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Journal of Human Growth and Development

Print version ISSN 0104-1282On-line version ISSN 2175-3598

J. Hum. Growth Dev. vol.29 no.2 São Paulo May/Aug. 2019

http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.v29.9430 

ARTIGO ORIGINAL

 

Acesso aos procedimentos cirúrgicos em uma unidade de saúde da família: uma iniciativa para melhorar o cuidado e o acesso a unidades básicas de saúde

 

 

Dimítra Lengruber SesquimI; José Lucas Souza RamosII; Gustavo Carreiro PinascoIII; Marianna Tamara Nunes LopesIV; Marcello Dala Bernadina DallaV; Marcelo Santana VetisVI; Italla Maria Pinheiro BezerraVII

IPrograma de Pós-graduação em Políticas Públicas e Desenvolvimento Local, Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Vitória, EMESCAM. Vitória, ES, Brasil
IILaboratório de Escrita Científica, Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Vitória, EMESCAM. Vitória, ES, Brasil
IIIEscola Superior de Ciências da Santa Casa de Vitória, EMESCAM. Vitória, ES, Brasil
IVPrograma de Pós-graduação em Políticas Públicas e Desenvolvimento Local, Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Vitória, EMESCAM. Vitória, ES, Brasil
VSecretaria de Estado da Saúde do Espírito Santo (SESA), preceptor da Residencia em Medicina de Família e Comunidade. Escola Superior de Ciencias da Santa Casa de Misericórdia de Vitória, EMESCAM. Secretaria Municipal de Saúde de Vitória, ES, Brasil
VIResidência em Medicina de Família e Comunidade, Escola Superior de Ciencias da Santa Casa de Misericórdia de Vitória, EMESCAM
VIIBolsista CAPES Brasil. Setor de Pós-graduação, Pesquisa e Inovação, Centro Universitário Saúde ABC, CUSABC. Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas e Desenvolvimento Local, Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória, EMESCAM. Vitória, ES, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O estudo descreve a implantação de pequenos procedimentos cirúrgicos realizados por médicos residentes em uma Unidade de Saúde da Família. Trata-se de um relato de experiência realizado na cidade de Vitória, Espírito Santo, Brasil, descrevendo a introdução de pequenos procedimentos cirúrgicos pelo programa de residência médica em Medicina de Família e Comunidade em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) do município. As unidades selecionadas não tinham espaço para pequenos procedimentos cirúrgicos ou os materiais necessários. Evidenciou-se que a população demandava queixas cirúrgicas sem resolução das mesmas, sendo esses pacientes encaminhados para outras especialidades.

Palavra-chave: atenção primária à saúde, procedimentos cirúrgicos, medicina de família, saúde e comunidade.


 

 

Síntese dos autores

Por que este estudo foi feito?

Este estudo foi realizado no intuito de identificar o impacto da realização de pequenos procedimentos na APS como um dos meios de acesso a saúde e forma de minimizar a fila de espera de encaminhamento para procedimentos cirúrgicos em outros níveis de atenção, analisando-se indiretamente o acesso e resolutividade da porta de entrada do SUS.

O que os pesquisadores fizeram e encontraram?

Este estudo foi realizado no intuito de identificar o impacto da realização de pequenos procedimentos na APS como um dos meios de acesso a saúde e forma de minimizar a fila de espera de encaminhamento para procedimentos cirúrgicos em outros níveis de atenção, analisando-se indiretamente o acesso e resolutividade da porta de entrada do SUS.

O que essas descobertas significam?

Investir na realização de pequenos procedimentos cirúrgicos na Atenção Primária a Saúde proporciona acesso a saúde e diminui a fila de espera de encaminhamento.

 

INTRODUÇÃO

Em dezenove de setembro de 1990 é implementada no Brasil, a Lei 8.080 que regula, em todo o território nacional, as ações e serviços de saúde e cria o Sistema Único de Saúde (SUS) que deve prestar assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, com a realização integrada das ações assistenciais e das atividades preventivas1. O SUS tem como uma de suas diretrizes a descentralização político-administrativa, com direção única em cada esfera de governo com ênfase na descentralização dos serviços para os municípios e regionalização e hierarquização da rede de serviços de saúde. Sendo assim, o usuário do sistema deve seguir uma sequência de passos ter acesso ao serviço de saúde que necessita1.

Na ESF, é fundamental que exista equipes multiprofissionais atuando na APS compostas por no mínimo, médico generalista ou especialista em Saúde da Família ou médico de Família e Comunidade, enfermeiro generalista ou especialista em Saúde da Família, auxiliar ou técnico de enfermagem e agentes comunitários de saúde, podendo acrescentar a esta composição, como parte da equipe multiprofissional, os profissionais de saúde bucal: cirurgião-dentista generalista ou especialista em Saúde da Família, auxiliar e/ ou técnico em saúde bucal1.

O médico de família e comunidade é o especialista responsável pela assistência á saúde de forma continuada, integral e abrangente para pessoas, suas famílias e a comunidade e por isso é considerado o "profissional médico com vocação e formação específica para prestar cuidados na APS; ou seja, é especialista em manejar os problemas sob sua responsabilidade"2.

Essa capacidade de resolução de problemas pelos profissionais da APS são quesitos fundamentais para o acesso dos usuários, "o acolhimento e a resolutividade do profissional são instrumentos de melhoria do acesso, continuidade dos cuidados em saúde e integralidade da assistência"3. Alta resolutividade significa que os encaminhamentos aos outros especialistas não devem exceder 10% do total de pessoas atendidas4.

O paciente atendido na Unidade Básica de Saúde, se identificado com enfermidade que ultrapassa os conhecimentos do seu médico de família, irá entrar na fila de espera de encaminhamentos para outro especialista específico para sua doença. Começa então, o aguardo pelo atendimento. Quando se fala em "esperar sair o encaminhamento", pode-se associar com piora clínica, estresse pelo não atendimento e custos da administração dessa fila que causam pesados ônus administrativos, perdas de eficiência, desordem organizacional e pressão social5.

Questiona-se então a necessidade de investimento na APS como um dos caminhos para minimizar as filas de encaminhamento. O médico de família e comunidade (MFC) está capacitado para realizar pequenos procedimentos cirúrgicos os quais estão descritos no Currículo Baseado em Competências do MFC, os procedimentos essenciais na formação desse especialista são: drenagem de abscesso, sutura, cantoplastia, inserir e retirar dispositivo intrauterino (DIU), cauterização química de verruga viral, punção e infiltração articular, anestesia local e bloqueios anestésicos de quirodáctilos e pododáctilos, retirar cisto e lipomas, fazer injeção intramuscular, subcutânea e intravenosa, suturar, realizar curativos, compressões e imobilizações, remoção de cerume, retirada de corpo estranho, frenectomia e tamponamento nasal anterior6.

Dessa forma, etapas seriam poupadas e o sistema de referenciamento fica menos oneroso para os casos que realmente não podem ser resolvidos na APS. As consequências de cerume impactado no conduto auditivo externo variam de leve prurido, otalgia ou até mesmo a perda temporária da audição, ou hipoacusia7. Prevenir tais consequências é oferecer a melhor assistência e qualidade de vida ao usuário do SUS.

Assim, o estudo se torna relevante uma vez que a população brasileira está aumentando e mais pessoas serão, consequentemente, inseridas nas filas de espera das unidades de saúde. Dessa forma, esse trabalho tem como objetivo descrever a implantação de pequenos procedimentos cirúrgicos realizados por médicos residentes em uma Unidade de Saúde da Família.

 

MÉTODO

Trata-se de um relato de experiência realizado na cidade de Vitória, Espírito Santo, Brasil, descrevendo sobre a introdução de pequenos procedimentos cirúrgicos pelo programa de residência médica de Medicina de Família e Comunidade em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) do referido município. A UBS selecionada funciona com três equipes de saúde da família, sendo uma delas assumida pelo residente.

Assim, foram coletados dados sobre os procedimentos realizados pela equipe 1 da UBS selecionada, utilizada como campo de estágio para os residentes, no período de Junho de 2015 à Junho de 2016.

Os dados foram coletados através da Rede Bem-Estar, software utilizado pela prefeitura de Vitória que interliga todos os equipamentos da rede municipal de saúde (unidades de saúde, prontos-atendimentos, farmácias, laboratórios, consultórios odontológicos e centros de referência e de especialidades) em um único sistema. Onde, foi gerado o total de procedimentos e quais foram estes, o que possibilitou o atual estudo. Não foram avaliados prontuários médicos.

O estudo respeitou os preceitos éticos de pesquisas envolvendo seres humanos, sendo submetido a Escola Técnica de Saúde do SUS (ETSUS), e posteriormente Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEP) obtendo parecer de aprovação sob número 5596565.

Em dezenove de setembro de 1990 é implementada no Brasil, a Lei 8.080 que regula, em todo o território nacional, as ações e serviços de saúde e cria o Sistema Único de Saúde (SUS) que deve prestar assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, com a realização integrada das ações assistenciais e das atividades preventivas1. O SUS tem como uma de suas diretrizes a descentralização político-administrativa, com direção única em cada esfera de governo com ênfase na descentralização dos serviços para os municípios e regionalização e hierarquização da rede de serviços de saúde. Sendo assim, o usuário do sistema deve seguir uma sequência de passos ter acesso ao serviço de saúde que necessita1.

Na ESF, é fundamental que exista equipes multiprofissionais atuando na APS compostas por no mínimo, médico generalista ou especialista em Saúde da Família ou médico de Família e Comunidade, enfermeiro generalista ou especialista em Saúde da Família, auxiliar ou técnico de enfermagem e agentes comunitários de saúde, podendo acrescentar a esta composição, como parte da equipe multiprofissional, os profissionais de saúde bucal: cirurgião-dentista generalista ou especialista em Saúde da Família, auxiliar e/ ou técnico em saúde bucal1.

O médico de família e comunidade é o especialista responsável pela assistência á saúde de forma continuada, integral e abrangente para pessoas, suas famílias e a comunidade e por isso é considerado o "profissional médico com vocação e formação específica para prestar cuidados na APS; ou seja, é especialista em manejar os problemas sob sua responsabilidade"2.

Essa capacidade de resolução de problemas pelos profissionais da APS são quesitos fundamentais para o acesso dos usuários, "o acolhimento e a resolutividade do profissional são instrumentos de melhoria do acesso, continuidade dos cuidados em saúde e integralidade da assistência"3. Alta resolutividade significa que os encaminhamentos aos outros especialistas não devem exceder 10% do total de pessoas atendidas4.

O paciente atendido na Unidade Básica de Saúde, se identificado com enfermidade que ultrapassa os conhecimentos do seu médico de família, irá entrar na fila de espera de encaminhamentos para outro especialista específico para sua doença. Começa então, o aguardo pelo atendimento. Quando se fala em "esperar sair o encaminhamento", pode-se associar com piora clínica, estresse pelo não atendimento e custos da administração dessa fila que causam pesados ônus administrativos, perdas de eficiência, desordem organizacional e pressão social5.

Questiona-se então a necessidade de investimento na APS como um dos caminhos para minimizar as filas de encaminhamento. O médico de família e comunidade (MFC) está capacitado para realizar pequenos procedimentos cirúrgicos os quais estão descritos no Currículo Baseado em Competências do MFC, os procedimentos essenciais na formação desse especialista são: drenagem de abscesso, sutura, cantoplastia, inserir e retirar dispositivo intrauterino (DIU), cauterização química de verruga viral, punção e infiltração articular, anestesia local e bloqueios anestésicos de quirodáctilos e pododáctilos, retirar cisto e lipomas, fazer injeção intramuscular, subcutânea e intravenosa, suturar, realizar curativos, compressões e imobilizações, remoção de cerume, retirada de corpo estranho, frenectomia e tamponamento nasal anterior6.

Dessa forma, etapas seriam poupadas e o sistema de referenciamento fica menos oneroso para os casos que realmente não podem ser resolvidos na APS. As consequências de cerume impactado no conduto auditivo externo variam de leve prurido, otalgia ou até mesmo a perda temporária da audição, ou hipoacusia7. Prevenir tais consequências é oferecer a melhor assistência e qualidade de vida ao usuário do SUS.

Assim, o estudo se torna relevante uma vez que a população brasileira está aumentando e mais pessoas serão, consequentemente, inseridas nas filas de espera das unidades de saúde. Dessa forma, esse trabalho tem como objetivo descrever a implantação de pequenos procedimentos cirúrgicos realizados por médicos residentes em uma Unidade de Saúde da Família.

 

MÉTODO

Trata-se de um relato de experiência realizado na cidade de Vitória, Espírito Santo, Brasil, descrevendo sobre a introdução de pequenos procedimentos cirúrgicos pelo programa de residência médica de Medicina de Família e Comunidade em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) do referido município. A UBS selecionada funciona com três equipes de saúde da família, sendo uma delas assumida pelo residente.

Assim, foram coletados dados sobre os procedimentos realizados pela equipe 1 da UBS selecionada, utilizada como campo de estágio para os residentes, no período de Junho de 2015 à Junho de 2016.

Os dados foram coletados através da Rede Bem-Estar, software utilizado pela prefeitura de Vitória que interliga todos os equipamentos da rede municipal de saúde (unidades de saúde, prontos-atendimentos, farmácias, laboratórios, consultórios odontológicos e centros de referência e de especialidades) em um único sistema. Onde, foi gerado o total de procedimentos e quais foram estes, o que possibilitou o atual estudo. Não foram avaliados prontuários médicos.

O estudo respeitou os preceitos éticos de pesquisas envolvendo seres humanos, sendo submetido a Escola Técnica de Saúde do SUS (ETSUS), e posteriormente Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEP) obtendo parecer de aprovação sob número 5596565.

 

RESULTADOS

Em Junho de 2015, iniciou-se a realização dos pequenos procedimentos cirúrgicos na equipe 1 da UBS selecionada. Os procedimentos eram realizados pelos residentes de medicina de família e comunidade, supervisionados pelos preceptores. Vale salientar, que quando os pacientes sabiam que os seus próprios médicos poderiam fazer o procedimento na sua própria unidade, não houve oposição, e sim um sentimento de surpresa e otimismo com sua situação clínica.

Assim, de primeiro de Junho de 2015 á primeiro de Junho de 2016 foram realizados noventa procedimentos, conforme tabela 1. Foram feitas quarenta e três cauterizações químicas de pequenas lesões, vinte e cinco exéreses de tumor de pele e anexos/cisto sebáceo/lipoma e vinte e duas remoções de cerume de conduto auditivo externo uni/bilateral. O código internacional de doenças (CID), foi utilizado para justificar os procedimentos.

Anteriormente a UBS em questão referenciava pacientes para o Pronto atendimento (PA) e Hospitais, atualmente, os residentes e preceptores, são os responsáveis por receber os encaminhamentos. O Pronto atendimento que está associado a UBS estudada, já referenciou casos de pacientes frequentadores desta, que necessitavam de algum pequeno procedimento para que os residentes o fizessem. A UBS também foi referenciada por médicos, dentro da própria Unidade, que não realizam procedimentos. Atualmente as únicas unidades que realizam procedimentos na cidade de Vitória são aquelas utilizadas pela residência médica de Medicina de Família e comunidade como campo de estágio.

Conforme figura abaixo, a organização do processo de trabalho da referida Unidade de saúde quanto à realização dos procedimentos propiciou a redução das filas de esperas e contribuiu para melhoria do fluxo dos pacientes.

 

Figura 1

 

 

Figura 2

 

Inicialmente, foi realizado um inventário dos materiais disponíveis. A unidade não possuía uma sala especifica para procedimentos, mas contava com uma sala de curativo. Não existiam bandejas para procedimentos, nem fio de sutura ou lâmina de bisturi, no entanto havia máquina de esterilização para materiais de inserção de DIU que a ginecologista que atende na unidade em questão utilizava. Enfermeiros e técnicos de enfermagem estavam disponíveis para auxiliar durante os procedimentos. Vistoria do nível central, pela vigilância epidemiológica, analisou a estrutura da UBS e autorizou a realização dos procedimentos na sala de curativo. Foi acordado com os funcionários da limpeza para que antes e após cada procedimento fosse realizada higienização do local. Quem estivesse na sala no momento do procedimento deveria fazer uso de equipamentos de proteção individual (EPI) como gorro, máscara, óculos de proteção, luvas estéreas (a depender do procedimento), além de jaleco fechado.

Os materiais necessários disponíveis eram agulhas e seringas. Residentes e preceptores realizaram uma lista para obter os outros materiais que faltavam solicitando-os á prefeitura via direção da Unidade, estes seriam: óculos de proteção, máscara cirúrgica, gorro cirúrgico, campo fenestrado descartável, luva estéril, anestésicos, lâmina de bisturi, fio de sutura e formol.

Após a solicitação dos materiais, pensou-se na organização da agenda de atendimentos. Foram reservados quatro horários de consulta, cada um com duração de trinta minutos, na terça feira de manhã de sete horas e dez minutos ás nove horas e dez minutos, e na quinta feira pela tarde de quatro horas até ás seis horas. Sendo assim, durante a semana, haveriam procedimentos em dois dias diferentes e em turnos distintos para favorecer o acesso daqueles pacientes que trabalhavam ou tinham outras atividades.

O agendamento era feito pelos preceptores, que foram autorizados pela direção da UBS a marcar os pacientes na agenda dos residentes. Os pacientes com indicação de procedimentos foram identificados em consultas ambulatoriais pelos residentes que informaram seus preceptores e estes se encarregavam da marcação no sistema.

Enquanto os materiais solicitados não chegavam, os residentes se preparavam revisando as técnicas dos procedimentos. O caderno número 30 da Atenção Primária lançado em 2011 pelo Ministério da Saúde leva o título de "Procedimentos" e descreve todos os pequenos procedimentos cirúrgicos que o médico de Família e Comunidade tem competência para realizar dentro de uma Unidade Básica de Saúde da Família. Esse intervalo entre a liberação dos materiais e o início da prática cirúrgica também foi importante para captar os pacientes que tinham a indicação e desejo em se submeter aos pequenos procedimentos.

 

DISCUSSÃO

A US selecionada não possuía uma sala para procedimentos de pequena cirurgia, bem como bandejas para procedimentos, fio de sutura ou lâmina de bisturi, no entanto havia máquina de esterilização para materiais de inserção de DIU que a ginecologista que atende na unidade em questão utilizava.

Após a implementação da sala, as pequenas cirurgias que tiveram maior solicitação, foram as de verrugas ano genitais e cerúmen impactado.

Ao levantar a discussão da não realização de pequenos procedimentos cirúrgicos em unidade de saúde compostas por médicos generalistas, foi evidenciado que a população demandava queixas cirúrgicas sem resolução das mesmas, sendo esses pacientes referenciados a outras especialidades, o que provocava uma demora para consultas com outro especialista para realização da cirurgia eletiva.

É importante salientar que a atenção primária deve servir como uma porta de prevenção para casos mais graves, evitando a sobrecarga de serviços de saúde de atenção secundária ou terciária, sendo assim, mostra-se importante um local adequado para realização de pequenos procedimentos cirúrgicos, desde que estes obedeçam às normas de higienização e precaução para os profissionais de saúde, proporcionando segurança ao paciente.

Assim, diferentemente da realidade encontrada, no estudo de Moura et al.8, ao comparar a realidade de dois municípios diferentes, observou-se que há a presença desta sala em ambos, porém que o investimento em materiais que venham a equipar este local está mais presente em um destes.

Confrontando este resultado com uma realidade antiga, nos anos de 2001 e 2002, conforme pesquisa para Avaliação Normativa do Programa de Saúde da Família, realizada a nível nacional, identificou-se que em nove estados Brasileiros, existia-se uma sala para este fim, porém, existiam poucos materiais disponibilizados pelas esferas governamentais9,10.

Conforme descrito, dentre os procedimentos mais procurados, destacaram-se verrugas ano genitais e cerúmen impactado. Este resultado remete a alta vulnerabilidade social em que a US se encontra, refletindo principalmente no tocante das infecções sexualmente transmissíveis (IST's), bem como atividades simples de autocuidado, como as de higienização.

Relacionado as IST's, esta, ainda é uma problemática presente e que necessita de uma maior atuação da atenção primária, para assim prevenir as suas complicações. Além da assistência pontual, como a retirada de verrugas e o tratamento, tem-se como método preventivo, a educação em saúde. Porém, nos estudos, ainda há um foco direcionado apenas para o público adolescente11,12.

Quanto a alta incidência de pacientes necessitando lavagem de ouvido devido ao cerúmen impactado, pode-se entender que relaciona-se diretamente aos processos fisiológicos, porém, que podem ser evitados através do autocuidado pela higienização, melhorando os hábitos de vida dos clientes aplicando atividades de educação em saúde12,13.

Identificou-se uma dificuldade relacionada ao encaminhamento dos pacientes, e assim, entende-se que algumas estratégias para minimizar a fila de encaminhamento se baseiam na compreensão da necessidade de valorização dos profissionais da APS, reforço dos esquemas de prevenção e de proteção à saúde14.

Ainda, é necessário observar que o atendimento precário pode mascarar os indicadores e reduzir o tempo de espera nas filas. Assim, é necessário definir claramente as responsabilidades a respeito da avaliação, da administração e da coordenação geral das filas, observar que diferentes casos clínicos demandam diferentes tipos de esforços para a redução dos prazos e das filas5.

Nesse contexto, Marinho, Cardos e Almeida5 considera que essa demora no atendimento exerce impactos negativos significativos no bem-estar, nas probabilidades de cura, na natureza e extensão das sequelas dos pacientes, bem como nos familiares envolvidos.

A promoção de resolutividade gera satisfação na clientela e na qualidade do atendimento em saúde15. Sendo assim, é importante formar médicos de família com qualidade para proporcionar á população atendimentos resolutivos, com qualidade e aqueles pacientes que realmente necessitem de referenciamento, possam obter esse acesso de forma rápida evitando complicações de saúde.

Sendo assim, reconhece-se que a medicina de família e comunidade é a especialização médica estratégica na conformação dos sistemas de saúde. Está designado ao MFC o primeiro contato, o cuidado longitudinal, integral e o a coordenação da saúde de uma pessoa, considerando seu contexto familiar e comunitário. Portanto, a medicina de família e comunidade é um componente primordial da atenção primária à saúde16.

Ainda é fundamental priorizar a demanda que um local especifico irá requerer; estar atento ao que é mais urgente dentro de uma população e tornar esta uma prioridade irá transformar o local. No relato em questão, percebeu-se a demanda por pequenos procedimentos cirúrgicos. Corrobora-se com Braga e Denis17 quando afirmam que a demanda da população, habilidade do MFC e infraestrutura local influenciam na quantidade e quais procedimentos serão realizados.

Embora esse estudo se refira a um relato de experiência tendo como objeto de investigação um grupo de residentes em seu cenário de prática, possibilitou dar visibilidade a importância do médico da família em atuar junto a equipe de saúde, oportunizando assim, (re) organização dos serviços e, em especial, atendimento das necessidades de saúde da população adstrita.

Esse ponto traz a tona a discussão do modelo de atenção à saúde que há muito vem sendo implementado com vistas a redução de fila de espera, atendimento às necessidades de saúde da população, preservando a qualidade de vida a partir de ações de prevenção e promoção da saúde18-20.

Tais ações quando implementadas pelos profissionais da área acabam promovendo melhoria do atendimento, assim como melhor redirecionamento dos usuários que serão assistidos a partir das suas necessidades: necessidade da realização de procedimentos invasivos, prevenção de doenças e/ou promoção da saúde.

Percebeu-se que a realidade da US foi transformada com a inserção dos residentes médico da família, contribuído para resolução das queixas dos usuários na atenção primária, não havendo necessidade de serem referenciados para atenção secundária. Desta maneira, foi possível observar que com a realização dos pequenos procedimentos durante a inserção dos residentes no cenário do estudo, facilitou-se o acesso à saúde da população atendida pela equipe de saúde em que a residência médica esteve à frente. Residentes capacitados conseguiram ser resolutivos nas 89 queixas de saúde, propiciaram qualidade de vida e evitaram as possíveis complicações causadas pela espera na fila de encaminhamentos.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência:
Italla.bezerra@emescam.br

Manuscrito recebido: Agosto 2018
Manuscrito aceito: Maio 2019
Versão online: Outubro 2019

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