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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282versão On-line ISSN 2175-3598

J. Hum. Growth Dev. vol.29 no.1 São Paulo abr. 2019

http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.137142 

ARTIGO ORIGINAL

 

Complicações bucais em crianças e adolescentes hospitalizadas durante o tratamento antineoplasico

 

 

Ana Paula WelterI; Graziela Oro CericatoII; Luiz Renato ParanhosIII; Tito Marcel Lima SantosIV; Lilian RigoV

IEstudante de Odontologia da Faculdade de Odontologia da Faculdade Meridional / IMED, RS, Brasil
IIProfessora da Faculdade de Odontologia da Faculdade Meridional / IMED, RS, Brasil
IIIProfessora, Área de Odontologia Preventiva e Comunitária, Faculdade de Odontologia, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, Brasil
IVMestranda do Programa de Pós-Graduação em Odontologia da Universidade Federal de Sergipe, Aracaju, SE, Brasil
VProfessor, Faculdade de Odontologia, Faculdade IMED, RS, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: Durante o tratamento antineoplásico, células normais também são afetadas, incluindo assim, as células da mucosa oral, o que potencialmente causa complicações orais.
OBJETIVO: O presente trabalho teve por objetivo avaliar a prevalência das principais complicações bucais e índice de higiene oral em crianças e adolescentes submetidas à quimioterapia e/ou radioterapia.
MÉTODO: O delineamento é do tipo observacional de prevalência realizado em um Hospital do Sul do Brasil. Foram coletados dados de 21 pacientes de 5 a 12 anos de idade em tratamento, a partir de um questionário auto aplicativo para os responsáveis pelos pacientes e um exame clínico intraoral. Os indicadores utilizados foram o índice CPOD (dentes cariados, perdidos e obturados) para cárie dentária, o índice IHOS (higiene oral simplificada) para Higiene Oral e a presença de mucosite, xerostomia e candidíase.
RESULTADOS: A maior parte da amostra era do sexo masculino (57,1%) média de 8 anos de idade (dp 2,92), diagnosticados com leucemia (47,6%). Todos os participantes receberam quimioterapia como tratamento de escolha e 38,1% receberam radioterapia como parte do tratamento. Os resultados evidenciariam presença de mucosite em 61,9% e xerostomia em 28,6% dos pacientes. Nenhum paciente apresentou candidíase durante o exame clínico. Quanto a cárie dentária, 66,7% tem um CPOD de 4 e 16, considerado alto e 38,1% dos pacientes apresentaram presença de placa bacteriana e cálculo dentário.
CONCLUSÃO: As principais complicações bucais evidenciadas durante o tratamento antineoplásico foram mucosite e xerostomia. Foi observado também um alto índice de cárie dentária, consequência de uma inadequada higiene oral.

Palavras-chave: quimioterapia, radioterapia, saúde bucal, mucosite, xerostomia.


 

 

Por que este estudo foi feito?

The present study aimed to evaluate the prevalence of the main oral complications and the oral hygiene index in children and adolescents aged 5 to 12 years submitted to chemotherapy and / or radiotherapy in order to demonstrate the importance of the dental surgeon as a member of pediatric multidisciplinary oncological team.

O que os pesquisadores fizeram e encontraram?

Oral clinical examination was carried out in patients undergoing cancer treatment. It was reported that the main oral complications in children and adolescents during the antineoplastic treatment were mucositis and xerostomia. Regarding oral health conditions, children and adolescents have a high caries rate, often associated with brushing difficulties due to oral complications of treatment.

O que essas descobertas significam?

Due to the presence of oral problems related to the treatment of cancer, the presence of the dentist in the oncological team is vital for reducing the morbidity of these lesions. Longitudinal and full-time monitoring of the pediatric patient is necessary because of the risk of recurrence of some complications, even after ending the antineoplastic treatment.

 

INTRODUÇÃO

O câncer é responsável por inúmeras mortes no mundo, sendo a segunda causa mais frequente de morte em crianças maiores de um ano1. No Brasil, para o período entre 2000 a 2005, o câncer ficou entre as dez causas mais comuns de óbitos de crianças e adolescentes com idades de 1 a 18 anos2. Apesar disso, a evolução da medicina tem possibilitado um progresso significativo em seu tratamento, e atualmente 70% das crianças podem ser curadas quando diagnosticadas precocemente1. As neoplasias com maior prevalência na população infantil são as leucemias, os linfomas e os tumores do sistema nervoso central3,4.

O tratamento antineoplásico, como a quimioterapia, tem a capacidade de induzir dano celular no epitélio, mucosa oral e estruturas glandulares salivares, prejudicando suas funções e, consequentemente, promovendo alterações quantitativas e qualitativas, que se manifestam como complicação estomatológica em pacientes oncológicos5.

Dentre as modalidades tratamento antineoplásico, a radioterapia e a quimioterapia, quando realizadas principalmente na região de cabeça e pescoço, são caracterizadas por conter, inespecificamente, a proliferação exacerbada das células neoplásicas, ocasionando, por consequência, uma interferência na multiplicação celular de tecidos que, fisiologicamente, necessitam de uma reposição acelerada, como o epitélio da mucosa bucal3, bem como, afetam o potencial de vascularização e a atividade osteoblástica6,7. Em decorrência dessas e outras várias ações colaterais, diversas complicações orais, como a mucosite, a osteorradionecrose, infecções oportunistas como a candidíase, xerostomia, doenças periodontais, perda ou diminuição do paladar e trismo, tornam-se muito comuns em pacientes submetidos a essas modalidades de tratamento8-10 as quais, são responsáveis por gerar um enorme desconforto ao paciente, principalmente ao tratar-se de pacientes infantis7,11,12.

Tais complicações agudas devido ao tratamento antineoplásico podem gerar um enorme impacto na qualidade de vida, de saúde oral e saúde geral dos pacientes, levando à interrupção do tratamento oncológico e consequente aumento do risco de persistência da doença13,14, assim como eleva a dificuldade da manutenção da higienização oral e aceitação do tratamento odontológico3,4,6. A adoção de uma dieta rica em açúcar e extremamente cariogênica é bastante comum, por pacientes pediátricos, devido a hipossalivação e a perda ou diminuição do paladar. Esses fatores, associados ao resultado direto que a radiação causa sobre os tecidos dentais provoca o aumento da incidência da cárie3,9.

O Dentista torna-se fundamental no acompanhamento dos pacientes pediátricos, a nível hospitalar, devido sua capacidade em realizar o diagnóstico e tratamento dessas complicações orais, visto que estas podem agravar, ainda mais, o quadro clínico do paciente, bem como, servem como gatilho para infecções secundárias, afetando diretamente o tratamento oncológico e a qualidade de vida da criança8,11.

A adoção de protocolos de planejamento do tratamento odontológico, com foco primordial no controle e higiene oral meticulosa, antecedente ao tratamento antineoplásico é imprescindível para a manutenção da saúde oral, prevenindo o surgimento de cáries e doenças periodontais. Adequação do meio bucal, remoção de possíveis fontes de trauma como restaurações mal adaptadas, aparelhos ortodônticos e dentes fraturados, são fundamentais para prevenir o aparecimento de mucosites e outras complicações4,10. Ainda, é papel deste profissional cuidar dos focos de infecção, prevenção de sangramento, e alívio do desconforto para uma melhor condição nutricional, melhorando assim a qualidade de vida dos pacientes com estas morbidades, reduzindo consideravelmente as complicações causadas por processos inflamatórios de origem bucal3 9,14.

A orientação, dos pais e/ou responsáveis legais pelas crianças que passam por tratamento oncológico, nos procedimentos necessários de higienização bucal constitui o alicerce na prevenção de mucosites, cárie, doenças periodontais, sangramentos espontâneos, dentre outras. A presença do Dentista na equipe oncológica torna-se base para redução da morbidade e mortalidade dessas lesões, o acompanhamento longitudinal e integral do paciente pediátrico é necessário devido ao risco de recidiva de algumas complicações, mesmo após o término do tratamento antineoplásico10,14.

Desta maneira, determinada a importância do Dentista na composição da equipe multidisciplinar oncológica pediátrica, a presente pesquisa teve como objetivo avaliar a prevalência das principais complicações bucais (mucosite, xerostomia, candidíase, cárie dentária) e índice de higiene oral em crianças e adolescentes de 5 a 12 anos de idade submetidas à quimioterapia e/ou radioterapia.

 

MÉTODO

O presente trabalho trata-se de um estudo quantitativo, observacional15 cujo delineamento é descritivo de prevalência. A amostra foi selecionada por conveniência, avaliando crianças submetidas a tratamento quimioterápico e/ou radioterápico hospitalizadas no Hospital São Vicente de Paulo (HSVP), na cidade de Passo Fundo, nos meses de agosto a dezembro de 2015. O HSVP localiza-se na cidade de Passo Fundo, interior do estado do Rio Grande do Sul, sendo a maior cidade do Norte do estado e considerada um pólo de saúde atendendo uma demanda de pacientes de todo o Estado do Rio Grande do Sul. Esse hospital conta com um importante e moderno centro de radioterapia e quimioterapia do sul do Brasil.

Na equipe oncológica do HSVP, o dentista faz parte da equipe, sendo que acompanha o desenvolvimento do tratamento realizando intervenções da área odontológica, além de diagnóstico, prevenção e promoção da saúde bucal do paciente.

Foram incluídas somente crianças e adolescentes com idade ente 5 e 12 anos, sem distinção de sexo ou etnia, estando em tratamento de radioterapia ou quimioterapia associadas ou não. Crianças sem diagnóstico bem definido ou em estado terminal foram retiradas da amostra, pois, não puderam ser avaliadas, resultando em 21 crianças a serem avaliadas.

Previamente a coleta de dados, a pesquisa foi aprovada pela Comissão Científica do HSVP e pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto Meridional sob protocolo 1.176.032. Todos os pacientes e seus responsáveis assinaram os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido e O Termo de Assentimento, aceitando participar da pesquisa.

Para a coleta dos dados clínicos nas 21 crianças selecionadas, realizou-se um exame intraoral nos pacientes (observação clínica) e análise do prontuário médico, a fim de verificar alterações na mucosa bucal (mucosite, xerostomia e candidíase), verificar o número médio de dentes cariados, perdidos e obturados (CPOD) e o índice de Higiene Oral simplificado (IHOS).

O exame para mucosite foi realizado por observação clínica detalhada em toda a mucosa oral (língua, palato, gengivas) sendo atribuído escore zero (0) para ausência e um (1) para presença.

A presença de xerostomia foi coletada de acordo com o relato do paciente e análise do prontuário, feita pelo cirurgião-dentista pertencente a equipe oncológica, sendo atribuído escore zero (0) para ausência e um (1) para presença.

A candidíase foi diagnosticada, por meio da observação clínica em toda a mucosa oral, verificando a presença de placas brancas ou amareladas e removíveis à raspagem, que seria confirmada pela resposta positiva a terapia antifúngica. Embora, não houve casos para análise.

A condição periodontal foi avaliada utilizando o indicador IHOS proposto por Greene e Vermillion16 no qual mede a existência de placa e cálculo na superficie vestibular dos elementos 11, 31,16 e 26 (incisivo central maxilar direito, incisivo central mandibular esquerdo, primeiros molares maxilares) e na superficie lingual dos elelmentos 36 e 46 (primeiros molares mandibulares). Nos dentes decíduos foram analisadas a superficie vestibular dos dentes 51,71, 55 e 65 e a superficie lingual dos dentes 75 e 85. O Índice de Higiene Oral Simplificado é a combinação dos índices de placa e de cálculo. As escalas para placa e cálculo variam de zero a três. No caso de ausência dos dentes requisitados para o exame ou de eles se encontrarem cariados ou restaurados, substitui-se pelo dente subsequente. Calculam-se separadamente os índices de placa e cálculo através do somatório dos graus atribuídos e da posterior divisão pelo número de superfícies examinadas. O resultado do Índice de Higiene Oral Simplificado é representado pelos índices de placa e cálculo.

Os resultados foram classificados de acordo com seguintes escores: escore 0 - higiene oral satisfatória; escores de 0,1 a 1,5 - higiene oral regular. Para avaliação dese indicador, as criancas realizaram bochechos por um minuto com 5ml solução evidenciadora de placa Eviplac (Biodinâmica, Ibiporã, PR, Brasil), sendo eliminado todo o conteúdo acumulado no interior da boca após o tempo de bochecho.

Em relação à cárie dental utilizou-se o Índice de CPOD, proposto por Klein e Palmer17. De acordo com os valores do índice classificou-se: CPOD baixo a moderado (0,0-3,0) e CPOD alto (4,0-16,0).

Os pacientes foram examinados por um único examinador, previamente treinado, tendo realizado 2 meses de estágio hospitalar no setor de oncologia, juntamente com a equipe multidisciplinar do Hospital. Para a calibração do examinador foram examinadas, 10 crianças de 5 a 12 anos na clínica odontológica da Faculdade Meridional, para treinar o examinador e realizar o Teste Kappa para os índices CPOS e IHOS. O resultado inter examinador pelo teste Kappa para cárie dentária foi K= 0,87, considerada excelente. Para placa bacteriana e cálculo dentário, o resultado foi K= 0,79, considerada boa concordância. O exame clínico foi realizado obedecendo às normas de biossegurança, com o auxílio de afastadores bucais descartáveis e lanterna, usando Equipamento de Proteção Individual completo - jaleco, gorro, máscara e luvas, em local iluminado, com os pacientes sentados em uma cadeira do Hospital enquanto aguardavam pela consulta médica. O exame clínico foi realizado nas crianças enquanto recebiam a medicação de quimioterapia no próprio setor de quimioterapia do referido hospital.

Além do exame clínico, foi aplicado um questionário auto aplicativo baseado em estudos prévios4,13,18, e modificado pelo próprio autor, constituído de perguntas direcionadas ao paciente e/ou seus responsáveis, no intuito de classificar os pacientes de acordo com sua idade, sexo, tipo de câncer, hábitos de higiene bucal, sinais e sintomas das complicações bucais antes e após o tratamento.

Após a coleta de dados, esses foram tratados estatisticamente pelo programa SPSS 20.0 para Windows, a fim de realizar análises descritivas e as prevalências das variáveis. Os resultados estão apresentados em uma tabela com valores relativos e absolutos, a fim de verificar a distribuição das frequências encontradas nos dados dos instrumentos de coleta.

 

RESULTADOS

Dos 21 indivíduos avaliados no estudo, a maioria do sexo masculino (57,1%) e com média de 8 anos de idade (dp 2,92). Do número total, 10 foram diagnosticados com leucemia (47,6%), enquanto os outros 11 tiveram como diagnóstico variados tipos de tumores. Na tabela 1 estão descritas, ainda, variáveis como diagnóstico do câncer e a modalidade de terapia antineoplásica realizada em crianças do HSVP da cidade de Passo Fundo, em 2015.

Nas tabelas 2 e 3 são apresentadas as variáveis de hábitos de higiene bucal e as variáveis de complicações bucais da amostra. Das 21 crianças entrevistadas, nenhuma apresentou ter qualquer alteração bucal antes do início do tratamento oncológico. Entretanto, como complicação deste foram diagnosticados, 13 (61,9%) casos de mucosite e 8 de xerostomia (28,6%). Dos pacientes examinados, 13 (61,9%) não apresentavam placa bacteriana e cálculo dental, tendo sua higiene oral classificada como satisfatória. Apesar disso, quando avaliados quanto ao índice de dentes cariados, obturados ou perdidos - CPOD, 7 (33,3%) apresentaram um CPOD de 0 a 3, e outros 14 (66,7%) apresentavam um CPOD de 4 a 16.

 

DISCUSSÃO

No Brasil, a leucemia é a neoplasia com maior prevalência em crianças com faixa etária abaixo de 15 anos19. Corroborando os resultados obtidos neste estudo, em que, constatou-se que a leucemia foi o tipo de câncer infantil mais encontrado (47,1%) entre os entrevistados, desta forma, concordando, também, com achados de outros estudos realizados anteriormente com crianças na mesma faixa etária4,9,19,20. De acordo com Santos et al.18 a leucemia está caracterizada como uma doença hematológica neoplásica maligna, resultado da proliferação desregulada de um clone de células hematopoiéticas da medula óssea com alterações na maturação e apoptose celular. A doença pode ter um quadro clínico agudo ou crônico, sendo que em crianças, 80% das leucemias agudas são linfocíticas (LLA) e em adultos, 85% são mieloblásticas (LMA).

Um estudo com delineamento longitudinal prospectivo com 28 pacientes selecionados em uma Clínica Odontológica, especializada em Oncologia, observou efeitos adversos ao tratamento oncológico com quimioterápicos e/ou radioterápicos, mais especificamente, verificando a presença de mucosite oral20. No presente trabalho, foram identificados, dentre os entrevistados, que 61,9% apresentaram mucosite oral, sendo esta a principal complicação do tratamento antineoplásico identificada. De acordo com Gordón-Nuñez et al.19 e outros estudos4,13 o tratamento para as doenças neoplásicas é responsável por diversas complicações estomatológicas, tendo como destaque, a mucosite com proporções que atingiram de 40% a 76% nestas pesquisas. Os pacientes relatam que a mucosite é o efeito colateral mais debilitante do tratamento do câncer21. Para o manejo da mucosite, manter uma boa higiene oral é importante. Como estratégias para suavizar os efeitos da mucosite, podemos citar a suavização das cerdas das escovas de dentes em água morna por alguns minutos, ocoasionando maior conforto durante a escovação, ou até mesmo a substituição por escovas com espuma. Além disso é possível lançar mão de tratamentos como a crioterapia oral, terapia com laser de baixa intensidade22,23, lavagens de bicarbonato de sódio e enxaguatório bucal de benzidamina24.

A xerostomia aparece como a segunda complicação mais presente nesta pesquisa, acometendo 28,6% dos pacientes. De acordo com Lopes et al.4 Ela representa a principal manifestação oral do tratamento antineoplásico e é descrita como uma secura na boca, sendo uma alteração transitória no funcionamento das glândulas salivares quando causada pelos tratamentos antineoplásicos. Da mesma maneira, Kreuger et al.25 identificaram que a principal complicação foi a xerostomia, sendo encontrada em 46 dos 86 prontuários analisados, assim como em estudo de Sera et al.26 onde 80,9% dos pacientes tiveram queixa de xerostomia. Tal variação pode estar atrelada aos diferentes protocolos de atendimento odontológico, aos quais, os pacientes pediátricos são submetidos nas instituições dos estudos acima, bem como, os cuidados prévios adquiridos pela equipe odontológica, antes da iniciação do tratamento antineoplásico. Como também, as variações de tumores e quimioterápicos utilizados para o tratamento destas neoplasias, podem resultar na ocorrência destas diferenças.

De acordo com Górdon-Núñez et al.19 50% das infecções orais em pacientes com câncer correspondem a candidíase. Lopes et al.4 afirmam ser a principal infecção fúngica causada pelos tratamentos em questão, e é representada por placas brancas e removíveis na mucosa bucal, língua e palato. No presente estudo, no entanto, nenhuma das crianças avaliadas apresentou essa condição no período dos exames clínicos. No caso de Lopes et al.4 41,6% dos casos relatavam a lesão, 50% no estudo de Hespanhol27 52,3% para Sera et al.26. Logo, é possível notar uma alta discrepância entre os resultados obtidos na presente pesquisa, e estudos semelhantes realizados. Assim, consequentemente, diante da conjuntura apresentada, é possível sugerir que a higiene oral satisfatória da maioria das crianças, 61,9%, e uma alimentação adequada, 76,2%, podem ser responsáveis pela não identificação de casos de candidíase nos pacientes investigados. Já que esta infecção fúngica é caracterizada por acometer pacientes pediátricos em estado de neutropenia e imunossupressão, associados a uma má higienização, bem como, a má nutrição decorrente de dificuldades na ingestão de alimentos3.

Embora nem todos os pacientes deste presente estudo apresentaram boa higiene oral, onde, 38,1% apresentavam nível regular de higienização, índices mais preocupantes foram identificados em estudo realizado por Mouchrek Júnior e Trovão12 no qual identificou-se presença de placa bacteriana em todas das crianças examinadas, evidenciando a falha na higiene oral. Assim como Azher e Shinggaon28 identificaram a falta de higiene bucal como principal problema encontrado em sua pesquisa em crianças com leucemia hospitalizadas de 2 a 14 anos Pode-se propor, assim, que há uma grau satisfatório na realização da higiene oral, das crianças entrevistadas, ocasionada pela boa instrução dos pais e crianças, bem como, ao trabalho efetivo da equipe odontológica do Hospital onde esse estudo foi realizado.

Quanto à cárie dental, sete pacientes encontravam-se com CPOD de 0 a 3, enquanto outros 14, o CPOD foi de 4 a 16. O alto índice de cárie tem relação direta à dificuldade de higiene oral devido a complicações, como por exemplo, a mucosite, causada pelo tratamento, que leva a muita dor, ou mesmo pela xerostomia, já que a saliva tem grande importância na prevenção da cárie. Lopes et al.4 relatam que a mucosite é mais acentuada em pacientes com má higiene oral, onde a ação de vírus, fungos e bactérias acaba por agravar a situação, formando então um ciclo vicioso devido ao fato de o paciente não conseguir higienizar.

Quando questionados sobre o tipo de dieta, apenas um paciente relatou ter mudado para dieta pastosa, enquanto os outros 20 permanecem comendo sólidos. Porém, cinco deles (23,8%) relatam sentir alguma dificuldade no momento da alimentação, enquanto outros 23,8% relatam sentir ardência na boca ao ingerir alimentos como frutas cítricas. Os pacientes não foram questionados, nem tampouco relataram alteração no paladar, porém, em outro estudo4, observou-se disfunção do paladar pode surgir com a quimioterapia, podendo ser leve, chamada de hipoeugesia, quando essa perda se limita a algumas semanas ou disgeusia, quando há persistente alteração no paladar. Tais alterações são responsáveis pela ingestão alimentar insuficiente e consequente perda de peso durante o tratamento. Um estudo avaliou a detecção do gosto umami em pacientes com e sem câncer e, apesar de não encontrar diferença estatística significante entre os limiares do gosto umami e presença de câncer, sexo, idade e estado nutricional. Os autores29 salientam a importância da orientação nutricional, principalmente em crianças, com o objetivo de não prejudicar o tratamento, uma vez que crianças em tratamentos oncológicos podem sofrer alterações no paladar e no apetite, impactando no consumo de nutrientes e na resposta imunológica, afetando sua taxa de recuperação.

Neste estudo, 61,9% das crianças relataram escovar os dentes três vezes ou mais por dia, resultado semelhante quando comparado ao estudo de Barbosa et al.9 onde 72% escovam mais de três vezes por dia, porém, diferentemente do estudo de Sera et al.26 no qual somente 38,2% dos pacientes o fazem. Ressalta-se a importância das orientações em saúde bucal durante o período de hospitalização da criança nos resultados positivos ao tratamento oncológico. A higiene bucal deficiente ou a pré-existência de focos infecciosos aumenta o risco de infecção bucal durante a quimioterapia e a radioterapia. Por isso, a integração entre o cirurgião-dentista e o médico oncologista é essencial para que, mantendo um bom nível de higiene bucal, as complicações sejam minimizadas4.

O cirurgião-dentista tem papel fundamental para proporcionar cuidado integral para o paciente, prevenindo e atuando sobre as complicações orais consequentes da terapia antineoplásica. Este deve estar preparado para diagnosticar e tratar tais efeitos adversos, sempre instruindo o paciente quanto aos cuidados de higiene oral e acompanhamento de sua saúde bucal antes, durante e após seu tratamento. O Dentista, na equipe de tratamento destes pacientes, atua prevenindo e tratando os diversos efeitos colaterais encontrados, podendo adotar a utilização de antissépticos orais sem álcool, saliva artificial, bochechos com antifúngicos e corticoides, anestésico tópico e laserterapia, garantindo então a melhora da qualidade de vida, e a continuação do tratamento oncológico24-26. Dentre suas atribuições, estão incluídos os cuidados com focos de infecção, prevenção de sangramentos e de complicações bucais agudas, bem como alívio do desconforto local, evitando que isto interfira na alimentação e nutrição dos pacientes oncológicos, diminuindo os efeitos colaterais do tratamento4,25,26. Além disso, um estudo mostrou que as percepções das mães no tratamento quimioterápico a crianças reflete na maneira como a criança percebe e adere ao mesmo, portanto, é importante que o dentista inclua as mães nas orientaçoes com os cuidados em saúde bucal durante a realização de tratamentos oncológicos30. Uma outra estratégia que pode ser utilizada, não somente pelo dentista, bem como por toda equipe de saúde envolvida no tratamento multidisciplinar de pacientes em tratamento oncológico é a utilização das estratégias lúdicas, uma vez que estudos nesse sentido vem demonstrando que isso é capaz de mudar a concepção das crianças com relação ao ambiente hospitalar, passando esse a ser percebido como um espaço que pode proporcionar bem-estar, além de poder brincar31,32.

O desenho de estudo utilizado foi o de corte transversal, onde a observação/ coleta de dados é realizada em um único momento. Esse tipo de estudo é muito utilizado em estudos descritivos. É necessário, no entanto, que a amostra utilizada na pesquisa seja a mais representativa possível e que seu tamanho (n) seja suficiente para garantir resultados fidedignos15. Como limitações deste estudo, relata-se a pequena população que estava hospitalizada no período da pesquisa e a ausência de um grupo de controle saudável, que impediu um delineamento que pudesse realizar comparação entre os grupos. Assim, poderia se chegar a conclusões mais definitivas quando comparados os resultados com os de outros estudos.

É importante ressaltar que os resultados dos estudos sobre o tema em questão podem ser explicados pelos diferentes delineamentos, diversidade de tamanhos de amostra e vários indicadores de avaliação dos efeitos adversos do tratamento oncológico, além dos diferentes tipos de tumores e quimioterápicos utilizados. Dessa forma, as explicações devem ser aplicadas com cautela, tomando cuidado para não generalizar os resultados para a população.

 

CONCLUSÃO

A partir dos resultados encontrados no presente estudo pode-se concluir que as principais complicações bucais em crianças durante o tratamento antineoplásico foram mucosite e xerostomia. Com relação às condições de saúde bucal, as crianças e os adolescentes apresentam um alto índice de cárie, muitas vezes associada à dificuldade de escovação devido às complicações orais do tratamento.

 

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Endereço para correspondência:
lilian.rigo@imed.edu.br

Manuscrito recebido: Maio 2018
Manuscrito aceito: Agosto 2018
Versão online: Abril 2019

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