola de Enfermagem da extinta Fundação de Serviços de Saúde Pública do Ministério da Saúde - Fundação SESP7.

Na atualidade tem-se 40 Escolas Técnicas do SUS/Centros formadores, cobrindo todo o território nacional, assim distribuídos: região norte - 5 escolas e 2 centros formadores; no centro oeste, são, 3 e 1, respectivamente; nordeste conta com 8 escolas e 4 centros de formação; centro oeste são 6 escolas, 6 centros e 1 núcleo de formação; por sua vez, a região sul possui 3 escolas e 1 centro formador49.

Por fim, encontrou-se que a maioria dos profissionais pesquisados não consegue aplicar a proposta de formação definida pelas ETSUS, firmada na reversão do paradigma biologicista, podendo essa resultante advir do conflito entre a formação (tradicional, tecnicista) adquirida pelos mediadores da aprendizagem que conduzem os cursos e o novo modelo da formação (por competências) a ser prestado aos profissionais educandos, levando a crer na urgente necessidade em se capacitar aqueles mediadores.

 

CONCLUSÃO

Numa perspectiva geral, pode-se concluir que profissionais de saúde desse estudo demonstram uma concepção de direito à saúde voltada ao legislado embora a associem também a uma resposta frente ao pagamento de impostos.

Quanto aos conceitos de saúde, os técnicos fazem alusão aos elementos da política do SUS, dentre outros, promoção, prevenção, humanização; todavia, muito embora verbalizem os constituintes que formatam o conceito ampliado de saúde, apontando educação, emprego e moradia, tem-se nítido que a concepção de saúde demonstrada é marcadamente voltada ao modelo biomédico, focado na doença e no medicamento, dificultando a redução do distanciamento entre o praticado e o proposto pelo Sistema Único de Saúde.

 

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ARTIGO ORIGINAL

 

Concepção do direito à saúde na perspectiva do profissional técnico de nível médio do Sistema Único de Saúde

 

 

Rosa Maria de Souza Barbosa de MeloI, II; Giovana Barbosa MoraisIII; Jullyana Barbosa MoraisIV; Silvana Nair LeiteV

ISecretaria de Estado da Saúde do Acre. Rio Branco- Acre- Brasil
IILaboratório de Delineamento e Escrita Científica/ Faculdade de Medicina do ABC. Santo André - São Paulo - Brasil
IIIUniversidade Federal do Acre - Centro de Ciências Biológicas e da Natureza. Rio Branco- Acre- Brasil
IVPoder Judiciário do Estado do Acre. Rio Branco-Acre- Brasil
VUniversidade Federal de Santa Catarina - Campus Reitor João David Ferreira Lima. Florianópolis- Santa Catarina- Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: O Direito à saúde, uma das conquistas garantidas pela Constituição Cidadã promulgada em 1988, veio em resposta aos movimentos de luta dos cidadãos pela Reforma Sanitária em 1986. Na proposta do Sistema Único de Saúde (SUS) a garantia desse direito está estabelecida.
OBJETIVO: Analisar a concepção de direito à saúde no contexto do profissional de nível médio no SUS.
MÉTODO: Pesquisa de abordagem qualitativa, através de 2 grupos focais envolvendo 9 egressos de uma Escola Técnica em Saúde do SUS do norte do Brasil, dos cursos de análises clínicas, higiene dental e enfermagem, atuando no SUS. O tratamento dos dados foi por análise de conteúdo.
RESULTADOS: Três categorias retratam os resultados obtidos congregando conceitos de saúde e de direito à saúde e concepções de saúde; práticas de saúde e acesso à atenção; e ainda, conteúdos da formação, cuidado sanitário e humanização.
CONCLUSÃO: Os participantes desse estudo demonstram uma concepção de direito à saúde voltada ao legislado e seus conceitos de saúde abordam elementos da política do SUS, dentre outros, promoção, prevenção, humanização; suas concepções de saúde estão marcadamente voltadas ao modelo biologicista, focado na doença e no medicamento.

Palavras-chave: direito à saúde, SUS, qualificação profissional, currículos, pessoal técnico de saúde.


 

 

INTRODUÇÃO

Prestar cuidados diretos à saúde do indivíduo envolve dois sujeitos: o profissional de saúde (pessoa legalmente instituída para a prestação dos cuidados) e o usuário, (pessoa que busca o atendimento), sujeitos estes que podem divergir em concepções e visões de mundo, que os fazem pensar e agir de acordo com o que acreditam e/ou com o papel no qual se inserem na sociedade.

Pela lógica do cuidado à saúde perpassa o direito à saúde, o qual se internaliza nos direitos sociais, como um direito intrínseco ao princípio da dignidade humana, qual seja estar intimamente relacionado à vida e ao bem-estar social1.

Nessa dimensão, Dallari e Maggio2 referem a saúde como um direito de todos, cujas ações devem se apresentar organizadas e eficientes, para então serem dispostas à população, embora de modo evidente se experencie o conflito entre o discurso dos direitos humanos e as condições econômicas a remeter o atendimento sanitário a posição mercantil.

Enquanto respostas do Estado frente às necessidades vivenciadas pela sociedade civil, Mendes3 insiste que a discussão acerca da proposição de organização do Sistema Único de Saúde (SUS) deve partir da análise de quais necessidades se ressente a população brasileira e assim, acomodar, segundo Humenhuk4 um conjunto de normas jurídicas objetivando a atenção à saúde, como parte do direito de segunda geração: um direito social prestacional, por necessitar de atuação positiva por parte do Estado, e também um direito público e subjetivo.

Nessa direção, Barbianni et al.5 entendem o acesso aos vários serviços e recursos de saúde como a pedra de toque da materialização do direito à saúde e da consubstancialização dos princípios do SUS.

Inscrita constitucionalmente, nos artigos 196 a 200, a saúde se apresenta como um "direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação"6.

Nesse contexto, institui-se o Sistema Único de Saúde, que se alicerça na igualdade, equidade e integralidade, e se estabelece organizacionalmente pela hierarquização, regionalização, resolubilidade, descentralização, participação social e complementaridade do setor privado, princípios estes advindos do movimento pela Reforma Sanitária/19867.

O SUS então criado traz em seu bojo a proposta de alteração da situação de desigualdade na assistência à Saúde a qualquer cidadão, sem distinção, de acordo com a Constituição Federativa do Brasil- CFB/1988 que assegura a promoção do bem de todos, independentemente de origem e de outros atributos6.

No entanto, tem-se de fato que um quarto da renda total do Brasil se encontra concentrado em 1% da população adulta brasileira levando a uma situação em que "um milésimo das pessoas acumula mais renda que toda a metade mais pobre da população junta"8.

Cotta et al.9, considerando não ser a desigualdade um fenômeno literalmente vinculado à falta de recursos econômicos, mas também a este associado, concordam que ao se focalizar o campo da saúde mister se faz atentar às ações e posturas que o profissional de saúde deva adotar diante do processo saúde-doença, de modo a relacionar competência com as necessidades diversas da coletividade, o que torna bem-sucedida a educação no campo da saúde.

No agir dos profissionais de saúde pode-se presenciar ainda como fruto da construção histórica atrelada à condição herdada do preterimento, a reprodução em algum grau dessa herança quando por um lado o profissional conceba a sua ação não como sua obrigação e direito do usuário, mas como favor, e pelo outro, em muitas das vezes, o usuário do serviço acatando tal postura, por ter a concepção de que o atendimento a ele dispensado se dá como benécia ou caridade.

Assim, a pesquisa objetiva analisar as concepções de direito à saúde na prática do profissional técnico de nível médio no Sistema Único de Saúde (SUS).

 

MÉTODO

Trata-se de um estudo observacional e descritivo de abordagem qualitativa, realizado numa Escola Técnica do SUS - ETSUS, no Norte do Brasil.

O percurso adotado nesse trabalho perpassou pela realização de dois grupos focais norteados pela lógica proposta por Minayo10, Severo et al.11. Os grupos focais proporcionam uma análise de cunho qualitativo, importante para a compreensão da lógica interna de grupos, instituições e atores, e abrange: (a) valores culturais e representações sobre sua história e temas específicos; (b) relações entre indivíduos, instituições e movimentos sociais; e, (c) processos históricos, sociais e de implementação de políticas públicas e sociais. Tal abordagem considera a crença, as relações cultural e de poder, que se constrói de várias formas no cotidiano10. Por essa ótica, defendem Bauer e Gaskell12 que a pesquisa qualitativa lida com interpretações das realidades sociais.

Trad13 assevera que, por ocasião da organização do grupo focal, dever-se-á atentar para os recursos necessários, incluindo os moderadores, a definição dos participantes e dos grupos, processo de seleção e tempo de duração, de maneira a se obter êxito nessa proposição.

Os participantes foram alunos egressos da escola identificados através da análise das listas de concludentes fornecidas pela instituição. No período de coleta de dados, a ETSUS possuía 132 egressos, sendo distribuídos em 84 Técnicos em Análises Clínicas, 28 Técnicos em Enfermagem e 20 Técnicos em Higiene Dental.

Ainda, baseando-se nas normas para realização dos grupos focais, estabeleceu-se como critério de inclusão aqueles profissionais que estivessem atuando no SUS, o que totalizou 12 egressos, sendo que 3 dos participantes se ausentaram do momento de realização dos grupos, o que totalizou 9 partícipes do estudo.

O formato desses grupos comportou a representatividade das 3 áreas de formação eleitas para este estudo e atendeu à orientação da literatura quanto à formatação de grupos pequenos, perfazendo então dois grupos, sendo um composto por 4 e outro por 5 egressos, respectivamente.

O trajeto dos grupos focais compreendeu quatro momentos, sendo que nos três primeiros foi estabelecido o convite formal às instituições públicas vinculadas aos egressos, a apresentação do grupo/normas de convivência e a seção quebra-gelo. Por fim, no quarto momento, houve a aplicação das perguntas elencadas.

Para a coleta dos dados foi utilizado um roteiro estruturado composto por 12 perguntas que nortearam os trabalhos, variando conforme o encaminhamento das discussões, tais como: "Qual seu entendimento de "Direito à Saúde"? Quem tem direito à saúde? Como a formação técnica ofertada pela ETSUS contribuiu para a sua prática de trabalho de modo a contemplar o "Direito à Saúde" do cidadão?"

Os encontros aconteceram nas dependências da instituição em dias diferentes e sequenciais, respectivamente 29 e 30 de abril de 2009, e se desenvolveram no tempo aproximado de duas horas cada um e a cada dia.

Esses foram gravados e posteriormente transcritos para então se analisar os depoimentos de cada participante, mediante a técnica de análise de conteúdo proposta por Bardin14, o que resultou na definição de três categorias. Observe-se que as gravações foram destruídas ao término do estudo.

Respeitaram-se os preceitos éticos da resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde que rege a pesquisa com seres humanos. A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Vale do Itajaí, sob parecer nº 39/09 de 20 de fevereiro de 2009.

Ainda, a fim de respeitar o anonimato dos participantes, os técnicos egressos foram identificados como TE1, TE2, TE3....TE9.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Inicialmente, foi elencado um total de 12 participantes para a composição dos grupos focais; destes, houve 25% de ausência, e dos 75% que estiveram presentes, 66,7% eram do sexo feminino e 33,3% do sexo masculino. A idade média dos egressos esteve em torno de 40 a 47 anos, sendo prevalentes aqueles de religião cristã protestante (55%).

Nesta etapa da pesquisa realizou-se a categorização da análise, num total de três categorias, de acordo com os passos de Bardin14 e reuniu um conjunto de depoimentos referenciados pelos grupos focais, em razão dos caracteres comuns, sob um título determinado, sintetizada na Tabela 1.

Conceitos de saúde e de direito à saúde e Concepções de saúde

Os experimentos de vida, singulares às pessoas, provocam sensações que podem desencadear respostas materializando o improvável ou o inusitado. Nessa perspectiva, viver o conceito está sempre vinculado a um problema relacionado a esse experimentar. No tocante à saúde tem-se que seu conceito de origem não se conforma cientificamente logo, acessível a todos, trazendo um pensar comum, embora rejeitado, relacionando exercício físico e dieta15,16.

Entretanto, na era antiga, Dallari e Nunes Junior16 referem que o termo grego hygieia representava saúde e abrangia a condição da pessoa que se encontra bem na vida. Bem-estar completo nos aspectos físico, mental e social, não simplificado a simples ausência de doenças, é um conceito de saúde estabelecido pela Organização Mundial de Saúde- OMS/WHO17. Tal conceito, expresso por Bezerra e Sorpreso18, devido sua abrangência, subjetividade e imaginário de plenitude, ocasionou grandes questionamentos. Pensamento semelhante demonstram Vasconcelos e Santos19 quando apontam ser necessária a compreensão do quanto é ilusório e sem fundamento atingir o pleno estado de saúde. Para Araújo et al.20 a incorporação do conceito de saúde que evidencie a conjuntura na qual se insere a maior parte das pessoas permite que uma interpretação objetiva se estabeleça.

Nesse contexto, os técnicos do estudo externam um conceito de saúde abrangente trazendo consigo aspectos físicos, mentais, espirituais, emocionais, bem como, legais/constitucionais. Os egressos avançam na direção de uma conceituação de direito à saúde que transcende a base assistencial alcançando o indivíduo e entorno/ território.

"...está bem financeiramente, fisicamente e psicologicamente... o bem-estar físico, social e mental. " (TE2)

"Saúde... é não ter problemas financeiros... familiares; ter lazer, prazer, saúde mental, convívio com outras pessoas, interação. " (TE6)

" Prá gente ter saúde... precisa tá com o emocional bem. É tudo importante... tudo tem que funcionar perfeito, desde uma habitação até o emocional, o moral, o físico. " (TE8)

" ... saúde... vou levar para a parte espiritual. Às vezes queremos tantas coisas e não temos, porque nos falta a paz de Deus! E quando tudo isso está balanceado conseguimos ter saúde. " (TE9)

"O direito a saúde... engloba o meio, as pessoas. Eu tenho direito de ter uma alimentação que não me seja nociva, de beber uma água que não me seja nociva, ... o direito à saúde... engloba o meio, as pessoas. " (TE1)

"... por que a Constituição Federal diz que a saúde é um direito de todos e dever do estado e da família... O Direito a saúde é primordial, mas não acontece. " (TE 6)

"... saúde também é educação. A saúde deve estar inserida na escola ...saiu do pré-escolar ou nas primeiras séries já deve ali estar tratando se saúde, conscientização de saúde aos pequenos cidadãozinhos. " (TE3)

Dessa maneira, os conceitos de saúde expressos acomodam a pessoa em sua pluralidade, com suas relações e vínculos, alinhados ao que rege o SUS e à Organização Mundial de Saúde- OMS, a qual, segundo sua Constituição, de 22 de julho de 1946, admite como objetivo a consecução do mais alto nível de saúde possível, por todos os povos. Para tanto, definiu ser cada governo responsável pela saúde de seu povo, a qual somente poderá ser obtida através de medidas sanitárias e sociais coerente17.

Conforme aponta Buss21, as abordagens nesse campo já se faziam presentes no âmbito mundial, perpassando pelo Canadá, EUA, Grã Bretânia, Suécia, Colômbia, Nova Iork, Cairo, URSS. Assim, na década de 70 os registros pertinentes conformaram o Informe Lalonde, a Declaração de Alma-Ata e outros; nos anos 80, foi a vez do Relatório Black, Toronto Saudável 2000, a Carta de Ottawa dentre outros; nos anos 90 cite-se a Declaração de Sundsvall, Jacarta e outros registros.

Nessas circunstâncias, identificou-se nas falas dos participantes do estudo uma conceituação de saúde alinhada à OMS, considerando o indivíduo e seu entorno, e ao Sistema Único de Saúde. Dessa forma, a saúde é um valor coletivo, um bem de todos, devendo cada um gozá-la individualmente, sem prejuízo de outrem e, solidariamente, com todos17.

Aith et al.22 reforçam ainda que é a partir dos caminhos adotados pelo Estado respeitando e possibilitando a participação social nas decisões normativas com acesso universal e igualdade na atenção prestada nos serviços constituinte do SUS, que se alcança o conceito jurídico de saúde, a efetiva extensão deste direito e o tamanho do dever do Estado.

Portanto, o acima defendido pelos autores guarda pertinência com uma das dimensões do primeiro conceito de cidadania a que se tem, desenvolvido por Marshall, em 1950, no livro Citizenship and Social Class, qual seja, a cidadania social que incluía uma série de direitos sociais em períodos de desemprego e de doença, no século XX, permitindo a presença das pessoas nos processos de bem-estar econômico e social da comunidade23.

É oportuno salientar que além dos níveis de bem-estar econômico e social, os técnicos também abordam a questão da espiritualidade, reconhecendo a conceituação ampliada da saúde. Essa, como necessidade do povo a ser dirimida pelo Estado atuante nos diversos interfaceamentos, corresponde a um direito constitucionalmente estabelecido, de tal forma verbalizado pelos técnicos resgatando a intersetorialidade, a dignidade humana, o conhecimento das leis e a apropriação das informações, bem como à vinculação ao pagamento de impostos.

Leite e Mafra24 identificaram em pesquisa sobre a trajetória e percepções dos usuários do SUS no acesso aos medicamentos pela via judicial que, por um lado, o entendimento de direito à saúde dos usuários ainda é pouco explorado; por outro, é o pensar dos condutores do processo - profissionais e gestores, além dos pesquisadores que sobrevém nas produções disponíveis. Os participantes, na maioria (39%) não tinham o conhecimento que poderiam pleitear o medicamento sem ter que judicializar.

Mitano et al.25 tratam em seu estudo que o direito a saúde também se insere na Constituição da República de Moçambique de 2004 (Art. 49) quando define que todos os cidadãos têm direito à assistência médica e sanitária, cabendo ainda ao Estado promover e defender a saúde pública, embora não fique nítido como o país deva ofertar tais serviços equitativamente.

Prosseguem os autores relatando ser o financiamento do sistema nacional de saúde moçambicano um dos mais baixos da região da África Austral, e que cerca de 66% de seus gastos têm dependência externa. Assim, entendem que se estabelece uma assimetria entre as políticas de saúde predeterminadas pelo Estado e as práticas vigentes, e ainda percebem ser incipiente o enfoque na equidade e qualidade25.

Nessa direção, Mendes26 afirma que no Brasil a porcentagem do gasto total do governo em saúde é de 47%, enquanto no setor privado a contribuição é de 53%, conformando o aspecto segmentado do sistema de saúde brasileiro.

Entretanto, saúde assim como doença não tem significado único para todos pois, a existência de valores individuais, religiosos, filosóficos, bem como os aspectos temporais, espaciais e sociais integram toda uma conjuntura27.

Contudo, nos conceitos e concepções de saúde trazidos pelos técnicos da pesquisa, observa-se a interação do agente com o fenômeno social, uma vez que esse se reveste de construções socialmente representativas, as quais permitem compreensão e interpretação da realidade estudada28.

A propósito, Gomes et al.29 reportam que a percepção de saúde enquanto fenômeno se efetiva a partir da experiência vivida do processo saúde-doença, associando-se os vários determinantes (sociais, culturais, biológicos entre outros) inseridas no cotidiano e história de vida.

Assim, propor assistência à saúde implica em decidir por ações que guardem coerência com as peculiaridades inerentes a cada população, sob pena de se cair num ciclo vicioso de atenção descompassada da necessidade reclamada pelos usuários. Esta sintonia abrange as significações culturais mostrando que a linguagem da doença não é apenas sobre o adoecer e o morrer do corpo, mas linguagem dirigida à sociedade e às relações sociais de forma históricas10.

Práticas de saúde e Acesso da atenção

Falar sobre saúde pressupõe posicionamentos na direção da política sanitária nacional acompanhados por conhecimentos que materializem o modelo de atenção proposto pelo SUS.

Entretanto, considerando os diversos aspectos, econômicos, sociais, políticos e culturais, dialogar sobre saúde combinando tais abordagens pode ser um exercício não tão simples. Embora possa se apresentar árduo, esse processo oportuniza reflexões críticas sobre as práticas realizadas30.

As práticas adotadas nem sempre conversam com a proposta organizacional da política nacional de saúde, orientada através de fluxos e processos estabelecidos. Percebe-se através dos depoimentos dos técnicos do estudo certa preferência pelo exercício da saúde vinculado à garantia da Lei, mas também se utilizam do favorecimento de seus pares mediado pela distribuição de medicamentos e atos técnicos percorrendo a via paralela (amizade) para se alcançar o SUS. E ainda, questionamentos quanto à procura do usuário do SUS pelo serviço particular, a menção aos âmbitos de prevenção, cura e reabilitação, bem como o direito à saúde como retorno ao pagamento dos impostos.

"O cidadão chegou com um pedido ... de um médico particular ... eu disse: cidadão ... já não era nem prá tu ter ido no particular; ... é direito teu! O estado já tinha [...]que assegurar tudo!" (TE1)

" As pessoas procuram lá na minha casa mais para aferir a pressão; não sei por que (risos), mas os meus vizinhos são quase todos hipertensos;aí perguntam: ah, não tem um captopril, um ontenegro ?... É porque eles têm que dormir na fila [...] a gente faz o que pode né! " (TE8)

"... pedir medicação é desde a família até os vizinhos. Eles pedem remédios para verme [...] Na minha casa, sempre vão pessoas para eu aplicar injeção [...] as pessoas acham que não fazemos porque não queremos." (TE4)

"... moro num ramal lá na BR 364 e as pessoas me pedem muito o remédio. Digo que só pego o remédio com a receita; uma vizinha disse: fui tirar o dente e não foi tirado porque a minha pressão estava lá em cima. Tu não facilitas pra mim? Eu disse não! E se você morrer na cadeira?" (TE5)

" Explicamos que se o SUS não cobre àquele serviço, a unidade se responsabiliza e manda até fazer fora; nunca informamos que não faz." (TE4)

" Nós ajudamos aquelas pessoas, principalmente aquelas pessoas de baixa renda. No itinerante[1], a gente vê o quanto essas pessoas precisam da gente. (TE3)

"... no momento que nós somos profissionais temos que fazer as coisas direito; um dia a gente pode virar paciente e aí? ...quando vira paciente, doente né, a gente já quer exigir com todo rancor ou com raiva porque sabe.. " (TE7)

" No meu caso, sinto dó dos pacientes. Às vezes ponho para serem atendidos, mas há queixa. Não adianta eu ser caridosa e a pessoa que vai tirar a dor não pactuar disso! " (TE7)

"... o dinheiro dos impostos é prá quê? Para pagar o funcionário, prá ter renda pra pagar aquele exame, o médico, tudo que engloba a despesa, como se diz... nada é de graça. . É importante a gente não ficar alheio, acomodado, se puder envolver o esclarecimento individual."(TE 9).

"... geralmente quando me procuram é para pedir ficha. Nada de prevenção, apenas a parte curativa. Quando vou dar uma explicação, não querem saber!" (TE9)

"... tu trabalha lá, tu pode pegar o resultado, o laudo?... você pode me ajudar a fazer esse tipo de exame?... é exatamente assim, eles nos procuram para facilitar o atendimento...um jeitinho que é errado (ar de riso, mas a gente procura ajudar da nossa maneira, né?" (TE7)

"As pessoas não querem saúde e sim medicamentos! " (TE5)

"... geralmente tem aquele que indica: o jeitinho brasileiro! ... o atendimento de saúde que a população tem direito é na parte preventiva, curativa e a reabilitação. ... a população tem direito a tudo isso". (TE9)

Embora refiram o aspecto legal, os participantes da pesquisa deixam evidente a ligação do direito à saúde com a questão do acesso, simplificado na obtenção da consulta e medicamento desfocado da dimensão da promoção. Nota-se a dificuldade que o usuário enfrenta no que se refere ao acesso da atenção sanitária.

Não diferente, Silva e Motta31 em estudo realizado com o objetivo conhecer a percepção dos usuários sobre a política de saúde na atenção básica, identificaram a falta de relação entre a concepção de prevenção e a promoção de saúde, apesar de que deveria haver associação entre ambas.

Ademais, a partir da Constituição de 1988 o direito a saúde se inseria nos direitos sociais (Art. 6º), sendo reconhecido como direito de todos e dever do Estado, bem como assegurara o acesso universal e igualitário das ações para promoção, proteção e recuperação da saúde (Art. 196)6.

Entretanto, mesmo com a chegada do SUS e toda sua proposta, tem-se a considerar o quadro sanitário brasileiro que mescla doenças da contemporaneidade com doenças transmissíveis (que já nem constituem um problema em sociedades mais desenvolvidas), doenças mentais e violências em geral; e também, a preocupação da forma com que os gastos em saúde são efetivados. Dessa forma, é oportuno salientar que a maioria das transferências financeiras pelo ente federal é vinculada aos programas do Ministério da Saúde, de modo que esses recursos não podem ser redirecionados para outros fins. Portanto, os municípios somente executam a política definida pela esfera federal, criando constrangimentos à independência administrativa dos gestores32.

Por essa lógica, e também na visão dos técnicos do estudo, o acesso à saúde pelo Sistema Único ainda não contempla a sociedade com suficiência no acesso e os estrangulamentos dos serviços estimulam o crescimento da procura pela assistência privada, a qual pode ser devido à falta de credibilidade da atenção ofertada pelo SUS, dentre outras vulnerabilidades33.

Assegurada na Constituição Federal do Brasil, a participação de terceiros na assistência à saúde está expressa nos artigos 197 e 199. De igual forma, está assegurada a complementariedade ao SUS que se conforma a partir das necessidades sanitárias assistenciais dos usuários do SUS. Tanto assim que a complementariedade se materializa e justifica a partir da na comprovada falta de suficiência do SUS em ofertar os serviços de saúde em consonância com as necessidades dos usuários, ao tempo que a instância privada se apresenta apta a proceder com essa oferta. É oportuno referir que a escolha dessa prática pelo poder público ocorre preferencialmente com as instituições sem fins lucrativos34.

Atender às necessidades sanitárias dos usuários diz respeito a sua singularidade, considerando cada um nas suas peculiaridades, conferindo os atributos da equidade. Essa, é definida como a inexistência de diferenças sistêmicas, que é capaz de recuperar a ética e a justiça no que tange a valores e regras distributivas, pois, reconhecendo que as pessoas são únicas e diferentes entre si, admite a adoção de tratamentos diferentes com o propósito de compensar essas desigualdades35.

Nesse expressar, é perceptível a prática dos participantes do estudo conforme suas raízes e bagagens de vida, de tal forma a reproduzir a temática asseverada por Da Matta36 quanto ao modo como o brasileiro age para garantir, refutando a burocracia, o seu intento, fazendo valer os seus direitos, usando suas relações pessoais ou a força do sabe com quem está falando.

Nesse contexto, o brasileiro assumindo um posicionamento dúbio, refletida nessa estratégia, tanto pode signicar conformismo ao injusto e inaceitável, como também a sobrevivência ao experenciado no dia a dia37.

Conteúdos da formação, Cuidado sanitário e Humanização

A democratização advinda da reforma sanitária e contextualizada na política pública de saúde do Brasil requer desempenho harmônico entre o modo de cuidar e a gestão da saúde. Dessa forma, permitir aos sujeitos participarem do processo remete à garantia do seu protagonismo tanto no fazer saúde quanto na formação dos trabalhadores do SUS, deslocando a prática sanitária sobre o sujeito para com o sujeito38.

Assim, o processo de formação se explicita na condição de contribuir para que as pessoas caminhem na direção do aprendizado, uma vez que elas nunca sairão completas em qualquer que seja a etapa formativa, e sim com atitude formativa para condução daquela até o fim da existência39.

Nessa linha, com o advento do SUS, a saúde pública nacional no seu aspecto assistencial requer a cumplicidade das práticas do agente profissional com serviço. Nesse sentido, conforme asseveram Batista e Gonçalves40 esse exercício se concretiza ao "articular os saberes e renovar as capacidades de enfrentar as situações [...] nos processos de trabalho, diante da diversidade das profissões, dos usuários, das tecnologias, das relações, da organização de serviços e dos espaços".

Todavia, é importante dizer que o campo da saúde busca para seus técnicos de nível médio, novas referências formativas na perspectiva de promover que alunos e trabalhadores pratiquem um pensar crítico e reflexivo, de modo a se tornarem competentes para o cuidar do outro, aplicando os saberes com potencial resolutivo41.

A partir da aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional42 e seus respectivos instrumentos legais complementares, uma nova modalidade no campo educacional se instituiu no Brasil. Em referência à Educação Profissional, a referida Lei é considerada um marco na sua forma de tratamento, pela forma global com que o tema é tratado, e pela flexibilidade permitida ao sistema e aos alunos.

Nesse sentido, os técnicos estudados percebem o novo processo de aprendizagem como fortalecedor para suas práticas, a partir do conhecimento apreendido na formação modelada pelo SUS, trazendo a tríade de saberes, abrangendo o saber-saber, o saber-fazer e o saber-ser. Nessa tendência, entende-se que os processos de atualização e capacitação agregados à formação técnica se posicionam como articuladores e potenciais diferenciadores na direção da materialidade do ser crítico e reflexivo esperado no SUS.

Isto posto, espera-se minimizar a assimetria entre aquele que emite o saber e o aluno. É uma a relação entre o saber e o fazer em que a transmissão do conhecimento se desenvolve na lógica de que há num lado do processo um detentor do saber e no outro aquele que o desconhece43.

" ...toda a população tem direito a saúde. Quando nos calamos estamos sendo coniventes. Fica muita gente para ser consultada porque o médico sai, vai em casa, almoça.... o dentista, vai em casa jantar... e fica muita gente esperando; Nós que conhecemos e que estamos no dia-a-dia vendo o descaso com o público, deveríamos colocar a boca no trombone e fazer a nossa parte. " (TE4)

"... saúde também é educação. A saúde deve estar inserida na escola ...saiu do pré-escolar ou nas primeiras séries já deve ali estar tratando de saúde e a conscientização de saúde aos pequenos cidadãozinhos. " (TE3)

[...] na parte relacionada à humanização, no começo e na parte final do Curso, e também quando estávamos no estágio, levamos para a prática a humanização, o direito do cidadão e ali já estávamos praticando. Fazendo os procedimentos com outra visão. Era teoria e pratica e cada momento desses, era maravilhoso! (TE9)

[...] Com a formação técnica conhecemos mais o SUS... estudamos a legislação. Éramos funcionários, mas não tínhamos acesso às informações; aprendemos, a saber, que somos funcionários públicos, estamos ali para amenizarmos a dor do nosso próximo; não sabíamos sobre os nossos direitos e nos cursos técnicos considero que aprendemos o mínimo com relação ao nosso espaço; inclusive a questão da ética, das praticas, isso ficou a desejar, mas os outros saberes foram bem enfatizados e contribuíram muito; até quando as pessoas estão reclamando temos algum argumento; e serviu para termos mais consciência do que é o SUS. (TE6)

[...] A formação que a escola me deu, me fez ficar mais humana! Quando sou procurada já não atendo mais com cara amarrada. A escola ensinou tratar bem os outros; tratou muito a humanização. (TE5)

[...] quando tenho que falar desta escola, fico emocionado; lembro os momentos que passei aqui... as discussões com os colegas na sala de aula, tudo visando o crescimento profissional, o crescimento de cidadania; aqui aprendi saúde, cidadania, deveres, direitos eu saí com certeza daqui desta escola, não o mesmo que entrei.(TE1)

[...] eu devo tudo a escola... a prática do trabalho de modo a contemplar o direito à saúde é que através do meu conhecimento eu pude conhecer o sistema de saúde que é o SUS que eu não conhecia... a gente leu muito e quem não aprendeu foi porque não quis mesmo, pois a escola ensinou direitinho... a gente tendo o conhecimento fica mais fácil de ajudar as pessoas tanto na forma profissional como na prática; fica tudo mais fácil! (TE8)

Batista e Gonçalves40 trabalhando com quatro grupos de pessoas, identificaram em dois dos grupos que os indivíduos têm o desejo de apreender outras experiências e realidades em saúde, entendendo que dessa forma se dê o reposicionamento de suas práticas sanitárias rumo a uma melhor qualificação.

Portanto, as mudanças na formação perpassam pela construção coletiva, participativa e pertinente às realidades locais, considerando também a bagagem singular de cada profissional daquilo que conhecem do SUS, uma vez que a partir de sua lógica, essa política colaborou com o rompimento da prática dos profissionais apoiada nos conhecimentos técnico-teóricos no corpo e na doença, por exemplo40,44,45.

Necessário ainda, entender saúde como resultante de um conjunto de ações de prevenção de doenças, promoção da saúde, cura e reabilitação, materializada através da pluralidade do saber e do trabalho em equipe interdisciplinar e multiprofissional, inclusive, em rede44.

Em se tratando de interdisciplinaridade observa-se sua presença quando há o manifesto e ponderação sobre o alinhamento entre o discurso e a prática dos técnicos estudados, repensando sobre os espaços da prática em saúde e os espaços acadêmicos, o que possivelmente trazem, além do desenvolvimento de cuidados integrais a julgar pelo vínculo e a escuta, as demais respostas efetivas à população por ocasião de seu atendimento em quaisquer dos âmbitos assistenciais46.

Contudo, é adequado esclarecer que na atualidade ainda persevera a concepção de que as pessoas são educadas na intenção de se comportarem de maneira saudável, perdurando a negação das participações dos condicionantes materiais que assumem, nas várias ocasiões, o papel de dificultador do exercício da pratica saudável de vida. É a culpabilização do indivíduo, desvinculado de sua experiência vivida47.

Na contramão do processo, à época da instituição do SUS, a reorientação do modelo de atenção à saúde se materializara, porém, os seus trabalhadores contavam ainda com uma formação tradicional, fragmentada, descompassada com a proposta do SUS, pois esse foi mais rápido do que a reforma do ensino7.

Nessa dimensão, a preocupação com a formação dos profissionais de saúde está bem explícita no momento da 9ª Conferência Nacional de Saúde que associou a necessidade da revisão dos currículos de forma coerente com as realidades sociais, étnico culturais e o quadro epidemiológico, propondo uma formação geral com visão integral e comprometimento social.

Assim, ao lado dos desafios inerentes às mudanças necessárias para a formação e o processo de trabalho, coube à criação das escolas de formação de trabalhadores de saúde nas instituições de saúde a tentativa de enfrentar as mudanças, trazendo a inserção dos currículos compatíveis com o modelo sócio epidemiológico do Brasil48.

Nesse horizonte, deve-se referenciar o propósito das Escolas Técnicas de Saúde do SUS- ETSUS em profissionalizar os trabalhadores empregados nos serviços de saúde que ainda não têm a qualificação necessária para a execução de suas funções. Assim, em 1999 eram 26 instituições, sendo que a região norte experimentava um grande vazio de forma que para profissionalizar e certificar os trabalhadores dessa região realizou-se cursos para auxiliares e técnicos por meio da Escola de Enfermagem da extinta Fundação de Serviços de Saúde Pública do Ministério da Saúde - Fundação SESP7.

Na atualidade tem-se 40 Escolas Técnicas do SUS/Centros formadores, cobrindo todo o território nacional, assim distribuídos: região norte - 5 escolas e 2 centros formadores; no centro oeste, são, 3 e 1, respectivamente; nordeste conta com 8 escolas e 4 centros de formação; centro oeste são 6 escolas, 6 centros e 1 núcleo de formação; por sua vez, a região sul possui 3 escolas e 1 centro formador49.

Por fim, encontrou-se que a maioria dos profissionais pesquisados não consegue aplicar a proposta de formação definida pelas ETSUS, firmada na reversão do paradigma biologicista, podendo essa resultante advir do conflito entre a formação (tradicional, tecnicista) adquirida pelos mediadores da aprendizagem que conduzem os cursos e o novo modelo da formação (por competências) a ser prestado aos profissionais educandos, levando a crer na urgente necessidade em se capacitar aqueles mediadores.

 

CONCLUSÃO

Numa perspectiva geral, pode-se concluir que profissionais de saúde desse estudo demonstram uma concepção de direito à saúde voltada ao legislado embora a associem também a uma resposta frente ao pagamento de impostos.

Quanto aos conceitos de saúde, os técnicos fazem alusão aos elementos da política do SUS, dentre outros, promoção, prevenção, humanização; todavia, muito embora verbalizem os constituintes que formatam o conceito ampliado de saúde, apontando educação, emprego e moradia, tem-se nítido que a concepção de saúde demonstrada é marcadamente voltada ao modelo biomédico, focado na doença e no medicamento, dificultando a redução do distanciamento entre o praticado e o proposto pelo Sistema Único de Saúde.

 

REFERÊNCIAS

 

 

Endereço para correspondência:
rosamaria-m@hotmail.com

Manuscrito recebido: Novembro 2017
Manuscrito aceito: Janeiro 2018
Versão online: Março 2018

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