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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282versão On-line ISSN 2175-3598

J. Hum. Growth Dev. vol.29 no.1 São Paulo abr. 2019

http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.157760 

ARTIGO ORIGINAL

 

Acidentes ofídicos no Município de Tarauacá, Acre, Oeste da Amazônia brasileira

 

 

Clarine de Oliveira Saboia; Paulo Sérgio Bernarde

Laboratório de Herpetologia, Centro Multidisciplinar, Campus Floresta, Universidade Federal do Acre, Cruzeiro do Sul, AC, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: Os acidentes ofídicos constituem um problema de saúde pública, sendo considerada uma emergência clínica comum em vários países tropicais, principalmente em regiões de zona rural e florestadas, onde esses animais são mais frequentes. É estimado ocorrerem aproximadamente 28.800 casos anuais de acidentes ofídicos no Brasil, com uma média de 119 óbitos, no qual a região Norte apresenta a maior incidência. Todavia, a precisão desses dados acaba sendo questionada, pois devem ocorrer muitas subnotificações e mesmo não notificações por questões logísticas e geográficas ou decorrentes ao despreparo quanto à identificação precisa do agravo.
OBJETIVO: Descrever características epidemiológicas dos casos notificados de vítimas de acidentes ofídicos no município de Tarauacá (Acre), comparando o coeficiente de morbidade com outras regiões amazônicas e observar possíveis fatores associados ao surgimento de complicações dos casos.
MÉTODO: Trata-se de um estudo descritivo retrospectivo através da análise das informações clínico-epidemiológicas das fichas de notificação do Sistema de Informação de Agravos de Notificação de vítimas de acidentes ofídicos ocorridos durante o período de 2012 a 2016 em Tarauacá
RESULTADOS: Foram registrados 96 casos durante o período de estudo, sendo a maioria (95,8%) classificada como botrópico, seguido de laquéticos (3,2%) e um por serpente não peçonhenta (1%). Nenhum óbito foi registrado. Os acidentes foram mais frequentes na área rural (87,5%), sendo um acidente ocupacional, acometendo principalmente indivíduos adultos do sexo masculino em seus membros inferiores. A maioria ocorreu durante a estação chuvosa e teve correlação positiva com a pluviosidade.
CONCLUSÃO: O coeficiente de morbidade registrado em 2016 (72,5 casos por 100.000 habitantes) foi maior do que o registrado em Cruzeiro do Sul e Rio Branco e também para os estados do Acre e Amazonas. Apesar da maioria dos pacientes receber a soroterapia dentro das primeiras seis horas, muitos recebem o devido atendimento hospitalar após 24 horas decorrido o envenenamento, sendo um fator associado ao surgimento de complicações.

Palavras-chave: ofidismo, serpentes, envenenamentos, animais peçonhentos, epidemiologia.


 

 

Por que este estudo foi feito?

Essa pesquisa foi realizada para se ter uma ideia geral da problemática dos acidentes ofídicos em Tarauacá, um município localizado no interior do Acre na Amazônia.

O que os pesquisadores fizeram e encontraram?

Foi realizado um estudo retrospectivo a partir de fichas do SINAN do hospital do município e a partir disso foi descrito as variáveis epidemiológicas do ofidismo para essa região.

O que estes achados significam?

Os acidentes ofídicos em Tarauacá apresentam um coeficiente de morbidade maior do que outras pesquisas realizadas no estado em Rio Branco e em Cruzeiro do Sul e a demora na soroterapia é um importante fator para surgimento de complicações.

 

INTRODUÇÃO

Os acidentes ofídicos constituem um problema de saúde pública, sendo considerada uma emergência clínica comum em vários países tropicais, principalmente em regiões de zona rural e florestadas, onde esses animais são mais frequentes1. De acordo com Silva et al.2, estima-se que ocorram cerca de 29.000 casos anuais de acidentes ofídicos no Brasil, com uma média de 125 óbitos, no qual a região Norte apresenta a maior incidência. Todavia, a precisão desses dados acaba sendo questionada, pois devem ocorrer muitas subnotificações e mesmo não notificações por questões logísticas e geográficas ou decorrentes ao despreparo quanto a identificação precisa do agravo3,4.

No Brasil, das espécies de serpentes registradas, aproximadamente, 17% pertencem ao grupo das peçonhentas, sendo estas caracterizadas pela presença de dentes inoculadores de veneno na porção anterior das maxilas superiores2. As serpentes de importância médica são classificadas em quatro grupos: botrópico (Bothrops e Bothrocophias), laquético (Lachesis), crotálico (Crotalus) e clapídicos (Micrurus e Leptomicrurus). Destas, estão presentes no estado do Acre os gêneros Bothrops, Bothrocophias, Lachesis, Leptomicrurus e Micrurus5, estando ausente o acidente crotálico.

Na região do Alto Juruá, Pierini et al.6 encontraram uma alta prevalência de vítimas de acidentes ofídicos em populações indígenas e de ribeirinhos, sendo que alguns tinham sido picados mais de uma vez na vida. Nessa mesma região, Bernarde & Gomes7 realizaram um estudo retrospectivo dos casos atendidos no Hospital Regional do Juruá em Cruzeiro do Sul, associando os casos com os meses de maior pluviosidade. Moreno et al.8 estudaram os aspectos epidemiológicos do ofismo na região de Rio Branco e assim como Bernarde & Gomes7, também relataram despreparo de profissionais da Saúde na diagnose da serpente causadora e na quantidade de ampolas de soro a ser administrada. Esses autores relacionaram a ocorrência dos acidentes ofídicos com a pluviosidade e as atividades humanas laborais, sendo o perfil epidemiológico das vítimas constituído principalmente por indivíduos adultos do sexo masculino picados na maioria das vezes nos membros inferiores7,9,10.

O município de Tarauacá, assim como vários municípios acreanos, apresentam extensas áreas de florestas (terras indígenas, reservas extrativistas) e muitas comunidades (ribeirinhos, indígenas, agricultores) vivem e trabalham em áreas florestadas e rurais, também utilizando estes ambientes para lazer6,7. Devido a estas características, o encontro com serpentes na natureza é relativamente frequente e muitas vezes resultando em envenenamentos. O presente trabalho tem como objetivo descrever as características epidemiológicas dos casos notificados de vítimas de acidentes ofídicos no município de Tarauacá (Acre), Amazônia Ocidental, comparando o coeficiente de morbidade com outras regiões amazônicas e observar possíveis fatores associados ao surgimento de complicações dos casos.

 

MÉTODO

Trata-se de um estudo descritivo retrospectivo através da análise das fichas de notificação do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) de vítimas de acidentes ofídicos atendidas durante o período de 2012 a 2016 no Hospital Dr. Sansão Gomes, localizado no município de Tarauacá, Acre (Figura 1).

 

 

O município de Tarauacá está localizado no noroeste do estado do Acre, na mesorregião do Vale do Juruá, estando distante aproximadamente 400 km da capital do estado, Rio Branco11. Possui uma população aproximada de 40.024 habitantes, área territorial de 20.171,053 km2, sendo o terceiro município de maior extensão do estado do Acre. O clima da região é tropical, quente, úmido, com temperatura média anual de 24º C12, sendo o período entre os meses de novembro a abril os mais chuvosos.

Foram coletados dados dos acidentes ofídicos ocorridos no município durante o período de 2012 a 2016 presentes nas fichas do SINAN referentes a idade, sexo, circunstâncias do acidente, área do acidente, mês de ocorrência, região anatômica atingida, tipo de acidente, sintomas e complicações apresentadas pelo paciente, gravidade, tempo entre o acidente e o atendimento e evolução dos casos (cura ou óbito). O coeficiente de morbidade (casos/100.000 habitantes) foi calculado dividindo o número de pessoas que sofreram acidentes com serpentes durante o ano de 2016 pelo número de habitantes do município durante o mesmo ano11. Os dados de pluviosidade do município foram obtidos no site do Instituto Nacional de Meteorologia13. Para verificar uma possível relação entre o número de acidentes ofídicos mensais com pluviosidade, utilizou-se o teste de correlação de Spearman14.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas do Acre - HCA/FUNDHACRE em 06/10/2017 (Parecer nº 2.318.959).

 

RESULTADOS

Durante o período de 2012 a 2016 foram registrados 96 casos de acidentes ofídicos em Tarauacá (Tabela 1), sendo a maioria (95,8%) classificada como botrópico, seguido de laquéticos (3,2%) e um por serpente não peçonhenta (1%) (Figura 2). No ano de 2016 foi registrado o maior número de acidentes (29 casos), perfazendo um coeficiente de morbidade de 72,5 casos por 100.000 habitantes, seguido pelos anos 2015 (26 casos), 2014 (18 casos), 2013 e 2012 ambos com 11 casos. Durante o período de estudo não foi registrado nenhum óbito. Os acidentes foram mais frequentes na área rural (87,5%) e a maioria ocorreu durante a estação chuvosa (60,4%) e teve correlação positiva com a pluviosidade (r = 0,3034; P < 0,05; n = 60) (Tabela 1; Figura 3).

Os casos de envenenamento ofídico ocorreram principalmente em indivíduos do sexo masculino (84,4%), nas faixas etárias entre 11 a 30 anos (50%) e a maioria dos acidentes foi considerado ocupacional (64,6%) (Tabela 1). Grande parte das vítimas (58,6%) foi atendida no hospital dentro das primeiras seis horas após o acidente, mas mesmo assim, um número significativo (26,6%) teve atendimento tardio após 24 horas (Tabela 1). A maioria dos casos foi classificada como moderado (44,3%), seguido de leve (35,2%) e grave (20,5%) (Tabela 1).

Os membros inferiores, pés (47,9%) e pernas (25%), foram os mais atingidos durante a picada (Tabela 1). Manifestações e complicações locais estiveram presentes em 95,7% dos casos (Tabela 1), constituídas principalmente por dor (92,5%) e edema (91,5%), seguidas por infecção secundária (21,3%), equimose (14,9%), necrose (8,5%) e síndrome compartimental (2%). As manifestações e complicações sistêmicas foram alteração do tempo de coagulação sanguínea (55,5% dos casos), hemorragias (16,7%), choque (4,4%), IRA (2,2%) e septicemia (1,1%) (Tabela 1). Dos sete casos que apresentaram complicações sistêmicas (choque, IRA e septicemia), quatro (57%) demoraram mais de 24 horas para receberem a soroterapia, e os outros três (16%) foram atendidos em menos de 24 horas.

 

DISCUSSÃO

Durante o período de estudo foi registrada uma média anual de aproximadamente 19 acidentes ofídicos no município de Tarauacá, valor inferior ao observado em Rio Branco (89 casos) por Moreno et al.8 e em Cruzeiro do Sul (97,5) por Bernarde & Gomes7, o que pode ser explicado pelo maior número de habitantes nesses dois municípios. O coeficiente de morbidade por ofidismo em Tarauacá em 2016 (72,5 casos por 100.000 habitantes) foi maior do que em Rio Branco (35,10) e em Cruzeiro do Sul (67,01) e, também para os estados do Acre (61,10)15 e Amazonas (52,8)16. Coeficientes maiores que ultrapassam 150 casos por 100.000 habitantes foram observados em alguns municípios do Amazonas16, revelando ser uma das regiões de maior incidência de acidentes ofídicos do Planeta. É preciso considerar ainda que, o coeficiente de morbidade observado para Tarauacá pode estar subestimado, uma vez que muitas vítimas de acidentes ofídicos não recorrem ao atendimento hospitalar e, algumas destas que são acidentadas na BR 364 próximas ao Rio Liberdade (Divisa entre os municípios de Tarauacá e Cruzeiro do Sul), se deslocam para o Hospital Regional do Juruá em Cruzeiro do Sul, por ser mais próximo.

Os tipos de acidentes registrados em Tarauacá, composto pela maioria botrópico (95,8%), seguida de laquético (3,2%), esteve próximo do esperado na epidemiologia do ofidismo para o Acre5, onde o envenenamento botrópico é o mais frequente, o laquético pouco frequente e o elapídico raro. Em Rio Branco, Moreno et al.8, registraram a maioria dos acidentes como botrópico (75,7% dos casos), seguido de laquético (2,1%) e elapídico (0,7%), sendo que em 21,5% dos casos, não foram observados sinais ou sintomas de envenenamento.

O envenenamento botrópico no Acre é causado principalmente pela serpente Bothrops atrox5,7,8 e, em segundo lugar, pela Bothrops bilineatus. Bothrops atrox tem o nome popular de jararaca e de surucucu, sendo a espécie de serpente peçonhenta mais comum na Amazônia, estando presente inclusive em áreas antropizadas (capoeiras, roçados, pastagens, áreas urbanas) e também associada a ambientes aquáticos (rios, igarapés, igapós)17,18.

A papagaia (Bothrops bilineatus), apesar de ser considerada relativamente rara em várias regiões ao longo de sua distribuição geográfica, é uma serpente peçonhenta também abundante em algumas florestas no Acre18, contribuindo também para os acidentes botrópicos. Apesar de bem menos frequente, o acidente laquético é o segundo mais causado e a espécie responsável é conhecida popularmente como surucucu-pico-de-jaca (Lachesis muta)5. Trata-se da maior serpente peçonhenta da América do Sul, podendo ultrapassar três metros de comprimento, ocorrendo em baixa densidade em áreas florestadas e apresenta comportamento relativamente menos agressivo do que as Bothrops, o que explica a pouca frequência de envenenamentos causados por essa espécie2.

A raridade de casos de mordidas por corais-verdadeiras5,8, provavelmente se deva pelos poucos encontros dessas serpentes na natureza, o menor tamanho de abertura de sua boca e de seus hábitos secretivos2. Os acidentes elapídicos ocorrem geralmente durante o manuseio pela vítima, muitas vezes essas sendo crianças ou pessoas sob efeito de álcool19.

Os acidentes ofídicos em Tarauacá estiveram associados com os meses de maior pluviosidade, assim como observado em outros estudos7,16, o que provavelmente deve estar relacionado com maior atividade das serpentes durante os meses mais chuvosos na Amazônia17,18 e também pelo fato de maior contato entre seres humanos e serpentes durante as cheias8,10. Essa maior atividade das serpentes durante o período chuvoso está associada com a maior abundância de suas presas (anfíbios anuros e lagartos), época em que seus filhotes nascem20. Determinadas atividades humanas durante os meses de maior pluviosidade durante as cheias dos rios, como o extrativismo, promove um maior encontro entre serpentes e pessoas nas áreas de terra firme10,21.

As vítimas de acidentes ofídicos nesse estudo correspondeu epidemiologicamente ao perfil observado para a Amazônia brasileira7,8,16, caracterizado por predominância de indivíduos do sexo masculino e adultos, acometidos na área rural e de caráter ocupacional. Em relação à região anatômica picada, houve predominância nos membros inferiores (76%), o que está dentro do que foi usualmente registrado em outros estudos na Amazônia (68 % a 86% das picadas nos membros inferiores)5,16,21.

Aqui é ressaltado que a falta de medidas preventivas que correspondem ao uso adequado de calçados e, em especial de botas e perneiras durante os trabalhos nos roçados e florestas, contribuem para a ocorrência de acidentes ofídicos8,10. Aproximadamente um quarto (24%) da região anatômica picada correspondeu aos membros superiores, tronco e cabeça, o que muitas vezes deve estar associado com a atividade sobre a vegetação da serpente Bothrops bilineatus e dos juvenis de Bothrops atrox17,18, espécies que apresentam hábitos arborícolas.

Os acidentes em sua maioria foram considerados moderado (44,3%) e leve (35,2%), sendo 20,5% classificados como grave. Dor e edema foram as principais manifestações locais observadas, sendo o mais frequentemente observado em envenenamentos botrópicos e laquéticos8,16,22-24. A porcentagem de equimose observada nesse estudo (14,9%) foi próxima ao observada (17,5%) por Pardal et al.23 em Belém (PA) e menor do que o registrado (31,4%) em Pastaza (Equador) por Smalligan et al.24. Necrose evoluiu em 8,5% dos pacientes de acidentes ofídicos em Tarauacá, número inferior ao registrado (12,8%) em Antioquia e Chocó (Colômbia) por Otero et al.22 e maior do que os casos registrados para o Amazonas (2%) por Feitosa et al.16 e para Belém (2,7%) por Pardal et al.23.

O procedimento de fasciotomia foi realizado em 2% dos casos, sendo a porcentagem que usualmente é realizada em pacientes de envenenamento botrópico25. Algumas diferenças nas proporções de manifestações dos envenenamentos em diferentes estudos podem ser explicadas pelas possíveis variações geográficas do veneno de Bothrops atrox26, além de diferenças na proporção de outras espécies de Bothrops causadoras dos acidentes nessas localidades22,24. Infecção secundária surgiu em 21,3% dos pacientes, sendo muitas vezes devido o fato dos dentes da serpente causar um ferimento perfurante na superfície cutânea da vítima, rompendo a barreira de defesa mecânica, favorecendo a ocorrência de infecções por bactérias provenientes da flora oral da serpente, e com menor frequência, da pele do paciente25.

A alteração do tempo de coagulação sanguínea (tempo prolongado ou incoagulável) ocorreu em 55,5% dos pacientes em que o teste foi realizado, estando dentro da porcentagem observada (39 a 72%) em outros estudos realizados na Amazônia brasileira, que correspondem a valores inferiores aos registrados (84,6 a 95%) na Colômbia e no Equador22,24, possivelmente, também devido a diferenças geográficas na composição bioquímica do veneno da principal espécie causadora (Bothrops atrox) e diferenças na proporção de outras espécies responsáveis pelos envenenamentos.

A maioria das vítimas (58,6%) foi atendida dentro das primeiras seis horas após o acidente, entretanto, um número significativo (26,6%) teve atendimento tardio após 24 horas decorrido o envenenamento. A demora da soroterapia é um dos fatores responsáveis pelo surgimento de complicações e óbitos por acidentes ofídicos e ainda é uma das maiores problemáticas desse tema na Amazônia16. Dos sete casos que apresentaram complicações sistêmicas, quatro (57%) demoraram mais de 24 horas para receberem a soroterapia, denotando como a demora da soroterapia é um fator prognóstico que pode agravar o estado do paciente.

A Amazônia é caracterizada por apresentar as maiores incidências de acidentes ofídicos no Brasil2,16 e também por certo despreparo nos profissionais da Saúde em lidar com o ofidismo7,8. Nisso, destaca-se a importância da formação do profissional de saúde na perspectiva de promoção da saúde, com a inserção precoce do acadêmico na prática, com a construção de uma visão crítica e reflexiva da saúde27 e também de ações educativas com a população para prevenção e primeiros socorros em caso de envenenamentos ofídicos28.

O coeficiente de morbidade registrado em 2016 (72,5 casos por 100.000 habitantes) foi maior do que o registrado em Cruzeiro do Sul e Rio Branco e também para os estados do Acre e Amazonas. Apesar da maioria dos pacientes receber a soroterapia dentro das primeiras seis horas, muitos recebem o devido atendimento hospitalar após 24 horas decorrido o envenenamento, sendo um fator associado ao surgimento de complicações.

A maioria dos acidentes ofídicos é botrópico e em menor frequência o laquético, ocorrendo durante a estação chuvosa e na área rural, sendo um acidente ocupacional, acometendo principalmente indivíduos adultos do sexo masculino em seus membros inferiores (pés e pernas). Apesar da maioria dos pacientes receber a soroterapia dentro das primeiras seis horas, muitos recebem o devido atendimento hospitalar após 24 horas decorrido o envenenamento, sendo um fator associado ao surgimento de complicações.

Os estudos retrospectivos baseados no acesso a informações em bancos de dados apresentam limitações por não ter como entrevistar o paciente ou o profissional de Saúde que atendeu o caso, especialmente quando possa existir alguma dúvida ou outra informação mais aprofundada é necessária. Entretanto, essas informações quando devidamente coligidas e anotadas nas fichas, é uma valiosa fonte de dados epidemiológicos que permite uma compreensão melhor sobre determinado agravo à Saúde. Contudo, a realização de estudos prospectivos que acompanhe os casos atendidos por acidentes ofídicos podem proporcionar uma maior riqueza de detalhes e confiabilidade.

 

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Endereço para correspondência:
snakebernarde@hotmail.com

Manuscrito recebido: Outubro 2018
Manuscrito aceito: Janeiro 2019
Versão online: Abril 2019

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