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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282versão On-line ISSN 2175-3598

J. Hum. Growth Dev. vol.28 no.2 São Paulo maio/ago. 2018

http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.147315 

EDITORIAL

 

Gênero e violência: contribuições para o debate

 

 

Kerle Dayana Tavares de LucenaI; Elisa Tristán-CheeverII

IProfessora Doutora da Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas. Líder do grupo de pesquisa Saúde e Comunidade: buscando a integralidade do cuidado (GPESC)
IICirugiã Pediátrica, mestre em Saúde Pública pela Northeastern University, Boston. Gerente na Cambridge Health Alliance, EUA, afiliada a Harvard University

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O termo gênero é definido como a construção social do sexo, diferenciando-se da variável "sexo" porque esta tem como referência à dimensão biológica da caracterização anatomofisiológica dos seres humanos, reconhecida como essencial e inata na determinação das distinções entre homens e mulheres. A violência de gênero, caracteriza-se como um fenômeno de múltiplas determinações em que se define qualquer ato baseado nas relações de gênero, que resulte em danos físicos e psicológicos ou sofrimento . Refere-se à hierarquia de poder, desejos de dominação e aniquilamento do outro e que pode ser utilizada algumas vezes, conscientemente, nas relações conjugais como mecanismo para subordinação . Compreender como a violência ocorre a partir das relações de gênero é essencial para que seja possível enfrentar esse fenômeno. Nessa perspectiva, o Journal of Human Growth and Development tem proporcionado um amplo debate acerca da temática, contribuindo para a tomada de decisão no tocante ao combate à violência de gênero.

Palavras-chave: identidade de gênero, conhecimento, violência.


 

 

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil apresenta uma taxa de 4,8 homicídios por 100 mil mulheres, num grupo de 83 países com dados homogêneos, e ocupa a 5ª posição, evidenciando que os índices locais excedem, em muito, os encontrados na maior parte dos países do mundo. El Salvador, Colômbia, Guatemala (três países latino-americanos) e a Federação Russa evidenciam taxas superiores às do Brasil1.

No Brasil, a violência contra mulheres apenas ganhou maior notoriedade com a criação da Lei 11.340/2006, conhecida popularmente como Lei Maria da Penha. Este fenômeno passou, então, a ser definido como um crime específico e possíveis mudanças na forma de punição aos agressores foram proporcionadas2. Vale destacar que a violência doméstica e familiar assume várias formas dentro da sociedade, encontrando-se divididas e classificadas, dentre outras formas, como violência física, violência patrimonial, violência sexual, violência moral e a violência psicológica ou emocional3. A literatura descreve diversos fatores associados à violência doméstica, tais como: os antecedentes familiares de atos violentos, o uso de álcool pelo parceiro, o desemprego, a pobreza, o baixo nível socioeconômico da vítima, o baixo suporte social ofertado à mulher e a dependência emocional em relação ao agressor.

Gênero é uma categoria criada para demonstrar que a grande maioria das diferenças entre os sexos são construídas social e culturalmente a partir de papéis sociais diferenciados que, na ordem patriarcal, criam pólos de dominação e submissão. O sexo descreve as características e as diferenças biológicas, que estão exclusivamente relacionadas a anatomia e a fisiologia. Gênero, por sua vez, engloba as diferenças socioculturais existentes entre o sexo feminino e o masculino, as quais foram historicamente construídas4.

A caracterização de gênero ainda se encontra aplanada no quesito poder, sendo este um elemento motivador das desigualdades existentes entre homens e mulheres, o qual corrobora para a violência e atinge negativamente a qualidade de vida e saúde das mulheres3.

A sociedade impõe, na grande maioria das vezes, a existência de duas esferas: masculino e feminino, não se complementando, mas sim, como forma de soberania da parte masculina em relação a feminina, consolidando ainda mais o patriarcado ainda presente no meio atual.

A violência doméstica contra a mulher é uma das consequências das desigualdades provocadas pelas questões de gênero. Trata-se de um ato baseado nas relações entre os sexos, que provoca danos físicos e psicológicos ou sofrimento para a mulher5.Vale a pena que ressaltar que este sofrimento nao ocorre somente com aquelas identificadas ao nascimento como mulheres mas tambem com as que se identificam como uma.

No Brasil, a desigualdade de gênero tem raízes no patriarcalismo colonialista que se foi produzindo tendo a categoria gênero como pano de fundo, mesclando-se com o racismo. Com o advento do capitalismo, as classes sociais floresceram em sua plenitude. As contradições decorrentes da produção dessas categorias constituem uma realidade regida por uma lógica igualmente contraditória6. As contradições produzidas a partir da construção social dos sexos, sobretudo, por meio da cultura e da ideologia, obriga-nos a uma identificação por sexo, marcada por poder ou falta dele7.

Nessa perspectiva, emerge a necessidade de políticas públicas. Para isso, normas sociais e padrões culturais (tanto de homens quanto de mulheres), os quais confirmam, autorizam, naturalizam e banalizam a dominação masculina sobre a mulher, precisam ser combatidos, com o intuito de minimizar, ou até mesmo eliminar, as grandes divergências existentes entre o gênero, criadas e mantidas por um forte contexto histórico, e que felizmente não condiz com a sociedade moderna: de direitos iguais e para todos8.

O fascículo 28(2) do JHGD traz em seu bojo publicações que contemplam artigos que versam sobre aspectos culturais do processo saúde e doença dialogando sobre diversos fatores e concepções para explicação da saúde e do adoecimento9. Além disso, permite uma reflexão sobre corpo, cultura e significado10. Discute ainda sobre violência por parceiro íntimo durante a gestação atual e morbidade materna grave11, evidenciando a importância de ampliar o debate sobre esse grave problema de saúde pública.

Outras temâticas sempre são discutidas no periódico, como as voltadas para os aspectos nutricionais na infancia, revelando fatores sociodemográficos e excesso de peso em crianças participantes de programa governamental de distribuição de leite fortificado12, assim como uma discussão sobre três métodos de avaliação do estado nutricional de crianças de 2 a 6 anos de idade da região do Baixo Amazonas, Brasil. Os autores destacaram que há concordância entre os critérios de avaliação do estado nutricional, sendo que os memsos podem ser utilizados para pesquisa e acompanhamento clínico de crianças na região da Amazônia brasiliera13.

Já sobre o uso de medicamentos durante a lactação os autores trazem uma discussão que permitiu desvelar que a classe de medicamento mais utilizada durante a lactação foi a dos anticoncepcionais14.

E nessa mesma temática, o periodico traz pesquisa de validação de instrumento de Frequência Alimentar para crianças revelando ser imprescindível para redimensionar o consumo alimentar de crianças, para o cálculo energia, proteínas, cálcio, fósforo, ferro, potássio, magnésio e vitamina B215.

No campo da perinatologia, Gomes et al.16 relatam que o tipo de parto parece influenciar a mobilidade abdominal e a frequência respiratória, com tendência de que o parto cesáreo promove menor mobilidade abdominal.

Na linha de cuidados à educação e nos cuidados à saúde da criança, Santos et al.17 destacam que a funcionalidade e a qualidade de vida de crianças com deficiência inseridas na educação infantil da rede pública são influenciadas por diferentes formações acadêmicas dos profissionais que cuidam desta fase escolar e que parecem corroborar com a formação escolar destas crianças.

Ainda seguindo esta linha de educação em saúde, ao investigar sobre o Programa Saúde nas Escola (PSE) e formação profissional, foram destacadas lacunas na formação do profissional no PSE para uma atuação que considere a promoção de saúde do adolescente18.

A edição traz discussões gerias sobre tomada de decisão clínica frente a diagnóstico e tratamento de lesões em esmalte dentário19, descrição da percepção da qualidade de vida de moradores de um quilombo no Norte do Brasil20.

E, por fim, finaliza com a discussao sobre a importancia de robôs assistivos para manipulação aumentativa que podem ser fundamentais para proporcionar às crianças com deficiência física oportunidades de brincar, entretanto e preciso adotar uma abordagem baseada em princípios e centrada no usuário para inovações técnicas21.

Nesse contexto, o JHGD vem trazendo duscussões em uma perspectiva das polticas públicas de saúde e desenvolvimento local e sobre esse foco, vale destacar a importncia de ampliar reflexoes acerca dos temas, considerando os últimos resultados das análises sobre mobilidade social22 em que indicou que a chance de uma criança de baixa renda ter um futuro melhor que a realidade em que nasceu está, em maior ou menor grau, relacionada à escolaridade e ao nível de renda de seus pais, assim como revelando a dificuldade de acesso à saúde e maior probabilidade de frequentar uma escola com ensino de baixa qualidade.

Nesta mesma data em estudo realizado na Amazonia ocidental sobre a agua consumida pelas criancas de escolas rurais indicou que a instalação de um clorador simplificado nas escolas rurais da Amazônia ocidental é, portanto, proposta como uma tecnologia social visando à inclusão social, bem como a sustentabilidade econômica e ambiental23.

Os resultados indicados nessa nova edição, assim como os novos resultados de pesqusias que trazem reflexoes sobre a necessidade de reorientações de políticas públicas de saúde, revelam a importância de ampliar cada vez a discussão que envolvam gênero, políticas de saúde e desenvolvimento local.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência:
Kerle Dayana Tavares de Lucena
kerledayana@gmail.com

Manuscrito recebido: Junho 2018
Manuscrito aceito: Junho 2018
Versão online: Junho 2018

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