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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282versão On-line ISSN 2175-3598

J. Hum. Growth Dev. vol.29 no.2 São Paulo maio/ago. 2019

http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.v29.9421 

ARTIGO ORIGINAL

 

Adaptação cultural em Português Brasileiro da Derriford Appearance Scale - 24 (DAS-24) para pessoas vivendo com HIV/AIDS

 

 

Marcos Alberto MartinsI, II; Angela Nogueira NevesIII; Timothy MossIV; Walter Henrique MartinsV; Gerson Vilhena PereiraVI; Karina Viviani de Oliveira PessôaVII; Mariliza Henrique da SilvaVIII; Luiz Carlos de AbreuI

ILaboratório de Delineamento de Estudos e Escrita Científica. Centro Universitário Saúde ABC, Santo André, SP, Brasil
IIServiço de Cirurgia Plástica do Hospital Samaritano de São Paulo, SP, Brasil
IIIEscola de Educação Física do Exército
IVUniversity of the West of England
VProfessor Assistente do Centro Universitário Saúde ABC, Santo André, SP, Brasil
VIGerson Vilhena Pereira, Professor Titular do Centro Universitário de Saúde ABC
VIIPrograma Municipal de IST/AIDS e Hepatites Virais de São Bernardo do Campo, São Paulo, Brasil
VIIIPrograma Estadual de IST/AIDS de São Paulo. Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: A imagem corporal pode ser definida como a representação das crenças, emoções e percepções a respeito do próprio corpo, manifesta em comportamentos voltados ao corpo. Quando o corpo muda como consequência de doença e não parece mais saudável, a definição de si mesmo pode ser severamente desafiada. As pessoas vivendo com HIV/AIDS (PVHA) são um público especialmente vulnerável quando se trata do "distress" e do impacto psicossocial da aparência, mas a avaliação destas alterações de imagem corporal era subjetiva porque não havia nenhuma escala em Português Brasileiro para avaliar alterações da imagem disponível para uso clínico ou para pesquisa.
OBJETIVO: Realizar a adaptação transcultural para o português Brasileiro da Derriford Appearance Scale 24 (DAS-24), com a verificação da equivalência idiomática, semântica, conceitual e cultural, para o público-alvo pessoas vivendo com HIV/AIDS (PVHA) no Brasil
MÉTODO: Seguiu-se guia de cinco etapas para adaptação de escala transcultural: traduções, síntese de traduções, retrotraduções, reunião de comitê de especialistas e pré-testes. O processo de adaptação cultural foi apresentado de forma descritiva e analítica, seguindo padrões de estudos metodológicos. Os valores mínimo, máximo e mediano das respostas de cada item foram calculados a partir do pool de dados do terceiro grupo de pré-teste de 50 participantes. A mediana dos escores dos itens, a correlação de cada item com o escore total e a confiabilidade interna foram calculados pelo teste alfa de Cronbach.
RESULTADO: A análise das respostas do último grupo pré-teste indicou que deve ser dada atenção aos itens A, H, T e V em um futuro estudo psicométrico. O presente estudo não é suficiente para que essa escala seja utilizada na prática clínica. Para garantir que o instrumento culturalmente adaptado gere dados válidos e confiáveis, um estudo subsequente que investigue suas propriedades psicométricas deve ser conduzido.
CONCLUSÃO: A adaptação transcultural da Derriford Appearance Scale 24 (DAS-24), em seus componentes de equivalência linguística, semântica, conceitual e cultural para o português brasileiro para a população de pessoas vivendo com HIV/AIDS foi plenamente realizada. Apesar dessa conquista, ressalta-se que o uso da versão brasileira do DAS-24 em pesquisa e rotina clínica é aconselhado somente após um estudo psicométrico com este instrumento.

Palavras-chave: Imagem Corporal, Aparência, HIV/AIDS, Psicometria.


 

 

Síntese dos autores

Por que este estudo foi feito?

As pessoas vivendo com HIV/AIDS (PVHA) são uma população especialmente vulnerável quando se trata do "distress" e do impacto psicossocial da aparência, porque além de ter que conviver com a infecção pelo vírus, também precisam lidar com o estigma da doença, revelados pelas alterações corporais que podem ser provocadas pela lipodistrofia.

A avaliação destas alterações de imagem corporal era subjetiva e dependia da opinião do médico infectologista que decidia se este paciente deveria ou não ser indicado para possível tratamento destas alterações em sua aparência.

Existe a necessidade de se ter medida de resultado que permita que pesquisadores investiguem os processos e que contribuam e melhorem os problemas de aparência, portanto é crucial ter uma medida que seja psicometricamente sólida, derivada das experiências clínicas e seja fácil de aplicar e pontuar. Observa-se que na revisão de literatura indicou que não havia nenhuma escala para avaliação das alterações da imagem disponível ao uso clínico ou para pesquisa no Brasil.

O que os pesquisadores fizeram e encontraram?

A Derriford Appearance Scale 24 (DAS-24) é uma escala que permite avaliar processos subjacentes que amenizam ou enfatizam os problemas com a aparência. Diferente das demais medidas de "distress" em relação à aparência na área de imagem corporal.

Este estudo realizou a tradução e adaptação cultural da Derriford Appearance Scale 24 (DAS-24), original do Reino Unido, para o português brasileiro, com equivalência semântica, conceitual, cultural e idiomática, através de metodologia que seguiu o guideline da American Academy of Orthopedic Surgeons / Institute of Work and Health (AAOS/IWH) (BEATON et al., 2002).

O processo de adaptação cultural foi apresentado de forma descritiva e analítica, seguindo padrões de estudos do tipo metodológico. Foram calculados os valores mínimo, máximo e a mediana das respostas de cada item, a partir do "pool" de dados do terceiro grupo de pré-teste de 50 participantes.

Na finalização do estudo de adaptação cultural, para verificação preliminar da qualidade dos itens, foram calculadas a mediana dos escores dos itens, a correlação de cada item com o escore total da escala e a confiabilidade interna, através do teste alpha de Cronbach.

O que essas descobertas significam?

Essa é a primeira escala adaptada culturalmente para o Brasil destinada a avaliar o desconforto e o distress em relação às alterações da aparência tendo como público alvo primário as pessoas que vivem com HIV/AIDS (PVHA), podendo ampliar a assistência a essa população vulnerável.

O significado dessa pesquisa evidencia ser pioneira na adaptação da escala para os aspectos culturais do Brasil, destinada a avaliar o desconforto e o distress em relação às alterações da aparência tendo como público alvo primário as pessoas que vivem com HIV/AIDS (PVHA), podendo ampliar a assistência a essa população vulnerável.

Embora minucioso e cuidadosamente conduzido, o presente estudo ainda não é suficiente para que esta escala seja empregada em prática clínica. Para garantir que o instrumento adaptado culturalmente gere dados válidos e confiáveis, um estudo subsequente que investigue suas propriedades psicométricas deverá ser realizado.

 

INTRODUÇÃO

Segundo a perspectiva cognitivo comportamental, a imagem corporal pode ser definida como a representação das crenças, emoções e percepções a respeito do próprio corpo, manifesta em comportamentos voltados ao corpo. É um constructo multidimensional, que compreende tanto percepções vividas quanto atitudes a respeito do corpo, que por sua vez se subdivide em uma dimensão avaliativa e uma dimensão de investimento1. Desse processamento esquemático emergem comportamentos e emoções a respeito do corpo2. Por fim, nessa perspectiva, a aparência e a função do corpo têm papel fundamental no conceito de si, que é permeado pelos valores culturais e experiências corporais do indivíduo3.

Alguns aspectos da aparência física são mais bem aceitos e valorizados que os outros. Tendem a ser mais bem aceitos aqueles que atendem aos padrões sociais do corpo pautado em atributos e comportamentos distintos, qualificados como adequados ou ideais4. As pessoas que não possuem essas características são estigmatizadas por seu "desvio" e estão sujeitas à exclusão social e outras formas de discriminação, causando "distress" em relação ao corpo5.

Pesquisas prévias correlacionaram o "distress" corporal negativamente com qualidade de vida6,7 e positivamente com depressão, ansiedade, vergonha, insatisfação com o corpo, medo de avaliação negativa a respeito do corpo7-9. Destaca-se que esse desconforto ou "distress" em relação à aparência não está correlacionado com o tamanho, local ou severidade da característica da aparência em não conformidade com o padrão social ou com o desejo do sujeito10. Vale a pena ressaltar que a experiência subjetiva com a aparência pode ser mais desafiante que a realidade objetiva em si1.

Quando o corpo muda como consequência de doença ou não parece mais saudável, a definição de si mesmo pode ser severamente desafiada11. Assim, a imagem corporal das pessoas com deficiência, ou com doenças crônicas, ou com alterações na aparência é modelada por percepções que emergem desse contexto social especial, pois despertam reações extraordinárias nas relações sociais e no conceito de si mesmo12,13. Quando há uma reação negativa em relação à essas alterações visíveis, em especial reações externas advindas do contato social, há um aumento mensurável de "distress" e desconforto em relação à aparência no indivíduo, que pode ter um impacto psicossocial profundo e duradouro14. Entretanto, é essencial reconhecer que nem sempre isso ocorre porque algumas pessoas simplesmente vivem bem com suas diferenças em relação à aparência e estas diferenças são subjetivamente avaliadas como menos importantes na vida como um todo e, também, menos emocionalmente provocativas15.

As pessoas vivendo com HIV/AIDS (PVHA) são um público especialmente vulnerável quando se trata do "distress" e do impacto psicossocial da aparência por causa das alterações provocas pela lipodistrofia. A síndrome lipodistrófica diz respeito às complicações metabólicas e alterações da distribuição do tecido adiposo, onde ocorre perda de gordura em regiões periféricas (face, braços, pernas e glúteos) e acúmulo de gordura em região central (abdome, espinha dorsocervical, mamas), associadas a diversos fatores, como à ação do vírus, à genética16 e à Terapia Antirretroviral de Alta Potência (TARV)17. Além de ter que lidar com as alterações vividas em seu corpo, também precisam lidar com o estigma da doença revelados por estas modificações18-20.

A visibilidade do HIV se associa a maior percepção de estigma, rejeição social, sentimento de culpa e de vergonha21-23. A lipodistrofia facial é a mais frequente24 e está associada aos estados depressivos e baixa autoconfiança25,26, com sentimento de falta de controle sobre o corpo26, de impossibilidade de negação do HIV27, com impacto na vida financeira, relações sociais e relacionamento amoroso28. O medo das alterações na aparência, em particular da lipodistrofia, é uma razão comum para a descontinuação dos medicamentos, assim aumentando o risco do desenvolvimento da AIDS29.

Entretanto, não deve ser menosprezada a capacidade que o paciente tem em ressignificar sua vida nesse cenário30. Um caminho de volta ao desenvolvimento com crescimento pós-traumático é uma possibilidade real. Assim, são necessárias a avaliação e o monitoramento constante do desconforto e da disforia em relação à aparência, incluindo a identificação de fatores de proteção e preditores de angústia, permitindo melhor abordagem na prática clínica.

Entre os instrumentos de avaliação do "distress" e desconforto em relação ao corpo, destaca-se a Derriford Appearance Scale 24 (DAS-24)31, que permite avaliar processos subjacentes que amenizam ou enfatizam os problemas com a aparência. Os itens da DAS-24 foram gerados a partir das experiências de pacientes e as investigações psicométricas já realizadas geraram dados em amostras clínicas e não clínicas32. Diferente das demais medidas de "distress" em relação à aparência na área de imagem corporal, a DAS-24 não se concentra apenas na questão da massa corporal e não enfatiza os transtornos alimentares e desordens associadas. Essas características fazem da DAS-24 um instrumento potencialmente relevante para a prática clínica, na qual a avaliação do "distress" em relação a aparência pode ser importante variável na tomada de decisão.

Nesta perspectiva, o objetivo dessa pesquisa foi adaptar realizar a adaptação transcultural para o português Brasileiro da DAS-24, com a verificação da equivalência idiomática, semântica, conceitual e cultural para o português Brasileiro, tendo como alvo essa população.

 

MÉTODO

Este é um estudo metodológico, que versa sobre a adaptação cultural de escala de medida por teoria. Foi apreciada e autorizada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade de Medicina do ABC e encontra-se registrado sob o número 923.269. Foi também aprovado pela coordenação do programa de HIV/AIDS de São Bernardo do Campo, São Paulo, Brasil.

Instrumento

A Derriford Appearance Scale-24 (DAS-24)31. A DAS-24, original do Reino Unido, foi criada para avaliar a angústia a preocupação - "distress" - em pessoas que vivem com problemas em sua aparência31. Os itens A, H e T estão dispostos em uma escala tipo Likert de quatro pontos (4=nada, 3= um pouco, 2 = moderadamente, 1= extremamente). Os itens B, D, J e N estão dispostos em uma escala tipo Likert de quatro pontos (1=nada, 2=um pouco, 3= moderadamente, 4 = extremamente), assim como os itens F, M, P, R, S e W nos quais se acrescenta apenas a opção "não se aplica" (0=não se aplica, 1=nada, 2=um pouco, 3=moderadamente, 4= extremamente). Os itens K, Q e V estão dispostos em uma escala tipo Likert de quatro pontos (1= nunca/quase nunca, 2 = às vezes, 3 = frequentemente, 4 = quase sempre) e os itens C, E, G, I, L, O, U e X em uma escala tipo Likert de cinco pontos (0 = não se aplica, 1= nunca/quase nunca, 2= às vezes, 3 = frequentemente, 4= quase sempre). Há ainda dois itens adicionais, que não se incluem no modelo estrutural e nem na soma do escore, mas que fornecem informações acerca da intensidade da dor e da frequência das limitações físicas que o respondente pode ter em função da alteração de sua aparência (Tabela 1). Quanto maior o escore, maior a angústia e a preocupação com a aparência.

Procedimentos Metodológicos

Inicialmente, foi solicitado ao autor da Derriford Appearance Scale-24 (DAS-24), autorização para o uso deste instrumento e para sua adaptação cultural para o Português Brasileiro. A seguir, optou-se pelo guideline da American Academy of Orthopedic Surgeons e Institute of Work and Health (AAOS/IWH)33 para a realização da pesquisa.

O guideline da AAOS/IWH recomenda cinco passos para a execução do processo de adaptação cultural de escalas, a saber: (l) traduções independentes; (II) síntese das traduções; (III) retrotraduções da síntese; (IV) reunião do comitê de peritos e (V) pré-teste33. Para este último passo, especificamente, nossas referências metodológicas foram também Malhotra34 e Reynolds et al.35.

Para a realização da primeira fase, a tradução, dois brasileiros com fluência na língua inglesa realizaram traduções de forma independente, sendo um deles com conhecimento do tema (imagem corporal) e outro com total desconhecimento, com a finalidade de prover a maior fidedignidade aos componentes teóricos e linguísticos da escala DAS-24.

Na segunda fase, as traduções (T1, T2) foram sintetizadas por um juiz de síntese com fluência na língua inglesa que redigiu a versão a versão de síntese em português, denominada T12.

Na terceira fase, esta versão de síntese, T12, foi enviada para dois retrotradutores falantes nativos da língua inglesa com fluência na língua portuguesa do Brasil. Estes realizaram as retrotraduções (RT1 e RT2) de forma independente e sem conhecimento da versão original do instrumento.

Em seguida foi instituído um comitê de peritos, formado pelos dois tradutores, o juiz de síntese, os dois retrotradutores, e três profissionais da saúde (que trabalhavam diretamente com a população de interesse). Os membros do comitê de peritos receberam previamente à reunião um volume, formado pela escala original, por todas as versões produzidas (T1, T2, T12, RT1, RT2, comentários e dúvidas) e uma ficha de avaliação. Inicialmente, os peritos analisaram individualmente os itens da versão de síntese da DAS-24, julgando a equivalência entre o instrumento original e o instrumento traduzido em quatro áreas: equivalência semântica, experimental ou cultural, idiomática e conceitual Deveriam preencher a ficha de avaliação assinalando (-1) não equivale - e nova versão foi sugerida pelos peritos; (0) equivale - o item da escala estava adequado; e (1) equivale muito - que indicava total aderência à equivalência ao conceito. Na semana seguinte ao recebimento do material, realizou-se a reunião do comitê de peritos e a discussão coletiva se iniciou pelos itens com menor média entre as equivalências. As considerações sobre os itens e as instruções apenas se encerravam, quando, após reformulados, as equivalências estavam entre 0 e 1. Esta reunião durou aproximadamente duas horas e os itens aceitos e reformulados pelos peritos resultaram na versão de pré-teste.

Pré-teste

Uma amostra da população alvo foi requerida para a realização da última etapa da pesquisa, o pré-teste. A seleção desta amostra foi não probabilística36, por julgamento, ou seja, procuramos sujeitos que pudessem nos dar respostas que gerassem dados mais coerentes para a pesquisa34.

Na primeira fase de pré-teste, recrutou-se dois grupos de 5 pessoas, de acordo com as recomendações para o pré-teste de Malhotra34 e Reynolds et al.35. Cada questionário foi aplicado de forma individual, em consultório, sem limitação de tempo. Após o preenchimento do instrumento, cada participante foi entrevistado pelo pesquisador e perguntado sobre as dificuldades de preenchimento, clareza dos itens, adequação dos itens ao que está sendo avaliado no instrumento, adequação dos itens à população de interesse. Após estes dois primeiros grupos iniciais, em que uma análise qualitativa era o foco principal, uma versão final da escala foi obtida e aplicada em um grupo com 50 participantes33 para uma análise quantitativa das respostas. Todas as respostas foram registradas em formulário específico.

Análise dos Dados

O processo de adaptação cultural foi apresentado de forma descritiva e analítica, seguindo padrões de estudos utilizados. Para uma análise empírica preliminar, que nos possibilita identificar problemas com os itens37, foram calculados os valores mínimo, máximo e a mediana das respostas de cada item, a partir do pool de dados do terceiro grupo de pré-teste de 50 participantes. Itens que mostram uma larga variedade de distribuição e aqueles que discriminam diferentes pontos ao longo de um contínuo são itens que estão livres de viés ou da desejabilidade social38,39.

Calculou-se a correlação de cada item com o escore total da escala e a confiabilidade interna, através do teste alpha de Cronbach. Itens com correlação baixa (< 0,50)39 são indicativos de serem excessivamente difíceis ou fáceis ou ambíguos ou não relacionados com a variável latente40. Itens cuja eliminação aumenta o valor do teste de alpha de Cronbach, indicam serem problemáticos para a coerência interna do instrumento40. Estes dados são indicadores preliminares de qualidade dos itens.

 

RESULTADOS

Tradução, Síntese e Retrotradução

Entre instruções e itens da DAS-24, ocorreram oito itens em comum entre as traduções T1 e T2. Os demais estavam muito próximos, mas a síntese redigida com nove itens conforme sugeridos pela T1, com três conforme sugeridos pela T2 e cinco itens foram reformulados. Além disso, foi considerada a parte introdutória do DAS-24, na qual seis partes foram enviados para síntese conforme sugerido pela T2, um item como sugerido pela T1 e um item foi reformulado para a síntese.

Os grandes desafios nessas etapas inicias foram duas expressões que causaram dificuldades de tradução: "self-conscious" / "self-consciousness" e "feature", que aparecem várias vezes e que são palavras-chave para a compreensão da escala.

Em relação à expressão "self-conscious"/ "self-consciousness" a dificuldade esteve em encontrar uma única palavra que pusesse traduzir essa expressão e que pudesse ser concebida, teoricamente, como a corrente de percepções, pensamentos, lembranças, projetos e ações que expressam a permanência e coerência do ego e, portanto, da pessoa humana41.

Essa expressão esta presente nas instruções para o preenchimento, logo na parte introdutória da DAS-24: "The first part of the scale is designed to find out if you are sensitive or self-conscious about any aspect of your appearance (even if this is not usually visible to others)". Um dos tradutores traduziu "self-conscious" / "self-consciousness" como autoconsciente e o outro tradutor como consciente. Porém, nenhuma das duas opções de tradução parecia corresponder ao sentido que o autor pretendia dar à frase e o problema foi levado para discussão junto ao juiz de síntese. Este, por sua vez, recorreu à versão da DAS-24 gerada em português de Portugal42, para a qual foram empregados os termos "desconfortável ou constrangido". Decidiu-se, então, por chamar a atenção para si ("onself") e manter esse aspecto cognitivo negativo capturou melhor este conceito, sugerindo-se para a síntese a seguinte tradução para "self-conscious": "atento (no sentido de preocupado)".

Esse mesmo termo, "atento (no sentido de preocupado)", foi utilizado nas demais vezes que a expressão foi empregada, tanto no restante da introdução, quanto nos itens C, E e I. Na retrotradução, o termo "self-conscious" não foi empregado, sendo que um dos retrotradutores traduziu a síntese para "sensitive or aware (in the sense of concerned)" e o outro para "attentive (in the sense of worried)".

A dificuldade com a palavra "feature" não foi idiomática, mas semântica e conceitual. A preocupação derivou do fato de que na parte inicial da DAS-24 o respondente precisa enunciar a(s) parte(s) da aparência que causa(m) desconforto. Em seguida, aparece nova instrução: "From now on, we will refer to this aspect of your appearance as your feature". Assim, era preciso que essa parte do corpo identificada como causadora de desconforto fosse bem definida, para não causar erros nas escolhas das respostas ao longo do restante do instrumento. Um dos tradutores traduziu "feature" como "condição" e o outro tradutor como "característica" (que também foi a opção na versão de Portugal). Após discussão junto ao o juiz de síntese, foi identificada a necessidade de melhora dessa tradução para que ficasse muito claro para quem fosse responder a escala qual era o verdadeiro significado desta "característica".

Assim, para tradução da palavra "feature", foi criada essa expressão: "a característica da minha aparência que me incomoda", que foi retrotraduzida como: "aspect of your appearance that bothers you" e "characteristic of your appearance that bothers you".

Dentre os vinte e quatro itens e os dois itens adicionais, as retrotraduções RT1 e RT2 tiveram igualdade em 14 itens, com pequenas diferenças nos itens em que não foram propostas exatamente iguais. Em relação a escala original, os pontos de igualdade das duas retrotraduções ocorreram para sete itens. As maiores diferenças ficaram por conta da escolha da síntese para "feature" e "self-conciuosness" / "self-conscious".

Ao final deste processo de tradução, síntese e retrotradução, o material foi posteriormente analisado pelo autor (Timothy Moss) da escala DAS-24 para seus comentários adicionais a partir das RT1 e RT2. Foi possível perceber que na maioria dos itens obteve retrotradução adequada na RT1 ou na RT2. Entretanto, o Dr. Moss recomendou revisão da tradução de "self-consciousness", como "autoconsciência" conceitualmente, isto é, o sentido da consciência de si mesmo (ou seja, a direção da atenção é para o "self"), mas também tem um componente emocional em torno de constrangimento/desconforto, que não havia sido captado.

A respeito do item G, "Other people mis-judge me because of my feature", ele disse que o "misjudge" tem mais o sentido de que as outras pessoas estejam fazendo julgamentos imprecisos, mas não tem o sentido que estejam fazendo julgamentos críticos. Por fim, no item C, "My self-consciousness makes me irritable at home", ele chamou destacou que nas duas retrotraduções o "irritable" ficou "Irritaded" e que irritado é diferente de irritável. Existe uma diferença bem sutil entre "estar irritado" em vez de "ficar irritado". Irritável é a abordagem geral para o mundo que pode levar a ser irritada. Todas essas observações foram inseridas nos documentos do Comitê de Peritos para serem consideradas.

Comitê de Peritos

Na reunião do comitê de peritos, mais uma vez, as palavras "self-conscious" e "self-consciousness" também mereceram demorada discussão. Sua tradução literal seria autoconsciente. Todavia corria-se o risco de gerar interpretações distintas para o mesmo item, gerando falta de equivalência conceitual, já que o item dependeria da interpretação desse constructo, o que poderia ser fundamentalmente diferente entre os participantes.

Sem perder de vista as considerações anteriormente feitas pelo Dr. Moss, recorreu-se ao dicionário de psicologia da American Psychological Association (APA)43. Nele, "self-consciousness" é definido como:

1. Um traço de personalidade associado à tendência de refletir ou pensar em si mesmo. O uso psicológico do termo (por exemplo, em medidas de personalidade) refere-se a diferenças individuais na autorreflexão, não a vergonha ou embaraço;

2. Alguns pesquisadores distinguiram entre duas variedades de autoconsciência: (a) autoconsciência privada, ou o grau em que as pessoas pensam sobre os aspectos internos privados de si mesmas (por exemplo, seus pensamentos, motivos e sentimentos) que não estão diretamente abertas; a observação por outros; e (b) autoconsciência pública, ou o grau em que as pessoas pensam sobre os aspectos externos, públicos de si mesmos (por exemplo, sua aparência física, maneirismos e comportamento manifesto) que podem ser observados por outros.

3. Extrema sensibilidade quanto ao comportamento, aparência ou outros atributos de uma pessoa e preocupação excessiva com a impressão que alguém causa aos outros, o que pode levar a constrangimentos ou constrangimentos na presença de outras pessoas. Autoconsciente adj.

De acordo com essas definições, os peritos concordaram que aqui a sugestão: "atento (no sentido de preocupado)", com destaque entre parênteses, seria adequada, pois captava a essência de ser autoconsciente.

A alternativa criada para a tradução de "feature", na síntese das traduções, foi igualmente ratificada pelo comitê de peritos. O comitê de peritos considerou ser importante ter a clareza de qual é essa característica que se define na parte introdutória da DAS-24, porque será a referência para as respostas dos demais 24 itens da escala. A palavra "característica" sozinha não parecia reforçar a necessidade para que o respondente sempre lembrasse que seria essa era a referência para suas respostas. Após extensa discussão, os peritos concordaram em adaptar esta tradução para "característica da aparência que lhe incomoda". Essa estratégia buscou manter claro para o participante que viesse a responder a DAS-24 sobre o que ele deveria manter em mente. Avaliou-se que essa solução manteria a equivalência conceitual em relação ao instrumento original, assegurando também a equivalência semântica e cultural.

As discussões sobre esses termos, "self-consciousness" / "self-conscious" e "feature", dominaram a análise da parte introdutória da DAS-24. Os itens C, E, G, U, W e os dois itens adicionais, também foram modificados para atender as considerações citadas sobre estes termos. Em relação aos demais itens, A, B, D, F, L, M, N, R, S, T, V e X, foram considerados equivalentes conceitual, idiomática, semântica e culturalmente em relação ao original.

Os itens K e P sofreram ajustes para assegurar a equivalência cultural. No item K "I adopt certain gestures ...", acrescentou-se o ato de cobrir a boca com a mão aos exemplos anteriormente descritos no item, porque este é um gesto comum usado para disfarçar possíveis deformidades nesta região e agregava sentido à esta pergunta. No item P, "How distressed do you get while playing sports/games?", trocou-se a palavra "games" por "atividades físicas", que faz mais sentido em nosso meio e para a população de interesse para a qual se preparava o instrumento.

No item G, "Other people misjudge me.", além da adequação da palavra feature, houve a discussão pelos peritos sobre a melhor maneira de manter a equivalência semântica da palavra "misjudge", se a melhor tradução seria "mal juízo" ou "me julgam mal". Os peritos concordaram que a segunda opção era melhor, corroborando com o que já tinha sido orientado pelo Dr. Moss. Ainda buscando adequação às orientações dadas pelo Dr. Moss, o item J, "How irritable do you feel?", foi analisado com atenção. Os peritos concluíram que a tradução literal poderia ser mal compreendida e sugeriram acrescentar uma informação adicional, colocada entre parênteses, que pudesse facilitar a compreensão pelo respondente e assim ficou a versão final: "O quão irritável você se sente (isto é, quanto as coisas podem lhe irritar)?", para justamente salientar as diferenças destacadas nas observações feitas anteriormente pelo Dr. Moss.

No item B, "How distressed do you get when you see your self in the mirror/window?", foi suprimida a expressão "janela" por uma questão cultural: essa parecia ser uma situação pouco usual, que ainda poderia levar a confusão no momento de responder. Para atingir a equivalência cultural, foi mantida apenas a alternativa de ver sua imagem refletida em espelho.

Em relação à equivalência idiomática, o item Q, "I close into my shell", foi o que mereceu atenção. A expressão idiomática ilustra o comportamento de isolamento social, no qual o respondente deveria avaliar o quanto ele se recolheu dentro da sua zona de conforto. Os peritos concordaram que a melhor tradução para esta expressão idiomática seria: "Eu me fecho no meu mundo".

Diferentemente da língua inglesa, na língua portuguesa existe a necessidade de diferenciação entre masculino e feminino. Para atender esta necessidade os peritos concordaram que utilizasse a flexão de gênero nos adjetivos e substantivos das variáveis observáveis. Um exemplo desse procedimento pode ser dado com a alteração semântica do item O,"I avoid undressing in front of my partner", para o qual os peritos concordaram em colocar as alternativas "meu parceiro" / "minha parceira".

Por fim, retornou-se ao Dr. Moss sobre os resultados da reunião de peritos e pediu-se sua avaliação, em especial sobre a escolha feita para a tradução de "self-consciousness" / "self-conscious". Ele respondeu reconhecendo que o termo é de um conceito difícil de se abordar e que dificuldades semelhantes ocorreram em outras adaptações culturais. Disse ainda que existem opções de traduções que são próximas o suficiente, e que sob o referencial da APA havia sido feita uma boa proposta, dando assim sua aprovação, não apenas para este, mas para os demais itens também. Após seu aval, considerou-se encerrada a reunião de peritos e a versão produzida foi levada ao pré-teste.

Pré-teste

Inicialmente, foram recrutados 2 grupos de 5 pacientes do ambulatório de HIV/AIDS de São Bernardo do Campo e coletadas suas impressões e comentários sobre os itens, opções de resposta, compreensão das instruções, adequação da diagramação (layout) e congruência entre a resposta desejada e a resposta indicada.

O primeiro grupo foi formado por 4 homens e 1 mulher, com idade média de 56,5 ± 8, 26 anos (Min = 47, Max = 60 anos). Esses participantes proporcionaram algumas oportunidades de melhoria para a escala.

O primeiro ponto de atenção foi a introdução. Três dos cinco pacientes relataram alguma dificuldade para compreender o objetivo do questionário. Essas dúvidas foram levadas ao perito metodologista e após nova discussão foi proposta a seguinte alteração da redação para o segundo pré-teste: "Este questionário se refere a como você se sente sobre sua aparência". Esta PRIMEIRA PARTE foi desenvolvida para descobrir se você está preocupado(a) ou incomodado(a) sobre qualquer característica da sua aparência (mesmo que não esteja normalmente visível para os outros)".

Houve outra ocorrência no primeiro pré-teste. Notou-se que no campo para a resposta à pergunta (B) A "característica da minha aparência" sobre o qual eu mais me sinto preocupado(a) ou incomodado(a) é:, ainda na parte introdutória, dois participantes colocaram mais de uma característica que os incomodavam, antes de perceberem que mais adiante haveria outro campo que lhes daria oportunidade para colocar outras respostas. O problema não ocorria por dificuldade de entendimento, mas por não haver leitura previa das perguntas que se seguiriam, o que por outro lado, é realmente o que se deseja. Não que esse fato atrapalhasse a interpretação das respostas, mas pensou-se que poderíamos ser mais claros ao respondente. Assim, juntamente com o metodologista esse ponto foi rediscutido, propondo-se a seguinte reformulação para o segundo pré-teste: (B) A "característica da minha aparência" sobre o qual eu MAIS ME SINTO preocupado(a) ou incomodado(a) é: (cite APENAS UMA):".

Foi unânime a dificuldade dos participantes para compreender a diferença entre as alternativas de respostas "nunca/quase nunca" e "N/A (não aplicável) nos itens C, E, G, I, L, O, T e X. Eles não percebiam a diferença entre estas alternativas, por exemplo: "Se eu nunca fizer, portanto, a questão não é aplicável". Perante este impasse entrou-se em contato com o Dr. Moss e perguntou-se sobre a possibilidade de eliminar a alternativa de N/A (não se aplica) destes itens, sem que isto interferisse na pontuação destas respostas. Dr. Moss argumentou que "há uma diferença sutil entre "não aplicável" e "nunca/quase nunca". É uma diferença bastante sutil e a psicometria funciona com a pontuação como ela é! Frente ao seu posicionamento, manteve-se a opção de N/A nestas questões, mas, em concordância com metodologista, ao invés de usar a forma abreviada (N/A), utilizou-se a frase "Não se aplica", por extenso. Também foi proposta a alteração de formatação e diagramação da escala, onde as respostas ficaram dispostas em separado, dentro de quadros, e junto com cada uma da resposta foi colocado o valor em numeral correspondente (anexo 1).

Com estas alterações, um novo grupo de 5 respondentes, todos homens, com idade entre 46 a 61 anos, média de 52,75 ± 6,65 anos foi recrutado. Os mesmos procedimentos adotados no primeiro pré-teste foram repetidos. Na entrevista subsequente ao preenchimento da DAS-24 pode-se verificar que não foi relatada nenhuma dificuldade de entendimento, o layout da escala foi aprovado, as possibilidades de resposta foram julgadas adequadas assim como a pertinência dos itens ao que se deseja avaliar e à população alvo. Concluiu-se que as alterações muito ajudaram para a clareza e compreensão por parte dos respondentes.

Para ainda ter mais certeza de que o trabalho realizado havia produzido uma versão em português adequada e clara, recrutou-se um terceiro grupo de 50 participantes, dos quais 31 eram homens. A idade média desse grupo foi de 41,84 ± 11,80 anos, variando entre 23 a e75 anos (Tabela 1).

Com exceção dos itens G e K, que não tiveram respostas no valor máximo da escala, todos os demais itens variaram entre todas as possibilidades de resposta da escala Likert, indicando que foi possível assegurar todas as possíveis respostas. A mediana da minoria dos itens - A, B, D, I, J, Q, R, T e W - foi coincidente com a mediana da escala de respostas. Para os demais itens, a mediana teve valor inferior, o que indica baixa frequência ou baixa concordância ao posto pela variável observável.

Para checar se essa concentração das respostas dos itens poderia causar erros sistemáticos, seja pelos itens estarem mal redigidos, confusos ou que levassem o respondente à desejabilidade social, verificamos se a eliminação dos mesmos aumentava o valor do teste de alpha de Cronbach do instrumento, α=0,94. O mesmo não ocorreu para nenhum item.

Por fim, analisamos os resultados da correlação escore total-item. Os valores indicam que ocorreram correlações moderadas (>0,50 - <0,80) em 20 dos 24 itens e nos dois itens extras e correlações fracas no item 1 (0,39), item H (0,26), item T (0,46) e item V (0,47).

 

DISCUSSÃO

O processo de adaptação transcultural seguiu rigorosamente os procedimentos metodológicos da referencias escolhida33 percorrendo por todas as etapas. Consideramos que as duas variações a este guia adotadas, inclusão do autor original ao processo e a variação dos grupos de pré-teste, foram positivas.

Recrutar pequenos grupos como recomendado por Malhotra34 e Reynolds et al.35 permitiu levantar informações mais detalhadas acerca do layout do material; da compreensão do participante acerca das perguntas e respostas de cada item; da adequação da resposta assinalada no papel com a resposta pretendida. Anotar todas as informações com detalhes assegurou não perder informações importantes que poderiam indicar problemas ao responder o questionário. Esses procedimentos, em pequenos grupos, se tornam mais viáveis em termos de tempo e em qualidade da profundidade das entrevistas. Voltar a campo depois de ajustes é outro direcionamento de conduta metodológica sugerida por estes autores, que permite então verificar se as alterações feitas foram de fato pertinentes e se solucionaram os problemas. Esse retorno não é previsto em Beaton et al.33, mas nessa pesquisa foi avaliado como relevante e válido para assegurar a compreensão das instruções e dos itens, e que não eram mais necessárias quaisquer mudanças. Esta alteração procedimental no pré-teste não é nova, já tendo sido experimentada em outras ocasiões44.

Os comentários do Dr. Moss e suas respostas às dúvidas pontuais muito contribuíram para alcançar, especialmente, as equivalências idiomáticas e conceituais dos itens. Ademais, ao compartilhar as experiências e dificuldades das demais adaptações culturais já realizadas com a DAS-24 em Taiwan45 e Portugal42 pudemos ter uma visão ampliada das interpretações de cada variável observável (item). A inclusão do autor original do instrumento no processo de adaptação transcultural já havia sido testada46 e considerou-se como um aspecto procedimental positivo em nesse processo.

Importante salientar que a versão brasileira apresenta algumas diferenças em relação à de Portugal, especialmente no que diz respeito a como foi tratada a tradução de "feature" e de "self-consciousness" / "self-conscious". Mas além disso, há diferenças em outros itens, em especial no tempo verbal empregado e nas expressões idiomáticas, o que na verdade reflete as diferenças das duas línguas portuguesas faladas entre estes países. A reflexão é que este fato reforça a necessidade de adaptar transculturalmente os instrumentos para o país alvo a que se pretende usar futuramente, pois apenas uma tradução não conseguiria compreender as variações culturais e linguísticas das variáveis observáveis47, correndo-se o risco de gerar interpretações distorcidas das variáveis latentes sob avaliação.

A análise da mediana da pontuação dos itens, assim como de seus valores máximos e mínimos oferece uma visão da tendência de resposta às variáveis observáveis. Importante salientar que com exceção de dois itens, G e K, todos obtiveram todas as repostas possíveis, demonstrando que não houve viés nas repostas. Embora nem sempre a mediana de alguns itens estivesse próxima do ponto central da escala (o que indicaria uma distribuição equilibrada das respostas) pudemos verificar que a retirada de qualquer item não aumentaria o valor do teste alpha de Cronbach, excluindo-se, a priori, evidência de que alguns itens poderiam ser inadequados. Um estudo psicométrico futuro deverá também observar os itens A e H, pois os mesmos tiveram correlação com o escore total baixos, o que pode indicar baixa aderência à variável latente em análise.

Importante dizer que, embora minucioso e cuidadosamente conduzido, o presente estudo ainda não é suficiente para que esta escala seja empregada em prática clínica. Para garantir que o instrumento adaptado culturalmente gere dados válidos e confiáveis, um estudo subsequente que investigue suas propriedades psicométricas deverá ser realizado.

Outra limitação seria o foco dado ao público alvo de PVHA, tendo-os sempre em consideração na análise dos itens. Todavia, ter este instrumento disponível para validação psicométrica poupa aos pesquisadores brasileiros tempo e recurso, já que o processo de adaptação cultural pode ser financeiramente dispendioso e durar meses. Ao pesquisador interessado em validar a DAS-24 para emprego em pesquisas com outras amostras, recomendamos entrar em contato com o pesquisador principal para ter acesso à documentação gerada, refazer o pré-teste em sua população de interesse e verificar se algo precisará ser ajustado.

 

CONCLUSÃO

Frente aos resultados gerados concluímos a adaptação cultural da DAS-24 para o português do Brasil, tendo como público alvo primário as pessoas que vivem com HIV/AIDS (PVHA).

 

 

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Endereço para correspondência:
drmam@uol.com.br

Manuscrito recebido: Outubro 2018
Manuscrito aceito: Jnaiero 2019
Versão online: Outubro 2019

 

 

ANEXO 1

THE DERRIFORD APPEARANCE SCALE (DAS 24) - BRASIL

 

 

 

 

De agora em diante, nós iremos nos referir a esta característica da sua aparência como a:

 

 

SEGUNDA PARTE

Instruções:

- As perguntas a seguir são sobre a forma como você se sente ou age.

- Elas são simples. Por favor, selecione a resposta que se aplica a você.

- Se as alternativas de resposta não se aplicam a você de forma alguma, selecione a opção de "Não se Aplica".

- Não gaste muito tempo em nenhuma das questões.

 

 

 

 

 

Fim

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