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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282versão On-line ISSN 2175-3598

J. Hum. Growth Dev. vol.29 no.1 São Paulo abr. 2019

http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.157746 

ARTIGO ORIGINAL

 

Relevância diagnóstica dos Gráficos de Recorrência na caracterização de Saúde, Doença ou Morte, em humanos

 

 

Moacir Fernandes de GodoyI, II; Michele Lima GregórioII

IDepartamento de Cardiologia e Cirurgia Cardiovascular da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto - FAMERP, São José do Rio Preto-SP, Brazil
IINúcleo Transdisciplinar para Estudo do Caos e da Complexidade - NUTECC - Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto - FAMERP, São José do Rio Preto-SP, Brazil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Gráficos de recorrência (GR) têm sido utilizados para avaliar sistemas dinâmicos complexos, sendo o corpo humano um excelente modelo. Foram analisados os elementos quantitativos e qualitativos do GR na diferenciação de Saúde, Doença e Morte. Séries temporais de batimentos cardíacos normais foram coletadas em recém-nascidos saudáveis (Grupo A1), crianças saudáveis (Grupo A2), adultos jovens saudáveis (Grupo A3), adultos saudáveis de meia-idade (Grupo A4), idosos residentes em casas de repouso (Grupo B ), indivíduos com doença renal crônica avançada (Grupo C) e indivíduos com morte encefálica declarada ou em estado de morte iminente (Grupo D). O grupo A3 apresentou a melhor homeostase (menor recorrência). Os grupos A1 e D apresentaram os maiores valores de recorrência. Em termos visuais qualitativos, o Grupo A3 apresentou distribuição mais difusa e uniforme, um indicativo de melhor homeostase e o Grupo D foi totalmente linear, a pior condição. Um padrão parabólico foi claramente evidenciado. Em conclusão, foi possível, utilizando a correlação de apenas duas variáveis (SDNN e TT), diferenciar tanto de modo quantitativo como qualitativo os estados de Saúde, Doença e Morte usando GR.

Palavras-chave: sistema nervoso autônomo, controle da frequência cardíaca, variabilidade da frequência cardíaca, saúde, doença, morte, recorrência, gráficos de recorrência.


 

 

Por que foi feito este estudo?

Buscar um método simples de detecção do comprometimento da homeostase baseado na Variabilidade da Frequência Cardíaca e nos Gráficos de Recorrência.

O que os pesquisadores fizeram e o que encontraram?

A avaliação quantitativa e qualitativa dos Gráficos de Recorrência permitiu selecionar duas variáveis, o desvio padrão dos intervalos RR normais (SDNN) e o comprimento médio das linhas verticais (Tempo de Aprisionamento; TT), que quando correlacionados em um espaço de fase, discriminam indivíduos com adequado controle autonômico (crianças e adultos saudáveis), daqueles com comprometimento do sistema autonômico por imaturidade ou perda progressiva da função.

O que esses achados significam?

A possibilidade de utilizar um método simples, de baixo custo e não invasivo para estimar o grau de comprometimento autonômico em humanos e definir perfis funcionais.

 

INTRODUÇÃO

O corpo humano é um exemplo claro de um "sistema complexo", caracterizado pela interação contínua de seus múltiplos órgãos, visando a manutenção da vida.

Sua complexidade resulta em um modo de comportamento que, em situações normais, é tipicamente não-linear ou determinístico no curtíssimo prazo, e apresenta características de baixa previsibilidade a longo prazo, uma vez que a interação de inúmeras variáveis concomitantes contribui para a ocorrência de comportamentos emergentes, ou seja, que não podem ser previstos pela análise isolada de cada componente.

O corpo humano, como qualquer sistema físico natural, realiza ou está sujeito a processos que envolvem mistura, trocas e difusão, entre outros. Portanto, tende a se mover em direção a estados de uniformidade ou equilíbrio na ausência de ações contrárias. Assim, no sentido de se manter vivo, o corpo humano deve necessariamente obter energia para permitir as respectivas reações químicas que fazem parte do metabolismo normal, atuando, portanto, como uma máquina termodinâmica.

Na conclusão de uma atividade física ou mental, o rendimento nunca é mantido em 100%. Uma certa quantidade de energia sem capacidade de produzir trabalho permanecerá no sistema. Será um sistema menos ordenado porque vários processos foram realizados com inúmeras interações, aumentando consideravelmente a quantidade de microestados do sistema e, consequentemente, aumentando a entropia e reduzindo a homeostase.

O controle harmonioso da homeostase é coordenado principalmente pelo Sistema Nervoso Autônomo (SNA), que é dividido nos ramos Simpático e Parassimpático. Presumivelmente, haverá uma correlação positiva entre o funcionamento desses componentes e o estado de saúde, pois há evidências suficientes de que várias condições mórbidas reduzem o funcionamento do sistema nervoso autônomo e, reciprocamente, as doenças são causadas por alterações nesse sistema1-7.

O coração permanece conectado por rede com basicamente todos os outros órgãos através do sistema nervoso autônomo. A variação de um ritmo cardíaco normal, chamada de Variabilidade da Frequência Cardíaca (VFC), tem sido considerada um marcador efetivo da presença ou ausência de homeostase adequada8-9.

Os Gráficos de Recorrência (GR), idealizados por Eckmann et al., (1987), se propõem a analisar o comportamento de sistemas, representados por séries temporais, em um espaço abstrato denominado espaço de fase10. Sua construção é bastante simples, baseada em um quadrado no qual tanto o eixo x quanto o eixo y contêm os elementos da série temporal, dispostos seqüencialmente do primeiro ao último, fazendo correlações dois a dois. A partir de então, de acordo com parâmetros pré-estabelecidos (dimensão, atraso e raio), a recorrência de valores pode ser verificada. Os gráficos de recorrência demonstraram ser uma ferramenta útil para avaliar o sistema nervoso autônomo, especialmente porque permitem quantificar e qualificar a Variabilidade da Frequência Cardíaca11-12.

É muito útil verificar se existem padrões bem definidos nos Gráficos de Recorrência em estados com homeostase adequada e nos diferentes graus de comprometimento, pois, do ponto de vista fisiológico, a Variabilidade da Frequência Cardíaca tende a diminuir com o envelhecimento e com o início de doenças13-16.

Assim, o objetivo do presente estudo foi avaliar os elementos quantitativos e qualitativos dos Gráficos de Recorrência e sua relevância potencial na análise comparativa de séries temporais com base na variabilidade da frequência cardíaca, ao longo do ciclo da vida, em estados de saúde, doença e morte.

 

MÉTODO

Trata-se de estudo transversal (Zangirolami et al., 2018) de um congolerado de banco de dados sobre as séries temporais cardíacas. A série temporal do eletrocardiograma foi coletada durante 15 a 20 minutos, utilizando-se um medidor de frequência de pulso (Polar RS 800 CX; Polar Eletro OY, Kempele, Finlândia) para repouso e em decúbito dorsal.

Essa metodologia foi validada17,18 em relação ao sistema Holter e demonstrou produzir dados precisos e confiáveis. Apenas séries temporais com ritmo sinusal basal e com um máximo de 5% de artefatos antes da filtragem foram incluídas no estudo. Todas as séries temporais foram submetidas à filtragem para evitar efeitos de ruído usando o software T-RR Filter19.

Para composição da amostra, utilizou-se sujeitos clinicamente distintos e inseridos em quatro grupos (A, B, C e D): indivíduos saudáveis (grupo A), idosos residentes em casas de repouso (grupo B), indivíduos com doença renal crônica avançada (grupo C) e indivíduos com morte encefálica declarada ou em estado de morte iminente (grupo D). No grupo de morte iminente, foram incluídos os pacientes que morreram até uma semana após a coleta da série temporal.

Em razão da influência da idade nas medidas de variabilidade da frequência cardíaca, o grupo A foi dividido em subgrupos: recém-nascidos saudáveis (grupo A1, N = 30; 1,1±0,8 dias), crianças saudáveis (grupo A2, N = 30; 11,3±2,0 anos), adultos jovens saudáveis (grupo A3, N = 29; 20,7±1,6 anos) e adultos saudáveis de meia-idade (grupo A4, N = 18; 33,9±10,7 anos). Nos grupos B, C e D, 33 (73,3±8,7 anos), 33 (61,6±14,4 anos), e 37 (59,4±19,9 anos) indivíduos foram incluídos, respectivamente.

À guisa de rápida explicação sobre a construção e interpretação dos Gráficos de recorrência, diremos que para a construção dos Gráficos de Recorrência, necessita-se de uma série temporal que seja gerada por um experimento ou por simulações numéricas realizadas em um computador. Sua construção é bastante simples sendo baseada em um quadrado no qual tanto o eixo x quanto o eixo y contêm os elementos da serie temporal sequencialmente dispostos do primeiro ao ultimo. A partir de então, de acordo com valores pré-estabelecidos tais como os intervalos entre medidas consecutivas (dimensão) e diferenças de intervalos entre cada elemento consecutivo (raio), verifica-se se há ou não recorrência de valores, extraindo-se daí a quantificação das variáveis de interesse. Na análise quantitativa o aparecimento de padrões geométricos evidentes e maior quantidade de "retângulos escuros" indica maior linearidade e, portanto, maior comprometimento da homeostase.

Foi utilizado o software Visual Recurrence Analysis (VRA - Versão 5.01, Eugene Kononov, http://visual-recurrence-analysis.software.informer.com). Os gráficos de recorrência foram construídos com os parâmetros (selecionados de acordo com a Iwanski e Bradley(1998)20): dimensão = 2, atraso = 2, raio = 70, linha = 2 e Volcano (como o esquema de cores).

As variáveis do estudo foram: média dos intervalos RR (médiaRR), desvio padrão da média dos intervalos RR normais (SDNN), a porcentagem de pontos de recorrência no plano de fase (Taxa de recorrência; RR%), a porcentagem de pontos de recorrência formando linhas diagonais (Determinismo; DET%), a porcentagem de pontos de recorrência formando linhas verticais (Laminaridade; LAM%), o comprimento médio das linhas verticais (Tempo de Aprisionamento; TT), a razão entre DET% e REC% (RATIO), a entropia de Shannon (uma medida que indica a complexidade do sistema; ShanEntr), o comprimento máximo da linha diagonal (Lmax) e a densidade de pontos de recorrência nas diagonais paralelas à linha de identidade (Trend)21-22.

Análise Estatística

Na análise estatística descritiva, foram utilizados valores médios, desvio padrão, mediana e intervalo interquartil. Para a análise estatística inferencial, utilizou-se ANOVA com pós-teste de Tukey para detectar diferenças entre os grupos.

A caracterização gráfica foi feita com gráficos Box-Plot. Um erro alfa de 5% foi estabelecido e os valores de P iguais ou menores que 0,05% foram considerados significantes.

 

RESULTADOS

A Tabela 1 resume todos os valores obtidos com as variáveis estudadas. À medida que a idade aumenta e o estado de saúde muda para o estado da doença e, eventualmente, para a morte, há um claro comportamento parabólico com o grupo A3, mostrando, para a maioria das variáveis estudadas, o comportamento autonômico mais compatível com a homeostase ótima. Assim, adultos jovens saudáveis (A3) apresentam maior desvio padrão da maior variabilidade da frequência cardíaca e, de acordo com a menor taxa de recorrência, menor determinismo, menor laminaridade e menor tempo de aprisionamento. O Comprimento Máximo da Linha Diagonal (Lmax) também é menor no grupo A3.

O grupo de recém-nascidos saudáveis (A1) e o grupo de indivíduos com morte encefálica declarada ou em estado de morte iminente (D) representam as posições extremas da parábola, ambas com maiores valores para Determinismo, Taxa de Recorrência, Laminaridade, Tempo de Aprisionamento, Entropia de Shannon e Comprimento Máximo da Linha Diagonal.

A Figura 1 ilustra, com gráficos Box-Plot, este comportamento parabólico em duas das variáveis estudadas. O aspecto visual gráfico (qualitativo) dos Gráficos de Recorrência também foi avaliado, conforme observado na Figura 2. Doze casos não selecionados de cada um dos grupos mais representativos, ou seja, neonatos saudáveis (A1), adultos jovens saudáveis (A3), indivíduos com doença renal crônica avançada (C), e morte encefálica declarada ou em estado de morte iminente (D), foram ali representados.

Uma distribuição mais difusa e uniforme pode ser diferenciada no grupo A3 (adultos jovens saudáveis), indicando maior VFC, enquanto, nos outros grupos, há padrões geométricos e maior recorrência, devido à imaturidade do sistema nervoso autônomo (grupo A1), doença renal crônica avançada (Grupo C) ou morte cerebral ou estado de morte iminente (Grupo D).

A ANOVA e o pós-teste de Tukey demonstram as diferenças estatísticas entre os grupos estudados para cada uma das variáveis (Tabela 2). Destaques em cinza indicam diferenças estatisticamente significativas.

Uma avaliação crítica das Tabelas 2 e 3 revela considerações clínicas bastante relevantes, como se segue:

1. Das 21 possibilidades de comparação intergrupos, a duração média do intervalo RR foi a que apresentou maior quantidade de diferenças significativas (16/21, 76,2%) seguida do desvio padrão do RR (14/21, 66,7%). Curiosamente, em oito comparações, não houve concordância entre essas duas variáveis, ou seja, uma delas indicou diferença significativa entre os grupos e a outra não. Como exemplo, a comparação entre recém-nascidos saudáveis e idosos residentes em lares de idosos (A1XB) mostrou intervalo RR médio significativamente menor no grupo A1 quando comparado ao grupo B (498,5 ± 66,9 ms x 806,1 ± 89,4 ms; P <0,0001). No entanto, o desvio padrão desse intervalo (SDNN) não mostrou diferença entre os grupos (33,2 ± 18,5 ms x 32,4 ± 19,1 ms; P> 0,9999), indicando que as diferenças na VFC não são necessariamente devidas a diferenças na frequência cardíaca. O mesmo raciocínio pode ser aplicado às outras 7 comparações nas quais tal discrepância ocorreu.

2. Tempo de Aprisionamento (TT) com 10 ocorrências de diferença significativa (10/21, 47,6%) e Taxa de Recorrência (REC%), Determinismo (DET%) e Entropia de Shannon, cada uma delas com 9 ocorrências (21/21; 42,8% ) mostraram-se variáveis úteis para a diferenciação entre os grupos.

3. Laminaridade (LAM), Ratio e Trend, por sua vez, apresentaram desempenho muito ruim na distinção clínica entre os grupos com apenas 3 comparações significativamente diferentes (3/21; 14,3%); enquanto que o comprimento máximo da linha diagonal (Lmax) apresentou desempenho fraco (6/21, 28,6%)

4. O grupo de adultos jovens saudáveis (A3) destacou-se com maior Variabilidade da Frequência Cardíaca, com maior valor de SDNN e menores valores de indicadores de recorrência, confirmando que este grupo apresenta melhor funcionamento do sistema nervoso autônomo. Estatisticamente, nenhuma das variáveis conseguiu diferenciar o grupo de adultos jovens saudáveis dos adultos saudáveis de meia-idade (A3xA4). Isso pode indicar que o funcionamento normal do sistema nervoso autônomo não se restringe à idade jovem e pode atingir a idade adulta intermediária.

5. Ficou claro que, no grupo de idosos que residem em asilos (B), a deterioração progressiva da função autonômica começa com a redução da variabilidade e o aumento dos indicadores de recorrência, com o grupo A3 evidenciando diferenças estatísticas. em relação ao grupo B em 8 das 10 variáveis estudadas.

6. Como esperado, indivíduos com morte encefálica declarada ou em estado de morte iminente (Grupo D) mostraram evidências de baixa variabilidade e maior recorrência indicando progressão em direção ao estado de equilíbrio.

7. A baixa diferenciação entre o grupo A1 e o grupo D (3/10; 30,0% das variáveis) tem razões fisiológicas: por um lado, os recém-nascidos têm baixa função autonômica, pois seu sistema nervoso autônomo é imaturo e ainda se desenvolve; por outro lado, o estado de morte tem baixo funcionamento autonômico devido à degeneração e esgotamento do sistema. Essa diferenciação foi exibida como um padrão parabólico nos gráficos Box-Plot (Figura 1).

Por fim, como o tempo de aprisionamento e o desvio padrão dos intervalos RR foram as variáveis clinicamente mais relevantes, foi estudada a distribuição dos grupos em um espaço de fase, correlacionando as duas variáveis (Figura 3). Uma clara separação no posicionamento dos grupos pode ser observada, confirmando o comportamento parabólico evolutivo. Essas duas informações podem servir como ferramentas úteis para supor o estado clínico de um indivíduo (se saudável, doente ou próximo da morte).

 

DISCUSSÃO

O objetivo principal do presente estudo foi verificar a capacidade dos Gráficos de Recorrência em permitir o reconhecimento diferenciado de três grandes grupos clínicos: indivíduos saudáveis, indivíduos com doença grave e aqueles em estado de morte ou morte iminente.

Entre as variáveis específicas do Gráfico de Recorrência, o Tempo de Aprisionamento (TT) com 10 ocorrências de diferença significativa (10/21; 47,6%) e a Taxa de Recorrência (REC%), Determinismo (DET%) e Entropia de Shannon, cada uma delas com 9 ocorrências (9/21; 42,8%), mostraram-se variáveis úteis para diferenciação entre os grupos. Notavelmente, há uma diferenciação entre os grupos do ponto de vista estatístico; entretanto, do ponto de vista clínico, os valores absolutos de REC%, DET% e Entropia de Shannon foram relativamente semelhantes em cada um dos grupos analisados. Por outro lado, TT apresentou diferença estatística e capacidade de discriminação na simples observação visual dos valores (Tabela 3).

As diferenças intergrupos para Laminaridade, Trend, Ratio e Lmax não foram clinicamente relevantes e, de acordo com a nossa interpretação, não devem ser consideradas apropriadas para a diferenciação entre os grupos.

Deste modo, podemos dizer que a relevância clínica dos Gráficos de Recorrência na identificação dos grupos propostos é fortemente baseada nas variáveis SDNN e TT. A variável SDNN, uma das variáveis do domínio linear, tem sido extensivamente estudada. Está relacionada aos componentes simpático e parassimpático do sistema nervoso autônomo e geralmente apresenta valores reduzidos em casos de envelhecimento e doenças.

Hillebrand et al., (2013)23 realizaram uma metanálise para determinar se a variável SDNN, entre outras, estaria associada ao risco de ocorrência de um primeiro evento cardiovascular em indivíduos sem doenças cardiovasculares conhecidas. Nos oito estudos selecionados, 21.988 participantes foram incluídos. O risco relativo do grupo com os valores mais baixos de SDNN em comparação com aqueles com os maiores valores foi de 1,35 com intervalo de confiança de 95% variando de 1,10 a 1,67, ou seja, valores mais baixos de SDNN foram significativamente associados à ocorrência de um primeiro evento cardiovascular em indivíduos sem doença cardiovascular prévia, após seguimento médio de 3,5 a 15 anos.

Dada a faixa etária dos indivíduos avaliados nesta metanálise, pode-se observar que eles estão em uma posição intermediária entre os nossos grupos A4 e B, confirmando a hipótese deste estudo de que os indivíduos evoluirão para o aparecimento das doenças à medida em que os valores de SDNN progressivamente diminuem.

A variável TT tem sido menos abordada na literatura e, portanto, algumas considerações devem ser feitas. Essa variável, juntamente com a laminaridade, reflete a persistência de um estado em um determinado intervalo de tempo. Mais especificamente, o TT indica o comprimento médio das linhas verticais no Gráfico de Recorrência. Valores baixos de TT indicam alta complexidade na dinâmica do sistema ("um sistema sem estados laminares"), pois, nessa situação, o sistema permanece por um curto período em um estado similar ao do momento anterior. Um sistema que consiste predominantemente em estados laminares ou aprisionados tem altos valores de TT 24-25

O estudo realizado por Trunkvalterova et al., (2007)26 avaliaram 34 jovens, sendo 17 com Diabetes Mellitus (DM) Tipo 1 (22,4 ± 1,0 anos), comparados a 17 controles saudáveis (21,9 ± 0,9 anos). Os autores descobriram que o TT foi maior no grupo com DM em comparação aos controles. Eles relatam que seus resultados confirmam a possibilidade de ocorrência de reduzida complexidade e aumento da previsibilidade da dinâmica da freqüência cardíaca, mesmo em pacientes jovens com DM. Esses resultados também confirmam nossos achados, pois pudemos observar níveis aumentados de TT mesmo em recém-nascidos saudáveis.

Assim, o envelhecimento não é o único fator que leva à perda de complexidade do sistema, mas também a presença de uma doença em seus estágios variados ou imaturidade, como encontrado em recém-nascidos. Vale ressaltar que em nosso estudo, em relação à variável TT, o grupo A1 não foi significativamente diferente dos grupos B (P = 0,3107), C (P> 0,9999) e D (P = 0,9260), mostrando a sensibilidade da variável não apenas em relação à idade, mas também em relação à perda de complexidade devido à imaturidade, doença, estado de morte ou morte iminente.

A avaliação qualitativa de gráficos de recorrência também produziu resultados interessantes. Uma apresentação com mais padrões geométricos pôde ser observada em recém-nascidos saudáveis, idosos e pacientes doentes, o que Marwan denominou "grandes retângulos escuros"12.

Portanto, essa característica indica menor variabilidade nos batimentos cardíacos, seja pela imaturidade do SNA ou pela perda progressiva da função. Em adultos jovens saudáveis, o padrão mais uniforme e difuso confirma a maior VFC e, consequentemente, menor recorrência, portanto sem padrões geométricos significativos. Uma condição particular pode ser vista em pacientes com transplantes cardíacos. Aqui, embora o paciente apresente boas condições clínicas e uma melhor condição homeostática tenha sido readquirida, seu coração está totalmente desnervado e apresenta padrões morfológicos dos Gráficos de Recorrência equivalentes ao estado de morte com padrões geométricos exuberantes27

Além disso, um dos pontos importantes a serem destacados foi a possibilidade de verificar, com a ajuda dos gráficos de recorrência, que as mudanças na variabilidade da frequência cardíaca nem sempre estão diretamente relacionadas à frequência cardíaca. Alguns autores mantêm a necessidade de correção de valor, normalizando os resultados de acordo com a frequência cardíaca28. Embora essa correlação seja verdadeira em alguns casos, o comportamento relativo de vários grupos no presente estudo contradiz esse fato, como pode ser constatado na comparação entre os grupos A1 e A3 (Tabela 1).

 

CONCLUSÃO

Os aspectos quantitativos e qualitativos dos Gráficos de Recorrência permitiram a diferenciação entre estados de saúde, doença avançada e morte ou morte iminente ao longo do ciclo da vida. O Tempo de aprisionamento destacou-se entre as variáveis mais relevantes e, juntamente com o SDNN, mostrou-se uma excelente ferramenta para diagnóstico e decisão clínica.

 

 

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Endereço para correspondência:
mf60204@gmail.com

Manuscrito recebido: Dezembro 2018
Manuscrito aceito: Janeiro 2019
Versão online: Abril 2019

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