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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282versão On-line ISSN 2175-3598

J. Hum. Growth Dev. vol.29 no.2 São Paulo maio/ago. 2019

http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.v29.9429 

ARTIGO ORIGINAL

 

Qualidade do pré-natal e condições clínicas dos neonatos expostos à sífilis

 

 

Déborah de Oliveira Togneri PastroI, II; Bruna Pereira FariasIII; Otávio Augusto Gurgel GarciaIII; Bianca da Silva GambichlerIII; Dionatas Ulises de Oliveira MeneguettiI; Rita do Socorro Uchôa da SilvaI, II

IPrograma de Pós-Graduação em Ciências da Saúde na Amazônia Ocidental - Universidade Federal do Acre (UFAC);
IISecretaria de Estado de Saúde do Acre (SESACRE), Governo do Estado do Acre;
IIICurso de Graduação em Medicina - Universidade Federal do Acre (UFAC)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: A sífilis é uma doença sexualmente transmissível causada pelo Treponema pallidum, e resulta em morbidade e mortalidade consideráveis. A sífilis congênita pode cursar com aborto, prematuridade, deformidades ósseas, perda auditiva e outas alterações clínicas importantes.
OBJETIVO: Analisar a qualidade do pré-natal e as condições clínicas dos neonatos expostos à sífilis em uma maternidade pública de Rio Branco-Acre.
MÉTODO: Trata-se de estudo transversal e que incluiu 92 puérperas com diagnóstico de sífilis na gestação, atendidas no período de julho a dezembro de 2017. Duas gestantes tiveram óbito fetal, sendo que a amostra final foi constituída de 90 recém-nascidos expostos à sífilis. Utilizou-se de entrevista com a puérpera, análise do cartão da gestante e busca de informações junto aos prontuários da gestante e recém-nascidos. Considerou-se caso confirmado de sífilis em gestante: a) Toda grávida que apresentou teste não treponêmico reagente com qualquer titulação e teste treponêmico reagente realizados durante o pré-natal; b) Gestante com teste treponêmico reagente e teste não treponêmico não reagente ou não realizado, sem registro de tratamento prévio. Para caracterização da sífilis congênita considerou-se: a) recém-nascido cuja mãe não foi diagnosticada com sífilis durante a gestação e que, apresentou teste não treponêmico reagente com qualquer titulação no momento do parto; b) criança cuja mãe não foi diagnosticada com sífilis durante a gestação e apresentou teste não treponêmico reagente no momento do parto; c) recém-nascidos cuja mãe apresentou teste treponêmico reagente e teste não treponêmico não reagente no momento do parto, sem registro de tratamento prévio.
RESULTADOS: A maioria dos recém-nascidos nasceu de parto normal (65.5%), sendo que 17,8% apresentaram sofrimento fetal agudo e 11,2% necessitaram de manobras de reanimação. A prematuridade ocorreu em 10% dos nascimentos e 12,2% deles eram pequenos para idade gestacional. O pré-natal completo foi realizado por 29,5% das puérperas, seguindo as recomendações do Ministério da Saúde de sete visitas à Unidade de Saúde e ou Profissional de Saúde. Das 90 gestantes, 79 apresentaram teste treponêmico reagente quando admitidas na maternidade, sendo que 29,3% delas realizaram o tratamento de forma adequada. Na análise acerca do tratamento do parceiro sexual, relatou-se que 58% não aderiram ao tratamento da sífilis.
CONCLUSÃO: A qualidade do pré-natal das gestantes com sífilis foi inferior ao recomendado pelo Ministério da Saúde do Brasil, embora haja poucos casos de sífilis como desfecho primário nos recém-nascidos oriundos de parto com mães diagnosticas com sífilis.

Palavras-chave: pré-natal, neonato, sífilis na gestação, sífilis congênita.


 

 

Síntese dos autores

Por que este estudo foi feito?

O estudo foi realizado com intuito de conhecer o perfil clínico e epidemiológico das puérperas portadora de sífilis na gestação na maior maternidade pública do estado do Acre bem como a repercussão dessa doença em suas recém-nascidos, haja vista esta sua elevada prevalência em âmbito nacional ainda que seu tratamento e diagnóstico estejam disponíveis no sistema único de saúde.

O que os pesquisadores fizeram e encontraram?

Os pesquisadores realizaram entrevista com 92 mulheres portadoras de sífilis na gestação admitidas na maternidade no período de julho de 2018 à dezembro de 2018, afim de avaliar a qualidade do pré-natal realizado por elas, bem como as condições de nascimento de seus bebês e a conduta clínica instituída para eles.

O que essas descobertas significam?

Foi observado que a maioria das mulheres realizou pré-natal, contudo 70,5% delas não o fizeram de forma adequada e que aproximadamente 1/3 das gestantes com sífilis trataram a doença de forma adequada. Quanto aos bebês expostos à doença, 78,3% apresentaram teste de VDRL reagente. Sobre a assistência prestada aos recém-nascidos, 28,6% não realizaram avaliação de liquor e 23,9% não fizeram radiografia de ossos longos, exames essenciais para triagem da criança exposta à sífilis congênita. Esses achados significam que a sífilis apesar de ser uma doença de fácil tratamento possui elevada prevalência sobre a população estudada e isso pode estar associado à baixa qualidade de pré-natal prestado à essas mulheres. A falha na adesão ao protocolo de sífilis congênita proposto pelo Ministério da Saúde sugere insuficiente aptidão da equipe técnica do local de estudo em atender as recomendações desse órgão.

 

INTRODUÇÃO

A sífilis é uma doença sexualmente transmissível causada pelo Treponema pallidum, e resulta em morbidade e mortalidade consideravéis. Pode ser transmitida durante toda a gestação, cursando com infecção congênita evitável se a gestante for triada precoce e adequadamente, caso contrário pode levar a prejuízos permanentes ao recém-nascido1.

Nos últimos 10 anos, em especial a partir de 2010, houve um progressivo aumento na taxa de incidência de sífilis congênita no país pois em 2006, a taxa era de 2,0 casos/mil nascidos vivos e em 2015, subiu para 6,5 casos/mil nascidos vivos, sendo que as regiões Nordeste, Sudeste e Sul apresentaram as maiores taxas (6,9 casos/mil nascidos vivos), seguidas das regiões Centro-Oeste (4,5 casos/mil nascidos vivos) e Norte (4,4 casos/mil nascidos vivos). Em 2016, a capital do estado do Acre, Rio Branco, apresentou taxa inferior à média nacional (5,8 casos/mil nascidos vivos2.

A sífilis congênita pode cursar com aborto, prematuridade, deformidades ósseas, perda auditiva e outas alterações clínicas importantes1. O diagnóstico da doença é obtido especialmente através de testes sorológicos: testes não-treponêmicos (VDRL-Venereal Diseases Research Laboratory e RPR-Rapid Plasma Reagin) e testes treponêmicos (FTA-Abs-Fluorescent Treponemal Antibody-Absorption e TPHA-Treponema pallidum Hemaglutination)3. Apesar da assitência pré-natal grarantir de forma gratuíta a triagem e o tratamento para gestante infectada com síflis, a maior parte dos casos da doença congênita está intimamente associada ao tratamento inadequado da grávida e a não adesão à terapêutica pelo seu parceiro1,4.

A sífilis é uma doença infecciosa sistêmica, de evolução crônica e causada pelo T. pallidum, que pode produzir, as formas adquirida e congênita da doença, sendo que continua sendo problema de saúde pública atual no Brasil.

Assim, o objetivo é analisar os desfechos clínicos e laboratorias de recém-nascido (RN) expostos à sífilis no período gestacional.

 

MÉTODO

O estudo foi realizado na cidade de Rio Branco, capital do Estado do Acre, que compõe a Amazônia Ocidental, e é composto por 22 municípios. O local do estudo foi a única maternidade eminentemente pública da capital, que dispõe de uma unidade de terapia intensiva neonatal, sendo referência em atendimento a gestantes e recém-nascidos para todo o estado, atendendo a demanda da capital, assim como de outros municípios, outros estados e países que fazem fronteira com Acre.

Estudo Transversal5 prospectivo, no qual foram incluídos os recém-nascidos e suas mães expostos à sífilis, que nasceram ou foram internados na maternidade, no período de julho a dezembro de 2017. Os recém-nascidos foram avaliados ao nascimento através de uma entrevista com o responsável, exame físico dos mesmos, consulta aos dados de prontuário e de exames complementares, além de apreciação do cartão de pré-natal de suas mães.

A entrevista incluiu um questionário individual da mãe e do recém-nascido, incluindo os seguintes dados: I. Informações individuais da mãe (dados sobre condições socioeconômicas, idade materna, situação conjugal e estrutura familiar); II. Dados sobre as intercorrências na gestação (histórico gestacional prévio, morbidades e intercorrências durante a gestação atual, hábitos e morbidades previas); III. Dados de avaliação ao acesso do pré-natal, bem como os exames realizados pela mãe; IV. Dados das condições de nascimento e perinatais. Também se avaliou a conduta instituída ao recém-nascido exposto a sífilis após seu nascimento.

A coleta de dados foi realizada diariamente, através da aplicação dos questionários às mães com diagnóstico de sífilis durante a gestação, mediante assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido pelo responsável do recém-nascido. O banco de dados com as variáveis de interesse foi organizado e analisado no software SPSS 23.0.

Considerou-se caso confirmado de sífilis em gestante: a) Toda grávida que apresentou teste não treponêmico reagente com qualquer titulação e teste treponêmico reagente, independentemente de qualquer evidência clínica de sífilis, realizados durante o pré-natal; b) Gestante com teste treponêmico reagente e teste não treponêmico não reagente ou não realizado, sem registro de tratamento prévio6. Considerou-se caso de sífilis congênita: a) Criança cuja mãe não foi diagnosticada com sífilis durante a gestação e que, na impossibilidade de a maternidade realizar o teste treponêmico, apresentou teste não treponêmico reagente com qualquer titulação no momento do parto; b) Criança cuja mãe não foi diagnosticada com sífilis durante a gestação e, na impossibilidade de a maternidade realizar o teste treponêmico, apresentou teste não treponêmico reagente no momento do parto; c) Criança cuja mãe apresentou teste treponêmico reagente e teste não treponêmico não reagente no momento do parto, sem registro de tratamento prévio6, com projeto aprovado de acordo com a Declaração de Helsinque (Parecer 2.121.866).

Os dados foram apresentados em análise de frequências, foi realizada a análise bivariada para verificar associação estatística entre variáveis, aplicando os testes do Qui-quadrado de Pearson e Exato de Fisher, considerando como significativo p 0,05 para a significância estatística.

 

RESULTADOS

Assim, no período de julho a dezembro de 2017, 2.718 mulheres tiveram seus filhos na Maternidade Bárbara Heliodora, das quais foram selecionadas 92 mães (3,4%) para compor a amostra, pois as mesmas apresentavam risco de transmissão de sífilis congênita para seus recém-nascidos, dentre as quais duas tiveram parto cujo desfecho fora o óbito fetal (2,2%), totalizando 90 recém-nascidos expostos à sífilis.

A maioria dos recém-nascidos nasceu de parto normal (65,5%), 16 (17,8%) apresentaram sofrimento fetal agudo e 10 (11,2%) necessitaram de manobras de reanimação. A prematuridade ocorreu em 9 (10%) recém-nascidos e 11 recém-nascidos (12,2%) eram pequenos para idade gestacional (Tabela 1).

 

 

Quanto as características do pré-natal (Tabela 2), verificou-se que dentre as 92 entrevistadas, apenas 29,5% realizaram o pré-natal de forma adequada, seguindo as recomendações do Ministério da Saúde4, havendo 4 (4,5%) que não realizaram nenhuma consulta de pré-natal. Sessenta e quatro mães (69,5%) relataram união estável. Observou-se que 85,8% delas apresentou teste treponêmico reagente quando admitidas na maternidade. No que se refere ao tratamento da doença durante na gravidez, apenas 27 (29,3%) realizaram o tratamento de forma adequada e 37 (57,8%) dos seus parceiros sexuais não aderiram ao tratamento da doença.

 

 

Na Tabela 3 são apresentados os resultados da análise do VDRL do recém-nascidos exposto à sífilis e suas alterações laboratoriais em relação à titulação materna na admissão hospitalar. Houve associação estatística nos casos em que a titulação do VDRL da mãe foi superior 1:8 no parto, resultando em VDRL de sangue periférico reagente dos recém-nascidos (p=0,01). Correlação significante também ocorreu quando a titulação materna era elevada, os recém-nascidos também apresentaram altas titulações de VDRL e cursaram com alterações laboratoriais (p<0,001).

Na análise laboratorial e clínica do RN em relação ao tratamento materno e do parceiro sexual, observou-se que o não tratamento do parceiro sexual da puérpera influencia significativamente na titulação do VDRL do neonato (p=0,03) e que a inadequação do tratamento materno associado à adesão ao tratamento do parceiro para a doença interfere no desfecho de sintomas clínicos ou laboratoriais nos recém-nascidos (Tabela 4).

Na análise da assistência neonatal aos recém-nascidos expostos à sífilis, observou-se que 91,3% deles realizaram o teste treponêmico em sangue periférico, com 78,3% de positividade. Destes, 26,4% apresentaram VDRL superior a 1:8. Notou-se ainda que 28,2% dos recém-nascidos não realizaram punção lombar e que apenas 1 (1,1%) dos neonatos que foram submetidos a esse procedimento, apresentou exame alterado. Verificou-se que 23,9% dos recém-nascidos não foram submetidos à avaliação radiológica e aqueles que realizaram o exame não tiveram resultados alterados. No que se refere à avaliação laboratorial, 6,5% da amostra apresentou as seguintes alterações ao hemograma: anemia, leucocitose e plaquetopenia. O tratamento de escolha predominante na população estudada foi a ceftriaxona (63%) (Tabela 5).

 

DISCUSSÃO

A análise das característcas clínicas dos recém-nascidos expostos à sífilis em Rio Branco-Ac, conclui que houve predomínio pela via de parto natural (65,5%), achado importante que condiz com a tendência nacional de estabilização da opção pelos partos via cesariana.

No ano de 2015, as taxas de cesariana situavam-se em torno de 56%, mantendo essa frequência no ano de 20166. Isso demonstra o sucesso de companhas educativas que visam enfatizar as vantagens do parto vaginal tanto para mãe quanto para o recém-nascido.

O peso adequado e a idade gestacional são medidas de bem estar do recém-nascido7. Nota-se que 10% dos recém-nascidos avaliados eram prematuros e 12,2% pequenos para idade gestacional, dados inferiores ao encontrado em uma coorte portuguesa realizada com 27 gestantes expostas à sífilis na gravidez e que identificou um achado de 19,2% de recém-nascidos prematuros e pequenos para idade gestacional8. Essa diferença pode ter ocorrido em virtude da menor população desse estudo e pelo tratamento inadequado da doença materna ter sido elevado (44%)8.

Foram detectados dois óbitos fetais (2,2%) em gestantes com sífilis, desfecho que poderá ter sido resultado da infecção pelo T. pallidum, porém tal achado poderá está subestimado, visto que a coleta de dados da pesquisa foi realizada exclusivamente durante o período diurno, podendo ter havido perdas de mulheres que tenham sido admitidas e recebido alta hospitalar no período noturno, o que se entende como limitação desse estudo. A sífilis congênita é assintomática na maioria dos casos, contudo a prematuridade, baixo peso ao nascer e óbito fetal ocorridos nos recém-nascidos avaliados podem estar associados à essa infecção9. Na avaliação das gestações complicadas por sífilis e óbito fetal realizada no estado do Rio de Janeiro, observou-se que a morte fetal esteve intimamente associada ao elevados títulos maternos de VDRL e situações de infecção recente10.

Viellas e colaboradores11 afirmaram que a assistência pré-natal no Brasil demonstra ter cobertura universal, contudo sua adequação ainda é baixa, evento observado no presente estudo, onde a maioria das mulheres entrevistadas realizou pré-natal (95,6%), contudo somente 29,5% delas o fez de forma adequada, atendendo as recomendações do Ministério da Saúde4,11. Alguns fatores como o diagnóstico tardio da gestação, a baixa escolaridade e a desigualdade social podem estar relacionados a esse desfecho. Estudo realizado por Lima e colaboradores12 demonstrou que a ausência de pré-natal eleva chance de sífilis congênita mais que onze vezes quando comparada a realização de pelo menos uma consulta desse seguimento12. Realizar o pré-natal de forma adequada possibilita o diagnóstico e o tratamento precoces da sífilis na gestação, evitando dessa forma a transmissão vertical da doença13. A parcela de mulheres inadequadamente tratadas e não tratadas totalizou nesse estudo a aproximadamente 70%, valor que apesar de elevado ainda é inferior ao encontrado no Distrito Federal, onde em estudo que avaliou 100 mulheres notificadas com sífilis na gestação identificou que apenas 1% delas havia realizado tratamento adequado da doença.

Essa diferença provavelmente foi observada pelo elevado número de parceiros não tratados identificados nesse estudo (75,2%)14. É necessário investir na educação da importância do tratamento da síflis na gestação e atentar que o mesmo está intimamente associado ao tratamento do parceiro da gestante, pois caso ela siga acertadamente o esquema terapêutico e ele não, será novamente infectada pela doença após contato sexual15.

Nesse estudo em Rio Branco, a titulação materna de VDRL elevada, apresentou associação estatística significante com achados adversos nos recém-nascidos. Os elevados títulos de VDRL durante a gestação estão relacionados a efeitos desfavoráveis à saúde dos recém-nascidos, como titulações elevadas em VDRL de sangue periférico, alterações laboratoriais e alterações no liquor, ratificando que títulos de VDRL superiores a 1:8 podem se associar a uma maior morbimortalidade por esta doença16. A presença de títulos sorológicos elevados está normalmente presente nas formas mais recentes da infecção, e está associada à maior possibilidade de transmissão vertical da sífilis16,17.

A sífilis congênita está estreitamente ligada ao tratamento materno da doença, e o fator mais associado à falha do tratamento da gestante é o tratamento inadequado de seu parceiro sexual18. Houve significância estatística na associação entre o não tratamento dos parceiros sexuais com os elevados títulos de VDRL nos neonatos e a presença de achados clínicos/laboratoriais nessa população.

Essa análise merece cuidado, pois estudo sobre a triagem de sífilis no pré-natal demonstra que algumas mulheres podem se infectar tardiamente na gestação, pois os casos de sífilis nas fases iniciais da doença têm maiores chances de cursar com resultado prejudicial ao recém-nascido, independente do tratamento do parceiro sexual19. A participação do parceiro da gestante no seguimento de pré-natal deve ser estimulado por toda equipe de saúde envolvida nos cuidados dela, uma vez que as repercussões da sífilis congênita envolvem o contesto familiar.

Com relação aos recém-nascidos expostos à sífilis, nota-se que no âmbito hospitalar, a assistência neonatal está aquém das necessidades, tendo em vista os meios tecnológicos disponíveis. Todos os recém-nascidos expostos à sífilis devem ser investigados para doença. Em casos de gestantes adequadamente tratadas realiza se apenas o teste não treponêmico no recém-nascido; sendo este negativo, é realizado o acompanhamento da criança, mas na impossibilidade de seguimento realiza se tratamento com dose única de penicilina G benzatina20.

Os recém-nascidos que apresentarem VDRL reagente devem ser submetidos à punção lombar para se descartar a possibilidade de neurosífilis3. A frequência da realização da punção lombar nos recém-nascidos (69,6%) foi bastante superior ao encontrado no Amazonas (5,5%) em estudo que avaliou a transmissão vertical da sífilis no Brasil. Nessa mesma análise, quando se observa o percentual de recém-nascidos que não realizaram radiografia de ossos longos (23,9%) nota-se uma frequência mais otimista do que a encontrada no Rio Grande do Sul (37,2%)21. A falha na aplicação desse protocolo implica em falta de aptidão da equipe hospitalar em atender as recomendações do Ministério da Saúde mesmo havendo desconhecimento acerca do manejo.

O esquema terapêutico adotado ao neonato depende dos achados clínicos, laboratoriais e radiográficos, e oscila desde uma aplicação única de penicilina até esquemas com doses diárias da medicação por dez dias20,22. Em Rio Branco, o esquema terapêutico adotado aos neonatos expostos à sífilis foi predominantemente a ceftriaxona. Apesar de não ser a droga de escolha para o tratamento da doença, foi a droga preconizada pela falta da penicilina cristalina. Entre os anos de 2014 e 2016 alguns países sofreram com a escassez dessa medicação em decorrência da dificuldade para compra de matéria-prima no mercado mundial23.

Em virtude disso, o Ministério da Saúde lançou em 2016 uma nota informativa preconizando o uso da ceftriaxona para o tratamento da sífilis congênita24, apesar disso é importante ressaltar que a literatura afirma não existirem estudos que comprovem a eficácia do tratamento da sífilis em gestante e da sífilis congênita com antibióticos alternativos à penicilina25,22. Pode-se deduzir que a repercussão à longo prazo do tratamento da sífilis congênita com a ceftriaxona na população estudada ainda é uma incógnita.

Quanto à qualidade do pré-natal ofertado às mulheres com diagnóstico de sífilis, observou-se que ficou muito aquém do que preconiza o Ministério da Saúde. Além do que a assistência ofertada aos recém-nascidos com risco infeccioso mostrou-se deficitária. Ainda, as alterações clínicas e laboratoriais detectadas nos recém-nascidos expostos à sífilis foram, em sua maioria infrequentes e discretas.

No campo da saúde pública, desenvolver atividades educativas de educação em saúde voltadas para o público adolescente nas escolas parece ser uma estratégia para o combate a falta de informação sobre a sífilis no período gestacional e melhoria nos hábitos de saúde e em práticas preventivas26. Isto é dignidade humana, como expressão de solidariedade social, que deve cimentar as relações entre as pessoas, sendo a base de todos os direitos27.

A sífilis congênita é o resultado da disseminação hematogênica do T. pallidum, da gestante infectada não-tratada ou inadequadamente tratada para o seu concepto, por via transplacentária. Ainda, que a transmissão vertical do T. pallidum pode ocorrer em qualquer fase gestacional ou estágio clínico da doença materna, sendo que fatores que determinam a probabilidade de transmissão vertical do T. pallidum são o estágio da sífilis na mãe e a duração da exposição do feto no útero.

A taxa de infecção da transmissão vertical do T. pallidum em mulheres não tratadas é de 70 a 100%, nas fases primária e secundária da doença, reduzindo-se para aproximadamente 30% nas fases tardias da infecção materna (latente tardia e terciária). Ainda, há possibilidade de transmissão direta do T. pallidum por meio do contato da criança pelo canal de parto, se houver lesões genitais maternas.

Merece destaque que em caso de sífilis adquirida pela mulher durante a gravidez, poderá haver infecção assintomática ou sintomática nos recém-nascidos. Mais de 50% das crianças infectadas são assintomáticas ao nascimento, com surgimento dos primeiros sintomas, geralmente, nos primeiros 3 meses de vida.

Ademais, naqueles recém-nascidos não-reagentes, mas com suspeita epidemiológica, deve-se repetir os testes sorológicos após o terceiro mês pela possibilidade de positivação tardia.

Por fim, na análise das característcas clínicas dos recém-nascidos expostos à sífilis em Rio Branco-Ac, houve predomínio pela via de parto vaginal (65,5%), 10% dos recém-nascidos avaliados eram prematuros e 12,2% pequenos para idade gestacional, 2,2% de óbitos fetais (2,2%) em gestantes com sífilis. Ainda, houve 70,5% de pré-natal inadequado de acordo com os parâmetros do Ministério da Saúde do Brasil.

 

Agradecimentos

Ao Prof. Dr. Valmin Ramos da Silva, da Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória, pelas sugestões no início da coleta de dados dessa pesquisa.

 

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Endereço para correspondência:
debytog.pastro@gmail.com

Manuscrito recebido: Setembro 2018
Manuscrito aceito: Fevereiro 2019
Versão online: Outubro 2019

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