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Journal of Human Growth and Development

Print version ISSN 0104-1282On-line version ISSN 2175-3598

J. Hum. Growth Dev. vol.29 no.1 São Paulo Apr. 2019

http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.152305 

ARTIGO ORIGINAL 

 

Distribuição espacial da violência doméstica contra a mulher

 

 

Barbara Meira de OliveiraI; Kerle Dayana Tavares de LucenaII; Renata Grigório Silva GomesIII; Hemílio Fernandes Campos CoêlhoIV; Rodrigo Pinheiro de Toledo ViannaV; Roseana Maria Barbosa MeiraVI, VII

IUniversidade Federal da Paraíba (UFPB), Castelo Branco III, João Pessoa PB, Campos III. Departamento de estatística (UFPB). Pós-graduação em Modelos de Decisão em Saúde (UFPB)
IIUniversidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas (UNCISAL), Trapiche da Barra, Maceió AL, Campos III. Centro de Ciências Integradoras (UNCISAL). Pós-graduação em Modelos de Decisão em Saúde (UFPB)
IIIUniversidade Federal da Paraíba (UFPB), Castelo Branco III, João Pessoa PB, Campos III. Departamento de estatística (UFPB). Pós-graduação em Modelos de Decisão em Saúde (UFPB)
IVUniversidade Federal da Paraíba (UFPB), Castelo Branco III, João Pessoa PB, Campos III. Departamento de estatística (UFPB). Pós-graduação em Modelos de Decisão em Saúde (UFPB)
VUniversidade Federal da Paraíba (UFPB), Castelo Branco III, João Pessoa PB, Campos III. Departamento de estatística (UFPB). Pós-graduação em Modelos de Decisão em Saúde (UFPB)
VIUniversidade Federal da Paraíba (UFPB), Castelo Branco III, João Pessoa PB, Campos III. Departamento de Ciências farmacêuticas do Centro de Ciências da Saúde (UFPB)
VIIDoutora pela Universidade de Brasília (UNB) - Brasília (DF), Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: A violência contra a mulher é motivada por meio da dominação existente nas relações de poder, entre elas a masculina sobre a feminina, definida como ação violenta que possa gerar lesões ou sofrimentos no âmbito físico, sexual ou mental, além de intimidações, privações do direito à liberdade ou coerções realizadas dentro e fora de casa. Esse agravo vem crescendo cada vez mais no mundo inteiro, merecendo ser discutido e combatido no âmbito das políticas públicas.
OBJETIVO: Analisar a distribuição espacial da violência doméstica contra a mulher no município de João Pessoa, Paraíba, Brasil.
MÉTODO: Trata-se de um estudo quantitativo, transversal, do tipo censo, que analisou todos os casos denunciados de violência doméstica contra a mulher e que residissem no município, cenário do estudo, no ano de 2017. A fonte de dados foi do tipo secundária, nas duas Delegacias Especializadas de Atendimento da Mulher - DEAM, presentes no município.
RESULTADOS: Observou-se padrões espaciais da violência doméstica contra a mulher, como também aglomerados por toda a capital, desde os bairros considerados mais nobres, até os que vivem à margem da sociedade, comprovando que essa violência não tem distinção de classe.
CONCLUSÃO: O estudo atingiu o objetivo proposto analisando a distribuição espacial da violência doméstica no cenário da pesquisa a partir dos padrões espaciais.

Palavras-chave: violência contra a mulher, identidade de gênero, Geoprocessamento.


 

 

Por que este estudo foi feito?

Para analisar a distribuição espacial da violência doméstica contra a mulher no município de João Pessoa-PB e comparar com estudo anterior para verificar espacialidade do fenômeno.

O que os pesquisadores fizeram e encontraram?

Foi feita uma análise espacial que permitiu Identificar o aumento nas ocorrências de violência doméstica contra a mulher e as áreas de maior risco para tal fenômeno ocorrer.

O que essas descobertas significam?

Que a utilização de métodos de estatística espacial oferece um melhor suporte para tomada de decisão de forma mais precisa. Assim, a utilização de técnicas de estatística espacial oferece melhores suportes para que decisões sejam tomadas de forma mais precisa, pois permitem o desenvolvimento e a implementação de políticas públicas voltadas para a população afetada a fim de trazer maior qualidade de vida para essas mulheres, principalmente pela dificuldade que é o combate à essa violência tão silenciosa.

 

INTRODUÇÃO

A tentativa de conceituar violência é desafiadora, considerando a complexidade desse fenômeno, além de apresentar várias definições, algumas delas concordantes entre si, outras não, no campo jurídico é definida como transgressão de regras e de leis, no campo sociológico ressalta-se a importância de se compreender a violência como um processo no qual o sujeito é coisificado1.

Dentro dessa perspectiva, tem-se a violência motivada através da dominação existente nas relações de poder, a violência em toda a história da humanidade é permeada por meio de subjugações, das explorações do homem pelo homem, capazes de modificar as relações de gênero, sociais e afetivas, através da utilização do poder e da submissão2. Esse mesmo poder, segundo a mesma autora, entendido como correlação de forças direcionadas ao controle, a dominação exercida entre um dominador e um dominado, estão enraizadas nas relações sociais, culturais, políticas, econômicas e sexuais.

Assim, dentro das desigualdades existentes nas relações de poder, é de fundamental importância a compreensão de como essas fazem parte do campo social e como são construídas. Dessa forma, entendida intrinsecamente nessas relações, está a dominação masculina sobre a feminina, em seu conceito de dominação simbólica no qual é enfatizado que as atividades atribuídas a cada um dos sexos, não só ratificam a dominação masculina, como também não necessitam de justificativas, tornando legítima a visão androcêntrica3.

Sendo assim, embora com bastantes transformações, a sociedade ainda produz muitos problemas gerados devido a assimetria existente entre homens e mulheres e pelo desejo de dominação, entre eles está a violência contra mulher que ainda perdura fortemente na atualidade, definida pelas Nações Unidas4, em seu Artigo 10 da Declaração sobre a Eliminação Da Violência Contra A Mulher, como qualquer ação violenta respaldada no gênero e que possam gerar lesões ou sofrimentos no âmbito físico, sexual ou mental da mulher, além das possíveis intimidações, privações do direito à liberdade ou coerções realizadas dentro e fora de casa.

Nesse mesmo contexto, segundo a Organização Pan-Americana de Saúde5, inicialmente utilizou-se o termo "Violência intrafamiliar" quando se referiam à violência contra mulher perpetrada por seu parceiro íntimo, porém depois de algumas modificações, utilizaram a terminologia "violência baseada em gênero" ou "violência contra a mulher", quando referiam-se a ampla gama de atos que mulheres e crianças sofrem, comumente por seus familiares, parceiros e parentes próximos. Porém, o termo violência doméstica contra a mulher (VDCM) foi utilizado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em sua Assembleia Geral que foi realizada em 1993, sendo a terminologia escolhida para esta pesquisa6.

Segundo as estimativas globais sobre a violência praticada por homens contra mulheres, realizadas pela Organização Mundial de Saúde7, uma a cada três mulheres já sofreram violência física e/ou sexual em algum momento de sua vida. Já no Brasil, os dados apresentados em uma pesquisa do Instituto DataSenado8, mostram que em 2017 o percentual de mulheres vítimas de algum tipo de violência doméstica correspondeu a 29%, elevando 11% em relação a 2015. No estado da Paraíba, segundo a Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), o número de mulheres que fizeram denúncias sobre algum tipo de agressão aumentou mais de 51% entre os anos de 2015 e 2016, elevando o número de denúncias, respectivamente, de 749.024 para 1.133.345. Já na comarca de João Pessoa, segundo o Juizado da Violência Contra a Mulher, só no ano de 2016, existiam 8.658 processos em tramitação relativos a violência contra mulher, um número bastante elevado tratando-se de uma cidade que possui menos de um milhão de habitantes.

Diante do problema exposto, salienta-se a importância de se utilizar as técnicas estatísticas como ferramentas que permitem expressar a difícil realidade vivenciada por mulheres na atualidade, principalmente aos problemas concernentes à VDCM. Sendo assim, quando se aliam técnicas de estatística espacial, juntamente com o Sistema de informações Geográficas (SIG), é possível que sejam gerados mapas que permitam uma melhor visualização do problema de acordo com suas localizações e, consequentemente, possibilitam a definição de áreas prioritárias para intervenções. Assim, o objetivo é analisar a distribuição espacial da violência doméstica contra a mulher no município de João Pessoa, Paraíba, Brasil.

 

MÉTODO

Trata-se de um estudo quantitativo, transversal, do tipo censo, que analisou todos os casos denunciados de VDCM e que residissem no município de João Pessoa-PB no ano de 2017. Uma das vantagens do estudo transversal é que possibilita ao pesquisador uma observação direta do problema estudado, permitindo que sejam coletados os dados mais rapidamente, sem que haja a necessidade do acompanhamento dos voluntários e assim geram-se resultados de forma mais acelerada9.

O local do estudo foi a cidade de João Pessoa, capital da Paraíba, com população de 800.323 habitantes, estimadas para o ano de 2018, e uma área de 210,45km2, correspondendo a cerca de 0,3% da superfície do Estado da Paraíba10.

A fonte de coleta de dados foi do tipo secundária, a partir dos boletins de ocorrência, nas duas Delegacias Especializadas de Atendimento da Mulher - DEAM, localizadas no município e em funcionamento neste período. As variáveis utilizadas para esta pesquisa foram relativas ao mês e bairro de ocorrência do evento, além das informações sobre o tipo de agressão cometida (física, sexual e psicológica), todas retiradas dos boletins de ocorrência fornecidos pelas delegacias. Posteriormente, foi construído um banco de dados com todas as variáveis após autorização da Secretaria de Estado da Segurança e da Defesa Social da Paraíba para a coleta de dados.

Após a construção do banco de dados, foi feita a análise exploratória, onde foram analisadas as ocorrências de VDCM, além da elaboração de mapas coropléticos contendo sua distribuição espacial. Foi ainda analisado a existência de áreas de maior risco no município de VDCM, como também foi utilizado o Mapa de varredura SCAN para identificação dos conglomerados espaciais. Para toda a análise, foi utilizado o software R versão 3.1.1 e o nível de significância adotado em todo o estudo foi de 5%.

Estatística espacial aplicada à saúde

Dentro da área da saúde a expressão "mapa de risco" pode ter várias construções, uma delas é quando usam taxas de incidências de um determinado evento, sendo amplamente utilizado na saúde pública para esse fim. Esse é um dos preceitos da estatística, no qual explica-se que a probabilidade de um fenômeno ocorrido no passado é semelhante ao risco desse mesmo fenômeno no futuro11.

Para que o objetivo deste estudo seja alcançado é imprescindível que se utilize algum indicador para demonstrar a magnitude do problema em questão, ou seja, o risco de ocorrência de X, denotada por Ɵ, que representa o quociente entre a ocorrência dos fatos em uma determinada área pela população incidente quanto ao evento11. Sendo assim, a obtenção do risco relativo é dada da seguinte maneira:

Onde a representam as áreas contíguas e disjuntas denotadas por A1, A2, ..., Aa. Já xi e ni são os números de eventos e a população de cada área, respectivamente. Dessa forma, o risco relativo de uma área Ai, denotado por Ɵi, representa o quociente entre a incidência do evento observado nessa área i e a incidência observada sobre toda região do estudo12,13.

Nessa mesma perspectiva, para aplicação do Mapa de varredura SCAN a fim de identificar aglomerações espaciais, utilizou-se o modelo probabilístico de Poisson. Nesse modelo, através do raio calculado, os valores de p(z) e q(z) são responsáveis pela maximização da função de verossimilhança, dependente da totalidade de eventos registrados, podendo ser verificado pela equação 2 a seguir14.

Onde p é a probabilidade de ocorrência no interior dos círculos e q, fora deles. Já Z corresponde as localidades que possam existir conglomerados e L0 é calculado da seguinte maneira:

Onde, C representa os casos registrados em determinada área e M corresponde a razão entre toda população e toda região estudada, já para as áreas do círculo:

Onde exp é o exponencial, C_z representa a quantidade de casos observados dentro do círculo z e n_z é o elemento que representa o número de pessoas sob risco no círculo z.

Dessa forma, o mapa de varredura SCAN funciona da seguinte maneira: Primeiramente deve-se calcular a distância entre o centróide da área em questão com relação aos outros centroides, depois cria-se um círculo em cima do centróide que teve seu raio aumentado para abarcar um novo centróide15. Sendo assim, para o novo ponto inserido, calcula-se a quantidade de ocorrência c_z e sua população n_z no interior do círculo. Após essa etapa, adquire-se o valor de KN dado pela equação 2, sendo anotado o maior valor dele e, por fim, calculam-se as simulações de Monte Carlo onde, números aleatórios são originados e o p-valor é calculado de acordo com a distribuição gerada, a fim de verificar sua significância16.

De acordo com o teste SCAN, a hipótese H0 a ser testada corresponde ao teste de homogeneidade onde, observa-se a ausência de aglomerados espaciais e, sendo rejeitada, entende-se que há riscos nos locais estudados16.

 

RESULTADOS

Para atingir o objetivo deste estudo, foram originados mapas coropléticos a partir dos 1053 registros dos casos de violência doméstica contra a mulher, espalhados pelos 63 bairros do município, que ocorreram no ano de 2017. Para entender como esses fatos se comportaram ao longo do ano, a figura 1 mostra os quantitativos mensais que apresentaram algumas oscilações significativas.

De acordo com a figura acima, os meses de maior incidência foram maio e abril, com 109 e 107 ocorrências, respectivamente, não sendo identificado nenhum evento que justificasse tal majoração. em contraste com agosto que obteve o menor índice, com apenas 65 dos casos.

Concernente as ocorrências que houveram na capital paraibana, alguns bairros apresentaram maiores concentrações de casos em relação a outros, como apresenta a figura 2, no qual as incidências são descritas para cada um dos bairros do município, com proporção (1/1.000 habitantes por bairro), visualizados a seguir.

 

 

De acordo com a mapa supracitado, os bairros que se destacaram pela maior incidência de violência doméstica contra a mulher - VDCM foram Barra de Gramame e Centro, pois apresentaram mais de dez casos por mil habitantes do sexo feminino. Já em oposição a isso estão 16 bairros onde houveram apenas dois eventos de violência doméstica registrados durante o ano, correspondendo a cerca de 25,39% dos bairros da capital. Já os bairros com até três casos, esse percentual abrange 39,68% da totalidade dos bairros, localizados predominantemente na área central da cidade. A incidência é dada pela razão entre a quantidade de crimes de violência doméstica cometidos e a quantidade de mulheres residentes daquele bairro. Para obter esse valor, utilizou-se os resultados do último censo realizado em João Pessoa pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, em 2010. Além desses bairros, alguns outros também obtiveram resultados relevantes, como Mandacarú, Altiplano e Bairro das indústrias, todos com níveis de incidência entre 5 a 10 ocorrências por mil moradoras.

Sendo assim, para melhor visualização do risco relativo de VDCM em toda cidade, a figura 3 fornece as chances de ocorrência do evento para cada um dos bairros.

 

 

Em concordância com a incidência, os riscos mais elevados demonstrados na Figura 3 se concentraram também nos bairros Barra de Gramame, Centro e Altiplano com riscos maior de duas vezes e meio de acometimento da VDCM. Em sequência, com níveis maiores que 2 a 2,5 vezes de probabilidade de ocorrência dessa violência estão Mandacarú e Bairro das Indústrias. Todos os bairros citados acima são considerados de periferia, com exceção do Altiplano, bairro nobre da cidade.

Segundo o mapa de varredura SCAN, os melhores resultados foram obtidos com 3% da população, como demonstra a figura 4.

 

 

Conforme figura 4, na porção sul da cidade, percebe-se o bairro Muçumagro com chance alta de ocorrência, devido a presença do círculo maior, que abrange também partes dos bairros Barra de Gramame, Paratibe e Gramame. Já na área norte da capital, houve maiores focos, e presença de círculos, de VDCM nos bairros Centro, Varadouro, Tambiá, Treze de Maio, Padre Zé e Mandacarú, ambos com altas chances de acometimento dessa violência. Vale ressaltar que na parte leste, os bairros nobres Altiplano e Cabo Branco também tiveram suas áreas abarcadas pelos raios das circunferências, o que implica que também estão dentro das zonas de perigo, que prevaleceram nos bairros mais humildes, como a parte central da cidade e a zona sul, porém não deixaram de ocorrer também em áreas de maior poder aquisitivo.

 

DISCUSSÃO

Utilizando-se técnicas de estatística espacial, juntamente com o SIG, são construídas ferramentas importantes para o combate à violência, pois possibilitam a identificação de problemas relacionados a essa questão e a partir daí permitem a implementação de políticas públicas voltadas para o seu enfrentamento.

A violência doméstica contra a mulher é um fenômeno social e, consequentemente, deve ser trabalhada socialmente ou seja, conjuntamente, não só pelo poder público, mas também com a conscientização de toda população, como mostra o trabalho de pesquisadores, onde identifica-se que a maioria da população ainda entende que a violência contra a mulher é de responsabilidade da vítima, além de enfatizar a necessidade de uma rede de enfrentamento dos setores públicos voltados à essa questão, mas que ainda necessita de aprimoramento no Brasil, o que dificulta a luta contra essa violência17.

A fim de apresentar uma difícil realidade, enfrentada por muitas mulheres, este trabalho proporcionou uma dimensionalização dos casos registrados de VDCM na cidade de João Pessoa no ano de 2017, ressaltando também que os números exibidos ainda estão distantes de retratar a verdadeira realidade, visto que muitos outros casos são subnotificados devido a naturalização dessa violência, do medo que ela gera e da precariedade da sistematização dos dados, como enfatiza outro estudo na literatura18. Outro ponto, que merece destaque é a falta de apoio e do cuidado necessário que deveriam ser prestados dentro das instituições públicas de saúde e segurança, como apontam os resultados de outras pesquisas realizadas, que discorrem sobre a qualidade dos atendimentos desses serviços no Brasil19-23.

Através dos resultados descritos neste estudo, observou-se alguns padrões espaciais da violência doméstica contra a mulher, de uma maneira geral, o fenômeno incide por todo o território estudado. Ao analisar o mapa de risco relativo, os bairros com maiores chances de ocorrência dessa violência foram Barra de Gramame, Altiplano e Centro, este último caracterizado por possuir diversas áreas de prostituição. Em sequência aparecem os bairros de Mandacarú e Bairro das Indústrias, todos considerados de periferia. A grande exceção desses lugares foi o bairro do Altiplano, que apresenta algumas características peculiares com relação a outros bairros da capital, pois abrange três classes em sua topografia social, conforme apresenta o estudo24, onde parte de seu território é considerado nobre devido a presença de edificações de alto poder aquisitivo, conhecida como Altiplano Nobre, já contrastando a essa realidade está o Conjunto do Altiplano, considerado de médio porte, pois as casas são mais modéstias, e as Comunidades do altiplano, que são consideradas de baixo padrão por serem construções consideradas invasões.

Dentro do contexto de violência doméstica, ao comparar este estudo a uma pesquisa que também analisou os casos de violência doméstica contra a mulher na cidade de João Pessoa nos anos de 2002 até 200525, percebe-se que os bairros de Mandacarú e Centro se mantiveram com elevadas incidências, como também maiores riscos de ocorrência, surpreendendo o bairro Barra de Gramame que saiu da categoria de "baixo risco" no estudo anterior, para o nível mais elevado, neste estudo. Outro local que também obteve alterações significativas foi o Bairro das Indústrias que também apresentou elevações em sua incidência quando comparado aos anos anteriores, como também seus níveis de risco relativo.

Corroborando com essas questões e fortalecendo os resultados observados no Mapa de Risco Relativo, observado na figura 3, o Mapa de varredura SCAN, que tem como objetivo identificar os riscos de ocorrência de um evento dentro das áreas delimitadas pelos círculos vermelhos, conforme observa-se na figura 4, também identificou aglomerados espaciais por toda a cidade, desde os bairros considerados mais nobres, como Altiplano e Cabo branco, até os mais humildes, como Varadouro, Muçumagro, Mandacarú, entre outros. Assim, percebe-se que a presença da violência não tem distinção de classe, podendo ocorrer em todos os níveis sociais, porém com uma prevalência maior nas camadas sociais mais baixas e entre as causas está a falta de instrução e a renda, como aponta outro estudo26, além da Pesquisa de Condições Socioeconômicas e Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher - PCSVDF Mulher realizado em 2016, onde avaliou-se gestantes de várias capitais do Nordeste, inclusive João Pessoa, que sofreram esse tipo de violência e verificou-se que a prevalência foi dez vezes maior nas mulheres que tinham ensino fundamental incompleto, ou sem instrução, quando comparadas as que possuíam ensino superior27.

Além dessas questões, em um estudo sobre a violência doméstica contra a mulher - VDCM, enfatiza-se que o princípio norteador dessa violência são as relações de poder existentes entre o masculino sobre o feminino28, construídas historicamente e naturalizadas socialmente, presente nas instituições públicas, a exemplo da própria polícia, fazendo com que a vítima se sinta desconfortável para denunciar, ocasionando muitas vezes, a subnotificação dessa violência, uma das principais limitações em estudos que tratam de VDCM.

Assim, estudos que abordam esta temática são importantes no tocante ao enfrentamento dessa problemática e se fazem essenciais na atual conjuntura, onde o feminismo e a participação da mulher no cenário social estão cada vez maiores. Nesse cenário, trabalhos como este, dão visibilidade, caracterizando-se como de utilidade pública, pois possibilita maior embasamento nos discursos de enfrentamento à violência doméstica, como também maior empoderamento as mulheres, permitindo assim que hajam reduções desse grave problema nacional de saúde pública. Para isso abordar temas como machismo, feminicídio, entre outros, que são tidos como polémicos mas que são de suma importância, nunca foram tão essenciais, principalmente com jovens e crianças. E para tanto torna-se necessário lançar mão de outra categoria intrínseca a violência que são as relações de poder existentes no âmbito familiar. Falamos da categoria medo, como um dos condutores de comportamentos que impossibilitam tomadas de decisões para desconstrução do círculo da violência.

 

CONCLUSÃO

O objetivo do estudo foi alcançado, a partir da análise da distribuição espacial da violência doméstica contra a mulher no município de João Pessoa, paraíba, Brasil. Identificou-se que a utilização de técnicas de estatística espacial oferecem melhores suportes para que decisões sejam tomadas de forma mais precisa, pois permitem o desenvolvimento e a implementação de políticas públicas voltadas para a população afetada a fim de trazer maior qualidade de vida para essas mulheres, principalmente pela dificuldade que é o combate à essa violência tão silenciosa.

Verificou-se que com o aumento nas ocorrências de violência doméstica contra a mulher se faz necessário um trabalho conjunto com toda a sociedade, pois todos estão envolvidos, na busca por melhor entendimento das posturas humanas individuais e coletivas sobre a violência contra a mulher.

Identifica-se que apesar das mobilizações para mudanças na postura e ações dos homens em sociedade, ainda vivenciamos em uma coletividade conflituosa, onde acontecem disputas constantes de poder.

 

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Endereço para correspondência:
barbara_meira@hotmail.com

Manuscrito recebido: Junho 2018
Manuscrito aceito: Dezembro 2018
Version of record online: April 2019

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