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Journal of Human Growth and Development

Print version ISSN 0104-1282On-line version ISSN 2175-3598

J. Hum. Growth Dev. vol.28 no.2 São Paulo May/Aug. 2018

http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.115676 

ARTIGO ORIGINAL
DOI: http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.115676

 

Fatores sociodemográficos e excesso de peso em crianças participantes de programa governamental de distribuição de leite fortificado

 

 

Fernanda Martins Dias EscaldelaiI; Rosangela Aparecida AugustoI; José Maria Pacheco de SouzaII

IFaculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Endereço: Av. Dr. Arnaldo, 715 - São Paulo - SP - Brasil
IIProfessor Titular (aposentado) e Professor Sênior do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: Estudos anteriores mostraram a efetividade do programa VIVALEITE para o ganho de peso de crianças menores de dois anos. Como o programa é efetivo, é possível que crianças ingressantes com peso próximo ao limite considerado adequado para idade o ultrapassem no decorrer de sua participação
OBJETIVO: Analisar a associação entre fatores sociodemográficos e excesso de peso em participantes do programa VIVALEITE
MÉTODO: Estudo de coorte com dados de 1.039 crianças de famílias de baixa renda do interior do Estado de São Paulo, ingressantes no programa com seis meses de idade e peso próximo ao limite superior de adequação, entre janeiro/2003 e setembro/2008. Investigou-se a proporção de crianças que ficam com excesso de peso durante a participação no programa e associações com as condições sociodemográficas de cada criança (amamentação aos seis meses, sexo, peso ao nascer) e dos respectivos responsáveis (condição conjugal, idade, situação de trabalho, escolaridade). A modelagem foi feita por meio de regressão logística multinível das variáveis socioeconômicas e o conjunto das idades de pesagem. O processamento foi feito com o pacote estatístico Stata 10.1
RESULTADOS: Conforme análise multinível, a categoria sim da variável aleitamento materno aos seis meses (OR=0,29, p=0,001) e a categoria trabalha da variável situação de trabalho materno (OR=0,36, p=0,012) foram associadas significantemente ao excesso de peso das crianças. As demais variáveis não foram associadas estatisticamente a excesso de peso
CONCLUSÃO: Não amamentação aos seis meses e ausência de trabalho materno são fatores sociodemográficos positivamente associados ao excesso de peso das crianças participantes do programa

Palavras-chave: programa de distribuição de leite fortificado, programas e políticas de nutrição e alimentação, lactente, ganho de peso.


 

 

INTRODUÇÃO

A prevalência de obesidade infantil vem crescendo nas últimas décadas e já se transformou em um problema de saúde pública no mundo. Em menores de cinco anos, a prevalência mundial de excesso de peso, definido como peso para estatura (P/E) maior que dois escores z, aumentou de 4,2% em 1990 para 6,7% em 2010, um aumento relativo de 60%. Para 2020, é estimada uma prevalência de excesso de peso de 9,1%. O número de crianças em risco de excesso de peso, definido como P/E maior que um escore z e menor ou igual a dois escores z, também é preocupante. Em 2010, estimou-se que 92 milhões de crianças estavam nesta situação, número que corresponde ao dobro do total de crianças com excesso de peso. A prevalência de crianças em risco de excesso de peso foi estimada em 21,4% e 13,6% nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, respectivamente1.

No Brasil, dados da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher (PNDS 2006) mostraram que a prevalência de excesso de peso para o total de crianças menores de cinco anos era de 6,6%, sendo de 6,7% para crianças de zero a 11 meses e de 6,0% para crianças nas idades de 12 a 23 mesesi.

A obesidade causa efeitos negativos a curto prazo na saúde da criança, como problemas ósseos, articulares e musculares2, dificuldade de respiração, aumento do risco de fraturas, hipertensão e doenças cardiovasculares, resistência à insulina e efeitos psicológicos. Na vida adulta, o sobrepeso infantil associa-se a um maior risco de obesidade, incapacidade e morte prematura3. Nos primeiros meses de vida, o ganho de peso excessivo pode indicar obesidade em outras fases da vida. Crianças que já são obesas aos nove meses são mais propensas a manterem excesso de peso aos quatro anos de idade, em comparação às crianças não obesas4. Diante dos malefícios ligados ao excesso de peso para a saúde da criança e do adulto, medidas preventivas devem ser implementadas para redução de comportamentos que levam à obesidade desde o período pré-natal e infância5.

Em 2008, uma série de artigos publicados no "The Lancet" abordou a importância do período que vai do início da gestação até os dois anos de idade sobre o crescimento infantil em ambientes com poucos recursos. Esse período, que corresponde aos primeiros 1.000 dias de vida da criança, é considerado de grande vulnerabilidade nutricional. Uma boa nutrição, incluindo a disponibilidade de alimentos fortificados e acesso aos alimentos saudáveis para promover um crescimento adequado na primeira infância, pode ocasionar benefícios duradouros ao longo da vida, com prevenção da desnutrição e do excesso de peso6,7.

Até os dois anos de idade, os fatores que afetam o ganho de peso de maneira mais determinante são as condições nutricionais e sociais8. É indicado o acompanhamento do ganho de peso visando o monitoramento do estado nutricional.

Os fatores sociodemográficos geralmente associados ao excesso de peso nos primeiros dois anos de vida são os relacionados às crianças, como peso ao nascer7,9, sexo10, aleitamento materno11, e os relacionados às mães, como idade12, escolaridade13, situação de trabalho14 e condição conjugal12.

Programa estadual de distribuição de leite fortificado

Em São Paulo, o Projeto Estadual do Leite, o VIVALEITE, atende desde 1.999 crianças de seis meses a seis anos incompletos cujas famílias tenham renda mensal de até dois salários mínimosii. Cada beneficiário recebe 15 litros de leite fortificado por mês. No interior do estado de São Paulo, as crianças são pesadas e medidas a cada quatro meses com supervisão de profissionais da área de saúde. Essas informações são enviadas à Secretaria de Desenvolvimento Social visando acompanhar a evolução antropométrica da criança durante sua permanência no programaiii.

Uma pesquisa realizada em 2009 mostrou a efetividade do programa VIVALEITE para o ganho de peso de crianças menores de dois anos15. Como o programa é efetivo no ganho de peso, é possível que crianças ingressantes com peso próximo ao limite superior considerado adequado para idade o ultrapassem no decorrer de sua participação. Julga-se que é de interesse verificar a magnitude desta condição e conhecer as variáveis sociodemográficas associadas a este ganho de peso excessivo, a fim de permitir o estabelecimento de medidas de ação por parte dos gestores do programa.

Assim, o objetivo é analisar a proporção de crianças que evoluem para excesso de peso durante a permanência em programa assistencial público de oferta de leite e identificar a associação entre fatores sociodemográficos e excesso de peso em crianças.

 

MÉTODO

Delineamento, população e local de estudo

Estudo de coorte dinâmica, com crianças de ambos os sexos que ingressaram com seis meses no programa VIVALEITE, no período de janeiro de 2003 a setembro de 2008, com peso para idade (P/I) no intervalo 1 < escore z 2, considerado adequado, porém próximo a excesso de peso, e foram observadas até a idade de 23 meses. As crianças eram de famílias de baixa renda, do interior do Estado de São Paulo.

Fonte dos dados

Foi obtida uma amostra de 1.039 crianças a partir do banco de dados com 25.433 participantes da pesquisa de Augusto e Souza15. As crianças eram participantes do programa VIVALEITE, que é um projeto social de distribuição gratuita de leite fluido, pasteurizado, com teor de gordura mínimo de 3%, enriquecido com ferro e vitaminas A e D. Em janeiro de 2011, a sua gestão foi transferida da Secretaria de Agricultura para a Secretaria de Desenvolvimento Social.

Na pesquisa de Augusto e Souza15, o banco de dados foi composto por crianças ingressantes no programa com idade entre seis e 21 meses, com no mínimo duas medições de peso, não gêmeas, saudáveis e com registro completo da ficha de cadastro, que incluem informações sobre as crianças, suas mães ou responsáveis e as famílias as quais pertencem. Como o cadastro da criança no programa independe de seu estado nutricional, havia beneficiários com ou sem comprometimento do P/I. O banco de dados continha 835 (3,3%) crianças com baixo P/I (escore z < -2), 23.689 (93,1%) com P/I adequado (-2 escore z 2) e 909 (3,6%) com P/I elevado (escore z > 2), na primeira pesagem.

Amostragem

Na pesquisa matriz15, os dados de interesse foram coletados por meio das fichas de cadastro e das planilhas quadrimestrais de acompanhamento antropométrico, que fazem parte da rotina do serviço.

As medidas de peso das crianças foram aferidas em unidades básicas de saúde por profissionais treinados, utilizando balança adequada e calibrada, ao ingressar e a cada quatro meses durante sua permanência no programa. Essas medidas foram convertidas no índice P/I, expresso em escore z, adotando-se como referência as curvas de crescimento infantil propostas pela Organização Mundial da Saúde (OMS)16. Foram excluídas as crianças com valores de escore z < - 5 e crianças com escore z > 5iv.

As fichas preenchidas foram digitadas em sistema on line, desenvolvido especificamente para o programa, a fim de serem mantidas num banco de dados informatizado e gerar informações aos gestores dos municípios. O sistema dispõe de filtros para evitar a inclusão de crianças com fichas incompletas. Por meio desse sistema, era possível acompanhar a evolução do P/I. Na ocasião de obtenção dos dados, não havia filtro para a entrada dos dados de comprimento. Como não foi possível checar a consistência da medida de comprimento, optou-se por não a utilizar neste estudo.

No presente estudo, os critérios de inclusão foram:

  • Ingresso no programa aos seis meses de idade. A inclusão de crianças com a mesma idade visou evitar possível efeito de confusão, uma vez que até dois anos de idade ocorre intenso crescimento infantil.

  • Ingresso com escore z no intervalo 1 < z 2 por representar maior risco de excesso de peso nas pesagens subsequentesv.

  • Ter no mínimo duas pesagens, sendo a primeira no ingresso e as demais programadas para cada quatro meses, até 23 meses de idade.

No final, a amostra ficou composta por 1.039 crianças. Das 23.689 crianças que ingressaram no programa com P/I adequado (escore z no intervalo -2 z 2), 8.147 (34,4%) crianças tinham seis meses de idade. Desse total, 1.386 (17,0%) iniciaram com P/I no intervalo - 2 z < -1; 5.722 (70,2%) iniciaram com P/I no intervalo -1 z 1; 1.039 (12,8%) iniciaram com P/I no intervalo 1 < z 2, atendendo aos critérios de inclusão.

Por se tratar de uma coorte dinâmica, houve perda com o passar do tempo. No total, cada criança da amostra teve no mínimo duas e no máximo cinco pesagens. Das 1.039 crianças, 254 (24,5%) crianças tiveram duas pesagens, 184 (17,7%) tiveram três pesagens, 230 (22,1%) tiveram quatro pesagens e 371 (35,7%) tiveram cinco pesagens. Além disso, a programação de pesagem quadrimestral, ou seja, aos 10, 14, 18 e 22 meses, nem sempre foi seguida, ocasionando pesagens não previstas aos 9, 11, 13, 15, 17, 19, 21 e 23 meses.

Ao agrupar as idades de pesagens não programadas às idades programadas mais próximas, vê-se que 881 (84,8% de 1.039) crianças tiveram a segunda pesagem entre 9 e 11 meses, 729 (70,2% de 1.039) tiveram a terceira pesagem entre 13 e 15 meses, 645 (62,1% de 1.039) tiveram a quarta pesagem ente 17 e 19 meses, 541 (52,1% de 1.039) tiveram a quinta pesagem entre 21 e 23 meses. A maior concentração de crianças ocorreu nas idades programadas.

Variáveis

A variável resposta é "excesso de peso", dicotômica (sim|não). A categoria "sim" (código 1) corresponde à classificação antropométrica da criança com excesso de peso, escore z > 2. A categoria "não" (código 0) corresponde à classificação do peso adequado para idade, com escore z no intervalo 1 < z 2. No início todas as crianças apresentam peso adequado para idade e, no decorrer de sua participação, parte delas passa a apresentar excesso de peso.

Foram selecionadas variáveis explanatórias relacionadas às condições sociodemográficas de cada criança (idade, sexo, peso ao nascer e amamentação aos seis meses) e dos respectivos responsáveis legais (condição conjugal, idade, situação de trabalho e escolaridade), descritas no tabela 1.

Análise estatística

As variáveis explanatórias foram analisadas em conjunto e em cada idade. A variável resposta dicotômica levou a modelagens com regressão logística. A medida de efeito foi odds ratio (OR).

A amostra é descrita em cada idade por meio de proporções. São apresentados gráficos com as proporções observadas de excesso de peso e as probabilidades médias modeladas de ficar com excesso de peso para a variável idade da criança e para as variáveis explanatórias do modelo final, idade por idade de pesagem. Na construção dos gráficos, foram desconsideradas as interações de cada variável explanatória com idade da criança quando estas tiveram p descritivo maior que 5% (nível de significância α=5%).

Foram feitas modelagens para o conjunto das idades de pesagens com regressão logística multinível, que permite ajuste para observações repetidas da mesma criança, usando a variável de identificação, para o conjunto de idades de 9 a 23 meses.

A sequência completa de modelagem foi feita conforme as seguintes etapas, com a variável "excesso de peso" como resposta:

1) Regressão logística múltipla multinível com as seguintes variáveis: idade da criança na pesagem, variáveis explanatórias (amamentação aos seis meses, peso ao nascer, sexo, condição conjugal, idade da mãe ou responsável, situação de trabalho, escolaridade) e as respectivas interações (idade na pesagem X variável explanatória i).

2) Regressão logística múltipla multinível com idade da criança e as variáveis explanatórias, sem as interações, quando na etapa 1 os valores de p descritivos das interações foram maiores que 5%.

3) Regressão logística múltipla multinível com idade da criança e as variáveis sociodemográficas que na etapa 2 tiveram p descritivo menor ou igual a 5%. Verificou-se a possível interação entre variáveis explanatórias selecionadas nesta etapa (variável explanatória i X variável explanatória i).

4) Regressão logística múltipla multinível (modelagem final) com idade da criança e as variáveis explanatórias com p descritivo menor ou igual a 5% na etapa 3. Examinou-se efeito de confusão, comparando-se os resultados da etapa 2 com os resultados da etapa 4.

O processamento foi realizado com o pacote estatístico Stata 10.1.

Considerações éticas

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa. O número de Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) é 13543413.5.0000.5421. A pesquisa baseou-se em análise do banco de dados do programa VIVALEITE, concedido formalmente pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo. O estudo seguiu os preceitos éticos estabelecidos na resolução nº 196 de 10 de outubro de 1996 do Conselho Nacional de Saúde.

 

RESULTADOS

Os fatores sociodemográficos positivamente associados a maior proporção de excesso de peso foram a criança não estar em amamentação aos seis meses e a condição de a mãe ou o responsável não trabalhar fora de casa. A permanência no programa não esteve associada ao excesso de peso das crianças.

As proporções de excesso de peso encontradas entre os participantes do programa que ingressaram com seis meses e P/I no intervalo 1 < z 2 encontram-se na tabela 2.

A análise multinível apenas com idade da criança indicou que o odds de ter excesso de peso em cada idade é, em média, 0,97 vezes o odds de ter excesso de peso na idade imediatamente anterior, não sendo estatisticamente significante (p=0,457). Na figura 1 são apresentadas as proporções observadas e as probabilidades médias modeladas de excesso de peso, segundo idade da criança na pesagem.

Idade da criança e variáveis explanatórias

Dos 1.039 ingressantes no programa com seis de idade e P/I no intervalo 1 < z 2, observa-se que 540 (52,0%) eram amamentados, 885 (85,2%) tiveram peso ao nascer 3.000g, 542 (52,2%) eram do sexo masculino, 783 (75,4%) tinham mães com companheiro, 800 (77,0%) tinham mães ou responsáveis com idade superior a 19 anos (não eram adolescentes), 859 (82,7%) tinham mães que não trabalhavam e 542 (52,2%) tinham mães com escolaridade 8 anos de estudos.

A análise multinível (tabela 3) mostrou não haver interação estatisticamente significante (p>0,05) entre idade da criança e nenhuma variável explanatória. As interações não foram incluídas nas modelagens seguintes. Apenas as variáveis explanatórias amamentação aos seis meses (OR=0,28; p=0,001) e situação de trabalho materno (OR=0,37; p=0,015) tiveram associação estatisticamente significante com excesso de peso e foram selecionadas para a etapa 3.

Na etapa 3 (tabela 4), a interação entre as variáveis explanatórias não foi significante (p>0,05). Portanto, a interação não foi incluída na etapa seguinte. Como as variáveis independentes amamentação aos seis meses e situação de trabalho materno mantiveram p descritivo menor ou igual a 5%, a etapa 3 corresponde à modelagem final (etapa 4). Comparando-se os resultados da etapa 2 e das etapas 3 e 4, observa-se que não há efeito de confusão.

Na figura 2 são apresentadas as proporções observadas e as probabilidades médias modeladas de excesso de peso, segundo amamentação aos seis meses, situação de trabalho e idade da criança. As curvas modeladas mostram que as probabilidades médias de ter excesso de peso permanecem estáveis durante todo o período de participação no programa.

 

DISCUSSÃO

Os fatores associados a maior proporção de excesso de peso foram a criança não estar em amamentação aos seis meses e a ausência de trabalho materno remunerado. Esse resultado corrobora as conclusões de outros estudos de que crianças amamentadas apresentam menor probabilidade de serem obesas11,17. Entretanto difere dos resultados de outras pesquisas que concluíram que o excesso de peso infantil é associado à ocorrência de trabalho materno fora de casa14,18.

No Brasil, estudo com dados secundários de 2.209 crianças, sendo a maioria de famílias de baixo nível socioeconômico da região semi-árida, constatou que as crianças em aleitamento materno exclusivo por no mínimo seis meses apresentavam menor risco de terem excesso de peso entre 12 e 24 meses em relação às crianças amamentadas por um período menor do que seis meses19. Já o estudo com 764 crianças de Viçosa, Minas Gerais, não encontrou associação significativa entre amamentação e obesidade em crianças em idade escolar, nem uma relação dose-resposta com a duração do aleitamento materno, mesmo após o ajuste para fatores de confusão20.

No presente estudo, foi encontrado efeito protetor do aleitamento materno contra excesso de peso provavelmente devido às características do leite materno, como concentração de leptina21, e a maior capacidade da criança amamentada em responder à saciedade alimentar22. Entretanto, a relação entre aleitamento materno e menor risco de obesidade na infância é controverso, inclusive há estudo sugerindo que estratégias para aumentar a duração do aleitamento materno são insuficientes para conter o aumento da prevalência de obesidade23. Outro aspecto a ser considerado é que em estudos observacionais podem existir fatores de confusão, como diferenças sociais, comportamentais e biológicas entre as mães que amamentam e as que não amamentam seus filhos, que podem ser de difícil controle24.

É suposto que o efeito protetor do trabalho materno fora de casa sobre o excesso de peso das crianças pode ser devido ao aumento da renda familiar e o melhor direcionamento dos recursos financeiros para a aquisição de alimentos mais adequados às crianças. Além disso, há relato de não haver efeito adverso do trabalho materno fora de casa sobre a saúde de uma criança quando esta recebe cuidados adequados de terceiros25.

Nota-se, também, que as relações de prevalências de excesso de peso (odds ratio), entre as categorias das variáveis amamentação aos seis meses e situação de trabalho permanecem estáveis durante todo o período, a partir do avanço inicial.

Não foi encontrada significância estatística entre as categorias das variáveis explanatórias peso ao nascer, sexo, idade da criança, condição conjugal e idade materna com o excesso de peso durante a permanência da criança no programa. Esse resultado pode ser devido à igualdade das condições socioeconômicas da população beneficiada pelo programa VIVALEITE no interior do Estado de São Paulo, sugerindo não existir diferenças consideráveis entre as categorias estudadas ao realizar o cadastro no programa.

As pesquisas anteriores que avaliaram programas de distribuição de leite geralmente tiveram como população de estudo crianças com déficit de peso e constataram a recuperação ponderal dos participantes26,27. No presente estudo, optou-se por avaliar as crianças cadastradas que tinham seis meses de idade e apresentavam P/I próximo ao limite superior de adequação. Como era previsível, a partir de três meses de participação no programa, observam-se proporções de excesso de peso. Entretanto, por meio da análise multinível, identifica-se que a incidência de excesso de peso permanece estável durante todo o período de observação, não havendo avanço exagerado e contínuo de ganho de peso até os 23 meses de idade.

O conhecimento dos fatores sociodemográficos associados ao excesso de peso pode eventualmente contribuir para o estabelecimento de medidas de ação por parte dos gestores do programa. No entanto, vale destacar que nenhum deles pode ser modificado pelo programa, quer esteja ou não associado ao excesso de peso das crianças. As situações acontecem anteriormente à entrada no programa, como o acesso à realização do pré-natal e a decisão das mães em iniciarem ou não o aleitamento materno logo após o nascimento de seus filhos. Não existe possibilidade de intervenção do programa sobre características maternas e biológicas do bebê. O programa VIVALEITE se propõe a distribuir leite fortificado às famílias menos favorecidas, não integrando ações intersetoriais de intervenções nas condições sociais das famílias.

O programa inclui a realização de cursos voltados à segurança e educação alimentar aos responsáveis pelas criançasvi, contudo, o incentivo ao aleitamento materno deve ser iniciado durante o pré-natal. O aumento da prevalência de crianças em aleitamento materno antes de ingressarem no programa VIVALEITE requer a ação de outras políticas públicas.

O leite materno é o melhor alimento nos primeiros meses de vida, fornecendo anticorpos e nutrientes essenciais para o adequado crescimento e desenvolvimento do bebê28. Além disso, previne a morbidade infantil por diarreia, infecções respiratórias e otite média. Para alcançar seu efeito completo, a amamentação deve ser mantida até os dois anos de idade29. Quando não é possível prolongar o período de amamentação, a opção pelo cadastro no programa de leite favorece o consumo de um alimento nutritivo, fortificado com vitaminas e minerais. Além do objetivo de auxiliar na prevenção das deficiências de micronutrientes, serve de sustento para as crianças de baixa renda.

Uma das limitações deste estudo foi a não disponibilidade de medidas de comprimento confiáveis, impedindo a adoção do índice de massa corporal para idade e a classificação das crianças como obesas, conforme recomendação da OMS16. No entanto, a utilização do índice P/I permitiu alcançar o objetivo do estudo por ser uma medida sensível do estado nutricional15, principalmente até os dois anos de idade.

Outra limitação foi a ausência de dados de consumo alimentar, pois na rotina do programa, não são feitos registros da alimentação oferecida às crianças. Porém, a análise do aleitamento materno ao ingressar no programa permitiu identificar efeito protetor contra excesso de peso independentemente da alimentação oferecida aos bebês até os seis meses de vida.

A decisão de utilizar nesta análise somente crianças ingressantes no programa com seis meses de idade favoreceu o controle do possível efeito de confusão das outras idades. A opção de iniciar o estudo com várias idades de cadastro levaria à situação de confusão e obrigaria a realizar análise estatística mais complexa. Outro aspecto positivo foi a seleção de crianças saudáveis ao ingressarem no programa, pois as morbidades infantis frequentemente interferem no estado nutricional das crianças ao longo do tempo.

A inferência desses resultados para a população em geral deve ser feita com cautela, pois a amostra foi composta apenas por crianças inscritas no programa, de famílias com renda de até dois salários mínimos. Entretanto, podem-se esperar resultados parecidos em estudos com populações com características sociodemográficas e ambientais semelhantes às encontradas entre os beneficiários do programa VIVALEITE do interior do Estado de São Paulo.

 

CONCLUSÃO

O programa alcança o seu objetivo e deve continuar atendendo seu público alvo independentemente do seu estado nutricional no momento do cadastro. Também deve continuar realizando cursos e palestras sobre segurança e educação alimentar, além de avaliações antropométricas regulares, a partir da mensuração de peso e de altura, conforme técnicas padronizadas.

Contribuições ao campo da saúde pública

O número de crianças em risco de excesso de peso é preocupante, uma vez que é aproximadamente o dobro do número de crianças obesas. A obesidade infantil está relacionada a morbidades que podem persistir na infância e na vida adulta, ocasionando um elevado custo econômico e social. A contínua avaliação dos programas de nutrição e o monitoramento do crescimento nos primeiros 1.000 dias de vida podem favorecer a prevenção da obesidade ainda na infância.

O presente estudo mostrou que estar desmamado aos seis meses e ausência de trabalho materno remunerado são fatores positivamente associados a maior proporção de excesso de peso das crianças participantes do programa. Esses fatores sinalizam a importância de intervenções visando a melhoria das condições socioeconômicas, de saúde e nutrição infantil. As ações devem envolver os cuidados maternos, enfatizando informação e motivação para a prática do aleitamento materno exclusivo até o sexto mês, com posterior introdução da alimentação complementar adequada e oportuna.

Agradecimentos

Agradecemos à Profa. Dra. Cassia Maria Buchala do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da USP, pelas contribuições durante o desenvolvimento deste trabalho.

Conflito de interesse

Os autores declaram que não têm interesses conflitantes.

 

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Endereço para correspondência:
Fernanda Martins Dias Escaldela
fernandamartins@usp.br

Manuscrito recebido: Janeiro 2018
Manuscrito aceito: Abril 2018
Versão online: Junho 2018

 

 

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iii São Paulo (Estado). Decreto nº 57.225, de 11 de agosto de 2011. Altera dispositivos do Decreto nº 44.569, de 22 de dezembro de 1999, que instituiu o Projeto Estadual do Leite "Vivaleite", e dá providências correlatas. Diário Oficial do Estado de São Paulo. 2011;121(152):1.
iv World Health Organization (WHO). Physical status: the use and interpretation of anthropometry. Report. Geneva: World Health Organization; 1995. (Technical Reports Series, 854).
v Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Orientações para a coleta e análise de dados antropométricos em serviços de saúde: Norma Técnica do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional - SISVAN. Brasília: Ministério da Saúde; 2011.
vi São Paulo (Estado). Decreto nº 55.053, de 17 de novembro de 2009. Diário Oficial do Estado de São Paulo. 2009;119(215):3.

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