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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282versão On-line ISSN 2175-3598

J. Hum. Growth Dev. vol.28 no.3 São Paulo set./dez. 2018

http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.152178 

ARTIGO ORIGINAL

 

Acidentes com aranhas e escorpiões no Alto Juruá, Acre - Brasil

 

 

Evandro Piccinelli da SilvaI; Wuelton Marcelo MonteiroII, III; Paulo Sérgio BernardeI

ILaboratório de Herpetologia, Centro Multidisciplinar, Campus Floresta, Universidade Federal do Acre, Cruzeiro do Sul, AC, Brasil
IIFundação de Medicina Tropical Dr. Heitor Vieira Dourado, Manaus, AM, Brasil
IIIUniversidade do Estado do Amazonas, Manaus, AM, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: Informações epidemiológicas sobre envenenamentos por animais peçonhentos são fundamentais para elaborar propostas de campanhas educativas para prevenção e podem contribuir para a melhoria do atendimento de pacientes admitidos nas unidades de saúde
OBJETIVO: Assim, o objetivo é Analisar o perfil epidemiológicos sobre o envenenamento por aranhas e escorpiões ocorridos na região do Alto Juruá, Amazônia Ocidental, Brasil no período de 2012 a 2017.
MÉTODO: Os dados epidemiológicos foram obtidos a partir das fichas do SINAN (Sistema de Informação de Agravos de Notificação) no Setor de Vigilância Epidemiológica do Hospital Regional do Juruá localizado em Cruzeiro do Sul.
RESULTADOS: Foram registrados 207 casos de acidentes com aracnídeos, predominando as picadas por escorpiões (148 casos; 71,9%). A média do coeficiente de morbidade durante o período de estudo foi de 12 casos por 100.000 habitantes para o araneísmo e de 29,28 para o escorpionismo. Não houve correlação entre os acidentes com aranhas e escorpiões com a pluviosidade ao longo dos meses durante o período de estudo.
CONCLUSÃO: A média da incidência de acidentes com aranhas e escorpiões na região do Alto Juruá é uma das maiores registradas para a Amazônia brasileira e é maior do que as médias para o Brasil, região Norte e para o estado do Acre. Os acidentes com aranhas e escorpiões não estiveram correlacionados com a pluviosidade, podendo outros fatores associados a biologia das espécies ou com as atividades humanas relacionados com a distribuição temporal, estando assim o risco de acidente com aracnídeos durante todo o ano.

Palavras-chave: animais peçonhentos, aranhas, escorpiões, epidemiologia, Amazônia.


 

 

INTRODUÇÃO

Envenenamentos por aranhas e escorpiões no Brasil representam aproximadamente 86.000 casos por ano1, constituindo um importante problema de saúde pública. Durante o período de 2009 a 2013, os escorpiões foram responsáveis por uma média de 60.000 casos de envenenamentos por ano que resultaram em uma média de 80 óbitos1. Neste mesmo período, ocorreram cerca de 25.000 casos de picadas por aranhas e 13 óbitos por ano. Os escorpiões são a principal causa de acidentes por animais peçonhentos, excedendo em dobro os casos de acidentes por aranhas2. No Brasil, entre o período de 2000 à 2012, o escorpionismo chegou a apresentar aumento significativo na incidência de casos, quintuplicando o número de casos3. A urbanização e as alterações ambientais favoreceram de alguma forma a multiplicação de escorpiões, em especial o Tityus serrulatus, espécie com grande potencial de colonizar áreas antropizadas3,4.

Na Amazônia o araneísmo e escorpionismo foram mais estudados em sua porção oriental e central5,6, com uma relativa escassez de publicações na região ocidental. No estado do Amazonas, os principais municípios com registros de araneísmo são: Rio Preto da Eva com frequência de 91 casos por 100.00 habitantes, seguido de Apuí com 58 casos e outros municípios com frequência de 4 casos por 100.000 habitantes6, já para o escorpionismo, o estado do Amazonas possui um registro de media de 7,6 casos/100.000 habitantes, onde os maiores registros foram em Apuí com 182 casos seguido de Rio Preto da Eva com 58,9 casos/100.000 habitantes5.

Informações sobre o araneísmo e escorpionismo são escassas na região Oeste da Amazônia e praticamente não existem informações publicadas sobre esse tema no estado do Acre. Estudo realizado na região do Alto Juruá por Pierini et al.7, apenas relataram a prevalência de indígenas e ribeirinhos picados por aranhas e escorpiões. Informações epidemiológicas sobre envenenamentos por animais peçonhentos são fundamentais para elaborar propostas de campanhas educativas para prevenção e podem contribuir para a melhoria do atendimento de pacientes admitidos nas unidades de saúde.

Assim, o objetivo é analisar o perfil epidemiológico dos envenenamentos por aranhas e escorpiões na região do Alto Juruá, Amazônia Ocidental, Brasil, de 2012 a 2017.

 

MÉTODO

Os dados epidemiológicos foram obtidos a partir das fichas do SINAN (Sistema de Informação de Agravos de Notificação) no Setor de Vigilância Epidemiológica do Hospital Regional do Juruá, localizado no município de Cruzeiro do Sul (Figura 1). O município de Cruzeiro do Sul apresenta aproximadamente 82.000 habitantes8, tendo como principais atividades econômicas a produção de farinha de mandioca, extrativismo, pesca, agricultura e criação de gado9. O clima da região é caracterizado como tropical quente e úmido, com temperatura média anual de 24º C, e pluviosidade média anual de 2500 mm. O período entre os meses de maio a outubro é considerado o mais seco do ano (Figura 1).

 

 

Foram registradas as seguintes variáveis: mês de ocorrência, aracnídeo causador (tipo de acidente), local do acidente (zona urbana e rural), localidade, município, dados do paciente (faixa etária, sexo e região anatômica atingida), sintomas e sinais apresentados, circunstâncias do acidente, tempo decorrido entre o acidente e o atendimento, o tipo de soroterapia das vítimas e a quantidade de ampolas utilizadas.

O coeficiente de morbidade (casos/100.000 habitantes) foi calculado dividindo o número de pessoas que sofreram acidentes com aranhas ou escorpiões, pelo número de habitantes do município durante o período de estudo9. Os dados de pluviosidade foram obtidos eletronicamente na Estação Meteorológica de Cruzeiro do Sul, do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET). Para verificar uma possível relação entre o número de acidentes com aranhas e escorpiões mensais com pluviosidade, utilizou-se o teste de correlação de Spearman10. Para análise das características epidemiológicas e clínicas foi utilizado o teste de qui-quadrado, considerando significativo quando o valor de p foi menor do que 0,05.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas do Acre - HCA/FUNDHACRE, em 22/12/2017.

 

RESULTADOS

Durante o período de 2012 a 2017 foram atendidos 207 casos de acidentes com aracnídeos no Hospital Regional do Juruá (Tabela 1), predominando as picadas por escorpiões (148 casos; 71,9%) (Figura 2). A média do coeficiente de morbidade durante o período de estudo foi de 12 casos por 100.000 habitantes para o araneísmo e de 29,28 casos por 100.000 habitantes para o escorpionismo. Os coeficientes de morbidade dos casos de araneísmo e escorpionismo variaram em cada ano, sendo o maior de araneísmo (18,15 casos/100.000 habitantes) registrado em 2017 e de escorpionismo (40,48) em 2015 (Figura 3).

 

 

 

 

A distribuição do araneísmo e do escorpionismo teve diferenças significativas em relação a estação do ano (chuvosa e seca), área de ocorrência (urbana ou rural), ocupação das vítimas e manifestações e complicações sistêmicas (Tabela 1). Em relação o sexo, faixa etária, local da ocorrência, associação ao trabalho, tempo decorrido entre o acidente e o atendimento hospitalar, a região anatômica em que ocorreu a picada e nas manifestações locais, classificação da gravidade e da quantidade de dias de hospitalização dos pacientes, não foram observadas diferenças significativas. Nenhum óbito foi registrado durante o período de estudo.

Não houve correlação entre os acidentes com aranhas e escorpiões com a pluviosidade ao longo dos meses durante o período de estudo (r = -0,3450 ; p = 0,1742; n = 72). Quando analisados separadamente, também não foi observada correlação entre os acidentes com aranhas (r = 0,0870; p = 0,8718; n = 72) e escorpiões (r = -0,2131 ; p = 0,0486; n = 72) com a pluviosidade. Em relação a distribuição dos acidentes com aranhas e escorpiões entre as estações chuvosas e de seca, foi observada diferença significativa (Tabela 1), onde o araneísmo ocorreu mais no período de chuva (57,6%) e o escorpionismo durante os meses mais secos (58,1%).

Os acidentes com aranhas foram mais frequentes na área urbana (69,4%), enquanto que os com escorpiões ocorreram em proporções próximas nas duas áreas (Urbana = 50,6%; Rural = 49,3%) (Tabela 1). A maioria dos acidentes ocorreu em ambiente domiciliar dentro das casas ou nos quintais.

Em relação ao perfil das vítimas, o araneísmo e o escorpionismo predominou em indivíduos do sexo masculino com 54,2% para araneísmo e 68,2% escorpionismo (Tabela 1). Acidentes com escorpiões foram mais frequentes nas faixas etárias entre 21 a 40 anos e, com aranhas, adultos na faixa etária entre 31 e 40 anos e também em idosos. Outra diferença observada em relação a idade das vítimas, é que em crianças ocorreu uma maior frequência de araneísmo do que em relação ao escorpionismo. O escorpionismo foi mais associado ao trabalho (17,6%) do que o araneísmo (8,2%). A principal ocupação das vítimas de araneísmo e escorpionismo foi de estudantes, seguida por agricultores, aposentados, do lar e outras ocupações (Tabela 1).

Na maioria dos acidentes com aranhas (67,7%), as vítimas chegaram ao hospital em menos de uma hora decorrido o acidente, enquanto que no escorpionismo 45,1% chegaram nesse mesmo intervalo de tempo (Tabela 1).

As picadas por aranhas e escorpiões ocorreram principalmente nas mãos (50,8% e 55,7%, respectivamente) e a segunda região anatômica do corpo mais atingida foram os pés (35,5% e 35,3%). Tanto no araneísmo como no escorpionismo, a maioria dos acidentes foi classificada como leves (70,1% e 67,3%, respectivamente). Entretanto, acidentes moderados formam mais frequentes no araneísmo (28%) e acidentes graves mais frequentes nos envenenamentos por escorpiões (7,6%). Dor e edema foram as manifestações locais mais frequentes em ambos os tipos de acidentes, sendo que no araneísmo um caso apresentou equimose e outro necrose. Poucos pacientes apresentaram manifestações sistêmicas, sendo hemolíticas e renais em araneísmo (um caso cada) e neuroparalíticas em escorpionismo (sete casos). Os pacientes picados por aranhas tiveram alta em sua maioria (55,9%) nas primeiras 24 horas, enquanto que a maioria (44,5%) dos picados por escorpiões receberam alta no dia seguinte.

Foi observado superdosagem em relação a quantidade de ampolas na soroterapia nos casos de araneísmo (Tabela 2) e de escorpionismo (Tabela 3).

 

DISCUSSÃO

A maioria dos casos registrada foi de escorpionismo (164 casos; 70%), que é o mais frequente a nível nacional1,2 e também nos estudos realizados em outras regiões do país5,6,11-13. A média da incidência de casos de araneísmo (12 casos) e escorpionismo (29,28) registrada por 100.000 habitantes nesse estudo para Cruzeiro do Sul é muito maior do que a relatada para o Brasil (2,9 e 16,7, respectivamente) e para o estado do Acre (3,85 e 4,58) por Chippaux2.

A média do coeficiente de morbidade (12 casos/100.000 habitantes) durante o período desse estudo foi maior do que a de alguns municípios do estado vizinho do Amazonas (4 casos/100.000 habitantes) relatado por Sampaio et al.6, e menor do que o observado em outros municípios, Rio Preto da Eva (91 casos/100.000 habitantes) e Apuí (58 casos/100.000 habitantes), também do Amazonas. Os acidentes com escorpiões tiveram a média de 29,28 casos/100.00 habitantes, sendo maior do que o registrado para o Amazonas (7,6 casos/100.000 habitantes), que apresenta maiores níveis de incidência em dois de seus municípios, Rio Preto da Eva (58,9/100.000 habitantes) e em Apuí (182,6 casos/ 100.000 habitantes)5.

A pluviosidade não teve correlação positiva com os acidentes com aranhas e escorpiões em Cruzeiro do Sul ao longo do ano, diferentemente do observado no Amazonas, que onde o araneísmo foi correlacionado com a pluviosidade6 e o escorpionismo com os níveis altimétricos dos rios5. Cruzeiro do Sul mostrou-se ser um município com risco para acidentes com aracnídeos durante o ano todo, tendo maior ocorrência do araneísmo durante a estação chuvosa e o escorpionismo durante a seca. Além das influências climáticas, a procura de parceiros pelos aracnídeos durante o período reprodutivo e as atividades humana nas lavouras e florestas, podem estar associados com a incidência de acidentes com animais peçonhentos14-16.

No Brasil, de uma forma geral, não se observa diferenças na distribuição dos acidentes com aranhas e escorpiões entre os sexos1, provavelmente devido à grande quantidade dos casos acontecerem em ambientes domiciliares, o que foi observado nesse estudo no araneísmo. Foi observado nesse estudo um predomínio de indivíduos do sexo masculino no escorpionismo, provavelmente por esse tipo de acidente ter tido frequência maior do que o araneísmo na área rural e ter acometido mais trabalhadores rurais5. Acidentes com aranhas e escorpiões foram mais frequentes em adultos e também em idosos. Em crianças ocorreu uma maior frequência de araneísmo do que em relação ao escorpionismo, provavelmente pelo fato dos acidentes com aranhas terem sido mais frequentes em domicílios na área urbana e com escorpiões na área rural durante atividades ocupacionais.

Estudantes corresponderam ao grupo mais picado por aranhas e escorpiões nesse estudo, seguido de agricultores, aposentados, do lar e outras ocupações. Em Rio Branco (AC), um estudo sobre ofidismo desenvolvido por Moreno et al.17, observou que estudantes corresponderam ao segundo grupo que mais sofreu acidentes ofídicos depois de agricultores, principalmente durante o deslocamento nas áreas rurais de suas moradias para as escolas. Já nesse estudo, o fato dos acidentes com aranhas e escorpiões ter ocorrido principalmente nas casas e quintais, pode explicar a razão desse grupo representado por crianças e adolescentes ter sido mais atingido, assim também os aposentados e do lar. Os trabalhadores rurais perfazem o segundo grupo mais atingido e provavelmente suas atividades nos roçados e florestas tornam estes mais expostos a acidentes com aranhas e escorpiões5,6,16.

O tempo decorrido entre o acidente até o atendimento hospitalar é fator primordial para um bom prognóstico nos acidentes com animais peçonhentos5,6. Nesse estudo, a maioria dos casos (91,2% do araneísmo e 88,1% do escorpionismo) foi atendida antes de seis horas após a picada, o que pode ter contribuído para os poucos casos considerados graves. A maioria (62,3%) dos pacientes picada por aranhas foi atendida em menos de uma hora e, por escorpiões, uma menor porcentagem (42,8%) nesse mesmo intervalo de tempo, o que se deve ao fato da maior frequência do araneísmo na área urbana e do escorpionismo na rural. Deve-se considerar que muitas pessoas picadas por animais peçonhentos não procuram o atendimento hospitalar por morarem em áreas remotas e terem maior dificuldade para se deslocarem para a cidade5,7 ou ainda por recorrerem a tratamentos caseiros7,16, o que pode estar causando subnotificações.

As picadas por aranhas e escorpiões ocorreram principalmente nos membros inferiores e superiores, assim como o observado em outros estudos5,6,18. Pelo fato das pernas e as mãos serem as principais regiões anatômicas picadas, medidas preventivas do uso de botas e de luvas pelos trabalhadores rurais poderiam contribuir para a diminuição dos acidentes5,16.

As principais manifestações clínicas locais em ambos os tipos de acidentes foram dor local, seguido de edema, assim como já relatado em outros estudos5,18. Baseando-se em diagnóstico clinico-epidemiológico, Sampaio et al.6, registraram o gênero Phoneutria como principal causador de acidentes no Amazonas, o que nesse estudo também está sendo considerado. Foi identificado um caso de picada por aranha que apresentou sinais de equimose e necrose, levando a suspeitar da possibilidade de ser um acidente loxoscélico, o qual apresenta essas manifestações clínicas6,19.

Poucos pacientes apresentaram manifestações clínicas sistêmicas, sendo nos acidentes com aranhas observados manifestações hemolíticas e renais (um caso cada), o que leva a suspeitar de acidente com aranha-marrom (Loxosceles spp.)19. Em escorpiões, sete pacientes apresentaram manifestações neuroparalíticas, que por não terem sido detalhadas na ficha do SINAN, não permite uma maior discussão. No escorpionismo, o paciente pode apresentar sudorese, agitação, náusea, vômito, taquicardia, hipertensão arterial, taquipnéia e taquicardia4. Nos casos graves essas manifestações estarão mais evidentes, além de vômitos profusos e frequentes, podendo evoluir para choque cardiocirculatório e edema agudo de pulmão, que são as principais causas de óbitos4. Em Santarém (PA), Pardal et al.18 registraram manifestações clínicas neurológicas de mioclonias, sendo o sintoma de sensação de "choque elétrico" pelo corpo o mais frequente, sendo que esses sintomas não tinham sido observadas em outras regiões.

A maioria dos acidentes com aranhas e escorpiões foi classificada como leve, assim como o observado em outros estudos na Amazônia5,6, com exceção do estudo sobre escorpionismo realizado em Santarém no Pará por Pardal et al.18, onde os acidentes moderados predominaram. Nesse estudo, os acidentes moderados foram mais frequentes no araneísmo (28%), enquanto que os acidentes com escorpiões ocorreram formas mais graves do que com aranhas (7,6% e 1,7%, respectivamente), valores próximos ao registrado para o Amazonas por Sampaio et al.6 e Queiroz et al.5. No Brasil, os acidentes com escorpiões apresentam maior letalidade (0,13%) e mortalidade (30% dos óbitos por animais peçonhentos terrestres) em relação ao araneísmo (0,05% e 6%, respectivamente)2.

Outra evidência nesse estudo que os acidentes com escorpiões tendem a ter uma maior gravidade, foi o fato dos pacientes picados por aranhas terem alta em sua maioria (55,9%) nas primeiras 24 horas, enquanto que a maioria (44,5%) dos casos de escorpionismo recebeu alta no dia seguinte. Assim como relatado para o Amazonas por Sampaio et al.6 para o araneísmo, nesse estudo, foi observado soroterapia abaixo e acima do recomendado de acordo com a gravidade do acidente, evidenciando a falta de capacitação dos profissionais da saúde em lidarem com os casos de envenenamento por aranhas e escorpiões, o que foi também observado para o ofidismo em estudo realizado também em Cruzeiro do Sul20.

A média da incidência de acidentes com aranhas (12 casos/100.000 habitantes em 2017) e escorpiões (29,28 casos/ 100.000 habitantes) em Cruzeiro do Sul é uma das maiores registradas para a Amazônia brasileira e é maior do que as médias para o Brasil, região Norte e para o estado do Acre. Os acidentes com aranhas e escorpiões não estiveram correlacionados com a pluviosidade, podendo outros fatores associados a biologia das espécies ou com as atividades humanas relacionados com a distribuição temporal, estando assim o risco de acidente com aracnídeos presente durante todo o ano.

Observou-se nesse estudo a superdosagem da soroterapia administrada nos pacientes, evidenciando a necessidade de treinamento dos profissionais da área de Saúde para lidarem melhor com o araneísmo e escorpionismo. Isso denota a necessidade durante a formação de profissionais de Saúde da promoção da saúde21, com a inserção precoce do acadêmico nas práticas e disciplinas sobre animais peçonhentos. É recomendado campanhas de prevenção e primeiros socorros em casos de acidentes com animais peçonhentos para a população e capacitação dos profissionais da Saúde sobre esse tema.

 

Agradecimentos

Agradecemos ao Hospital Regional do Juruá, em especial Dr. Marcos Roberto de Melo Lima (Diretor Técnico) e Trícia Rosas (Coordenadora da Vigilância Epidemiológica Municipal de Cruzeiro do Sul) pela cessão das fichas de notificação de acidentes ofídicos. A Dionatas Ulises de Oliveira Meneguetti e Rodrigo Medeiros de Souza pelas sugestões.

 

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Endereço para correspondência:
snakebernarde@hotmail.com

Manuscrito recebido: Fevereiro 2018
Manuscrito aceito: Outubro 2018
Versão online: Novembro 2018

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