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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282versão On-line ISSN 2175-3598

J. Hum. Growth Dev. vol.28 no.3 São Paulo set./dez. 2018

http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.152158 

ARTIGO ORIGINAL 

 

Análise do efeito dos fatores ambientais sobre o desenvolvimento neuropsicomotor de crianças em comunidade amazônica

 

 

Ana Paula Pureza PantojaI; Givago Silva SouzaII; Erica Feio Carneiro NunesI; Lucieny da Silva PontesI

IUniversidade do Estado do Pará (UEPA) - Belém (PA), Brasil
IIUniversidade Federal do Pará (UFPA) - Belém (PA), Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: É Os primeiros anos da vida de uma criança são marcados por um importante desenvolvimento, além da alta sensibilidade às influências ambientais, como condições de pobreza e moradia e qualidade e estrutura familiar. Desta forma, a identificação de fatores de riscos ambientais e atrasos do desenvolvimento neuropsicomotor, somada a intervenção precoce, são essenciais para um desenvolvimento saudável.
OBJETIVO: Analisar o efeito dos fatores ambientais no desenvolvimento neuropsicomotor de crianças em comunidade Amazônica.
MÉTODO: Estudo quali-quantitativo do tipo transversal e analítico, realizado com 50 crianças entre 24 e 36 meses de idade, de ambos os sexos, residindo em uma comunidade Amazônica. Foram utilizados um questionário socioeconômico-ambiental, o Infant/Toddler (IT) HOME Inventory, para analisar a qualidade do ambiente familiar e o Teste de Triagem de Denver II, para triagem do desenvolvimento neuropsicomotor, e a análise descritiva dos dados foi feita utilizando o cálculo das médias e desvios padrão.
RESULTADOS: O estudo constatou que a maioria significativa das crianças apresentou o desenvolvimento neuropsicomotor normal, no entanto, das crianças classificadas com atraso, a variável de maior impacto no desenvolvimento foi a qualidade do ambiente familiar, que por sua vez sofreu influência da classe econômica inferior, falta de tratamento da água, ausência de energia elétrica e banheiro tipo externo.
CONCLUSÃO: Os fatores ambientais não foram significativos perante o desenvolvimento neuropsicomotor das crianças ribeirinhas da comunidade amazônica.

Palavras-chave: desenvolvimento neuropsicomotor, meio ambiente, relações familiares, vulnerabilidade social.


 

 

INTRODUÇÃO

A Amazônia é a região de maior biodiversidade e com a maior bacia hidrográfica do planeta, formada por uma variedade de ecossistemas, desde florestas altas e densas até terras de várzeas, os igapós e furos. Ao longo da margem dos seus rios, vive uma população conhecida como ribeirinhos1. As comunidades ribeirinhas são marcadas por acentuado grau de isolamento e exclusão social, assim como precários investimentos em políticas públicas, uma vez que o isolamento geográfico torna-se uma barreira para que essas famílias tenham acesso e igualdade de oportunidades na esfera econômica, de educação e de saúde2.

Nos países em desenvolvimento, cerca de 219 milhões de crianças menores de 5 anos não alcançam seu potencial de desenvolvimento, entre os principais fatores estão: a desnutrição, as condições de pobreza e a estimulação neuropsicomotora e de linguagem inadequada3.

Dentre os fatores que interferem no desenvolvimento infantil, admite-se uma interação dinâmica de condições biológicas e ambientais4. Considerando os fatores ambientais, cita-se o espaço físico onde a criança convive, a estrutura e a dinâmica familiar, o estímulo verbal, o envolvimento emocional, as condições socioeconômicas, entre outros5.

O contexto familiar é um grande mediador dos modelos, padrões e influências sociais, sendo um dos primeiros ambientes de socialização com o qual a criança mantém contato. Assim, a qualidade dos laços afetivos entre pais e filhos, condições estáveis de vida - tanto socioeconômicas quanto psicossociais -, qualidade e variabilidade dos estímulos, são fatores importantes para o desenvolvimento infantil6,7.

A condição econômica desfavorável é um importante fator de risco para a saúde e o desenvolvimento infantil, com ampla gama de consequências, como problemas comportamentais, déficits na linguagem, na atenção, na memória e nas funções executivas na infância e ao longo da vida. Essas consequências não estão apenas relacionadas ao baixo valor aquisitivo, mas também às exposições associadas à pobreza como: a precária infraestrutura doméstica, residir em bairros com altos índices de violência, aglomeração familiar e a poluição atmosférica8.

Os primeiros três anos da vida de uma criança são marcados por um rápido e importante desenvolvimento, assim como uma alta sensibilidade às influências ambientais. Desta forma, a identificação de fatores de riscos ambientais e deficiências e/ou atrasos no desenvolvimento nos primeiros anos de vida da criança, somado a intervenção precoce, fornecem melhores chances de atingir a capacidade plena do desenvolvimento infantil9.

Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento10, o município de Igarapé-Miri/Pará se encontra entre os piores no Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (0,547) no ano de 2010 do Brasil, sugerindo que seus habitantes têm poucas oportunidades sociais de desenvolvimento, podendo estar em desvantagens no que se refere à sua participação e inclusão social. Dessa forma, este trabalho se propôs analisar os efeitos dos fatores ambientais no desenvolvimento neuropsicomotor de crianças ribeirinhas na comunidade amazônica Panacauera, de Igarapé-Miri/Pará.

 

MÉTODO

Estudo de caráter quali-quantitativo do tipo transversal e analítico, realizado com crianças entre 24 e 36 meses de idade, residindo com suas famílias na comunidade amazônica Panacauera, localizada na zona rural fluvial do município de Igarapé-Miri/Pará. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Estado do Pará (UEPA), sob o parecer número 622.947.

O Município de Igarapé-Miri encontra-se localizado na mesorregião do nordeste do Pará, microrregião do Baixo Tocantins, a 78 quilômetros da capital do Estado, com área da unidade territorial equivalente a 1.996,843 quilômetros11. A comunidade Panacauera está localizada na região das ilhas de Igarapé-Mirí e o único acesso é por meio de transporte fluvial.

A população de crianças entre 24 e 36 meses da comunidade Panacauera na época da pesquisa era de aproximadamente 110 crianças. Assim, o valor amostral foi calculado por meio do cálculo da amostra, com porcentagem de erro de 10%, devido às condições e aspectos envolvendo a coleta de dados, como o tempo reduzido de coleta e a dificuldade de transporte e acesso às residências, desta forma, a amostra totalizou em 50 crianças, das quais não houve perdas.

Como critério de inclusão foram selecionadas crianças com idade entre 24 a 36 meses, de ambos os sexos, nascidas com idade gestacional >37 semana e peso > 2500g., eutróficas, residentes na comunidade Panacauera, as quais os responsáveis concordaram em assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Foi elaborado um questionário socioeconômico-ambiental pelos pesquisadores, contendo informações a respeito da mãe e/ou responsável, histórico familiar, informações referentes ao pai, condições de moradia e ambiente. O perfil socioeconômico foi definido segundo a Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa12, que se baseia no poder de consumo (bens materiais e serviços) somado à escolaridade do chefe da família, tendo cada item seu valor de pontuação, sendo a pontuação mínima de zero ponto e a máxima de 46 pontos, estratificando as famílias em classe A, B, C, D e E, no qual a classe A representa a melhor situação econômica e social, seguida das classes B, C, D consideradas intermediárias e a classe E, representando a pior situação econômica.

Para medir a qualidade e a quantidade de estimulação e de suporte disponível para uma criança no ambiente doméstico foi utilizado o Home Observation for Measurement of the Environment (HOME) Inventory. Atualmente, existem quatro versões do inventário que cobrem as idades dos 0 aos 3 anos, dos 3 aos 6 anos, dos 6 aos 10 anos e uma versão para adolescentes dos 10 aos 14 anos. As quatro versões partilham algumas dimensões comuns embora cada versão contenha também itens e dimensões consideradas como particularmente relevantes para o período do desenvolvimento a que se referem13,14.

A versão utilizada foi a Infant/Toddler (IT) HOME Inventory, para crianças entre 0 - 3 anos de idade, composto de 45 itens, divididos em seis subescalas: Responsividade do cuidador - relacionado às verbalizações e interações de caráter afetivo; Aceitação da criança - itens relativos às práticas de controle comportamental e disciplinar; Organização do ambiente - características da organização de rotina da criança dentro e fora de casa; Materiais para aprendizagem - avaliação dos brinquedos disponíveis para a criança, bem como sua adequação desenvolvimental; Envolvimento dos pais - rotina de interações pais-criança, promotoras do desenvolvimento; e Variedade de experiência - contato social com outras pessoas, para além dos pais. O escore classifica em alto nível de risco (de 0 a 25 itens), médio nível de risco (de 26 a 36 itens) e baixo nível de risco (de 37 a 45 itens)13,14.

E para triagem do desenvolvimento neuropsicomotor foi utilizado o Teste de Triagem de Denver II, teste composto por 125 itens que são divididos em quatro domínios: pessoal-social, linguagem, motricidade fina adaptativa e motricidade ampla. O teste foi interpretado como normal, risco e atraso. Foram considerados casos de risco aqueles em que a criança apresentou um item de falha e/ou duas ou mais atenções, de atraso quando apresentou dois ou mais itens de falha, independente da área em que a falha ocorreu. Nos demais casos, a criança foi considerada normal15.

A coleta de dados foi realizada em domicílio, por meio de entrevista com o principal cuidador da criança e diretamente com a criança, no caso da aplicação dos testes específicos. Foi necessário apenas um pesquisador treinado para aplicação dos questionários e escalas, para que não houvesse viés durante as avaliações.

Para a análise descritiva dos dados foi utilizado o cálculo das médias e desvios padrão. Já a estatística inferencial, foi utilizado teste t de Student para comparação das variáveis quantitativas entre dois diferentes grupos e adotou-se Tukey como posthoc para comparação das médias entre três ou mais grupos. Em relação às variáveis qualitativas, para comparar a prevalência nas variáveis se utilizou o teste do Qui-quadrado e correlação linear de Pearson para verificar a associação entre elas. O nível de significância adotado foi p < 0,05. Os dados foram armazenados e analisados no programa estatístico SPSS 19.0, sendo apresentados através de tabelas.

 

RESULTADOS

A amostra foi constituída por 50 crianças com a média de idade de 30,67 ± 4,23 meses, variando entre 24 e 36 meses, sendo 42% do sexo feminino (F) e 58% do sexo masculino (M).

Durante as entrevistas foram coletadas informações da mãe e/ou responsável, histórico familiar, informações referentes ao pai, condições de moradia e ambiental e condição socioeconômica, caracterizando as variáveis socioambientais, observadas na Tabela 1. São famílias que vivem, em sua maioria, na extrema pobreza, com péssimas condições habitacionais, sem tratamento adequado de água e, metade das famílias ainda sem energia elétrica.

A estrutura familiar é predominantemente biparental, com os filhos tendo o convívio com o pai e a mãe. A figura materna é composta por mães de pouco estudo e jovens, com média de 23,80 ± 5,23 anos, já a idade paterna foi mais elevada de 26,89 ± 4,57 anos. O número de irmãos da criança foi 1,44 ± 1,64 e o número de residentes na casa com a criança apresentou média 5,04 ± 2,64 pessoas.

Os dados referentes à qualidade do ambiente familiar, segundo o protocolo de HOME, podem ser verificados na Tabela 2, evidenciando que a discreta maioria das variáveis citadas apresentou alto e médio risco, principalmente no que se refere às características da organização de rotina da criança dentro e fora de casa, os brinquedos disponíveis e variedade de experiência vivenciada pela criança.

A maioria significativa das crianças ribeirinhas da comunidade Panacauera apresentou o desenvolvimento neuropsicomotor, segundo o Teste de Triagem de Denver I, normal (Tabela 3), no entanto, observamos ainda 13 crianças com atraso, sua maioria no campo de linguagem.

O presente estudo evidenciou uma relação positiva entre a melhor qualidade do ambiente familiar das crianças com melhor desempenho no Teste de Triagem de Denver II, frente às crianças com atraso no desenvolvimento, estes dados são observados na Tabela 4.

Visto a importância do ambiente familiar para o desenvolvimento das crianças do estudo, observou-se que a qualidade do ambiente sofre influência de algumas variáveis socioambientais. As crianças que residem em lares sem tratamento de água, apresentaram piores níveis de qualidade de ambiente familiar, assim como aquelas com piores níveis socioeconômicos (Tabela 5). Ao se realizar uma análise comparativa, ainda foi analisado que as variáveis disponibilidade de energia elétrica (p<0,01*) e características do banheiro tipo próprio interno (p<0,01*) influenciam positivamente na qualidade do ambiente familiar, uma vez que crianças que os possuem apresentam lares significativamente superiores para estímulo ao desenvolvimento neuropsicomotor.

 

DISCUSSÃO

Nos últimos 10 anos, a economia brasileira foi marcada pela combinação de crescimento econômico e melhora da distribuição de renda. O produto interno bruto per capita real brasileiro aumentou 29% e foi caracterizado por uma evolução mais favorável da renda da população mais pobre, contribuindo para redução de desigualdades. Em 2001, 14,0% da população brasileira dispunha de renda domiciliar per capita até US$ 1,25/dia, linha internacional de extrema pobreza. Onze anos depois, em 2012, a extrema pobreza havia sido reduzida para 3,5% da população16.

As famílias em condições de pobreza convivem com condições de vida mais instáveis do que aquelas com melhores recursos socioeconômicos, limitando, desta forma, os investimentos em recursos e materiais que promovam um cotidiano estimulante para seus filhos. Assim como organização de rotinas, brincadeiras, leituras, jogos interativos, entre outras atividades que reforcem o desenvolvimento das crianças7,17,18.

Os resultados da presente pesquisa indicam que, quanto pior a qualidade da estimulação familiar disponível para a criança, mais afetado será seu desenvolvimento neuropsicomotor. Isso ocorreu, principalmente, devido à menor oferta de "material de aprendizagem" e "organização do ambiente".

Esses resultados estão de acordo com outros estudos brasileiros que utilizaram o HOME no contexto de famílias economicamente desfavorecidas: um estudo realizado com 147 crianças entre 24 e 36 meses de idade na microrregião do Alto Vale do Jequitinhonha, observou que o ambiente familiar apresentou um impacto direto e significativo no desenvolvimento cognitivo infantil, mais da metade das crianças (66,7%) conviviam em lares de alto risco, e o domínio mais afetado foi "material de aprendizagem" (60,5%)19.

Lamy et al.20 estudaram 176 crianças na mesma faixa etária em uma comunidade da periferia de São Luis (MA), para verificar a relação entre os estímulos domiciliares e o desenvolvimento infantil. Verificaram que pouco mais da metade dos ambientes domiciliares apresentavam alto risco, sendo "materiais de aprendizagem" a subescala com maior porcentagem de residências comprometidas (73,9%), seguido de "organização do ambiente" (64,2%).

Em comunidades ribeirinhas, os vínculos são intensos entre as crianças e o ambiente familiar, uma vez que as famílias passam mais tempo no ambiente doméstico do que em outros locais. Desta forma, o ambiente doméstico se torna importante para o desenvolvimento dos infantes, que apreendem habilidades motoras e sociais que serão aprimoradas e utilizadas ao longo da vida21.

O presente estudo ainda observou uma relação significativa de alguns fatores ambientais com alto nível de risco da qualidade do estímulo familiar na comunidade de crianças ribeirinhas: a pior classe econômica, a falta de tratamento da água, ausência de energia elétrica e banheiro do tipo externo.

Pesquisa realizada em 239 crianças entre 3 e 18 meses do município de Juiz de Fora (MG), demonstrou um impacto significativo entre qualidade do ambiente de casa e fatores de riscos socioeconômicos. O nível econômico dos pais parece estar relacionado ao maior acesso à informação e, consequentemente, maior conhecimento a respeito dos mecanismos que podem gerar desenvolvimento mais adequado e ambiente estimulante aos filhos, independentemente da idade da criança22.

González et al.23 analisaram a qualidade do ambiente familiar, pelo HOME, de 1.031 crianças urbanas entre 0 e 3 anos na Cidade do México. Verificaram que a condição socioeconômica inferior apresentou influência significativamente (p < 0.0001) tanto no escore geral quanto em todas as subescalas do HOME, demonstrando que a qualidade do estímulo do ambiente familiar se mostra sensível também em crianças do país da América do Norte, o México.

Em um estudo realizado no sul da Ásia, no Paquistão, pesquisou-se 1.219 crianças entre 0 e 3 anos de idade, oriundas do setor urbano e rural. Com a utilização da escala HOME, observaram que crianças do setor rural apresentaram a qualidade do ambiente familiar inferior aquelas do setor urbano, no entanto, não houve correlação significativa com o nível socioeconômico e condições de moradia, apenas com o desenvolvimento neuropsicomotor24.

As condições de moradia costumam retratar as dificuldades socioeconômicas das famílias. Crianças que convivem com moradias que não possuem serviço de água tratada ou banheiro da forma adequada, tem seu desenvolvimento afetado em função de estarem mais expostas a doenças que levam a dificuldades mentais e físicas25.

Em relação ao desenvolvimento infantil, observa-se que a maioria significativa das crianças ribeirinhas apresentou desenvolvimento neuropsicomotor normal. A área motora grossa, inclusive, não mostrou nenhum desvio, enquanto que, dentre as crianças na faixa de atraso, a área mais afetada foi a da linguagem, quase em sua totalidade.

Lima et al.26 avaliaram o desenvolvimento neuropsicomotor, com o Teste de Triagem de Denver II, 22 crianças institucionalizadas entre 0 e 4 anos de idade, residentes em Recife (PE), e constatou que a principal área detectada com atraso foi a linguagem (59,1%), e a menos afetada foi a área de motor grosso (18,2%).

Lourenço27 realizou um estudo voltado para a realidade amazônica, realizou a avaliação do desenvolvimento motor grosso pelo Teste de Triagem de Denver II de 188 crianças de 0 a 24 meses de idade, sendo a amostra de 85 crianças ribeirinhas e 103 urbanas. Como resultado, observou-se que a maioria significativa das crianças se desenvolveu de forma normal (89,9%), e o desenvolvimento motor ocorre em sua maioria na mesma faixa etária para ambas as populações, mas as ribeirinhas se encontram em desvantagens quando consideraram condições sanitárias e de moradia.

Já outro estudo em comunidades amazônicas, avaliou o desenvolvimento neuropsicomotor, também com Teste de Triagem de Denver II, de 37 crianças ribeirinhas entre 24 e 36 meses de idade. Constatou-se que a maioria significativa de amostra foi considerada normal (51,4%), seguido de risco (29,7%), e em menos proporção com atraso (18,9%). As principais áreas de atraso foram encontradas em linguagem e motor grosso, conjuntamente (57,2%)28.

O ambiente que caracteriza o contexto amazônico, como os rios e florestas amplas, onde são realizadas diversas brincadeiras dentro da rotina das crianças ribeirinhas, propiciam o aperfeiçoamento de habilidades motoras e resultam na criação de novos recursos comportamentais. Na medida em que adquirem maior independência e autonomia frente aos variados estímulos ambientais, somado a proximidade das crianças com seus cuidadores, potencializam o desenvolvimento infantil e socialização com a comunidade21.

Já o desenvolvimento da área da linguagem é, particularmente, suscetível aos efeitos prejudiciais do convívio em lares de baixos recursos socioeconômicos de crianças nos primeiros anos de vida, associada à baixa escolaridade dos pais. Além da linguagem, ainda ocorre o comprometimento de funções executivas, emocionais e cognitivas8,29,30.

O presente estudo observou que os fatores ambientais não foram significativos perante o desenvolvimento neuropsicomotor das crianças ribeirinhas da comunidade amazônica Panacauera, uma vez que a maioria das mesmas se apresentou sem atraso no desenvolvimento. Dentre a minoria das crianças classificadas com atraso, o campo da linguagem foi detectado como a principal área afetada.

No entanto, das crianças detectadas com algum atraso ou risco no desenvolvimento, a variável de maior impacto foi a qualidade de estimulação do ambiente familiar, que, por sua vez, sofreu influência significativa das condições socioeconômicas e de moradia que vivem os infantes. Desta forma, avaliar a qualidade do ambiente familiar para o desenvolvimento de crianças dentro de famílias ribeirinhas em comunidades de extrema pobreza, pode fornecer elementos importantes para políticas de saúde e educação a serem programadas pelas entidades públicas em comunidades da região Amazônica, a fim de se conscientizar a importância de se avaliar e instruir sobre o desenvolvimento infantil nessas áreas de risco.

São escassas as pesquisas com crianças ribeirinhas residentes na região Amazônica, poucos estudos longitudinais estão descritos na literatura, o que de certo modo dificulta a contextualização do tema. A biodiversidade Amazônica com seus rios, furos e igapós com comunidade que margeiam os rios dificultaram o acesso físico à comunidade, pois o único meio de transporte utilizado é o fluvial, com dias e horas restritos para o deslocamento do município de Igarapé-Miri até a comunidade, o que limitou a locomoção dos pesquisadores e o número da amostra. Sugere-se a reprodução do estudo em outras comunidades Amazônicas, a fim de para verificar a existência do mesmo padrão de resultados, e se ampliar o conhecimento da correlação dos fatores ambientais com o desenvolvimento de crianças ribeirinhas.

 

CONCLUSÃO

O presente estudo constatou que a influência dos fatores ambientais não foi significativa perante o desenvolvimento neuropsicomotor das crianças ribeirinhas da comunidade amazônica Panacauera, uma vez que a maioria das mesmas se apresentou sem atraso no desenvolvimento. Dentre a minoria das crianças classificadas com atraso, o campo da linguagem foi detectado como a principal área afetada.

A variável de maior impacto no desenvolvimento foi a qualidade de estimulação do ambiente familiar, que, por sua vez, sofreu influência significativa das condições socioeconômicas e moradia que vivem os infantes. Desta forma, avaliar a estimulação disponível para crianças dentro de famílias ribeirinhas em comunidades de extrema pobreza, pode fornecer elementos importantes para políticas de saúde e educação a serem programadas pelas entidades públicas.

 

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Endereço para correspondência:
lucienypontes@hotmail.com

Manuscrito recebido: Abril 2018
Manuscrito aceito: Outubro 2018
Versão online: Novembro 2018

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