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Journal of Human Growth and Development

Print version ISSN 0104-1282On-line version ISSN 2175-3598

J. Hum. Growth Dev. vol.28 no.2 São Paulo May/Aug. 2018

http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.147219 

ARTIGO ORIGINAL

 

Programa saúde na escola: dos processos formativos aos cenários de práticas

 

 

Mirna Neyara Alexandre de Sá Barreto MarinhoI, II; Neiva Francenely Cunha VieiraIII; Heraldo Simões FerreiraIV; Alice Maria Correia PequenoV; Itamara da Costa SousaVI; Antônia Priscila PereiraVII; Aretha Feitosa de AraújoII, VIII; Maria de Fátima Antero Sousa MachadoIX

IEnfermeira, mestre em ensino na saúde pela Universidade Estadual do Ceará (UECE) - Fortaleza (CE), Brasil
IIMembro técnico do Grupo de Pesquisa Clínica, Cuidado e Gestão em Saúde (GPCLIN) da Universidade Regional do Cariri (URCA) - Crato (CE), Brasil
IIIEnfermeira, PhD. Bolsista de produtividade do CNPQ (nível 2), Professora titular da Universidade Federal do Ceará (UFC) - Fortaleza (CE), Brasil
IVEducador físico, PhD. Professor adjunto da UECE - Fortaleza (CE), Brasil
VGeóloga, doutora em saúde pública. Professora permanente do Curso de Mestrado Profissional Ensino na Saúde (CMEPES) da UECE - Fortaleza (CE), Brasil
VIEnfermeira, mestre em enfermagem. Professora da Faculdade Estácio - Juazeiro do Norte (CE), Brasil
VIIEnfermeira, mestranda em enfermagem. Membro do Grupo de Pesquisa em Saúde Coletiva (GRUPESC) da URCA - Crato (CE), Brasil
VIIIEnfermeira, mestre em ensino na saúde pela UECE. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Cuidados Clínicos em enfermagem e saúde da UECE- Fortaleza (CE), Brasil
IXEnfermeira, Doutora em enfermagem. Professora associada da URCA - Líder do GRUPESC da URCA - Crato (CE), Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: O Programa Saúde na Escola (PSE) é uma política intersetorial entre os ministérios da saúde e da educação com a perspectiva da atenção integral (prevenção, promoção e atenção) à saúde de crianças, adolescentes e jovens do ensino público básico, no âmbito das escolas e unidades básicas de saúde. Possui cinco componentes estruturantes a serem desenvolvidos pelos profissionais, que necessitam de formação permanente para o alcance de seus objetivos e metas
OBJETIVO: Analisar o processo de formação dos profissionais de saúde e educação do PSE.
MÉTODO: Pesquisa qualitativa, fundamentada no referencial teórico de Paulo Freire, cujas categorias epistemológicas foram compiladas por Ecco (leitura de mundo, temáticas significativas, diálogo, curiosidade e problematização). Coleta realizada por meio de entrevista com 45 profissionais e analisada a partir do referencial.
RESULTADOS: A leitura de mundo em relação à formação apresentou-se permeada de dúvidas para o trabalho com os adolescentes. No tocante às temáticas significativas, manifestaram interesse em estudar alguns conteúdos pelas particularidades deste público. O diálogo foi incitado no repasse das informações e determinações estabelecidas pela gestão. Quanto à curiosidade, os profissionais apontaram incertezas acerca da continuidade das ações do programa, e relataram necessidades de aprendizagem não contempladas. A problematização não foi evidenciada nas falas.
CONCLUSÃO: Destacam-se lacunas na formação do profissional no PSE para uma atuação que considere a promoção de saúde do adolescente.

Palavras-chave: saúde escolar, promoção da saúde, adolescente, educação continuada.


 

 

INTRODUÇÃO

O Programa Saúde na Escola (PSE) é uma política intersetorial em que os ministérios da saúde e da educação atuam juntos na perspectiva da atenção integral (prevenção, promoção e atenção) à saúde de estudantes da educação básica pública brasileira, no espaço das escolas e/ou Unidades Básicas de Saúde (UBS) do Sistema Único de Saúde (SUS)1.

Cinco componentes estruturam o PSE, sendo que o terceiro componente envolve a educação permanente e capacitação de profissionais de educação e saúde, crianças, adolescentes e jovens, com empreendimento de esforços para viabilizar a formação de profissionais nos cenários municipais para o trabalho com o público alvo, objetivando alinhar o discurso e as ações desenvolvidas2.

O campo da qualificação dos profissionais inseridos no SUS vem sendo referendado por movimentos sociais, legislações e políticas públicas que defendem o fortalecimento da integração ensino-serviço-comunidade, tendo a Educação Permanente em Saúde (EPS) como estratégia para a reorganização das práticas de formação, atenção, gestão, formulação de políticas e controle social no setor da saúde, através de ações intersetoriais e mudanças no ensino da saúde que contem com a participação dos diferentes atores sociais3. Nesse sentido, a formação de profissionais no PSE contribui para atender as demandas de saúde de crianças, adolescentes e jovens na perspectiva da atenção integral.

Pela criação do programa ainda considerada recente e sua expansão gradativa em todo o país, não são contemplados estudos que identifiquem a formação dos profissionais envolvidos neste contexto para executarem as ações determinadas e as que se relacionem ao contexto local. A formação representa uma importante vertente para alcançar os pressupostos estabelecidos pelos ministérios e, por conseguinte, um desafio para a consolidação da proposta.

Utilizou-se como referencial teórico para este estudo as bases de Paulo Freire, na perspectiva de construção do conhecimento, relacionando as categorias epistemológicas encontradas em suas obras, compiladas e denominadas por Ecco4 como leitura de mundo, temáticas significativas, diálogo, curiosidade e problematização.

Pensando na leitura de mundo, na concepção de Freire5, todos são capazes de obter uma análise sobre a sua realidade, e que o conhecimento advindo da prática não é por si suficiente. Já as temáticas significativas possuem um caráter transformador, promovendo integração do conhecimento e transformação social6. O diálogo está intrinsecamente ligado à palavra, que refletida autenticamente gera compromisso e modifica a realidade6. A curiosidade é compreendida pela intensidade com que o ser humano pretende conhecer/desvendar fenômenos, acontecimentos, relações, realidades que se apresentam como desafiadoras4. A problematização defende a transformação de uma sociedade dominante para uma mais justa a partir da descrição de uma realidade concreta, no entrechoque de suas contradições e na possibilidade de enfrentamento7.

Considerando essa perspectiva, a relevância desta investigação está na contribuição para o cenário escolhido e ainda para outros municípios que necessitem aprimorar o trabalho no PSE a partir da formação dos profissionais. Assim, objetivou-se analisar o processo de formação dos profissionais envolvidos no PSE para atuarem frente às demandas de saúde do adolescente.

 

MÉTODO

a) Tipo de estudo

A pesquisa é descritiva de abordagem qualitativa, que compreende a realidade a partir da análise crítica de processos, estruturas, percepções, produtos e resultados ao considerar a percepção dos atores sociais com a possibilidade de transformação de seus contextos de vida8.

b) Cenário e participantes do estudo

O estudo foi realizado nos municípios de Barbalha, Crato e Juazeiro do Norte, denominados de Região Metropolitana do Cariri (RMC) e localizados ao sul do estado do Ceará, Brasil.

De acordo com o Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde (CNES), Barbalha possui 23 postos de saúde, Crato 31 unidades classificadas como centros e postos de saúde e Juazeiro do Norte 47 UBS. O número de equipes da Estratégia de Saúde da Família (ESF) é de 23, 40 e 76, respectivamente. Com relação ao quantitativo de escolas, são 84 em Barbalha, 79 em Crato e 113 em Juazeiro do Norte.

Não havia nos municípios registros dos profissionais com formação no PSE, portanto, optou-se como cenário as unidades participantes da Semana Saúde na Escola (SSE) em 2013, chegando-se a um quantitativo de 11 escolas e ESF em Barbalha, 12 em Crato e 15 em Juazeiro do Norte.

Os profissionais participantes do estudo eram integrantes das ESF e das escolas, sendo duas de cada município (totalizando seis escolas e seis ESF), incluídos intencionalmente na investigação em virtude da vinculação com o PSE há mais de seis meses, participação em formações e/ou ações da SSE no ano da coleta e por estarem no exercício de suas funções durante o período. Dessa forma, totalizou-se 52 sujeitos, e destes, 45 participaram da pesquisa, sendo 25 Profissionais de Educação (PE) e 20 Profissionais de Saúde (PS). Apenas 16 declaram formação no PSE.

c) Coleta e organização dos dados

A coleta ocorreu entre os meses de setembro de 2013 a janeiro de 2014 por meio de entrevistas semiestruturadas, gravadas, realizadas em uma única oportunidade com cada participante, de duração média de 15 minutos. As entrevistas foram transcritas e organizadas de acordo com o referencial teórico de construção de conhecimento de Paulo Freire.

Para tanto, as categorias do estudo foram às próprias categorias epistemológicas (leitura de mundo, temáticas significativas, diálogo, curiosidade e problematização), denominadas de analíticas pelo embasamento teórico já instituído e considerando as evidências construídas de acordo com o objeto de investigação. O quadro 1 apresenta as categorias e evidências que orientaram o processo de organização (Figura 1).

d) Análise dos dados

As evidências extraídas das entrevistas correlacionadas a cada categoria epistemológica/analítica permitiram a obtenção da leitura de mundo dos profissionais no tocante ao processo formativo para atuação no programa, as temáticas significativas determinantes no processo de aprendizagem considerando a sua realidade, a dimensão do diálogo e da curiosidade nas práticas e na formação e ainda a problematização no sentido de compreender a utilização desta como metodologia ativa de ensino e aprendizagem durante os processos formativos.

Além das obras de Paulo Freire e dos autores que compartilham de suas teorias, tomou-se também como base os estudos que versam sobre o adolescente e sua saúde, as políticas de saúde do adolescente, da promoção da saúde e do PSE.

e) Aspectos éticos

Pesquisa obteve parecer favorável do Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Estadual do Ceará sob o número de protocolo 357.437.

 

RESULTADOS

Categoria 1. Leitura de mundo

Percepção dos profissionais sobre o seu processo de formação para atuação no programa

A percepção dos profissionais sobre o seu processo de formação para atuação no PSE foi relacionada à bagagem de vida e experiências adquiridas na prática profissional, à realização de alguns cursos envolvendo a saúde do adolescente e à formação acadêmica.

(...) "Muitos anos que eu trabalho na comunidade, muitos anos que eu trabalho num hospital, então a gente aprende muitas coisas" (PS. 10).

(...) "A gente traz é a bagagem que aprendeu na faculdade, os estudos e o que a gente vive" (PS. 20).

"A gente usa mais o conhecimento que a gente tem de vivência, de experiência, de situações que nós já vivenciamos dentro da escola em sala de aula e até da nossa formação como pessoa" (PE. 1).

Reconhecem, no entanto, insegurança e limitações quanto ao desenvolvimento de atividades no PSE.

(...) "A gente deveria ter mais capacitações principalmente pra atuar nessa faixa etária" (PS. 14).

"Então nós não somos capacitados e habilitados pra essa questão do tratar da saúde do adolescente" (PE. 1).

(...) "Não tenho nenhum aprofundamento, nenhum conhecimento sobre o programa" (PE. 15).

Categoria 2. Temáticas significativas

Temáticas sugeridas/desejadas com base na realidade vivenciada

Os profissionais destacaram assuntos como: sexualidade e gênero, gestação, drogas, metabolismo, alimentação saudável, higiene corporal, saúde bucal e ainda o próprio programa.

"Acredito que mais conhecimento sobre o programa" (...) (PS. 7).

(...) "Alcool e droga (...) as doenças sexualmente transmissíveis" (PE. 6).

(...) "Poderiam ser trabalhados reprodução humana, sexualidade" (PE. 23).

(...) "Alimentação saudável, higiene tanto bucal como corporal também" (...) (PE. 25).

Temas decorrentes das ações já realizadas no PSE

Enfatizaram bastante os temas decorrentes das ações realizadas, em especial o que foi desenvolvido na SSE: avaliação nutricional, alimentação saudável, acuidade visual, educação sexual, cultura de paz, higiene bucal, álcool e outras drogas.

"A primeira coisa que a gente fez foi à verificação do estado nutricional desses adolescentes na escola, e a segunda atividade a gente fez a avaliação da acuidade visual" (PS. 12).

(...) "Alimentação saudável, de educação sexual, de cultura de paz, e principalmente fizemos a avaliação nutricional desses alunos" (PS. 15).

Categoria 3. Diálogo

Escuta das demandas e dificuldades nos processos formativos e na realização das ações

Os relatos apontam que não havia tempo para debate nas formações e que a opinião de quem executava as atividades não era valorizada, entretanto escutavam o que a gestão repassava acerca do programa durante as reuniões.

"Mas foi uma coisa muito rápida na capacitação, teve muitas dúvidas que não foram respondidas" (...) (PS. 14).

(...) "A grande maioria das vezes as ações do PSE já vem prontas pra gente. Olha vocês vão ter que fazer isso!" (PS. 15).

"A gente até sugeriu outras temáticas, mas eles disseram que não" (PS. 22).

Troca de experiências e repasse das informações recebidas nos processos formativos ou em outras situações

Nas UBS estes momentos ocorreram sob a condução dos enfermeiros e, nas escolas, com os participantes das formações.

"O enfermeiro, ele fez reuniões com os ACS, ele juntou os que não tinham ido pra capacitação e ele passou todas as informações" (...) (PS. 1).

(...) "Tem as formações pra alguns profissionais aqui da educação e quando eles voltam pra escola eles repassam pra gente o que foi colocado lá" (...) (PE. 7).

Interação nos processos formativos

Nas reuniões, estes momentos ocorreram com o objetivo de repasse de estratégias por parte da gestão, e nas formações mencionaram pouca ou nenhuma interação (pela superficialidade, curta duração e formalidade).

(...) "A gente vai pras reuniões é só pra apresentar estratégias de trabalho" (PS. 15).

(...) "Muitas vezes, quem está lá na frente está preocupado em simplesmente cumprir uma formalidade" (PE. 1).

(...) "Esse mês é que a pessoa responsável entrou pra falar sobre as ações, da importância das ações (...). Mas assim uma coisa muito superficial, uma questão de 15 minutos na formação" (PE. 15).

Informações sobre as formações realizadas pela gestão

Houve participação e conhecimento dos processos formativos em alguns cenários, porém outros desconheciam por completo.

"Desde que participei da primeira semana de formação para o PSE proporcionado pelo município de lá pra cá não tive mais conhecimento de nenhuma outra formação específica" (PS. 16).

(...) "Sempre é nos passado a formação, o local, com quem é, quais as pessoas que devem participar, e sempre a gente envia as pessoas para participarem" (PE. 7).

(...) "Eu desconheço a questão da formação para o professor trabalhar no PSE" (...) (PE. 21).

Curiosidade

Dúvidas suscitadas nas formações ou na participação do programa

As dúvidas e inquietações estavam relacionadas à atuação no programa, frente ao desconhecimento de quais condutas seriam tomadas com os adolescentes posteriormente às ações.

"Mas e depois de feito tudo isso? Qual foi o resultado, qual foi a contrapartida?" (PS. 10).

(...) "Sinceramente eu acho muito falho porque assim, a gente vai lá faz a triagem e ninguém sabe o que é feito depois" (...) (PS. 17).

(...) "Então é feita a prevenção, mas e depois, o que acontece? Para" (...) (PE. 18).

Atendimento das necessidades de aprendizagem dos profissionais

O atendimento às necessidades de aprendizagem dos profissionais não foi alcançado, ora por uma deficiência ou mesmo pela inexistência de formações no PSE.

(...) "Nunca teve nenhuma capacitação, seria ótimo se viesse a ter. Minhas necessidades de aprendizagem não têm sido contempladas" (PS. 2).

(...) "Precisa de mais esclarecimento. Eu acredito que assim, um treinamento, uma coisa assim, pra gente poder se atualizar mais" (PS. 7).

Os discursos dos profissionais da educação relacionaram-se às dificuldades encontradas por não serem da área da saúde ou sobrecarga de trabalho.

"Ai muitas necessidades, porque quem não é da área de saúde (...). Precisa de mais informações. Mais encontros, pra gente adquirir mais conhecimento" (PE. 11).

"Não porque não quisesse não. É por conta de tantas atribuições que a gente já tem aqui na escola (...) é um peso até" (PE. 15).

Nesse contexto, evidenciaram a busca individual para o alcance de conhecimentos relacionados ao PSE, através de pesquisas na internet e orientações com outros profissionais.

(...) "Então os avanços na formação pra mim foram no sentido particular mesmo, eu procurar me informar, procurar no Ministério da Saúde sobre o programa" (PS. 14).

"A gente procura conversar com os profissionais da saúde" (...) (PE. 7).

Participação/Motivação/Interesse relatados nos processos formativos

Mencionaram participação restrita ou parcial nos processos formativos e outros demonstraram maior interesse.

(...) "Minha participação foi só de ouvinte mesmo, a gente não fez a prática lá com a doutora não" (PS.12).

(...) "Nas formações eu escuto, participo, questiono" (PS.15).

"Minha participação ocorreu na formação dos grupos, então cada grupo ia discutindo ações relevantes aos problemas encontrados na escola" (PE. 3).

(...) "Eu participei indo" (PE.16).

Problematização

Estratégias e metodologias de aprendizagem utilizadas

Determinadas falas apontam para uma formação baseada em aspectos tradicionais da educação.

"Foi uma palestra com o programa, qual a faixa etária do programa e como a gente deveria trabalhar" (PS. 14).

"As reuniões são sempre convocadas pela gestão e são sempre conduzidas pela gestão também" (PS. 15).

Outras apontaram uma maior aproximação com estratégias ativas de ensino aprendizagem, no intuito de alcançar uma participação mais expressiva dos profissionais, porém, não contemplavam a problematização em sua essência.

(...) "Foram feitas reuniões, rodas de conversa, como o programa vai ser repassado para os alunos, no programa PSE, e aí a gente coloca em prática" (PS. 13).

"Tivemos oficinas e palestras, a gente teve uma semana de treinamento e foi bem interessante" (PS. 18).

(...) "Formando grupos, e cada grupo discutia as ações lá pra trabalhar com alunos, com adolescentes" (PE. 3).

 

DISCUSSÃO

Há uma diferença radical entre formar e treinar, pois a formação apresenta uma maior profundidade, traz uma necessidade precisa de transformar a consciência das pessoas, aumentando a curiosidade intuitiva e ampliando a habilidade crítica9. Nessa perspectiva, adotou-se a expressão "formação" neste estudo.

Os profissionais destacaram que a formação referente ao PSE era insuficiente para atender as demandas e necessidades dos adolescentes citando suas experiências de vida, acadêmicas e o trabalho realizado com adolescentes em outros programas. A inexistência de uma formação mínima delineada advinda dos ministérios articuladores para estes profissionais compromete o direcionamento adequado no tocante a este componente.

Observou-se uma passividade dos profissionais da educação, por compreenderem que não possuem habilidades para trabalhar determinadas temáticas na área da saúde. Convém-se pensar em uma formação permanente e orientada de fato pelo contexto, pensando nas demandas dos profissionais e adolescentes.

Pesquisa realizada com os profissionais integrantes do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica sobre os componentes do PSE aponta que ações relacionadas à formação dos profissionais são pouco efetivadas, sendo esta uma condição fundamental para os sujeitos que atuam nas escolas e nas UBS, além disso, destacam a necessidade de contratação de profissionais das mais diversas formações e especialidades, com perfil e competência para as ações de promoção de saúde, contribuindo com o trabalho dos que estão no dia a dia com o adolescente10.

Ao referirem os temas que gostariam que fossem contemplados na formação, os profissionais ressaltaram as lacunas de saberes e o contexto de vida dos adolescentes, apontando as situações de vulnerabilidade. Foram enfatizados conteúdos de ordem biológica, de modo que os profissionais não conheciam ou não compreendiam a relevância de outras temáticas para uma construção cidadã com o público do programa.

Uma temática significativa se faz não apenas investigando ideias sob um determinado contexto, mas, sobretudo, questionando aos interessados o porquê de estudar aquele tema, analisando o "como" e o "para quê" compreendê-lo11.

Convém ampliar o conceito de saúde manifestado pelos profissionais, uma vez que ela está para além de fatores biológicos, englobando determinantes e condicionantes de saúde12, além da necessidade de compreender o adolescente como um ser em potencial e com muitas particularidades, que age e reage de forma distinta nas mais diversas situações, e que deve ser considerado em sua multidimensionalidade e singularidade13. Este olhar abrangente certamente proporcionaria a identificação de outras temáticas no cotidiano do processo de trabalho.

Os temas implementados estavam direcionados à realização das atividades pactuadas no PSE, desconsiderando as lacunas de saberes dos entrevistados e o contexto dos adolescentes escolares, além de deficiências no arcabouço destas formações, pois os conteúdos mencionados já deveriam ter sido executados através da coordenação do programa.

No que consiste ao diálogo, a escuta era oportunizada nas reuniões internas da ESF, nas quais as gestões repassavam suas metas e determinações e em algumas situações era possibilitada à fala aos profissionais. No entanto, algumas opiniões não foram consideradas, compreendendo então que se tratava de um diálogo verticalizado. Em razão das escassas formações ocorridas e de nem todos os sujeitos do estudo terem delas participado, a escuta nesses momentos foi pouco mencionada, e, mesmo assim com deficiências, pois as dúvidas não foram sanadas na situação.

Faz-se importante destacar que estabelecer uma relação pedagógica pautada no diálogo reflexivo fortalece o processo de ensino-aprendizagem com resultados positivos aos sujeitos envolvidos na ação pedagógica, além dos ganhos para o público-alvo14.

Sobre a troca de experiências e repasse das informações, estes foram mencionados na ESF e nas escolas, em especial pela necessidade de compartilhar as atividades que seriam desenvolvidas no contexto escolar com os adolescentes. Na ESF, essa troca foi atribuída aos enfermeiros da unidade, pelo potencial educativo que possuem e pela supervisão direta dos agentes comunitários de saúde (ACS). Nessa perspectiva, estudos consideram o enfermeiro como um educador nato em saúde a partir de seus papeis desempenhados e que possui uma atribuição de suma relevância na ESF que é a de capacitar e aperfeiçoar os ACS para trabalhar com a população15,16.

No tocante à interação, foi mencionado que as formações são de ordem mais burocrática apresentando, por sua vez, pouca relevância aos cenários dos profissionais. Quando o diálogo se faz presente nestes momentos educativos como ferramenta relacional, com aproximação entre educadores e educandos e consciência da responsabilidade de seus papéis, há uma maior compreensão do objeto estudado ampliando-se o exercício da liberdade com uma inserção criativa e transformadora17.

Já no que consiste a comunicação para realização dos processos formativos do PSE, observou-se divergências nas falas, já que alguns profissionais estavam cientes destes momentos e outros desconheciam qualquer atividade formativa. Ressalta-se o diálogo como elemento essencial neste contexto, para que se alcance uma comunicação concreta entre os diversos atores. A comunicação reflete diretamente na qualidade, continuidade e consecução do trabalho, satisfação das necessidades dos profissionais e desenvolvimento do trabalho em equipe18. Nessa ótica, o diálogo precisa ser possibilitado em uma dimensão mais abrangente que a apresentada nos cenários estudados.

As dúvidas levantadas sobre o desenvolvimento do trabalho no PSE estavam direcionadas apenas à continuidade das ações. Os profissionais não apresentavam questionamentos sobre os assuntos inerentes ao programa nem lhes foi oportunizados momentos nas formações ocorridas que possibilitassem o exercício da curiosidade.

A prática educativa deve ser capaz de proporcionar aos educandos sua curiosidade a fim de torná-los mais críticos, produzindo o conhecimento em colaboração com outros, proporcionando situações criadoras de saberes, tornando o ato educativo autêntico19.

Entende-se que não ocorreu uma investigação profunda por parte da gestão local objetivando conhecer as necessidades de aprendizagem desses profissionais. Há, portanto, uma barreira entre quem planeja (gestão e coordenação) e quem executa (profissionais dos serviços) estas atividades. A formação deve ser sustentada no diálogo, na discussão e no debate, requerendo o olhar para os saberes dos indivíduos, compreendendo que a história é um processo de participação de todos6.

Os profissionais responsabilizaram integralmente a gestão por esta deficiência, sem considerar o compromisso que também lhe é salutar neste cenário. Outros apresentaram uma postura mais ativa, buscando alternativas para contemplar as lacunas que permeiam sua aprendizagem, demonstrando interesse, compromisso e seriedade com o trabalho a ser desenvolvido com o adolescente.

Ressalta-se que o aspecto da motivação precisa ser considerado, já que ela é um elemento determinante para a aprendizagem. Assim, os fatores intrínsecos dos profissionais precisam ser conhecidos de modo que sejam trabalhadas as suas particularidades, e os fatores extrínsecos necessitam de uma melhor sistematização pensando nos conteúdos abordados, relacionando-os ao contexto de trabalho dos profissionais bem como utilizando metodologias e estratégias adequadas para cada temática.

Reforçando esta prerrogativa, Tronchin et al.20salientam que no processo de aprendizagem em adultos, emerge a necessidade de saber o motivo pelo qual conteúdos e conceitos estão sendo estudados, que o aprendizado acontece de maneira mais efetiva na resolução de problemas e que a motivação para aprender é maior se for intrínseca (individual) e se o conteúdo a ser aprendido puder ser aplicado logo em seguida.

As falas sinalizaram para um despertar da curiosidade quando mencionaram o interesse, o desejo de aprender e os questionamentos levantados, além da participação em grupos de discussão que amplia o desejo de conhecer, compreendendo outras realidades. Em outros discursos foram evidenciados aspectos de uma formação centrada na abordagem tradicional da educação, na perspectiva de que o educador fala, transmite o seu conteúdo sem oportunizar a fala do educando, sem despertar a curiosidade necessária a este momento11.

A problematização apresenta-se como uma proposta metodológica que busca um currículo orientado para os problemas, ampliando o olhar sobre outras dimensões da realidade, já que não parte de problemas previamente dados, mas sim da própria ação-reflexão-ação dos educandos, sendo, para tanto, não um método voltado para a discussão teórica, mas para a integração entre a ação e a reflexão e transformações práticas que esta alcança21. Ela encontra seus fundamentos em especial na filosofia da práxis e na pedagogia libertadora/problematizadora de Paulo Freire, em que o eixo básico de orientação de todo o processo se refere à ação-reflexão-ação transformadora11.

Ao analisar a categoria problematização, percebe-se que a formação está centrada no modelo de educação tradicional, de transmissão de conteúdos sem uma participação/colaboração dos profissionais, de maneira a despertá-los para uma aprendizagem significativa diante de seu contexto de atuação. Nesse panorama, os articuladores da formação para o PSE necessitam pensar e desenvolver uma proposta educativa que valorize o conhecimento dos profissionais, situações vivenciadas junto ao programa a partir de suas experiências pessoais e do cotidiano de trabalho, de modo que todos sejam partícipes nesse processo.

Estratégias educativas foram mencionadas, tais como as oficinas, rodas de conversa e trabalho em grupo para debate de algumas situações, oportunizando a troca de ideias, sugestões e opiniões para determinados contextos do adolescente. Ressalta-se, no entanto que as metodologias ativas de ensino-aprendizagem, representadas pela aprendizagem baseada em problemas e pela problematização não estão sendo trabalhadas neste cenário21.

Em todo processo de formação, surge o compromisso de realizar o levantamento das temáticas de interesse do público-alvo, com contextualização para que o conhecimento seja aperfeiçoado e traga sentido aos contextos de atuação. O diálogo necessita ser viabilizado não apenas na escuta, mas no planejamento, execução, acompanhamento e avaliação das atividades, possibilitando horizontalidade nas relações e compromisso dos envolvidos. A curiosidade, para superar a dimensão de ingênua para epistemológica também requer essa participação, na perspectiva da corresponsabilidade que se efetiva quanto mais ocorre o despertar para a realidade.

Estratégias de ensino são favoráveis em determinadas situações, porém, para uma proposta abrangente e com muitas nuances como é a do PSE, a problematização deve ser utilizada, por ser uma metodologia que oportuniza a pergunta, o questionamento, a reflexão e acima de tudo a transformação social.

Faz-se necessária uma organização nas bases para debater sobre o programa, analisá-lo, refletir sobre o impacto que as ações desenvolvidas têm proporcionado, suprindo as lacunas de conhecimento a partir da utilização dos saberes múltiplos da saúde e educação, com reflexão e ruptura de paradigmas, contemplando a participação e integração constante de todos os atores envolvidos e buscando trazer para estes cenários o arcabouço das categorias epistemológicas, almejando uma formação motivadora e diferenciada com avanços à promoção de saúde do adolescente em diversas facetas.

 

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Endereço para correspondência
Mirna Neyara Alexandre de Sá Barreto Marinho
mirna.neyara@bol.com.br

Manuscrito recebido: Janeiro 2018
Manuscrito aceito: Junho 2018
Versão online: Junho 2018

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