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Journal of Human Growth and Development

Print version ISSN 0104-1282On-line version ISSN 2175-3598

J. Hum. Growth Dev. vol.29 no.2 São Paulo May/Aug. 2019

http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.v29.9412 

EDITORIAL

 

Um ensaio sobre a autodeterminação individual

 

 

Margarete AfonsoI; Ernane Pedro Matos BarrosI, III; Matheus Paiva Emidio CavalcantiI; Mariane Albuquerque Lima Ribeiro.I, II

ILaboratório de Delineamento de Estudos e Escrita Científica. Centro Universitário Saúde ABC. Santo André. São Paulo - Brasil
IIUniversidade Federal do Acre. Rio Branco. Acre - Brasil
IIIUniversidade Federal do ABC. São Bernardo do Campo. São Paulo - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Existem diversas compreensões acerca do papel da identidade de gênero do ser humano no espaço científico, essa discussão correlaciona definições tanto de base social quanto biológica. A atual confusão na conceptualização de "sexo" e "gênero" demonstra a necessidade de uma análise comparativa do vocabulário dinâmico científico, assim como, a inserção de um ponto de vista histórico, social e cultural interdisciplinares em conjunto com a visão biológica fora de uma lógica binária normativa. O vocábulo "gênero" pode ser definido como a construção social do sexo, diferenciando-se da variável "sexo" porque esta se refere a uma dimensão biológica da caracterização anatomo-fisiológica dos seres humanos, reconhecida como essencial e inata na determinação das distinções entre macho e fêmea. Por isto, o JHGD apresenta uma diversidade temática que tem como foco questões voltadas à saúde pública, demonstrando a necessidade do desenvolvimento de conhecimento para gerar impacto nas estratégias de políticas públicas, visando a universalidade, equidade e a integralidade nas pesquisas científicas que envolvem sexo e gênero e seus impactos nas ciências da saúde.

Palavras-chave: autogestão, sexo, identidade de gênero, sexualidade, autonomia pessoal.


 

 

No mundo contemporâneo vários debates têm sido realizados acerca da questão identitária de gênero, o impacto transformador dela na sociedade, bem como a abordagem do tema durante a realização de pesquisas quantitativas e qualitativas nas ciências da saúde.

Tendo em vista o crescimento e desenvolvimento humano, bem como a definição do "eu" como a expressão de autodeterminação individual e direito universal, é comum encontrarmos erros quando pesquisadores se lançam no uso de variáveis em seus estudos qualitativos e quantitativos abordando sexo e gênero.

A definição da sexualidade e gênero são entendidas como elementos que orientam a existência humana, constituindo-se como pilares para a formação do "eu" individual, formado a partir de diversos fatores biológicos, sociais, psicológicos e culturais, acumulados juntamente as experiências individuais e geracionais ao longo do tempo.

Para os Descritores em Ciências da Saúde (DeCS), gênero é definido como o que uma pessoa tem em si mesma para ser macho e masculino ou fêmeo e feminino, ou ambivalente, baseado, em parte, nas características físicas, respostas dos pais, pressões psicológicas e sociais, sendo expresso pela identidade de gênero do indivíduo. Já sexo se constitui como a totalidade das características nas estruturas reprodutivas, funções, fenótipo e genótipo, que distinguem o organismo masculino do feminino1,2,3.

A necessidade de ter distinção entre os dois sexos biológicos começou a partir do século XVIII4 a partir da diferenciação dos órgãos reprodutivos, surgindo neste momento o essencialismo biológico5. Na década de 70, o termo gênero é conceituado em Ciências Sociais que significa a "distinção entre atributos culturais alocados a cada um dos sexos e à dimensão biológica dos seres"6, ou seja, expressa um sistema de relações que inclui o sexo7, porém transcende a diferença biológica.

Os conceitos de sexo e de gênero são termos que se referem a dois campos diferentes: um expressa características exclusivamente bioquímicas e fisiológicas definidas pelas biociências e o outro, abrange a dimensão cultural e subjetiva do que se entende como "ser mulher", "ser homem" ou também o direito de não se definir8.

A necessidade da distinção analítica entre o conceito de "gênero" e "sexo" fica evidenciado pela construção histórica prevalente e as desigualdades de relações de gêneros9.

O conceito de gênero em modelos epidemiológicos deve manter instrumentos, metodologias e conceito que sejam convergentes com outras disciplinas, principalmente com a Ciências Sociais, para agregar o envolvimento do processo de saúde-doença10.

Gênero é uma transcrição cultural sobre a realidade biológica, isto é, a sociedade constrói as diferenças sexuais atribuindo funções sociais distintas entre homens e mulheres. Gênero, portanto, refere-se ao aspecto social da sexualidade humana11.

A implementação do conceito de sexo e gênero nas políticas públicas de saúde, no Brasil, é resultante de questões sociais que surgiram a partir dos questionamentos do controle e desenvolvimento social juntamente com a diversidade de pesquisas cientificas5,8.

Assim, foi a necessário a ampliação das áreas de conhecimento em ciências da saúde e da saúde coletiva, como produto da interdicisplinaridade como, por exemplo, a inserção das definições em Ciências Sociais com questões epistemológicas o qual relaciona os objetos próprios da biologia com sociologia e antropologia. A respeito disto, outras possibilidades filosóficas no âmbito das biociências têm se mostrado úteis, para tratar da diversidade biológica fora de uma lógica binária normativa8.

Desta forma, compreende-se que o gênero se constitui por meio de uma dinâmica das relações sociais, portanto não implica apenas dizer que não existem diferenças concretas entre homens e mulheres, mas que o gênero se inscreve nos corpos sexuados, e que estes são representados conforme o ideal social presente na cultura7,12.

Desta forma, dentro deste cenário, o processo de busca para argumentações mais concretas reforça que as características sexuais que ocasionam as diferenças entre os sexos, e que essas diferenças são transpostas às práticas sociais, em que o gênero como uma definição cultural é consequência de um meio histórico7,12.

Este contexto social abrange um tema polêmico, a abordagem e a compreensão sobre as diferenças entre os termos sexo e gênero, bem como a sua diferenciação sociológica e biológica irão orientar a ciência tendo como cerne uma visão universalizante, plural e abrangente.

A compreensão desses conceitos por parte dos pesquisadores em ciências da saúde permitirá que os estudos publicados tenham um olhar mais direcionado sobre as minorias, permitindo compreender de maneira mais clara e precisa suas necessidades e a realidade em que essa parcela da população está inserida.

A falta de percepção e a constante invisibilidade social dessa parcela da população, que tem o sexo biológico diferente da sua identidade de gênero dificulta o acesso a serviços básicos, prejudica seu acesso à saúde e a marginaliza, como se esta não fizesse parte da sociedade.

É importante frisar que apesar de qualquer escolha ou definição política negar a outro cidadão o acesso a saúde vai de encontro com princípios básicos de nossa constituição federal e viola princípios da Declaração Internacional dos Direitos Humanos.

Para atingir o progresso de maneira democrática, justa e coesa não é correto discriminar nenhuma parcela da sociedade seja ela constituída por uma minoria de gênero, social e\ou econômica.

Mediante a construção conceitual proposto por este editorial, enquadrará neste periódico artigos sobre temáticas que englobam desde o desenvolvimento de infantes e adolescentes13-20, agregando também a mortalidade neonatal19, condições clinicas de recém-nascidos expostos a sífilis20, malformações do sistema nervoso18, sistema respiratório15 e sistema endócrinos21 com surgimento sindrômico durante seu desenvolvimento, bem como trabalhos sobre a alimentação do infante por meio do colostro materno e a sua composição13 até questões da alimentação14 e comportamentais manuais16.

Compreendem esse fascículo artigos que permitem a identificação do impacto de um pequeno procedimento cirúrgico em meio a comunidade familiar de saúde22 e a análise do uso de psicotrópicos e sua relação com a psicoterapia na interface da saúde mental23.

Também integram trabalhos selecionados sobre pesquisas cardiovasculares24-26, a caracterização do controle da taxa cardiovascular durante a anestesia espinal24 e desmame da ventilação mecânica25, além da avaliação de novas técnicas de punção venosa superficial26.

Ainda irá encontrar validação de um instrumento para língua portuguesa brasileira de medidas psicológicas que dizem a respeito da aparência de pessoas vivendo com HIV/Aids no Brasil27.

Por isto, a revista JHGD apresenta um diversidade temática que tem como foco questões voltadas à saúde pública, demonstrando uma necessidade de conhecimento e consciência para gerar novas repercussões nas estratégias de políticas públicas, visando a universalidade, equidade e a integralidade nos processos de saúde-doença, com a inclusão de novos conceitos por exemplo, na discussão sobre sexo e gênero.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência:
ernanepedro@gmail.com

Manuscrito recebido: Outubro 2019
Manuscrito aceito: Outubro 2019
Versão online: Outubro 2019

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