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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282versão On-line ISSN 2175-3598

J. Hum. Growth Dev. vol.29 no.3 São Paulo set./dez. 2019

http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.v29.9529 

ARTIGO ORIGINAL

 

Descrição dos achados linguísticos e neurológicos de gemelares nascidos pré-termo aos dois anos de idade

 

 

Ana Carla Filgueira de Souza e Souza; Luciana Lyra Casais-e-Silva; Eduardo Pondé de Sena

Programa de Pós-graduação em Processos Interativos dos Órgãos e Sistemas (PPgPIOS), Instituto de Ciências da Saúde (ICS), Universidade Federal da Bahia(UFBA), Salvador-Bahia-Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: A prematuridade, o baixo peso ao nascer e os nascimentos múltiplos são fatores de risco para alterações estruturais no cérebro, assim como para desvios no desenvolvimento motor, cognitivo, social e de linguagem
OBJETIVO: Descrever os achados linguísticos e investigar a presença de alterações neurológicas em gemelares nascidos pré-termo, aos dois anos de idade
MÉTODO: Trata-se de um estudo do tipo corte transversal, realizado por meio da análise de dados dos prontuários de seis pares de gêmeos nascidos pré-termo, com baixo peso ao nascer, de ambos os sexos, aos dois anos de idade, atendidos no Centro Estadual de Prevenção e Reabilitação da Pessoa com Deficiência - CEPRED, em Salvador-Bahia-Brasil. Para tanto, foram coletadas as informações referentes ao nascimento; a história clínica; os exames de imagem; e as avaliações fonoaudiológica, neurológica e interdisciplinar
RESULTADOS: Os gemelares nascidos pré-termo apresentaram desenvolvimento linguístico atípico e alterações neurológicas que podem comprometer o desenvolvimento da linguagem oral. Do ponto de vista neurológico, foram observadas anormalidades comuns ao recém-nascido prematuro, como a hemorragia peri-intraventricular
CONCLUSÃO: Os nascimentos múltiplos associados à prematuridade e ao baixo peso ao nascer podem oferecer riscos à aquisição da linguagem da criança

Palavras-chave: desenvolvimento da linguagem, transtornos do desenvolvimento da linguagem, transtornos do neurodesenvolvimento, nascimento prematuro, gêmeos.


 

 

Síntese dos autores

Por que este estudo foi feito?

O estudo foi desenvolvido para investigar alterações linguísticas e neurológicas em gemelares pré-termo.

O que os pesquisadores fizeram e encontraram?

Os pesquisadores analisaram os dados clínicos de gemelares pré-termo, aos dois anos de idade e evidenciaram desenvolvimento linguístico atípico em todas as crianças da amostra, mesmo na ausência de lesões no sistema nervoso central, extremo baixo peso e nascimento pré-termo extremo

O que essas descobertas significam?

A presença de alterações linguísticas em crianças gemelares pré-termo com ou sem integridade do sistema nervoso central alerta para a necessidade de intervenções precoces, na perspectiva de prevenir e/ou minimizar os efeitos deletérios no desenvolvimento infantil.

 

INTRODUÇÃO

A prematuridade, o baixo peso ao nascer e os nascimentos múltiplos são fatores que tornam o cérebro susceptível a alterações estruturais e aumentam a chance de desvios no desenvolvimento motor, cognitivo, social e de linguagem. Sabe-se que a prevalência da prematuridade no mundo gira em torno de 7,2% e mais de 15 milhões de bebês nascem prematuramente a cada ano1. O Brasil está na décima posição entre os países onde mais nascem prematuros2. Há aumento das gestações múltiplas no Brasil e sua ocorrência também está associada a elevadas taxas de prematuridade e alta incidência de recém-nascidos (RN) com baixo peso ao nascer (BPN)3.

O recém-nascido pré-termo (RNPT) tem apresentado desenvolvimento atrasado em comparação aos RN a termo. Neste sentido, a gemelaridade representa um maior risco neonatal à saúde materno-infantil, devido à associação com o BPN e outras complicações provenientes da prematuridade. Há um aumento do risco de morte e de desordens neurológicas em gêmeos, independente da influência da prematuridade e do peso ao nascer, visto que eles também estão susceptíveis à restrição de crescimento intra-uterino e a intercorrências neonatais4.

Pesquisas sobre o desenvolvimento da linguagem de gêmeos têm demonstrado o quanto as aquisições linguísticas podem ser alteradas devido a aspectos biológicos e interacionais. Sabe-se que grande parte das crianças gemelares apresenta intercorrências pré, peri e pós-natais. Assim, observa-se elevada taxa de mortalidade perinatal em gemelares, influenciada significativamente pelo baixo peso ao nascer (BPN) e pela prematuridade, muitas vezes associada a alterações respiratórias, metabólicas, imunológicas e neurológicas5,6, além de escores de Apgar mais baixos nesta população7.

O nascimento prematuro coloca o cérebro infantil em risco aumentado de lesão na substância cinzenta e na substância branca e, mesmo na ausência de lesão, o desenvolvimento do cérebro pode ser alterado com mudanças estruturais e microestruturais significativas que estão associadas com as deficiências do neurodesenvolvimento. O lobo temporal e as regiões adjacentes, que são centros de desenvolvimento da linguagem, são particularmente vulneráveis8.

Em geral, a gestação gemelar está associada ao nascimento pré-termo e a riscos como mortalidade fetal, mortalidade perinatal e neonatal precoce, BPN e permanência em Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN)9. Estudos sobre gêmeos têm investigado a importância de fatores como a carga genética e a influência ambiental. Os dados clínicos, patológicos e de neuroimagem sugerem que os RNPT são excepcionalmente vulneráveis a lesões nos centros de linguagem, durante o período crítico de desenvolvimento e organização cerebral10.

Dessa maneira, o cérebro do gemelar pré-termo permanece vulnerável a lesões e morbidades que podem ocorrer durante a hospitalização prolongada11,12. Os gêmeos podem apresentar um desenvolvimento típico, mas muitas dessas crianças, demonstram um atraso na aquisição da linguagem oral como forma efetiva de comunicação. São comuns em crianças gemelares as intercorrências transcorridas durante o parto e a primeira infância, consideradas fatores de risco para o desenvolvimento infantil13. Assim, podem desenvolver, posteriormente, alterações cognitivas, linguísticas ou comportamentais, não podendo excluir completamente os resultados neurológicos adversos posteriores14,15.

A aquisição da linguagem depende de fatores neurobiológicos e sociais, os quais incluem a integridade das estruturas encefálicas, da função cognitiva adequada, da interação social e dos estímulos recebidos no meio em que a criança está inserida. Desvios em qualquer um desses aspectos podem afetar o desenvolvimento da linguagem16-18, daí a importância de estudos que avaliem as aquisições linguísticas de gemelares na primeira infância. Diante da necessidade de investigar a aquisição de linguagem nos casos de gestações múltiplas associadas à prematuridade, o objetivo do presente estudo foi descrever os achados linguísticos e investigar a presença de alterações neurológicas em gemelares nascidos pré-termo.

 

MÉTODO

Trata-se de um estudo do tipo corte transversal, com uma amostra composta por seis pares de gemelares nascidos pré-termo (12 crianças), de ambos os sexos, avaliados aos dois anos de idade, que atenderam aos seguintes critérios de inclusão: registros dos atendimentos fonoaudiológicos e interdisciplinares nos prontuários; presença dos resultados de exames de imagem e relatórios neurológicos; informações referentes ao nascimento, idade gestacional, peso ao nascer e quaisquer intercorrências. Foram excluídas deste estudo as crianças cujas informações supracitadas não constassem no prontuário e os pares em que as crianças foram diagnosticadas com síndrome de Down (SD) e transtorno do espectro autista (TEA).

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (SESAB), sob o parecer 310.813/13 e emenda 1.952.793/17. Seguiu as diretrizes éticas das pesquisas com seres humanos, conforme a Resolução CNS 466/12.

O estudo foi realizado por meio de análise de dados dos prontuários, no Centro Estadual de Prevenção e Reabilitação da Pessoa com Deficiência -CEPRED, uma unidade de referência do Sistema Único de Saúde (SUS), no estado da Bahia. Todos os prontuários institucionais selecionados possuíam o termo de consentimento dos usuários e/ou responsáveis legais (no caso de menores de 18 anos) para o uso dos seus dados em pesquisas científicas.

Foram analisados os dados referentes à avaliação fonoaudiológica, neurológica e interdisciplinar. Para tanto, foram coletadas as informações referentes ao nascimento, como a idade gestacional (IG), o peso ao nascer, o sexo e o Apgar; a história clínica; os resultados dos exames de imagem; e as avaliações de base da equipe interdisciplinar, verificando-se as intercorrências pré, peri e pós-natais das crianças. Dentre o total de usuários atendidos no setor de intervenção precoce, de 2014 a 2018, foram analisados os prontuários de todos os gemelares assistidos neste período. A partir disso, foram aplicados os critérios de inclusão supracitados. A análise dos dados foi realizada de forma descritiva, sendo apresentada por meio de tabelas.

 

RESULTADOS

A amostra foi composta por seis pares de gêmeos, nascidos pré-termo, com BPN, de ambos os sexos. Para a análise do desenvolvimento linguístico e neurológico considerou-se a avaliação realizada aos dois anos de idade. Foram excluídos dois pares de gêmeos deste estudo, devido à ocorrência de outras condições associadas, como a SD e o TEA. O peso ao nascer variou de 1158g a 2298g, sendo a mediana 1.623,5g; e a IG variou de 29 a 36 semanas, sendo a mediana 32,5 semanas (Tabela 1).

Para a análise dos aspectos socioeconômicos foi considerada a escolaridade materna e a renda mensal familiar descrita no prontuário. Observou-se que 41,7% da amostra relatou ter de 10 a 12 anos de estudo e 25% de seis a nove anos de estudo. Destaca-se que houve ausência dessa informação em 33,3% da amostra. Em relação à renda mensal, 16,7% declarou receber um salário mínimo, 5,5% de um a dois salários mínimos e 16,7% de dois a três salários mínimos (Tabela 2).

Em relação ao desenvolvimento linguístico, 100% das crianças apresentaram desempenho atípico, ou seja, incompatível com o esperado para a idade cronológica; 58,3% da amostra foi composta por crianças do sexo feminino e 41,7% do sexo masculino; 41,7% apresentou muito baixo peso (MBP) e 58,3% BPN, nenhuma criança foi classificada com extremo baixo peso (EBP) ou com peso ao nascer adequado. Quanto à idade gestacional, 41,7% foi classificada como muito pré-termo (MPT) e 58,3% como pré-termo moderado/tardio (PTM/PTT). Não houve criança classificada como pré-termo extremo (PTE) na amostra (Tabela 3).

De acordo com o relatório neurológico e os exames de imagens contidos nos prontuários, 33,3% das crianças não apresentaram alterações, 16,6% hemorragia peri-intraventricular (HPIV) grau I, 8,33% HPIV grau II e grau III, e 33,3% HPIV grau IV associada à leucomalácia periventricular (LPV). Em relação à zigosidade, 50% da amostra apresentou gemelaridade monozigótica e 50% dizigótica (Tabela 3). Há relatos clínicos de atraso no desenvolvimento neuropsicomotor em todas as crianças. Não foi observada diferença no desempenho linguístico entre o primeiro e o segundo gemelar.

 

DISCUSSÃO

Os gemelares nascidos pré-termo investigados, aos dois anos de idade, apresentaram o desenvolvimento da linguagem incompatível com o esperado para a sua faixa etária, considerando as etapas de aquisição das habilidades linguísticas. As alterações na linguagem oral nesta população podem manifestar-se como atrasos ou distúrbios de linguagem, de acordo com a presença ou não de patologias associadas19.

Outro estudo realizado com gemelares, aos dois anos de idade, correlacionou o desempenho na imitação, vocabulário, brincadeira e comportamento social aos aspectos do ambiente compartilhados por gêmeos, incitando a reflexão sobre o papel da família na promoção de estímulos que favorecem o desenvolvimento. Evidenciou-se, ainda, correlação genética significativa entre imitação e vocabulário, sugerindo que diferentes aspectos da cognição estão ligados por conjuntos de sobreposição de genes20.

Ao investigar as habilidades comunicativas de gemelares, com diagnóstico de atraso de linguagem, verificou-se que eles apresentavam defasagem no desenvolvimento global e de linguagem, ressaltando a interferência de fatores genéticos e ambientais no desenvolvimento infantil21. Para algumas crianças, essas dificuldades podem persistir durante toda a infância e adolescência e, portanto, causar um impacto significativo nas suas realizações escolares e qualidade de vida22,23.

O nascimento pré-termo tem sido associado ao maior risco de atrasos na linguagem24. Ao avaliar o comportamento motor, adaptativo, social e de linguagem em trigêmeos, constatou-se atraso em todos estes domínios, sendo a linguagem o domínio mais afetado25. O presente estudo concorda com esses achados, visto que foram evidenciados desvios na aquisição da linguagem dos gemelares. Uma pesquisa que analisou o desenvolvimento da linguagem em 310 pares de gêmeos, aos quatro anos de idade, observou que as diferenças individuais no desenvolvimento da linguagem se sobrepõem substancialmente às influências genéticas, ressaltando a importância de investigar os fatores ambientais que afetam tanto a linguagem quanto a cognição26. Em contrapartida, outro estudo afirma que os efeitos da gemelaridade aos dois anos de idade diminuem dos quatro aos seis anos, sugerindo que os gemelares apresentam atrasos na aquisição inicial da linguagem, que podem ser superados em idades posteriores27.

Não foi observada diferença no desempenho linguístico em relação à ordem de nascimento dos gêmeos e à zigosidade, uma vez que todas as crianças apresentaram desenvolvimento de linguagem atípico. Dessa maneira, é necessário investigar os possíveis efeitos do tempo de nascimento e da zigosidade na aquisição da linguagem de gêmeos em amostras maiores, assim como se os efeitos precoces persistem nas crianças ao longo do tempo. Tal achado concorda com outro estudo28 que também não observou diferença significante entre o primeiro e o segundo gemelar, ao avaliá-los em idade escolar.

O mesmo ocorreu em um estudo que realizou avaliação cognitiva, de linguagem e do desenvolvimento motor29 concordando, portanto, com os presentes achados. Em uma extensa coorte foi observado que os gêmeos nascidos pré-termo apresentaram desempenho inferior na avaliação da linguagem, aos cinco anos de idade, quando comparados com os gêmeos nascidos a termo. Entretanto, nenhuma diferença significativa foi notada em relação à ordem de nascimento30.

Outro aspecto relevante refere-se ao fato de todas as crianças que compuseram a amostra terem apresentado atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, mesmo sem alterações diagnosticadas nos exames neurológicos. Crianças com atraso no desenvolvimento neuropsicomotor apresentam mais dificuldades de agir com independência durante atividades interativas e dialógicas e, com isso, há influências no desenvolvimento da linguagem25.

Em contrapartida, em outro estudo28 o grupo de gemelares pré-termo apresentou desempenho semelhante aos prematuros de gestação única, sugerindo que a prematuridade constituiu um fator de influência mais importante sobre o desempenho visuomotor e motor global que a gemelaridade. Assim, oportunidades concretas de viabilizar seu repertório são perdidas, gerando lacunas nas áreas perceptiva, cognitiva, linguística e social, com reflexos nas demais dimensões do desenvolvimento infantil31. O desempenho motor precoce na infância pode ser um indicador de conectividade cerebral, significando a maturidade das vias de desenvolvimento entre várias regiões do cérebro32.

Em relação à interação, características peculiares são observadas quanto à quantidade e qualidade na linguagem dessas crianças. Em geral, as experiências dos irmãos gêmeos são vivenciadas de maneira distinta em meio a circunstâncias interpessoais que não favorecem a interação linguística com outros interlocutores, podendo, assim, conduzir para um processo atípico de desenvolvimento da linguagem25,33. Outros estudos demonstram evidências consistentes da influência de fatores genéticos na aquisição da linguagem, com variações conforme a idade das crianças34. Além disso, há evidências de que a estreita relação entre os irmãos gêmeos constitui-se como um fator que impede o desenvolvimento adequado da linguagem oral35.

Observou-se que grande número de crianças apresentou alterações neurológicas, como a HPIV. As anormalidades cerebrais em gemelares pré-termo, incluindo a HPIV e a LPV, em geral, estão associadas às alterações neuronais/axonais concomitantes, podendo ser acompanhadas por infarto pós-hemorrágico, lesão cerebelar e hidrocefalia pós-hemorrágica36. O risco para alterações de linguagem é associado ao risco de alterações no desenvolvimento motor e social, ou seja, atrasos que causam consequências negativas para o processo de adaptação e socialização da criança37. Além disso, a presença de HPIV no período perinatal, principalmente nos casos mais graves (graus III e IV) está associada a alterações auditivas centrais e de linguagem38. O prognóstico da HPIV varia de acordo com o grau da lesão. Nas hemorragias de grau I e II, a criança frequentemente evolui sem anormalidades neurológicas notórias; as de grau III podem evoluir para ventriculomegalia ou hidrocefalia, com incidência de paralisia cerebral e deficiência intelectual; as de grau IV têm mortalidade elevada, principalmente quando ocorrem grandes lesões em recém-nascidos de baixa idade gestacional39.

Em relação ao desenvolvimento neurológico, a detecção de anormalidades no volume da substância branca pode ser um preditor significativo de desenvolvimento cognitivo e de linguagem aos dois anos de idade40. Um estudo longitudinal realizado dos 18 aos 24 meses e, em seguida, aos cinco anos de idade, demonstrou que as características cerebrais perinatais de crianças pré-termo podem influenciar o desenvolvimento funcional posterior. Além disso, a prematuridade e os fatores de risco perinatais encontrados na amostra apresentaram impacto sobre os volumes do tecido cerebral e seu crescimento entre o nascimento e a idade de termo equivalente41. Esses achados enfatizam a necessidade do acompanhamento multiprofissional, a fim de observar o desenvolvimento global da criança e não de forma fragmentada ou em áreas isoladas.

As crianças que compuseram a amostra deste estudo apresentaram outros fatores de risco não-linguísticos, como fatores socioeconômicos e culturais, os quais podem agir em conjunto ou isoladamente, favorecendo tais alterações. Pouco se sabe sobre os reais efeitos do baixo nível socioeconômico no desenvolvimento da linguagem de crianças nascidas pré-termo, porém estudos sugerem que existe um efeito negativo, além de ser capaz de aumentar o risco para alterações fonoaudiológicas42.

Este estudo destaca a importância de monitorar o desenvolvimento dos gemelares nascidos pré-termo e intervir precocemente. Assim, o acompanhamento fonoaudiológico sistemático desses casos é de suma importância para identificar as demandas de cada criança e verificar, caso existam, se as alterações na linguagem oral persistem ou não. Recomenda-se a realização de estudos com amostras maiores e acompanhamento longitudinal, a fim de verificar o desempenho lingüístico dos gemelares, após os dois anos de idade. Sugere-se, ainda, que pesquisas sejam realizadas para identificar se o desenvolvimento da linguagem nesta população é mais influenciado pela gemelaridade, prematuridade ou baixo peso ao nascer.

A contribuição deste estudo foi verificar se a aquisição da linguagem oral ocorreu de forma típica nos gemelares nascidos pré-termo, em uma faixa etária na qual a aquisição, em suas funções primordiais, está em desenvolvimento. Além disso, identificou quais as alterações neurológicas existentes nos casos investigados. Este conhecimento enfatiza a necessidade da intervenção precoce nos casos em que há risco para atrasos no desenvolvimento infantil. Entretanto, é importante ressaltar algumas limitações do estudo. A primeira é a ausência dos dados de um grupo controle nas mesmas condições experimentais, permitindo comparar o desempenho linguístico das crianças com seus pares a termo e com gestação única. A segunda é relacionada ao tamanho amostral e ao delineamento do estudo, visto que a amostra é composta por seis pares de gemelares e os dados analisados são secundários, embora tenham sido analisados de acordo com os mesmos parâmetros.

 

CONCLUSÃO

O presente estudo demonstrou que os nascimentos múltiplos associados à prematuridade e ao baixo peso ao nascer podem estar relacionados aos desvios no desenvolvimento da linguagem, aos dois anos de idade. Como todas as crianças apresentaram desenvolvimento de linguagem atípico, não foi observada diferença no desempenho linguístico em relação à idade gestacional, peso ao nascer, sexo, ordem de nascimento e zigosidade. Todas as crianças apresentaram atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, mesmo sem lesões no sistema nervoso central. Observou-se grande número de crianças com alterações neurológicas, como a HPIV.

Destaca-se a necessidade do aumento do número de estudos nacionais sobre este tema, a fim de investigar os fatores de risco para alterações no desenvolvimento da linguagem oral e suas implicações no desenvolvimento infantil.

 

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Endereço para correspondência:
anacarlafilgueira@gmail.com

Manuscrito recebido: Janeiro 2019
Manuscrito aceito: Agosto 2019
Versão online: Dezembro 2019

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