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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282versão On-line ISSN 2175-3598

J. Hum. Growth Dev. vol.29 no.1 São Paulo abr. 2019

http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.157754 

ARTIGO ORIGINAL

 

Relações entre o desempenho motor e a composição corporal de adolescentes escolares

 

 

Giliard MoresI; Alexandre de Souza NunesI; Renan José de Moura BatistaI; Luiz Felipe Petusk CoronaI; Carlos Alexandre HabitanteII

IPrograma de pós-graduação em Educação Fisica. Universidade Federal do Mato grosso - Campus Universitário do Araguaia
IIProfessor Associado de Fisiologia Humana. Universidade Federal do Mato Grosso - Campus Universitário do Araguaia

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: A coordenação motora é uma interação harmoniosa entre diversos sistemas corporais para produzir ações cinéticas precisas e equilibradas. Diagnosticar níveis de desempenho motor em crianças e adolescentes pode favorecer a prevenção, conservação e melhoria da saúde e qualidade de vida. A composição corporal pode interferir consideravelmente na coordenação motora, principalmente em situações de sobrepeso e obesidade.
OBJETIVO: Analisar relações entre desempenho motor e composição corporal de escolares.
MÉTODO: Foram avaliados em 105 escolares a coordenação motora através do teste KTK (Körperkoordinationstest für Kinder) considerando o Quociente Motor (QM) e a composição corporal por meio do Percentual de Gordura Corporal (%GC) e Índice de Massa Corporal (IMC).
RESULTADOS: Os resultados da composição corporal demonstraram que pelo IMC (38% e 36%) e %GC (28% e 22%) dos meninos e meninas, respectivamente, foram classificados no grupo Acima do Ideal. Com relação ao desempenho motor as meninas apresentaram valores de QM inferiores aos dos meninos (p<0,001). O grupo com %GC Abaixo do Ideal apresentou maiores valores de QM que os grupos Ideal (p<0,05) e Acima do Ideal (p<0,05). Foi observada correlação inversa entre o QM, o %GC e o IMC (r=-0,432 e r=-0,254, respectivamente.
CONCLUSÃO: existem relações entre composição corporal e coordenação motora de adolescentes entre 11 e 14 anos, específicas ou não ao sexo e a faixa etária.

Palavras-chave: composição corporal, desempenho motor, adolescentes.


 

 

Por que este estudo foi feito?

Este estudo foi parte da dissertação de mestrado do Prof. Giliard Mores no Programa de Pós Graduação em Educação Física da UFMT (Universidade Federal do Mato Grosso). O tema foi fruto da observação do autor, como professor atuante da Rede Estadual de Ensino Básico, do desinteresse pela prática de atividades físicas, aumento da obesidade e decréscimo na capacidade motora dos alunos na última década.

O que os pesquisadores fizeram e encontraram?

Através da aplicação do teste KTK (Körperkoordinationstest für Kinder), da avaliação do índice de massa corporal e percentual de gordura corporal, em 105 escolares, buscou-se investigar a relação entre o desempenho motor e a composição corporal em jovens escolares . Foi observado, através deste estudo, de acordo com os testes aplicados, alta incidência de escolares com déficit no desempenho para execução de tarefas motoras, elevafos índices de sobrepeso e obesidade e uma forte relação entre o aumento dos níveis de adiposidade e diminuição do desempenho motor na população estudada.

O que essas descobertas significam?

Significam a necessidade de maiores cuidados com os fatores desencadeantes da obesidade, com destaque para o sedentarismo, em crianças e adolescentes, uma vez que estão relacionados ao nível de desempenho motor, que pode refletir na prática de atividade física e na saúde destes indivíduos no momento atual e na vida adulta.

 

INTRODUÇÃO

O desenvolvimento motor é um processo distinto que se inicia no momento do nascimento do indivíduo, apresentando um período de grande importância durante a infância e a adolescência, onde as habilidades motoras vão sendo descobertas, refinadas e executadas em complexidade crescente1. Paralelo ao crescimento, a criança adquire habilidades e padrões de movimento de forma contínua, envolvendo a interação de vários fatores, entre eles a maturação neuromuscular, o componente genético e as experiências vivenciadas junto ao meio ambiente em que vive2.

Neste sentido, considerando que na infância e adolescência ocorre um ritmo acelerado de transformações biológicas e elevada capacidade de adaptações aos estímulos ambientais, é importante que o indivíduo desenvolva as capacidades coordenativas que contribuirão, entre outras coisas, para uma melhora na orientação espacial, ritmo e equilíbrio1. A coordenação motora, dessa forma, pode ser definida como uma interação harmoniosa entre diversos sistemas corporais para produzir ações cinéticas precisas e equilibrada3. Portanto, o desenvolvimento da coordenação motora nestas fases pode influenciar decisivamente a motivação e o interesse na prática de atividades físicas e desportivas por este público3,4.

No entanto, nos últimos anos, ocorrem alterações negativas no estilo de vida de crianças e adolescentes, como hábitos alimentares inadequados e incremento no sedentarismo2,5. Nesta perspectiva, são percebidos menores níveis de prática de atividade física e aptidão física em alunos com sobrepeso, quando comparados aos indivíduos eutróficos6. Em consequência, algumas evidências propostas em estudos são de que o comportamento ativo ou sedentário apresentado na infância tende a perdurar na vida adulta6,7, o que tem contribuído para a expansão dos problemas relacionados ao sobrepeso e sedentarismo na população em geral.

Percebe-se na infância e na adolescência, que a obesidade tem se relacionado ao desenvolvimento precoce de doenças cardiovasculares, aumento da incidência de síndrome metabólica e manutenção da obesidade na fase adulta5. Além disso, índices expressivamente mais baixos de coordenação motora são encontrados em escolares com sobrepeso e obesidade em comparação com crianças de baixo peso e eutróficas8.

Assim, considerando que o desempenho motor e a composição corporal são importantes marcadores para a saúde de crianças e adolescentes, o objetivo deste estudo é analisar relações entre o desempenho motor e a composição corporal de adolescentes escolares.

 

MÉTODO

Este estudo caracterizou-se por ser descritivo e transversal utilizando de variáveis quantitativas. A amostra compreendeu 105 escolares do sexo masculino (n=60) e feminino (n=45), com faixa etária entre 11 e 14 anos de idade (12,67±1,11), matriculados e frequentes na Escola Estadual Heronides Araújo da Cidade de Barra do Garças - MT. Foram excluídos da pesquisa os alunos que não entregaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE); não se adaptaram ou recursaram aos procedimentos dos testes e no momento da coleta apresentaram condição clinica inadequada e que pudesse interferi na realização das avaliações.

A coleta de dados foi iniciada após anuência prévia da direção da escola. O convite para participação no estudo se estendeu a todos os alunos com idade dentro da faixa etária estipulada e devidamente matriculados na escola. O período de coleta dos dados totalizou quatro semanas e os testes foram realizados no período matutino e vespertino. A presente pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal de Mato Grosso sob o parecer 1.117.380.

Instrumentos e Procedimentos

Os adolescentes foram orientados a trajarem vestimentas adequadas para a realização dos testes. Em uma ficha individual, foram coletados e registrados dados de identificação dos participantes e outras informações consideradas relevantes para a pesquisa. Em seguida o aluno recebeu orientações sobre os procedimentos que seriam realizados para a coleta, na sequência, dos dados: antropométricos (peso, altura e dobras cutâneas) e desempenho motor (Körperkoordinationstest für Kinder - KTK).

O Índice de Massa Corporal (IMC) foi determinado após a mensuração da massa corporal e estatura através de uma balança mecânica Filizola®e seu estadiômetro. Os escolares foram orientados a permanecerem em cima do equipamento na posição ortostática, descalços e com o mínimo de roupa possível.

Os avaliados foram classificadas em três grupos, adaptados para esse estudo sendo: Abaixo do Ideal, Ideal e Acima do Ideal. Essa classificação utilizou como referência as Curvas de Crescimento da Organização Mundial de Saúde9 que indicam o estado nutricional de crianças e adolescentes com faixa etária entre 5 e 19 anos de idade de ambos os sexos. Assim, foi determinado pontos de cortes específicos considerando o sexo e idade para o indicador IMC e adaptados para esse estudo, sendo: Abaixo do Ideal (valores de Escore-z abaixo de -2); Ideal (valores de Escore-z maiores ou iguais a -2 e menores que +1) e Acima do Ideal (valores de Escore-z maiores ou iguais a +1).

A mensuração do Percentual de Gordura Corporal (%GC) envolveu o método de análise das dobras ou pregas cutâneas (DC). Essa técnica determina a espessura do tecido adiposo subcutâneo, estabelecendo uma relação linear entre os pontos anatômicos e a adiposidade corporal10. Para a medida das DC foi utilizado um compasso Slim Guide, seguindo os padrões exigidos pelo protocolo de Lohman11, para crianças e jovens de 6 a 17 anos de idade, que considera as DC tricipital e subescapular. A mensuração foi feita do lado direito do avaliado, estando o mesmo em posição ortostática. Foi realizado uma série de três medidas sucessivas num mesmo local e considerado a média das três10.

O %GC foi determinado a partir da equação de regressão proposta por Lohman11. Para a classificação os níveis de gordura corporal adaptou-se o Índice de Adiposidade proposto pelo mesmo autor12, classificando os escolares em três grupos, sendo: Abaixo do Ideal (masculino <10,0 e feminino <15,0) Ideal (masculino 10,1 - 20,0 e feminino 15,1 - 25,0) e Acima do Ideal (masculino >20,1 e feminino >25,1).

O desempenho motor foi avaliado a partir do Teste de Coordenação Corporal para Crianças (Körperkoordinationstest für Kinder - KTK) desenvolvido por Kiphard e Schilling13 e utilizado em diversos estudos relacionados ao desempenho motor com características longitudinais e transversais8,14,15. O teste é composto de quatro tarefas, sendo: Trave de Equilíbrio ou Equilíbrio a Retaguarda, Saltos Monopedais, Saltos Laterais e Transferência sobre Plataforma, que permitem investigar e classificar o nível de coordenação motora de crianças e jovens dos 5 aos 14 anos de idade. O KTK testa o domínio corporal geral por meio da homogeneidade das tarefas dos testes16.

Para definir os coeficientes motores utilizou-se tabelas normativas por sexo e idade, propostas pelo manual original13, ao qual é atribuído para cada tarefa um valor, determinando o quociente motor total. Esse por sua vez, estabelece o Quociente Motor (QM) que permite classificar os avaliados segundo seu nível de desenvolvimento coordenativo sendo: coordenação alta, coordenação boa, coordenação normal, perturbações na coordenação e insuficiência na coordenação13.

Análise Estatística

Recorreu-se a análise descritiva das variáveis por meio de indicadores estatísticos de tendência central (média), variabilidade (desvio padrão) e frequências percentuais. Foi utilizada a análise de variância "ANOVA" para a comparação entre sexos, faixa etária e classificação da composição corporal. Para a comparação entre as médias dos resultados obtidos foi aplicado o teste de comparações múltiplas de "Bonferroni". Para as correlações utilizou-se o teste de Correlação de Pearson por meio do programa Statistical Package for the Social Science (SPSS) versão 20.0. O nível de significância adotado foi de p<0,05.

 

RESULTADOS

Neste estudo foram avaliados 105 escolares, sendo 60 do sexo masculino e 45 do sexo feminino, divididos em duas faixas etárias: 11/12 anos (n=45) e 13/14 anos (n=60). Para fins de análise e apresentação dos resultados, adaptou-se os protocolos de composição corporal, classificando os indivíduos em três grupos: Abaixo do Ideal, Ideal e Acima do Ideal. Os resultados da composição corporal da amostra avaliada estão descritos na Tabela 1.

Em relação à classificação da composição corporal pelo IMC, observa-se que a maioria dos escolares avaliados foi classificado com IMC Ideal (60%), seguidos pela classificação do IMC Acima do Ideal (37%). Quando feita a análise por sexo, identifica-se que tanto meninos como meninas foram classificados, em sua maioria, com IMC Ideal (60%), seguidos pela classificação Acima do Ideal (38% e 36%, respectivamente). Em referência a faixa etária, o grupo com idade entre 11/12 anos, teve a maior parte dos escolares classificados com IMC Ideal (51%), seguidos pela classificação Acima do Ideal (44%). No grupo com idade entre 13/14 anos houve um predomínio de escolares com IMC Ideal (67%), seguidos pelo grupo Acima do Ideal (32%).

Considerando a classificação da composição corporal pelo Percentual de Gordura Corporal (%GC), observa-se que a maior parte da amostra foi classificada como Ideal (55%), seguidos pela classificação Acima do Ideal (26%). Considerando o sexo, identifica-se no grupo masculino um predomínio de escolares classificados com %GC Ideal (52%), seguidos pela classificação Acima do Ideal (28%). Para o grupo feminino prevaleceu o %GC Ideal (60%), seguido pela classificação Acima do Ideal (22%). Ao investigar os grupos com idade entre 11/12 e 13/14 anos percebe-se que uma preponderância de escolares classificados com %GC Ideal (49% e 60%, respectivamente), seguidos pela classificação Acima do Ideal no grupo 11/12 anos (36%) e Abaixo do Ideal no grupo 13/14 anos (22%).

Na Tabela 2 são apresentados os dados referentes a classificação da coordenação motora.

Considerando o score total que quantifica o Quociente Motor (QM) e classifica a coordenação motora dos avaliados, observa-se na amostra que a maioria dos indivíduos foi classificado com Perturbações e Insuficiência na Coordenação Motora (34,3% e 35,2%, respectivamente). Com referência ao sexo, percebe-se que o valor do QM foi menor entre as meninas quando comparadas ao grupo de meninos (p<0,001). Identificou-se que grande parte dos meninos apresentou coordenação normal (48,4%), enquanto as meninas, em sua maioria, foram classificadas com insuficiência de coordenação motora (53,3%).

Quando avaliados por faixa etária e comparando escolares de 11/12 aos de 13/14 anos, não observou-se valores estatisticamente significantes, entretanto, o grupo mais jovem (11/12 anos), teve um percentual elevado de indivíduos classificados com perturbações na coordenação motora (53,3%), enquanto o grupo com 13/14 anos apresentou uma quantidade considerável de indivíduos com insuficiência na coordenação motora (46,7%). Estes resultados demonstram uma melhor coordenação motora para os meninos em comparação às meninas e sugerem coordenação motora inferior entre os indivíduos com maior idade, em comparação ao grupo mais jovem.

Na Tabela 3 são apresentados os dados referentes a classificação da coordenação motora a partir da composição corporal dos escolares avaliados, considerando o Percentual de Gordura Corporal (%GC) e o Índice de Massa Corporal (IMC).

Na análise do QM (Quociente Motor), a partir do Percentual de Gordura Corporal (%GC), observam-se valores estatisticamente maiores para o grupo Abaixo do Ideal comparado aos grupos Ideal (p<0,05) e Acima do Ideal (p<0,05). Considerando o IMC, não houve significância estatística. Esses resultados demonstram uma relação inversamente proporcional entre a classificação da coordenação motora e o %GC dos avaliados. Os resultados podem ser confirmados pela elevada quantidade de adolescentes com %GC e IMC Acima do Ideal, classificados com perturbações na coordenação motora (%GC - 48,1%; IMC - 43,6%) e insuficiência na coordenação motora (%GC - 37,1%; IMC - 35,9%).

A Figura 1 representa a correlação das variáveis de composição corporal e o QM do teste KTK. Considerando o %GC, os valores demonstram uma correlação inversa e moderada com o QM (p<0,001/r=-0,423**). Considerando o IMC e QM, os valores demonstram uma correlação inversa e fraca entre o IMC e o QM (p<0,009/r=-0,254**).

 

DISCUSSÃO

Considerando a composição corporal, observou-se pelo IMC que 37% dos avaliados foram classificados no grupo Acima do Ideal. Esses resultados se mostram superiores a um estudo realizado no nordeste do Brasil, ao qual investigou 1.247 estudantes com faixa etária até 12 anos e cujo prevalência de excesso de peso foi detectado em 17,3% dos indivíduos pesquisados5. Em outro trabalho realizado na região Sul do Brasil, envolvendo 1.664 escolares com idade entre 7 e 17 anos, foi identificando sobrepeso e a obesidade em 27% dos avaliados17, confirmando que os achados da presente pesquisa se mostraram elevados. Assim como nesses estudos5,17, não foi observado diferenças significativas entre os sexos na presente pesquisa. Por outro lado, uma investigação realizada no sudeste do Brasil envolvendo 321 escolares com idade entre 10 e 16 anos, analisados pelo IMC, encontrou índices expressivos de sobrepeso e obesidade na amostra, em 54,2% das meninas e 45,8% dos meninos, demonstrando um forte incremento de excesso de peso nessa população jovem18.

Com relação ao Percentual de Gordura Corporal (%GC), os dados demonstraram valores Acima do Ideal para 26% dos escolares. Esses resultados se apresentam elevados quando comparados a um estudo nacional realizado com 383 estudantes com idade entre 13 e 16 anos, em que a obesidade foi detectada em 10,2% dos avaliados7. No entanto, estes autores consideraram como parâmetro para obesidade índices de gordura corporal superiores a 25% para os meninos e de 30% para as meninas7, enquanto que neste estudo considerou-se o %GC Acima do Ideal a partir de 20% e 25%, respectivamente. Por outro lado, os resultados encontrados na presente pesquisa, são semelhantes aos de um estudo desenvolvido no sudeste do Brasil que avaliou 403 adolescentes entre 10 e 14 anos e ao qual detectou excesso de peso em 30,1% dos avaliados de ambos os sexos19.

Considerando a faixa etária constatou-se uma diminuição na quantidade de indivíduos com IMC e %GC classificados como Acima do Ideal entre os grupos de 11/12 anos (44% e 36%) e 13/14 anos (32% e 18%), respectivamente. Nesta perspectiva, uma pesquisa com adolescentes escolares realizada na região norte do Brasil, encontrou associação inversa entre a idade e o excesso de peso20. Os autores apontaram que a idade se mostrou um fator protetor para o excesso de peso na adolescência devido, entre outros fatores, a preocupação com a imagem corporal, melhor controle do consumo alimentar e em alguns casos, uma maior participação em atividades físicas, incluindo o lazer e prática esportiva20.

Neste sentido, cabe destacar que durante a idade escolar, o sobrepeso e a obesidade podem levar a problemas na sáude como alterações cardiorrespiratórias, hipertensão arterial, alterações respiratórias, doenças ortopédicas, bem como alterações no desenvolvimento motor em comparação com individuos com peso normal21.

Em relação a coordenação motora, percebe-se na população estudada que 69,5% (34,3% perturbações na coordenação e 35,2% insuficiências na coordenação) dos avaliados apresentaram baixa coordenação motora. Esses resultados se mostraram elevados quando comparados aos achados de algumas pesquisas envolvendo crianças e adolescentes. Em um estudo com 84 crianças e adolescentes com idade entre 9 e 16 anos da região sul do país, foi detectado que 27,4% dos avaliados apresentaram perturbações na coordenação e 13,1% insuficiência na coordenação22. Outro pesquisa realizada na região norte do Brasil, envolveu 108 jovens escolares (9 a 12 anos), e encontrou índice de 35,19% de avaliados com coordenação motora abaixo da normalidade23.

Os estudos, em sua maioria, confirmam diferenças significativas no desempenho motor entre os sexos8,24. Nesse estudo, os meninos apresentaram melhores valores Quociente Motor (QM) que as meninas. Essa particularidade foi observada em pesquisas nacionais e internacionais com escolares de idade entre 10 e 13 anos24 e entre 6 e 14 anos onde os meninos apresentaram melhores níveis de coordenação motora que as meninas em todas as faixas etárias avaliadas8.

Em uma análise envolvendo 2.849 meninos e meninas de um estado do sudeste brasileiro na faixa etária entre 6 e 18 anos, em geral, demonstrou que os rapazes apresentam escores mais elevados nos testes motores, confirmando que nesse período etário tendem a ter um melhor desempenho motor quando comparados às meninas25. Além disso, ocorre uma diferença de maturação e crescimento entre os sexos no período que se estende dos 11 aos 16 anos, sendo que nas meninas, acontece um aumento gradativo de gordura corporal influenciando negativamente a execução de habilidades motoras1.

As diferenças entre os sexos no que se refere ao desempenho motor também podem ser explicadas por fatores culturais, exigências do ambiente e oportunidades de experiências motoras, já que meninos e meninas, culturalmente, são incentivados a atividades diferentes no seu dia-a-dia, exigindo de ambos o desenvolvimento distinto de habilidades físico-motoras para o cumprimento das tarefas26.

Considerando à faixa etária, percebem-se no grupo com idade entre 13/14 anos um elevado percentual de alunos (46,7%) classificados com insuficiência de coordenação motora. Essa associação inversa entre desempenho motor e idade é perceptível principalmente em meninas devido, em parte, as alterações da composição corporal, características da fase da puberdade e a fatores motivacionais e socioculturais que implicam em um menor engajamento em atividades físicas por parte das meninas desde a fase da infância25.

Em outro ponto, um envolvimento decrescente dos adolescentes de ambos os sexos nas práticas de atividades físicas diversas, com o consequente aumento do sedentarismo nesta população5, pode estar contribuindo para a restrição funcional e alterações no desenvolvimento motor. Em um estudo nacional envolvendo adolescentes com idade entre 14 e 19 anos, os autores detectaram a prevalência de níveis insuficientes de atividade física e uma prevalência de comportamento sedentário nesses indivíduos27. Em uma pesquisa internacional que avaliou 6.917 escolares entre 7 e 14 anos, os autores concluíram que desordens nas habilidades motoras fundamentais estão fortemente associadas a menores níveis de atividade física entre os avaliados28.

Na análise do desempenho motor dos adolescentes avaliados, segundo a composição corporal, observou-se valores maiores de Quociente Motor (QM) para os indivíduos com Percentual de Gordura Corporal (%GC) Abaixo do Ideal (85,15±10,43) e Ideal (74,44±17,20) em comparação ao grupo Acima do Ideal (72,70±14,08). Esses resultados são confirmados pela análise do IMC, em que o grupo Acima do Ideal apresentou percentuais elevados de indivíduos classificados com perturbações na coordenação motora e insuficiência na coordenação motora (43,6% e 35,9%, respectivamente).

Resultados semelhantes em relação ao IMC, foram observados em estudos internacionais envolvendo crianças e adolescentes escolares na faixa etária entre 6 e 14 anos com sobrepeso, que demonstraram menores níveis de coordenação motora quando comparadas as crianças eutróficas, apontando o IMC elevado como preditor negativo para a coordenação motora8,15. Em uma revisão sistemática, com meta-análise de 10 estudos nacionais e internacionas sobre a relação do IMC com o desempenho motor em escolares, revelou-se uma relação inversa entre os valores de IMC e os resultados de desempenho no KTK, tanto em crianças como em adolescentes3.

Considerando o Percentual de Gordura Corporal (%GC), percebe-se uma relação inversa entre o excesso de gordura corporal e o desempenho motor. Em um estudo português que analisou 596 crianças com idade entre 9 e 12 anos, foi observado uma menor coordenação motora em meninos e meninas com elevado percentual de gordura29. O excesso de gordura corporal, em uma perspectiva mecânica, representa uma carga inerte que deve ser movida e geralmente influencia negativamente no desempenho motor20.

Em relação às variáveis composição corporal e desempenho motor, utilizou-se o teste de Correlação de Pearson para confirmar suas possíveis associações. Foi constatado na presente amostra que a composição corporal analisada pelo IMC e %GC correlacionou-se inversamente ao desempenho motor. Resultado similar foi apontado em uma pesquisa envolvendo 333 crianças escolares com idade entre 7 e 11 anos, ao qual confirmou uma correlação negativa entre o %GC elevado e a realização de diversos testes motores30. Os autores constataram a existência de diferenças no desenvolvimento de motor de crianças com normalidade de peso em comparação a crianças com sobrepeso e obesidade30. Essas evidências são confirmadas em uma revisão sistemática, envolvendo 44 estudos nacionais e internacionais publicados entre 2012 e 2013, onde os autores detectaram uma associação inversa entre a coordenação motora e o sobrepeso em crianças e adolescentes nos resultados das pesquias14.

Nesta perspectiva, os resultados da correlação apresentados na Figura 1, estão em concordância com um estudo que avaliou 7.175 escolares com idade entre 6 e 14 anos, ao qual detectou uma relação inversa entre a coordenação motora e o IMC em toda a infância e adolescência8. Em síntese, foi apontado que indivíduos com sobrepeso e obesidade, de ambos os sexos, possuem coordenação motora menor que seus congêneres eutróficos8. Além de repercussões negativas à saúde, o sobrepeso pode ser um limitador para as habilidades motoras20.

Acredita-se que esse trabalho contribui para a reflexão da importância da educação precoce para o estilo de vida ativo, uma vez que investiga a relação entre o desempenho motor e a composição corporal de adolescentes. Assim, o estudo se mostra relevante em termos de saúde pública, especialmente por tratar da influência negativa do sobrepeso no desenvolvimento saudável de jovens em idade escolar e, dessa forma, motivar para intervenções prévias com programas, projetos e orientações no âmbito da prática de atividade física, combate a obesidade e melhoria da saúde infanto-juvenil, afim de minimizar tal efeitos.

 

CONCLUSÃO

Em conclusão, o presente estudo revelou uma grande quantidade de indivíduos com baixos níveis de coordenação motora, tendo os meninos melhor desempenho em relação as meninas e o grupo com faixa etária mais jovem em comparação a idade mais avançada. Com relação a composição corporal foi percebido uma considerável incidência de sobrepeso na amostra investigada e uma diminuição do mesmo com o avançar da idade. Além disso, o excesso de peso teve uma associação negativa com o desempenho motor dos escolares avaliados. Nesse sentido, pode-se afirmar que existem relações entre as variáveis de composição corporal e desempenho motor em escolares com idade entre 11 e 14 anos, e que essas associações podem ser influenciadas pela idade, sexo e composição corporal.

 

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Endereço para correspondência:
giliardmores@hotmail.com

Manuscrito recebido: Julho 2018
Manuscrito aceito: Setembro 2018
Versão online: Abril 2019

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