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Journal of Human Growth and Development

Print version ISSN 0104-1282On-line version ISSN 2175-3598

J. Hum. Growth Dev. vol.29 no.2 São Paulo May/Aug. 2019

http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.v29.9415 

ARTIGO ORIGINAL

 

Mortalidade neonatal em Luanda, Angola: o que pode ser feito para sua redução?

 

 

Ema Cunha RodriguesI; Beatriz da Costa Aguiar AlvesI; Glaucia Luciano da VeigaI; Fernando AdamiII; Juliana Spat CarlessoIII; Francisco Winter dos Santos FigueiredoII; Ligia Ajaime AzzalisIV; Virginia Berlanga Campos JunqueiraIV; Alexandre Luiz Affonso FonsecaI; Fernando Luiz Affonso Fonseca.I, IV

ILaboratório de Análises Clínicas da Faculdade de Medicina do ABC, Santo André, SP, Brazil
IILaboratório de Epidemiologia da Faculdade de Medicina do ABC, Santo André, SP, Brazil
IIILaboratório de Delineamento e Escrita Científica, Centro Universitário Saúde ABC (FMABC) - Santo André (SP), Brasil
IVDepartamento de Ciências Farmacêuticas da Universidade Federal de São Paulo, UNIFESP - Diadema, Sao Paulo, Brazil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: Um dos principais indicadores de saúde é a taxa de mortalidade infantil, que é uma métrica de condições de vida e desenvolvimento populacional. A redução da mortalidade neonatal requer um conhecimento adequado dos fatores reais em cada nível de atenção à saúde, de modo que os recursos maternos e humanos sejam eficientemente avaliados. Os países que deram atenção especial à melhoria dos serviços de saúde para todo o ciclo gravídico-puerperal atingiram a redução da mortalidade infantil, especialmente a mortalidade neonatal precoce.
OBJETIVO: O presente estudo tem como objetivo descrever o perfil e analisar os fatores de risco associados à mortalidade neonatal em uma maternidade pública de nível terciário localizada em Luanda, Angola.
MÉTODO: Trata-se de um estudo retrospectivo de corte transversal com abordagem quantitativa, utilizando dados secundários de base provincial em instrumentos de registro hospitalar e ministerial de janeiro a dezembro de 2012.
RESULTADOS: Os resultados mostram que os óbitos neonatais não são meras ocorrências, pois indicam falhas dos poderes políticos, de profissionais do sistema de saúde e das famílias.
CONSLUSÃO: Este estudo sugere que o maior fator de risco para mortalidade ao nascimento em Luanda é o tipo de parto (c-section) e que este dado não está relacionado com a idade da mãe ou com o nascimento prematuro. Identificamos também que houve maior mortalidade entre os meses de maio a julho, durante o período de menor índice de chuvas na região. No entanto, são necessários mais estudos que possam fornecer um quadro lógico e argumentos para políticas realistas para mitigar a mortalidade neonatal.

Palavras-chave: mortalidade neonatal, baixo peso de neonato, idade materna.


 

 

Síntese dos autores

Por que este estudo foi feito?

Objetivou-se fornecer um quadro de subsídios que possam ajudar a compreender os fatores de risco associados à mortalidade neonatal e sugerir posições teóricas e profissionais mais favoráveis para reduzir drasticamente as taxas muito elevadas de mortalidade neonatal em Angola.

O que os pesquisadores fizeram e encontraram?

Nossos resultados sugerem que os óbitos neonatais não são mera ocorrência, pois indicam falhas dos poderes políticos, profissionais do sistema de saúde e das famílias.

O que essas descobertas significam?

Nossos achados sugerem que as políticas públicas para mitigar a mortalidade neonatal devem ser melhoradas, implantadas e observadas.

 

INTRODUÇÃO

Um dos principais indicadores de saúde é a taxa de mortalidade infantil, que constitui uma métrica das condições de vida e de desenvolvimento da população. A taxa de mortalidade neonatal, também designada de coeficiente de mortalidade neonatal (Unicef, 2015), é definida como o total de mortes em crianças de menos de 27 dias de vida num determinado ano dividido pelo total de nascidos vivos no mesmo ano e reflete as condições socioeconômicas e de saúde da mãe, a qualidade de assistência pré-natal, ao parto e ao recém-nascido (Soares e Menezes, 2010). Os países que têm prestado especial atenção à melhoria dos serviços de saúde relativa a todo ciclo gravídico-puerperal têm sido premiados com a redução da mortalidade infantil, em especial da mortalidade neonatal precoce (até o 7º dia pós-nascimento). Em 2015, a taxa de mortalidade neonatal mundial estimada foi de 19 mortes a cada 1000 nascidos-vivos. Em países desenvolvidos, as taxas de mortalidade variam entorno de 3 mortos por 1000 nascidos vivos, enquanto que em países em desenvolvimento, esta taxa varia de 6 (Ásia oriental) até 29 (África sub-saariana) mortos/ 1000 nascidos-vivos (UNICEF, 2015).

São variadíssimos os estudos que abordam a mortalidade neonatal. A maioria dos estudos tem objetivo de análise espacial e temporal. Um dos mais antigos foi proposto por Araújo (1973). Este autor observou que mais de um terço dos óbitos no Estado da Bahia, Brasil, ocorreu sem assistência médica; predominou ali como causa de morte as doenças infecciosas e parasitárias. Conclui-se que a mortalidade infantil está estreitamente ligada às condições ambientais e ao nível socioeconômico das populações.

Um dos grandes progressos associados aos serviços de saúde no contexto mundial durante o século XX foi a vigorosa redução das taxas de mortalidade infantil, inicialmente registada nos países desenvolvidos e hoje estendida para muitos em desenvolvimento (Lira, 2014). Com efeito, verificou-se em 2006, pela primeira vez na história recente, que o número total de mortes anuais de crianças menores de 5 anos caiu abaixo de 10 milhões - ficou em 9,7 milhões. Esse número representava uma queda de 60% na taxa de mortalidade infantil desde 1960 (UNICEF; 2008).

No Relatório da UNICEF de 2009, estimava-se em cerca de 4 milhões o número de recém-nascidos que morrem a cada ano antes de completar 28 dias de vida (UNICEF; 2009). De 1990 para 2011, a mortalidade de crianças no mundo registou uma queda global, em termos absolutos, de quase 12 milhões para 6,9 milhões, o que representa um valor de mais de 40% no número de óbitos entre menores de 5 anos (WHO, 2015). Na perspectiva da UNICEF, a queda foi um "sucesso significativo" e os resultados qualificados de "ganhos dramáticos" indicam o trabalho de governos, doadores, agências e famílias. A hipótese aqui lançada é que houve progresso em nações de várias partes do globo, o que mostra que o status econômico não é necessariamente uma barreira para reduzir essas taxas, e que é possível baixar a mortalidade significativamente em duas décadas. Os dados divulgados confirmam ainda a melhoria dos cuidados de assistência às mães e aos bebês, no pré-natal, no parto e nos primeiros momentos após o parto (UNICEF, 2011). O declive não se confirma de forma homogênea em todas as regiões do mundo, pois permanecem níveis muito elevados na África Subsaariana. Dos 62 países que não realizaram progressos ou cujos progressos foram insuficientes para alcançar o Objetivo de Desenvolvimento do Milênio relacionado à sobrevivência infantil, cerca de 75% estão na África.

A meta rumo à redução da mortalidade neonatal e de seus componentes necessita de um conhecimento adequado dos reais fatores a cada nível de atenção sanitária para que os recursos materias e humanos sejam eficientemente canalizados ao ponto de estrangulamento. Por exemplo, Soares & Menezes (2010) identificaram em seu estudo a baixa escolaridade, a idade gestacional e gestação multipla, a realização de menos de 6 consultas, o baixo peso ao nascer e o parto vaginal como sendo os fatores de maior influência na mortalidade neonatal precoce; Schoeps et al. (2007), por sua vez, verificaram que a mortalidade esteve maioritariamente ligada ao baixo peso ao nascer, mães com união recente e sem parceiro e presença de intercorências durante a gravidez. Estes dados demonstram que um importante número de fatores associados à mortalidade podem ser prevenidos com adequada atenção à gestação (Soares e Menezes, 2010). Têm-se como exemplo as consultas pré-natais, que constituem um elemento importante na prevenção de complicações da gravidez e do parto contribuindo assim para o nascimento de crianças saudáveis. Dois diferentes estudos (Andrade et al., 2006 e Schoeps et al., 2007) chegaram a conclusões similares segundo as quais o número reduzido de consultas pré-natal está fortemente relacionada ao óbito neonatal precoce, independentemente da data de início e da qualidade de consulta, uma vez que leva à falha na identificação de potenciais situações clínicas de risco para a vida do bebê e da mãe. Um outro fator de risco de morte nos primeiros 7 dias de vida è a prematuridade devido à imaturidade do sistema imune e a predisposição ao uso de equipamentos de alta complexidade (Andrade et al., 2006; Soares e Mnezes, 2010). De igual forma parece haver uma associação com a gravidez múltipla, provavelmente devido ao baixo peso e à prematuridade (Morais e Barros, 2000).

Nos países em desenvolvimento, um dos grandes problemas enfrentados é a inexistência de registros estatísticos confiáveis para medir as taxas de mortalidade infantil. Em geral, faltam informações sobre nascimento e morte de crianças menores de 1 ano que, em muitos casos, sequer são registadas nos Cartórios e Registros Civis, especialmente nas regiões rurais, pequenas cidades ou entre os grupos sociais de menor renda. Neste sentido, este indicador tem sido estimado ou corrigido através de técnicas indiretas (Lira, 2014).

Na classificação de países em desenvolvimento consta Angola, um país com uma população de 24,4 milhões de habitantes com taxa de fecundidade de 5,7% e expectativa de vida de 57,2 para os homens e 63,0 para as mulheres. Angola tem registado nos últimos anos grandes performances macroeconômicas e significativas melhorias das infraestruturas sanitárias e das políticas de saúde pública, voltadas para a família, gestantes e crianças (INE, 2014). Entretanto, entre os anos de 2011 e 2015, estima-se que a taxa de mortalidade infantil neonatal em Angola tenha sido de 44 mortes a cada 1000 nascidos vivos (IIMS, 2016).

Apesar de vários fatores como consultas pré-natais, prematuridade, gravidez múltipla, o sexo masculino e o tipo de parto contribuirem de forma combinada na mortalidade neonatal, o conhecimento do peso que cada um desses fatores exerce na balança geral não pode ser subestimada; desta forma, a identificação dos mesmos torna-se importante para a definição de medidas e políticas de saúde tendentes à redução da mortalidade. Assim, sendo a mortalidade neonatal vista como um indicador de qualidade de vida e dos serviços de saúde, bem como um evento evitável com um melhor atendimento no pré-natal, no parto e na assistência ao recém-nascido, e não havendo estudos angolanos conhecidos, justifica-se o investimento em pesquisas que disponibilizem indicadores no âmbito nacional para auxiliar a tomada de decisão. O presente estudo visa descrever o perfil e analisar os fatores de risco associados à mortalidade neonatal no contexto Angolano na Maternidade Lucrécia Paim, uma maternidade pública de nível terciário, localizada em Luanda. Com estes dados, será possível fornecer um quadro de subsídios que ajudem à compreensão dos fatores de risco associados à mortalidade neonatal e sugerir posições teóricas e profissionais mais favoráveis para reduzir drasticamente as elevadíssimas taxas de mortalidade neonatal em Angola.

 

MÉTODO

Trata-se de um estudo retrospectivo de corte transversal de abordagem quantitativa, com dados secundários, de base provincial em instrumentos de registo hospitalar e ministerial no período de Janeiro a Dezembro 2012, na Maternidade Lucrécia Paim, Província de Luanda - Angola. A Maternidade Lucrécia Paim foi construída em 1938, e é hospital escola de nível terciário. Esta maternidade possui 500 leitos e comporta três áreas de atuação, sendo internamento, ambulatório e urgência.

As variáveis estudadas foram paridade, idade gestacional, idade da mãe, nível de escolaridade da mãe, local de moradia (área geográfica), condições sócio econômicas, tipo de parto, apgar avaliados no 1º e 5º minutos, peso, comorbidades, gênero, uso de drogas lícitas e ilícitas, maturidade do RN, paridade, hora do nascimento do RN, hora da alta.

Para descrever as variáveis qualitativas, utilizou-se frequência absoluta e relativa; para as variáveis quantitativas, mediana e percentis 25 e 75%. Para analisar a associação entre morte da criança durante o parto, mortalidade infantil e variáveis sociodemográficas, utilizou-se teste de qui-quadrado; para analisar a diferença de variáveis quantitativas e morte da criança durante o parto, utilizou-se teste de Mann-Whitney e intervalos de confiança das medianas. O risco de morte da criança durante o parto e risco de morte infantil segundo tipo de parto foram estimados por meio de regressão de poisson com variância robusta. O nível de significância adotado foi de 95%. O programa estatístico utilizado foi o Data Analysis and Statistical Software for Professionals (Stata) versão 11.0®.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Este estudo angolano foi realizado com o objetivo de analisar os fatores associados à mortalidade no período neonatal, a partir de uma política pública de saúde voltada à mortalidade infantil neonatal, sendo possível identificar variaveis da mãe e do recém-nascido que elevam o risco de mortes nesse período. No ano de 2012, foram realizados 31.626 partos na Maternidade Lucrécia Paim (MLP). Deste total, foram incluídos neste estudo 10989 nascimentos, que representam os bebês internados na Unidade de Neonatologia. A tabela 1 descreve dados de sobrevida dos recém-nascidos (até 27 dias) na MLP em 2012. Dos 10989 recém-nascidos analisados, 4341 (39,5%) morreram; destes, 1295 morreram antes dos 27 primeiros dias (neonatais). Dos recém-nascidos com morte neonatal, 336 morreram precocemente (antes do 7º dia de vida) (Figura 1).

 

 

 

 

A taxa mundial de óbitos do ano 2012 foi de 21/1000 nascidos vivos (The World Bank). No ano de 2012, a taxa de mortalidade neonatal em Angola foi de 51,1% (Atlas Mundial de Dados); analisando os dados acima apresentados, observa-se que em 2012, no serviço de Neonatolodia da MLP, de cada 10 crianças internadas, 4 morreram antes de completar o 1º mês de vidas, dos quais aproximadamente 30% morreram na primeira semana de vida. Estes números mostram a importância de seu avaliar os fatores de risco da morte neonatal. As variáveis encontradas neste estudo serão descritas a seguir.

Como pode ser visto, a maioria das mães atendidas neste serviço vivem maritalmente (7,1%). Ribeiro et al (2009) e Monteiro et al (2000) sugerem que a presença de companheiro materno é um importante fator psicossocial atribuído a uma menor mortalidade neonatal devido a participação do companheiro no aporte financeiro, bem como na aceitação social da mãe e do RN, trazendo mais apoio e estímulo aos cuidados necessários a ambos.

Segundo Flores et al (2016), a escolaridade da mãe é de fato uma das variáveis que influenciam a taxa de mortalidade neonatal, pois é um indicador indireto da condição socioeconômica da família e preditor de risco para a mortalidade infantil. Este dado corrobora com os resultados do nosso estudo que mostra 14,7% de mães com apenas o primeiro ciclo.

 

Tabela 2

 

Considerando a idade materna, os resultados aqui apresentados demonstram que a maioria das mães (18,4%) que perderam seus filhos no primeiro mês de vida no período estudado tinham entre 25-29 anos de idade. Entretanto, segundo Ribeiro et al., 2014, a idade materna de risco para o neonato encontra-se abaixo de 15 ou acima de 35 anos. Dados do serviço de Neonatologia da MLP indicam que gestantes entre 25 -29 apresentam alto índice de eclâmpsia, condição que pode levar à morte do recém-nascido. Hipertensão arterial e eclâmpsia estão entre as queixas reportadas pelas mães ao darem entrada no serviço do Banco de Urgências.

Na tabela 3, apresentamos a taxa de resposta das variáveis sobre os recém-nascidos, mães e sobre o serviço. Observa-se baixa taxa de resposta para as variáveis morte infantil neonatal (29,8%), estado civil (14,4%) e nível académico (17,1%) das mães, e portanto os resultados relacionados a essas variáveis devem ser visto com cautela.

A tabela 4 apresenta o perfil dos recém-nascidos e das mães atendidas em Angola no ano de 2012. Dos recém-nascidos, 60,2% não morreram durante o parto e 26% morreram no período infantil precoce (até o 27º dia); 56% nasceram de parto Cesário e 52,8% foram do sexo masculino. O sexo masculino tambem é considerado um fator de risco. Argumenta-se que no sexo feminino o amadurecimento do pulmão fetal é mais precoce que no sexo masculino, aumentando neste a probabilidade de ocorrência de asfixia (Araujo et al., 2000).

A mediana (percentil 25% e 75%) do peso ao nascer em gramas foi de 3150 (2650 - 3500), APGAR de 6 (3 - 7), frequência cardíaca fetal de130 (125 - 136), e 40 (40 - 40) semanas de maturidade.

Entre os fatores relacionados ao risco de morte da criança durante o parto, observa-se que o tipo de parto Cesário (p<0,001) está associado com a morte neonatal (Tabela 5). Em um estudo sobre as taxas de cesariana e mortalidades materna e neonatal, Althabe et al.(2006) também encontraram uma associação estatisticamente significante entre o parto cesariano e mortes neonatais (p<0.0001) em países em desenvolvimento. Segundo os autores, esta relação não foi encontrada em países desenvolvidos. Análises em relação ao tipo de parto têm gerado controvérsias, mas a maioria da literatura aponta que nos países em desenvolvimento em que a taxa de mortalidade neonatal ė alta, a cesariana decore de condições que predispõem o feto ao sofrimento fetal e a infecções e, consequentemente, à morte (Lansky et al, 2007, United Nations, 2000).

Não houve associação entre risco de morte neonatal e sexo (p=0,500), peso ao nascer em g (p=0,760, frequência cardíaca fetal (p=0,635) e maturidade do RN em semanas (p=0,543).

Para os fatores relacionados ao risco de morte infantil neonatal, observou-se que o mês de Maio apresentou maior risco de morrer durante o parto (281 mortes, 32,8% do total de nascidos neste mês) (Tabela 6). Em Maio de 2012, havia muitos hospitais em Angola sem bloco operatório, motivo pelo qual todos os municípios de Luanda mandavam transferências das mulheres em trabalho de parto complicado (ex: hemorragias, hematoma retroplacentário, placenta prévia, eclâmpsia, trabalho de parto prolongado, atonia uterina). Muitas destas mulheres vinham da província do Bengo, passando por Catete, Viana, até Luanda onde finalmente encontravam um bloco operatório; em muitas vezes, o produto de concepção era inaproveitado. Com esforços evidados pelo governo, foi possível reverter a situação. Atualmente, o município com maior número de nascimentos no estudo já tem um bloco operatório, assim como reablitação de alguns hospitais, melhoria no acesso, contrução e apetrechamento de novos hospitaisincluindo a MLP, que ganhou mais um bloco operatório e outro em vias de inauguração.

Observou-se que as mortes neonatais estão relacionadas a APGAR (p<0,001) e maturidade (p<0,001), sendo que os que morreram apresentavam em mediana APGAR de 3 a 4 quando comparado aos que não morreram, com APGAR de 6 (Tabela 6). Considerando o Apgar, Li et al (2013) também encontraram associação significativa entre baixos índices de Apgar (1-3) e mortalidade neonatal.

Uma das limitações deste estudo foi a utilização de dados de prontuário e dos registros de óbito e nascimento, os quais dependem da qualidade do seu preenchimento pelos profissionais, ocasionando ausência de muitos dados (ignorados).

Outros autores abordam o problema em termos de mortalidade infantil e evitabilidade (Gastaud, 2008), reflexos das políticas de saúde sobre as tendências da mortalidade infantil (Duarte, 2007), acompanhamento pré-natal (Andrade, 2013), impacto da estratégia saúde da família sobre a taxa de mortalidade infantil (Cozer, 2010) e identificação das causas evitáveis que levaram à mortalidade fetal e de crianças menores de um ano (Campos, 2014). Por seu lado, a Organização Mundial da Saúde coloca ainda em atenção as chaves para a sobrevivência neonatal (OMS, 2006).

No ano 2000, a Organização das Nações Unidas (ONU), ao analisar os maiores problemas mundiais, estabeleceu oito objetivos de desenvolvimento do milênio (ODM), sendo o ODM quatro a redução da mortalidade infantil, que visa reduzir em 2/3 a taxa global de mortalidade infantil entre 1990 e 2015. Para alcançar a ODM quatro, é necessária ampliação rápida de intervenções de saúde infantil nos diversos países. Para apoiar esse processo, além de aumentar o monitoramento frequente, é importante promover o registro correto da declaração de óbito, bem como melhorar a causa básica, fortalecendo os sistemas nacionais de informação sanitárias, permitindo melhoria nas estimativas futuras da mortalidade infantil.

 

CONCLUSÃO

Os resulatdos aqui apresentados revelam que a mortes neonatais não são meras ocorrências, uma vez que indicam falhas dos poderes políticos, dos profissionais do sistema de saúde e das famílias. Sugere-se a realização de outros estudos que poderão dar suporte lógico e argumentos a políticas realistas para mitigar a mortalidade neonatal.

 

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Endereço para correspondência:
profferfonseca@gmail.com

Manuscrito recebido: Dezembro 2018
Manuscrito aceito: Setembro 2019
Versão online: Outubro 2019

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