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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282versão On-line ISSN 2175-3598

J. Hum. Growth Dev. vol.28 no.2 São Paulo maio/ago. 2018

http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.141627 

ARTIGO ORIGINAL

 

Estado nutricional de crianças do baixo Amazonas: concordância entre três critérios de classificação

 

 

Marcelo Gonçalves DuarteI; Sueyla Ferreira da Silva dos SantosI; Giseli MinattoII; Glauber Carvalho NobreII, III; João Otacilio Libardoni dos SantosI; Thiago Ferreira de SousaIV; Ismael Freitas JuniorV

IDepartamento de Educação Física, Universidade Federal do Amazonas, Parintins (AM), Brasil
IIDepartamento de Educação Física, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis (SC), Brasil
IIIInstituto Federal de Educação, Ciências e Tecnologia do Ceará, Fortaleza (CE), Brasil
IVDepartamento de Educação Física, Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba (MG), Brasil
VDepartamento de Educação Física, Universidade Estadual Julio Mesquita Filho, Presidente Prudente (SP), Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: A avaliação do estado nutricional é fundamental na infância, pois a desnutrição, o sobrepeso e a obesidade são estágios indicativos de desequilíbrios que podem influenciar o adequado desenvolvimento infantil e interferir nos processos de saúde/doença
OBJETIVO: Determinar a concordância entre três métodos de avaliação do estado nutricional de crianças de 2 a 6 anos de idade da região do Baixo Amazonas, Brasil
MÉTODO: Estudo exploratório, epidemiológico com desenho transversal de base escolar realizado em 2014 com crianças do Ensino Infantil da cidade de Parintins. Foi avaliado o estado nutricional, pelo índice de massa corporal, segundo três critérios de avaliação: Conde e Monteiro, Cole et al. e Organização Mundial da Saúde (OMS). Aplicaram-se testes descritivos e de associação para análise do comportamento das variáveis e o coeficiente de Kappa para investigar a concordância dos resultados entre os três critérios
RESULTADOS: Participaram da pesquisa 1.387 crianças (714 meninos) com idade média de 5 anos. Os meninos apresentaram maior prevalência de sobrepeso em relação às meninas pela classificação da OMS, em contrapartida maior proporção de meninas com baixo peso, segundo o critério nacional. Os melhores níveis de concordância foram para o sexo feminino e o protocolo nacional apresentou satisfatória concordância com os protocolos de uso internacional, com destaque para o proposto pela OMS
CONCLUSÃO: Desse modo, conclui-se que houve concordância entre os critérios de avaliação do estado nutricional em crianças do Baixo Amazonas

Palavras-chave: pré-escolares, índice de massa corporal, antropometria, avaliação nutricional.lactação, saúde materno-infantil, atenção primária à saúde.


 

 

INTRODUÇÃO

A avaliação do estado nutricional é fundamental na infância, pois a desnutrição, o sobrepeso e a obesidade são estágios indicativos de desequilíbrios que podem influenciar o adequado desenvolvimento infantil e interferir nos processos de saúde/doença1,2. Observa-se um aumento significativo de enfermidades infecciosas, retardo no desenvolvimento motor, dificuldades no desempenho escolar, diminuição da estatura e da capacidade produtiva na idade adulta3, decorrentes desse quadro multifatorial. Fatores sociais e biológicos estão relacionados com o déficit ou excesso do consumo de alimentos4. Portanto, os fatores genéticos e as características ambientais e do contexto social apresentam importante papel sobre o estado nutricional5.

Os países emergentes sofreram intensas mudanças nos hábitos de vida e no estado nutricional4. O Brasil situa-se entre os países com maiores prevalências de má nutrição, porém esse aspecto apresenta importantes disparidades regionais, como apontado na obra "Geografia da Fome", de Josué de Castro, citada como uma das pioneiras e principais sobre o mapeamento da situação alimentar do país. As regiões da Amazônia e parte da região Nordeste foram consideradas como expressivas zonas de fome endêmicas6. Nessas regiões, a fome ou deficiências nutricionais afetavam metade da população6.

A região norte do Brasil é uma das mais vulneráveis aos déficits nutricionais infantis7,8, onde também são encontradas as maiores prevalências de déficit de estatura9, aspecto esse preponderantemente associado às precárias condições de vida10. Dentre as formas de mensuração do estado nutricional, tem-se o índice de massa corporal (IMC) como um método comumente utilizado por ser considerado prático e de baixo custo11. Para a avaliação do IMC, dispõe-se de diferentes critérios de classificação que permitem estimar os riscos à saúde, por meio das categorias de baixo peso e a obesidade12-15. As pesquisas apontaram que a avaliação do estado nutricional diverge consideravelmente a partir dos critérios empregados16-18.

A Organização Mundial da Saúde15 sugere como critério de classificação do estado nutricional o escore-z ou os percentis do peso corporal para a estatura15, tal critério foi proposto a partir de um estudo realizado em quatro continentes15. Cole et al.13,14 divulgaram novas curvas de IMC para a faixa etária dos dois aos 18 anos, por meio dos dados obtidos em pesquisas nacionalmente representativas de seis países de alta e média renda (Brasil, Cingapura, Estados Unidos, Grã-Bretanha, Hong Kong e Holanda). Conde e Monteiro12 realizaram um estudo nacional que avaliou o estado nutricional de crianças e adolescentes19.

Mediante o exposto, até o presente momento não foi evidenciado na literatura pesquisas que analisaram o uso de diferentes critérios de classificação em pesquisas sobre o estado nutricional de crianças da região norte do Brasil. Sendo assim, o presente estudo tem o objetivo de estimar a concordância entre três métodos de classificação do estado nutricional, por meio do IMC, em crianças de dois a seis anos de idade da região do Baixo Amazonas, Brasil.

 

MÉTODO

Participantes

Estudo exploratório, epidemiológico com delineamento transversal, desenvolvido em 2014 com escolares do ensino infantil público no município de Parintins, Amazonas. A pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) em seres humanos da Universidade Federal do Amazonas - UFAM sob o número de parecer 860.883.

A população do estudo foi determinada pelo total de matrículas nas pré-escolas no ano anterior as coletas de dado. Segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), 3.955 matrículas foram efetuadas20. Foi obtido um termo de consentimento dos diretores de cada instituição de ensino incluída na amostra, do mesmo modo, pais e/ou responsáveis pelos alunos envolvidos na pesquisa assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido autorizando a participação de seus filhos.

O total de escolas elegíveis à participação na pesquisa foi 13. Optou-se pela realização de um censo escolar, sendo incluídas todas as crianças, na análise, as que atenderam aos seguintes critérios: a) ter idade de dois a seis anos; b) estar matriculada em escolas do ensino infantil na zona urbana do município de Parintins/Amazonas no ano letivo de 2014; c) ter o consentimento dos pais ou responsáveis para realização da coleta de dados. Para os escolares que cursavam o ensino infantil, mas, não atenderam ao critério da faixa etária foram realizadas as aferições das medidas.

Algumas limitações deste estudo devem ser destacadas, como o procedimento de amostragem que, apesar de selecionar a população de modo aleatório, não houve seleção proporcional por local/escola, sendo excluídas da amostra as escolas municipais localizadas em regiões ribeirinhas e rurais. Por outro lado, o número de crianças participantes representou mais de um terço da estimativa da população de pré-escolares matriculados em todo município de Parintins, baixo amazonas20.

Procedimentos

A equipe de coleta de dados foi composta por um professor e dois estudantes de Educação Física devidamente treinados e padronizados para realizar as medidas. Foi realizado um estudo piloto envolvendo 60 alunos de duas turmas de uma escola não incluída na amostra, com o intuito de testagem dos instrumentos e a logística do estudo. No decorrer do presente estudo, pais e/ou responsáveis dos alunos foram informados com pelo menos um dia de antecedência sobre a pesquisa e a vestimenta adequada para participar da coleta de dados. As medidas foram realizadas durante as aulas de recreação, que ocorriam duas vezes por semana e no mesmo turno das aulas. As coletas de dados aconteceram nos meses de agosto a novembro de 2014.

A massa corporal foi aferida por meio de uma balança calibrada e com precisão de 0,1 kg. A estatura foi coletada com uma fita métrica com precisão de 0,1 cm, fixada à parede, em superfície plana de apoio e com auxílio de um esquadro sobreposto à cabeça das crianças e apoiado à parede. A medida foi realizada com vestimentas leves (bermuda ou calça, e camisa da escola) e descalças21. A maioria das aferições foi realizada por um único avaliador, com auxílio de outro membro da equipe. O cálculo do IMC foi aplicado por meio da divisão da massa corporal em quilogramas (kg) pelo quadrado da estatura em metros (m).

A variável de desfecho do estudo foi o estado nutricional, classificado segundo três critérios de IMC para crianças: Conde e Monteiro12, Cole et al.13,14e Organização Mundial da Saúde (OMS)15,22. A classificação do IMC para o presente estudo foi padronizada conforme apresentado no Quadro 1, de forma a permitir a comparabilidade entre os critérios (Figura 1).

As variáveis independentes do estudo foram a faixa etária, calculada a partir da data de nascimento e da avaliação, posteriormente categorizada em tercis, e o sexo (masculino e feminino). O programa estatístico SPSS, versão 15.0 foi utilizado para construção do banco de dados e condução das análises. A estatística descritiva, por intermédio da média, desvio padrão (±), frequências absolutas e relativas, foi aplicada para caracterização do grupo e descrição do estado nutricional das crianças em cada um dos critérios de classificação adotados. A associação entre a classificação do IMC e o sexo, para os três critérios de classificação, foi obtida por meio do teste qui-quadrado.

Análise estatística

As variáveis independentes do estudo foram a faixa etária, calculada a partir da data de nascimento e da avaliação, posteriormente categorizada em tercis, e o sexo (masculino e feminino). Os resultados foram descritos por meio de média, desvio padrão, frequências absolutas e relativas. O teste qui-quadrado fui utilizado para verificar possíveis associações entre a classificação do IMC e o sexo, para os três critérios de classificação. A concordância entre os critérios de avaliação do estado nutricional selecionados foi verificada pelo teste Kappa ponderado para a amostra geral e por sexo. O teste de FleissKappa foi utilizado para verificar a concordância entre as categorias de classificação (baixo peso, eutrófico, sobrepeso e obesidade). Foram consideradas como concordância discreta os valores entre 0.21 a 0.4; moderada 0.41 a 0.6; substancial 0.61 a 0.8 e quase perfeita 0.81 a 1.0023. Adotou-se o nível de significância de 5%.

 

RESULTADOS

Das 13 pré-escolas localizadas em Parintins, oito (61.5%) participaram da pesquisa. Foram avaliadas 1.387 crianças (taxa de resposta de 35.1%) de três a seis anos (média: 5.11; ±=0.86). A estatura média foi de 1.08 m (±=0.07) e a massa corporal de 17.89 kg (±=3.42) (Tabela 1).

A maioria das crianças foi do sexo masculino (51.5%) e com IMC na faixa recomendável para saúde. Em relação a cada critério, observou-se que a classificação de Cole et al.13,14 apresentou prevalência de baixo peso (26%) distintas dos demais critérios, além disso, o sobrepeso (12.9%), por meio da classificação da WHO15,22, apresentou maior prevalência (Tabela 2).

A associação entre o estado nutricional e o sexo, segundo os três critérios de classificação do IMC, demonstrou diferença entre meninos e meninas, com maior proporção de sobrepeso e obesidade para os meninos (p=0.006), na classificação da WHO15,22, e de baixo peso para as meninas (p=0.004), na de Conde e Monteiro12 (Tabela 2).

A tabela 3 apresenta a concordância entre os três critérios de classificação do IMC, geral e por sexo, com valores de k=0.473 p<0.001 (discreta) a k=0.707 p<0.001 (substancial). Os menores valores de concordância foram observados no sexo masculino, em todos os critérios. O protocolo brasileiro de Conde e Monteiro12 apresentou concordância satisfatória com as classificações da WHO15,22 e Cole et al.13,14, tanto para o sexo masculino (WHO15 0.67 e Cole et al.13 0.43), quanto para o sexo feminino (WHO22 0.72 e Cole et al.14 0.65). (Tabela 3).

As análises de Fleisskappa mostraram concordância moderada e significativa para a maioria das categorias de classificação (k=0.520 a 0.691; p<0.001). A categoria "baixo peso" mostrou baixa concordância para o grupo em geral (k=0.384 p<0.001). A classificação "sobrepeso" apresentou concordância substancial entre os protocolos no grupo feminino (k=0.809, p<0.001) (Tabela 4).

 

DISCUSSÃO

Embora evidente transição nutricional que ocorre no Brasil, o que ocasiona o aumento do sobrepeso e da obesidade em crianças em idade pré-escolar24-27, neste estudo foram observadas prevalências elevadas de déficit nutricional. Notou-se no contexto da região do Baixo Amazonas, a dupla demanda de saúde direcionada ao controle do peso corporal e a desnutrição infantil.

Ao comparar as medidas de peso e estatura da amostra de crianças de três a seis anos, desta pesquisa, com a estimativa da população brasileira para a mesma idade pela Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), nos anos de 2008 e 200928, as características antropométricas das crianças do Baixo Amazonas são inferiores em relação à média nacional, para ambos os sexos. As maiores discrepâncias percentuais entre a amostra deste estudo e a população infantil brasileira foram observadas na idade de seis anos, com uma diferença de 3,0 cm para os meninos e 5,0 cm para as meninas na estatura média, e menos de 1,37 kg para os meninos e de 2,87 kg para as meninas no peso corporal médio28.

Apesar do reconhecimento das características étnicas indígenas Sateré-Mawé (grupo étnico indígena da Amazônia brasileira que pertence ao tronco linguístico Tupi e que habitam a Terra Indígena Andirá-Marau, na divisa dos estados do Amazonas e Pará, com uma população estimada em aproximadamente 7,5 mil pessoas)29, das crianças do Baixo Amazonas, o potencial do crescimento infantil envolve além do componente genético, a influência de fatores externos e modificáveis, como por exemplo, aleitamento materno, condições de moradia e alimentação nos primeiros anos de vida30. Atualmente, mediante o acúmulo de estudos de acompanhamento realizados pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) com povos orientais, etnias africanas e os latinos americanos, torna-se difícil afirmar o poder preponderante do potencial genético para o crescimento da criança5.

Pesquisas nacionais com povos indígenas10,31,32 evidenciaram características semelhantes ao observado nesse estudo. Crianças da etnia Guarani, residentes nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, apresentaram prevalência de baixo peso para a idade de 7,9%32, semelhante ao observado em crianças de regiões quilombolas e de diferentes comunidades rurais da região do Pará (6,25%)32 e superior à pesquisa realizada no Mato Grosso com crianças da tribo Xavante menores de 5 anos (4,5%)31.

Em estudo epidemiológico realizado em Manaus com crianças (zero a 10 anos) foi apontado em todas as faixas etárias prevalências de baixo peso acima do esperado, sendo os déficits de estatura para idade (17,5%) o mais comprometido8. Em Socoraba, São Paulo, uma pesquisa quase experimental com crianças (três a 72 meses de idade) de famílias com baixo poder aquisitivo33, foi observada a relevância da frequência à creche como uma condição determinante para o crescimento das crianças, e a adequação do peso para a estatura foi maior entre as crianças com idade superior a dois anos.

Os estudos de abrangência nacional10 e outros com populações urbanas8,34, rurais e indígenas32 da região norte alertaram para a influência das condições de vida nos aspectos nutricionais e antropométricos, como a baixa estatura infantil. A adesão de famílias carentes aos programas de distribuição de renda e a melhoria da qualidade da merenda escolar podem ser apontadas como estratégias contributivas para a erradicação da desnutrição infantil e demais deficiências nutricionais35.

A classificação de Cole et al.13,14, indicou prevalência de baixo peso, estatisticamente superior ao apontado nas classificações da OMS15,22 e Conde e Monteiro12. Esse resultado corrobora com a pesquisa de Barbosa et al.16, ao comparar as classificações de Cole et al.13,14, Conde e Monteiro12 e do Centers for Disease Controland Prevention (CDC). O excesso de peso no presente estudo foi maior na classificação da OMS16,23 entre as crianças de Parintins. Outros estudos com pré-escolares, comparando diferentes critérios de classificação do estado nutricional, também observaram maiores prevalências de sobrepeso pela classificação da OMS18,36. Tais curvas de crescimento foram apontadas como as mais sensíveis para identificar a obesidade em uma população de risco cardiovascular quando comparada as curvas da National Center of Health Statistics (NCHS) e CDC37.

No inquérito sobre as condições de saúde e nutrição da população infantil do estado do Amazonas, as prevalências de desnutrição aguda na capital e no interior foram de 4,6% e 3,5%, respectivamente34. Quanto ao excesso de peso para a estatura, as prevalências foram de 7,7% na capital e 4,3% no interior34. Essas prevalências referentes a população infantil do Amazonas foram inferiores à encontrada nas crianças da região do Baixo Amazonas, tanto para desnutrição, quanto para o sobrepeso, o que indica uma importante questão de saúde pública.

Em creches do município de Manaus as crianças (dois a sete anos) das creches privadas apresentaram maior frequência de excesso de peso do que aquelas das creches públicas. Por outro lado, as crianças de creches públicas foram mais propensas ao baixo peso para a idade e para a estatura38. Em comunidades rurais do estado do Pará, a prevalência de sobrepeso e obesidade foi de 22,9%32, o que caracteriza a alteração do estado nutricional das crianças da região norte.

Em estudo realizado na região sudeste, no estado de São Paulo, foi verificado que em crianças de escolas particulares a prevalência de excesso de peso foi de 35,4%, maior que à média nacional da população brasileira39. Em pesquisas em escolas públicas e privadas, o excesso de peso foi de 11,3% entre os pré-escolares, porém houve diferenças entre o tipo de instituição, sendo encontradas maiores prevalências de sobrepeso e obesidade nas pré-escolas privadas39.

Nesse estudo as crianças do sexo feminino apresentaram maior proporção de excesso de peso pelo critério da OMS15,22, e de baixo peso segundo a classificação de Conde e Monteiro12 para os meninos. Em pesquisas conduzidas na região norte não foram encontradas diferenças para estas classificações de estado nutricional para o sexo38. Entre a população indígena foi encontrado resultado divergente, os meninos indígenas (dois a 10 anos) Pakanóva (Wari´), de Rondônia, apresentaram maior frequência de baixo peso, utilizando-se as curvas do NCHS40.

O critério de classificação nacional de Conde e Monteiro12 apresentou concordância satisfatória com os critérios internacionais de Cole et al.13,14 e OMS15,22. Na avaliação estratificada por sexo, os dados desta pesquisa indicaram que os menores coeficientes, para todos os critérios avaliados, foram para o sexo masculino. Barbosa et al.16, em pesquisa com crianças (cinco a 10 anos) também constataram que a escolha do critério brasileiro de classificação do IMC não interfere na comparação com outros critérios internacionais.

Em estudo internacional com crianças indígenas em idade escolar, que utilizou os critérios da CDC, OMS, International Obesity Task Force (IOTF), para averiguar a adequação desses três critérios, em crianças da faixa etária de oito a 14 anos, encontraram maior nível de concordância entre os protocolos do CDC e IOTF, porém, manteve-se a concordância substancial da OMS para IOTF e CDC17. Em pesquisa nacional com pré-escolares do município de Viçosa, Minas Gerais, as curvas da OMS apresentaram maiores valores de sensibilidade quando comparada a CDC e NCHS, além de boa concordância para ambos os sexos para a NCHS18.

Assim, conclui-se que dos critérios de classificação do estado nutricional analisados, os melhores índices de concordância foram encontrados para o critério de população nacional de Conde e Monteiro12, por outro lado, o nível de concordância foi superior para o sexo feminino em todos os critérios. Sendo assim, os resultados sugerem o uso do critério nacional de Conde e Monteiro12 para avaliação do estado nutricional de crianças do Baixo Amazonas ou populações semelhantes que convivem com problemas nutricionais associados à desnutrição e à obesidade de modo concorrente.

O estado nutricional das crianças do Baixo Amazonas, apontado neste estudo, caracteriza um cenário de duplo risco de problemas nutricionais: de um lado o déficit de estatura e desnutrição e por outro lado a prevalência de excesso de peso. As crianças do sexo feminino apresentaram proporções significativamente superiores para ambos os fatores acima mencionados, pautando-se nos critérios da OMS15,22, Conde e Monteiro12.

Cita-se como limitação deste estudo o procedimento de amostragem que, mesmo sendo de modo aleatório, não foi proporcional por setores educacionais e excluiu as escolas localizadas em regiões rurais ou ribeirinhas, por outro lado foi alcançado uma amostra representativa da população de pré-escolares da cidade de Parintins, Amazonas. O estudo demonstra a importância da seleção de critérios de avaliação do estado nutricional adequada à população investigada e contribui na interpretação desses indicadores para populações em que há múltiplos riscos nutricionais decorrentes dos hábitos alimentares e fatores socioeconômicos.

Os resultados apontam para a necessidade de implementação de intervenções em saúde voltadas para a melhoria dos hábitos alimentares que provocam o excesso de peso e obesidade; e a redução das iniquidades sociais que levam ao estado de desnutrição e déficit de crescimento. A manutenção e melhoria do alcance de políticas de distribuição e geração de renda, bem como a qualidade da alimentação oferecida nas escolas e realização de aconselhamento nutricional para os escolares são recomendadas para melhoria do panorama de estado nutricional das crianças.

 

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Endereço para correspondência:
Marcelo Gonçalves Duarte
duartemg@gmail.com

Manuscrito recebido: Dezembro 2017
Manuscrito aceito: Março 2017
Versão online: Junho 2018

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