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Journal of Human Growth and Development

Print version ISSN 0104-1282On-line version ISSN 2175-3598

J. Hum. Growth Dev. vol.29 no.1 São Paulo Apr. 2019

http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.145001 

ORIGINAL ARTICLE

 

Adaptação Transcultural do instrumento de vigilância do desenvolvimento infantil "Survey of Wellbeing of Young Children (SWYC)" no contexto brasileiro

 

 

Rafaela Silva MoreiraI; Lívia de Castro MagalhãesII; Cláudia Machado SiqueiraIII; Cláudia Regina Lindgren AlvesIV

IFisioterapeuta, Doutora em Ciências da Saúde. Professora do Departamento em Ciências da Saúde da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) - Araranguá (SC), Brasil
IITerapeuta Ocupacional, Pós doutorado em Terapia Ocupacional. Professora do Departamento de Terapia Ocupacional da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) - Belo Horizonte (MG), Brasil
IIINeurologista Pediátrica, Mestre em Ciências da Saúde. Professora do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) - Belo Horizonte (MG), Brasil
IVPediatra, Doutora em Ciências da Saúde. Professora do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) - Belo Horizonte (MG), Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUCION: Diante da escassez de instrumentos de avaliação do desenvolvimento infantil adaptados culturalmente, validados e viáveis para uso na prática clínica no Brasil, é necessário maior investimento para disponibilização de recursos com boas propriedades psicométricas para uso clínico e cientifico.
OBJETIVO: Analisar o processo de adaptação Transcultural do instrumento de vigilância do desenvolvimento infantil "Survey of Wellbeing of Young Children (SWYC)" no contexto brasileiro.
MÉTODO: O SWYC é um instrumento de vigilância do desenvolvimento infantil, comportamento e fatores de risco para crianças menores de 65 meses, constituído pelos questionários - Developmental Milestones, Parent's Observations of Social Interactions (POSI), Baby Pediatric Symptom Checklist (BPSC), Preschool Pediatric Symptom Checklist (PPSC) e Family Questions. A adaptação transcultural seguiu as etapas recomendadas pela literatura e participaram 45 pais do primeiro pré-teste e 27 do segundo pré-teste. Para análise das propriedades de medida foi utilizada factor analysis (Kaiser-Meyer-Olkin-KMO), cálculo da convergent validity (Average Variance Extracted - AVE) e reliability (Internal consistency - Cronbach's Alpha - CA.
RESULTADOS: No primeiro pré-teste, os pais compreenderam apenas 31% dos itens. O comitê de especialistas reanalisou e modificou os questionários. No segundo pré-teste, o índice de compreensão foi 77%, dando origem a versão final. Os questionários Developmental Milestones, BPSC e PPSC foram considerados unidimensionais (KMO = 0,62 a 0,95) e apresentaram AVE = 0,52 a 0,73 e CA = 0,55 a 0,97.
CONCLUSÃO: Análise da qualidade dos itens, da convergent validity e da Internal consistency da versão brasileira do SWYC revelou propriedades de medida satisfatórias, mostrando-se um instrumento promissor para uso clinico e em pesquisas com crianças no Brasil.

Palavras-chave: Psicometria, tradução, desenvolvimento infantil.


 

 

Por que este estudo foi feito?

A adaptação transcultural da "Pesquisa de Bem-Estar de Crianças Pequenas (SWYC)" para o Português Brasileiro foi feita devido à escassez de instrumentos culturalmente adaptados, validados e viáveis para identificar sinais de atraso no desenvolvimento da prática clínica no Brasil. Como a SWYC é gratuita, pode ser uma ferramenta valiosa para ser usada na vigilância do desenvolvimento em saúde pública.

O que os pesquisadores fizeram e encontraram?

Conduzimos a tradução e adaptação transcultural do SWYC para o português brasileiro e analisamos suas propriedades de medida. A adaptação transcultural seguiu as etapas recomendadas internacionalmente, com 45 pais participando do primeiro pré-teste e 27 no segundo pré-teste. O índice de compreensão da versão final do SWYC foi de 77%. Os resultados indicaram que os questionários da SWYC - Marcos do Desenvolvimento, Lista de Sintomas Pediátricos (BPSC) e Lista de Sintomas Pediátricos Pré-Escolares (PPSC) - foram considerados unidimensionais (KMO = 0,62 a 0,95), Variância Média Extraída (AVE) de 0,52 a 0,73 e uma confiabilidade de CA = 0,55 a 0,97.

O que essas descobertas significam?

A análise da qualidade dos itens, validade convergente e consistência interna da versão brasileira do SWYC revelou propriedades de medida satisfatórias, mostrando ser um instrumento promissor a ser utilizado clinicamente e em pesquisas com crianças brasileiras.

 

INTRODUÇÃO

Os indicadores de saúde infantil refletem as condições de vida das sociedades contemporâneas. Em que pese as enormes disparidades regionais, desafios como as altas taxas de mortalidade infantil, a desnutrição infantil e a morbimortalidade por doenças imunopreveníveis vêm sendo superados em todo mundo, garantindo a sobrevivência de número cada vez maior de crianças. Para os países de baixa e média renda, no entanto, oferecer condições de vida e saúde a estas crianças exige mudança radical de paradigma, colocando o desenvolvimento da primeira infância como prioridade absoluta.

Atingir o desenvolvimento pleno tem repercussões positivas ao longo da vida do indivíduo e para toda sociedade1. É principalmente nos primeiros anos de vida que ocorre o desenvolvimento de habilidades sensório-motoras, socioemocionais e cognitivas essenciais para o sucesso nas próximas etapas da vida1,2.

Garantir o pleno desenvolvimento infantil é uma necessidade premente nos países em que as crianças estão expostas a fatores de risco como desnutrição, pobreza, violência e ambientes poucos estimulantes1. Considerando que menos de um terço das crianças com alterações de desenvolvimento são diagnosticadas antes da idade escolar e que menos de 30% dos transtornos do desenvolvimento são detectados mediante impressão clínica3, torna-se necessário o uso de escalas confiáveis que possibilitem a intervenção no momento oportuno. A Academia Americana de Pediatria recomenda o uso rotineiro de instrumentos padronizados para vigilância do desenvolvimento infantil nas consultas de rotina visando a promoção da saúde integral2,4.

Em muitos países, inclusive no Brasil, existe uma lacuna no que se refere aos instrumentos de avaliação de desenvolvimento infantil adaptados culturalmente, validados, acessíveis e viáveis para uso na atenção primária5. Considerando estes aspectos, testes como a Bayley Scales of Infant and Toddler Development-III (Bayley-III), Denver Developmental Screening Test-II (Denver-II) e o Ages on Stages Questionnaire (ASQ-3 e ASQ-SE) apresentam limitações importantes.

A Bayley-III, apesar de ter sido adaptada para o Brasil6, requer elevado investimento financeiro, treinamento específico e sua aplicação são demorados. A Denver-II é mais curta e de menor custo, mas o kit de materiais também precisa ser importado7 e não há normas para crianças brasileiras. Apesar do ASQ-3 ter sido adaptado para a população brasileira8 e ser amplamente utilizado em pesquisas no país9,10, seu uso na atenção primária ainda é restrito, devido aos custos para aquisição dos formulários e kit de materiais. Ressalta-se que a adaptação transcultural e validação de instrumentos é uma necessidade no Brasil, visando suprir as lacunas científicas, clínicas e epidemiológicas relatadas11,12.

O Survey of Wellbeing of Young Children (SWYC) foi desenvolvido em 2011 e validado para a população norte-americana em 201313. É um questionário de triagem que tem intuito de realizar screening/surveillance do desenvolvimento infantil para crianças menores de 65 meses. Os itens foram baseados em instrumentos reconhecidos na literatura, como ASQ-3 e ASQ-SE, Patient Health Questionnaire-2 e Pediatric Symptom Checklist13,14. É um instrumento simples, fácil de aplicar e interpretar. Sua aplicação requer, em média, 10 minutos e não necessita de kit com materiais específicos, pois baseia-se na informação fornecida pelos responsáveis13.

O SWYC tem como vantagens apresentar boas propriedades psicrométricas na versão original, ser de acesso livre, poder ser utilizado por profissionais da educação e saúde13,15, e ter os manuais de aplicação e interpretação disponíveis online16. A validity e reliability da versão original do SWYC são semelhantes às de outros instrumentos de triagem reconhecidos na literatura. As propriedades psicométricas do SWYC foram consideradas adequadas (sensibilidade de 0,7 a 0,89; especificidade de 0,54 a 0,9; teste-reteste de 0,70 a 0,81)13,14,17-19.

O SWYC é uma entrevista estruturada com cerca de 40 perguntas, que abordam os domínios desenvolvimento, emoções/comportamento e fatores de risco familiares13,14. Há um questionário com 10 questões para cada faixa etária para avaliar habilidades cognitivas, motoras, sociais e de linguagem (Developmental Milestones) e outro para triagem específica de transtornos do espectro autismo (Parent's Observations of Social Interactions-POSI)13. O POSI é indicado para crianças entre 18 e 36 meses e contém sete questões17.

O domínio emoções/comportamento é analisado na Baby Pediatric Symptom Checklist (BPSC) e Preschool Pediatric Symptom Checklist (PPSC), que contem 12 e 18 itens, respectivamente. O BPSC foi desenvolvido para menores de 18 meses e o PPSC para crianças de 18 a 65 meses18,19. Há ainda duas questões sobre preocupações dos pais com o comportamento e aprendizagem/desenvolvimento da criança. O domínio Family Questions contém nove itens, abordando fatores de risco, como depressão materna, abuso de álcool, drogas e conflitos parentais13.

Considerando as características descritas e a escassez de instrumentos de avaliação de desenvolvimento infantil validados, adaptados à cultura, acessíveis e viáveis para uso na prática clínica no Brasil torna-se importante a adaptação transcultural de instrumentos que possam ser usados em larga escala em nosso país. Assim, o objetivo é analisar o processo de adaptação Transcultural do instrumento de vigilância do desenvolvimento infantil Survey of Wellbeing of Young Children (SWYC) no contexto brasileiro.

 

MÉTODO

A versão em português do SWYC foi desenvolvida de acordo com as recomendações de Beaton et al.20 e Reichenheim & Moraes21. As etapas deste processo estão descritas no Fluxograma (Figura 1).

A primeira etapa consistiu na obtenção de autorização para adaptação transcultural do SWYC, dada por Perrin et al.14. A tradução para o português do Brasil foi realizada por três tradutores independentes de diferentes áreas da saúde com atuação na docência e com experiência clínica em desenvolvimento infantil. Estes profissionais tinham o português como língua nativa e fluência na língua inglesa.

Essas traduções foram discutidas por um comitê de especialistas, originando uma versão consensuada das traduções21,22. O comitê de especialistas foi constituído por seis profissionais (Fisioterapeutas, Terapeutas Ocupacionais, Pediatra e Neurologista Pediátrica), sendo quatro docentes de instituições públicas de ensino superior e dois estudantes de pós-graduação com experiência clínica.

A versão consensuada foi discutida pelo comitê de especialistas e enviada para backtranslation, visando verificar a semelhança semântica entre a tradução e o documento original. A backtranslation foi realizada por três tradutores, dois nativos da língua inglesa e uma psicóloga brasileira graduada nos Estados Unidos. Os tradutores nativos não tinham qualquer relação com a área do conhecimento do questionário. Essas backtranslations foram também discutidas pelo comitê de especialistas, originando uma versão consensuada23.

A etapa de avaliação da equivalência referencial22 foi realizada pelo comitê de especialistas, que avaliou a correspondência entre a versão original e a retrotraduzida, verificando se as expressões eram idênticas, aproximadas ou diferentes e fazendo os ajustes necessários.

Esta primeira versão do SWYC foi testada por duas fisioterapeutas e uma neuropediatra em dois estados do país. O questionário foi testado com 12 pais em um ambulatório de seguimento de prematuros e com 15 pais em um hospital público em Minas Gerais, e também com 18 pais em Unidades Básicas de Saúde e em uma universidade pública de Santa Catarina. Os sujeitos elegíveis para esta etapa deveriam ser responsáveis por crianças com menos de 65 meses de idade e ter o português como idioma nativo.

Na entrevista, o pesquisador lia as questões e, quando necessário, o conteúdo era explicado. Nas questões em que houve necessidade de esclarecimentos foi solicitado aos pais que explicassem o que haviam entendido e que dessem sugestões de como reescrever essa frase, conforme recomendado na técnica de entrevista cognitiva24. As questões não compreendidas foram discutidos no comitê de especialistas e realizados ajustes semânticos. Esta segunda versão dos questionários foi novamente testada com outros 27 pais em Minas Gerais e Santa Catarina utilizando os mesmos procedimentos da primeira aplicação. A partir das entrevistas cognitivas foi elaborada a versão final dos questionários. Nas duas etapas foram incluídas crianças em todas as faixas etárias do SWYC.

As propriedades de medida dos questionários Developmental Milestones, BPSC e PPSC foram analisadas seguindo as recomendações do instrumento original18,19. Foi realizada factor analysis com todos os itens e em seguida construído um gráfico Scree Plot para verificar a unidimensionalidade a partir do critério Acceleration Factor (AF)25. As factor loadings foram mensuradas para avaliar se todos os itens estavam contribuindo para a medição do constructo (RV>0,50). Para averiguar se o uso da fator analysis seria adequado para estes questionários foi utilizada a medida de adequação da amostra de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) (RV>0,50). Para verificar a convergent validity foi utilizada a Average Variance Extracted (AVE) (RV>50)26 e para verificar a reliability foi calculado o Cronbach's Alpha (AC) (RV>0,70)27.

Nos questionários Developmental Milestones, BPSC e PPSC, os pais respondiam a afirmações sobre o desenvolvimento da criança numa escala ordinal com três alternativas: ainda não, pouco e muito. Desta forma, a factor analysis foi ajustada para escalas ordinais.

Para a avaliação da qualidade e validity dos itens do PPSC, utilizou-se o modelo Bifactor ajustado para respostas graduais. Optou-se por ajustar um novo modelo para a versão brasileira do PPSC que conseguisse apresentar uma melhor estrutura dentro de cada domínio, pois o modelo proposto apresentava algumas factor loadings negativas. A qualidade do ajuste dos modelos foi analisada pelos indicadores Root Mean Square Error of Approximation (RMSEA)(RV<0,10) e Comparative Fit Index (CFI)(RV>0,90), sendo o primeiro um índice geral e o segundo um índice incremental normado28. Para processamento e análise dos dados foi utilizado o software R (versão 3.2.2).

O presente estudo recebeu financiamento da iniciativa Grand Challenges Canada e da Fundação de Apoio à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (FAPESC) e faz parte de um projeto mais amplo denominado "Avaliação do desenvolvimento infantil e intervenção precoce em crianças de alto risco e suas famílias no Brasil", aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CAAE 29437514.1.0000.5149). Os responsáveis assinaram termo de consentimento livre e esclarecido antes do início das entrevistas.

 

RESULTADOS

Avaliação da equivalência referencial

Esta etapa baseou-se na comparação das versões original e retrotraduzida. As questões foram classificadas como idênticas quando as traduções eram completamente iguais, aproximadas quando as versões eram escritas de maneira diferente, entretanto, o conteúdo era semelhante e diferentes quando não havia concordância entre as versões22. Dentre as 123 questões analisadas, 32,5% foram consideradas idênticas, 65,1% aproximadas e 2,4% diferentes. Items considered diferent were modified to achieve semantic, idiomatic, experimental, and conceptual cross-cultural equivalence (Quadro 1). These items were two questions from BPSC ("Does your child have a hard time being with new people?" and "Does your child have a hard time in new places?") and one from POSI ("Please check all that apply") were modified by experts committee

Pré-teste 1

A amostra de pais que participaram do Pré-teste 1 eram de diferentes estados do Brasil e tinham diferentes níveis socioeconômicos. No Pré-teste 1, o entendimento dos pais foi considerado insatisfatório, pois apenas 31% dos 45 dos entrevistados compreenderam 100% das questões.

Avaliação da equivalência geral

Em função dos resultados do primeiro pré-teste todas as questões do SWYC foram reanalisadas. O comitê de especialistas realizou ajustes em todos os questionários, utilizando termos mais comumente empregados pela população brasileira (Quadro 2).

The cognitive interviews showed that parents didn´t understand the meaning of the items "Is it hard to comfort your child?" and "Is it hard to put your child to sleep?" from BPSC. Estes itens envolvem comportamentos muito diferentes nas culturas brasileira e norte-americana, o que pode ter dificultado a compreensão do significado semântico da tradução. Esta situação foi discutida com os autores, que sugeriram testar perguntas alternativas para estes itens. Assim, foi gerada uma nova versão do instrumento que continha as duas perguntas alternativas e as traduzidas literalmente da versão original em inglês do BPSC.

Pré-teste 2

A nova versão do instrumento foi novamente testada. Dos 27 pais entrevistados, 77% compreenderam 100% das questões do SWYC, o que foi considerado satisfatório.

Elaboração da versão final

Após o segundo pré-teste, no questionário Family Questions, a palavra spouse foi substituída por husband/partner, que são mais comumente utilizadas no Brasil. No questionário Developmental Milestones, we included "without help" after the item "Run".

Com base em dados preliminares de 114 mães oriundas do estudo maior, verificou-se que o grau de concordância entre as respostas da primeira versão e questões alternativas adicionadas ao BPSC era muito baixo. Após discussão com os autores do SWYC, optou-se por manter apenas as perguntas alternativas na versão final.

Análise da qualidade e validity dos itens do SWYC

A Tabela 1 apresenta as factor loadings dos 54 itens do questionário Developmental Milestones. Os itens 2, 3, 4, 7 e 54 apresentaram factor loadings abaixo de 0,50, indicando que apenas estes itens não contribuíram de forma relevante para a composição da variável latente nível de desenvolvimento da criança. Optou-se pela não exclusão destes itens, pois sua convergent validity foi considerada adequada. A factor analysis mostrou-se apropriada para este conjunto de itens (KMO=0,97), confirmando a unidimensionalidade dos itens do questionário (first autovalor=39,65; second autovalor=8,95), satisfazendo o critério AF. O conjunto de itens da versão brasileira apresentou valores de AVE=0,73 e de AC=0,97 (Tabela 1).

A Tabela 2 exibe as factor loadings dos itens do BPSC por domínio. Todos os itens apresentaram factor loadings altas, com exceção do item 8 do constructo inflexibility (Does your child have a hard time with change?) Como a convergent validity do constructo inflexibility mostrou-se satisfatória, optou-se por não excluir esse item. Os valores de KMO de cada domínio foram maiores que 0,62. De acordo o critério Kaiser, todos os constructos do BPSC foram unidimensionais e apresentaram AVE entre 0,52 e 0,57; CA entre 0,55e 0,63 e CC entre 0,68 e 0,71.

Na análise do PPSC, todos os itens apresentaram factor loadings positivas no modelo Bifactor. No General Factor, todas as cargas foram maiores que 0,35 e os fatores relativos aos comportamentos de Externalizing, Internalizing and Attention Problems foram maiores que 0,20. Os valores de RMSEA=0,02 e CFI=0,98 indicam que o modelo está bem ajustado para a versão brasileira. Considerando que o General Factor apresentou na maioria das vezes, as maiores Factor Loadings e a maior proporção de explained variance, pode-se concluir que é adequado interpretar apenas o General Factor do modelo Bifactor (Tabela 2).

 

DISCUSSÃO

A adaptação transcultural do SWYC para o português do Brasil foi realizada de acordo com procedimentos reconhecidos internacionalmente. As propriedades de medidas iniciais foram analisadas e sugerem que a versão brasileira do SWYC, após ajustes, foi bem compreendida pelo público-alvo, manteve a internal consistency e a validade dos itens, semelhante à versão original.

A opinião dos especialistas aliada às entrevistas cognitivas na etapa de pré-teste mostrou-se fundamental, pois os entrevistados explicitaram interpretações inesperadas dos itens do SWYC. Foram realizadas várias modificações no SWYC visando melhor entendimento dos itens e adequação ao contexto de vida e hábitos culturais dos brasileiros22. Todas as modificações foram analisadas em conjunto e aceitas pelos autores do instrumento original.

Epstein et al.11 também demonstraram em seu estudo a importância do comitê multidisciplinar de especialistas para assegurar a acurácia do conteúdo. Estes estudiosos questionaram a necessidade de realizar a backtranslation, pois esta etapa mostrou resultados de impacto moderado. No entanto, destacamos a relevância da etapa de backtranslation, visto que a comparação com o instrumento original permitiu identificar diferenças semânticas importantes e fazer adequações para preservar o construto.

Ao analisar a equivalência referencial verificou-se que apenas dois itens do BPSC e um do POSI foram considerados diferentes do questionário original. Isto possivelmente ocorreu por que as questões comportamentais são fortemente influenciadas por aspectos culturais. O SWYC pode ser auto preenchido e nem sempre haverá um profissional para auxiliá-los. A adaptação na formulação do enunciado foi necessária para facilitar a compreensão dos pais.

Assim como no estudo de Losapio & Pondé22, foram realizados dois pré-testes, pois, no primeiro pré-teste, a compreensão dos pais foi insatisfatória. A partir deste resultado, o comitê de especialistas analisou novamente e modificou os questionários. No segundo pré-teste, o índice de compreensão aumentou, dando origem a versão final. O primeiro pré-teste pretendia verificar o entendimento dos itens e o segundo visava assegurar que as modificações efetuadas foram suficientes. Somente no segundo pré-teste foi obtida uma compreensão satisfatória, o que confirma a importância da dupla testagem na população alvo. Para garantir maior consistência dos resultados, a amostra selecionada para os pré-testes foi diversificada, o comitê de especialistas foi multidisciplinar e as entrevistas foram realizadas em duas regiões do Brasil, incluindo participantes da zona rural e das classes menos favorecidas.

A versão final em português brasileiro foi testada também com imigrantes brasileiros residentes nos Estados Unidos da América, tendo sido considerada adequada para a população alvo pelos estudiosos do instrumento original. Os questionários produzidos nesta pesquisa estão disponíveis no website do SWYC16.

A versão em português procurou manter-se fiel a versão original do SWYC e reproduziu as análises estatísticas usadas na criação do instrumento. Os parâmetros psicométricos encontrados em todos os questionários do SWYC na versão brasileira foram semelhantes a versão original13,14,18,19. A análise da qualidade e validade dos itens dos questionários Developmental Milestones, BPSC e PPSC demonstrou que a maioria dos itens contribuiu de forma significativa para avaliação do desenvolvimento da criança e apresentaram parâmetros de convergent validity e reliability considerados adequados para o uso do instrumento no Brasil. Situação similar ocorreu com os questionários.

Assim, as propriedades analisadas sugerem que o "Survey of Wellbeing of Young Children (SWYC)" no contexto brasileiro pode vir a ser um instrumento útil para a triagem de alterações no desenvolvimento neuropsicomotor e do comportamento. Trata-se de questionário de fácil e rápida aplicação, de acesso livre e, portanto, uma opção promissora para ser utilizada no contexto da atenção primária no Brasil, especialmente por agregar no mesmo instrumento aspectos relacionados ao desenvolvimento, ao comportamento e aos fatores de risco familiares29. Esta visão holística do desenvolvimento infantil é inovadora e bastante apropriada para as abordagens familiar e comunitária por equipe multiprofissional, que norteiam a assistência às crianças na atenção primária30.

A disponibilidade de um instrumento de triagem com estas características favorecerá a inclusão da vigilância do desenvolvimento infantil no dia a dia dos profissionais de saúde e educação, possibilitando a intervenção em momento oportuno nos casos suspeitos de alterações. O uso de instrumento padronizado permitirá também a geração de informações epidemiológicas para o fomento das políticas públicas e a comparação com estudos realizados em outros países.

 

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Endereço para correspondência:
rafaela.moreira@ufsc.br

Manuscrito recebido: Outubro 2018
Manuscrito aceito: Dezembro 2018
Versão online: Abril 2019

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