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Journal of Human Growth and Development

Print version ISSN 0104-1282On-line version ISSN 2175-3598

J. Hum. Growth Dev. vol.29 no.3 São Paulo Sept./Dec. 2019

http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.v29.9534 

ARTIGO ORIGINAL

 

A relação da prática esportiva com o desempenho motor, atenção seletiva, flexibilidade cognitiva e velocidade de processamento em crianças de 7 a 10 anos

 

 

Rafaello Pinheiro MazzoccanteI, III; Hugo de Luca CorrêaI, II; José Luiz de QueirozI; Beatriz Raquel Castro de SousaIII; Ioranny Raquel Castro de SousaI; Marcos Aurélio Barboza SantosII; Matheus Almeida CâmaraIII; Aparecido Pimentel FerreiraI; Gislane Ferreira de MeloI

IPrograma de Mestrado e Doutorado em Educação Física da Universidade Católica de Brasília
IIGraduação em Educação Física da Universidade Católica de Brasília- Distrito Federal
IIICentro Universitário Euro-Americano de Brasília

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: A iniciação esportiva é geralmente iniciada durante a infância e adolescência. Já é conhecido os efeitos benéficos desta prática para as capacidades físicas e motoras. Pesquisas recentes vêm demonstrando o potencial da prática esportiva em estimular e modificar o desenvolvimento cognitivo.
OBJETIVO: Analisar a relação da prática esportiva durante a infância na coordenação motora, atenção, flexibilidade cognitiva e velocidade de processamento cognitivo.
MÉTODO: Participaram do estudo 130 estudantes com idades entre 7 a 10 anos, sendo 68 praticantes de modalidades esportivas e 62 não praticantes de modalidades esportivas, divididos em grupo de esportistas (GE) e grupo controle (GC). Os pesquisadores realizaram três visitas para aplicação dos instrumentos de pesquisa, os quais foram realizados de forma aleatorizada dentro das dependências da escola, divididos em três blocos: 1) teste de atenção por cancelamento e teste de trilhas A e B (aplicados de forma coletiva); 2) testes de saltos; 3) anamnese, composição corporal e o teste Körperkoordination für Kinder (KTK).
RESULTADOS: Crianças que praticam esporte obtiveram menores valores nas variáveis massa corporal (28 ± 10,08 kg vs 33,9 ± 15,3 kg), circunferência da cintura (57,8 ± 7,7 cm vs 61,7 ± 9,6 cm) e circunferência do quadril (69,1 ± 9,5 cm vs 72,8 ± 10,5 cm). Ademais, observam-se maiores valores nos dos saltos monopedais (96,9 ± 17,3 vs 85,6 ± 14,3) e saltos laterais (99,1 ± 18,8 vs 91,2 ± 18,0) em comparação às crianças que não praticam esporte (p < 0,05). O alto desempenho nos saltos monopedais, saltos laterais, quociente motor, trilhas B e Trilhas B-A apresentaram-se como preditores da prática esportiva (IC > 0,50),
CONCLUSÃO: Os resultados indicaram relação positiva entre crianças praticantes de modalidades esportivas na infância e benefícios interessantes na capacidade da flexibilidade cognitiva, sem expressar diferenças na coordenação motora em comparação às crianças não praticantes,

Palavras-chave: esporte, coordenação motora, flexibilidade cognitiva, velocidade de processamento cognitivo.


 

 

Síntese dos autores

Por que este estudo foi feito?

O intuito inicial deste estudo está relacionado ao conhecimento empírico que envolve o esporte, que por sua vez, pode apresentar benefícios direcionados ao desenvolvimento infantil em âmbito global, contudo, poucos estudos investigam os seus efeitos nos domínios das funções executivas na infância. Tem-se, atualmente, poucas pesquisas investigando o efeito do esporte nas funções executivas no público infantil e desta forma os autores investigaram qual o comportamento das funções executivas em crianças praticantes de esportes.

O que os pesquisadores fizeram e encontraram?

O estudo refere-se a comparação das variáveis antropométricas, composição corporal, coordenação motora, atenção e flexibilidade cognitiva entre crianças praticantes e não praticantes de esportes. Os resultados apresentaram efeitos muito interessantes, não houve diferença nos valores de coordenação motora entre as crianças praticantes e não praticantes de esporte. Entretanto as crianças praticantes de modalidades esportivas obtiveram maiores domínios de flexibilidade cognitiva em relação as crianças não praticantes, demonstrando que o efeito da complexidade e progressão motora exigida pela inserção da criança no esporte são interessantes para aprimorar a capacidade da flexibilidade cognitiva.

O que essas descobertas significam?

Nota-se a capacidade da prática esportiva em atuar não somente sobre os domínios motores, mas, também na possibilidade de influenciar nos domínios da flexibilidade cognitiva, como demostrado pelos resultados do estudo. Durante a prática esportiva a criança atua com diversas tarefas, com complexidades motoras e cognitivas, durante a prática esportiva a criança terá que interpretar e processar um conjunto de informações previamente a execução do gesto motor, exigindo do praticante não somente o domínio motor mas também cognitivo, como nas seguintes tarefas a percepção dos espaço de jogo, precisão do movimento ou jogada, tomada de decisão, seleção de informação. Destacando-se, assim, o controle da atenção como um dos principais fatores determinantes do desempenho esportivo.

 

INTRODUÇÃO

A prática esportiva inicia-se geralmente durante a infância e este período coloca-se como o mais sensível e interessante para estimular e desenvolver as habilidades motoras finas e grossas da criança, condição que irá formar e propiciar aumento e melhora de seu repertório motor, estímulo este fundamental para o bom crescimento e desenvolvimento biológico, como: o desempenho aeróbio e neuromuscular1-3.

Ademais, além dos estímulos benéficos para o crescimento e desenvolvimento físico e motor infantil, a prática esportiva por meio da aprendizagem motora mostra-se relevante para atuar beneficamente na capacidade cognitiva. Em especial, dentre as funções cognitivas exigidas apresenta-se a função executiva como um dos constructos cognitivos mais requisitados4,5. A função executiva é responsável pela capacidade de autorregulação, tem por função o controle das ações de planejamento, organização, criatividade e autocontrole, o qual, divide-se em controle inibitório, flexibilidade cognitiva e memória de trabalho, elementos essenciais para o bom desenvolvimento, desempenho e funcionamento cognitivo e, consequentemente, tem forte contribuição nas capacidades sociais e acadêmicas4,5.

Casey et al.6 e Mischel et al.7, observaram em crianças de 4 anos de idade, a capacidade de postergar a gratificação por meio de um teste de auto-controle (marshmallow) e as acompanharam ao longo dos anos. As crianças que tiveram a capacidade de postergar sua gratificação aos 4 anos, quando alcançaram 18 anos de idade apresentaram melhores aspectos de cognição social e desempenho acadêmico em comparação ao grupo que não conseguiu postergar a gratificação.

Assim, as funções executivas são influenciadas por inúmeros fatores e dentre eles destaca-se a prática esportiva, de onde derivam elementos evidenciados e requisitados nas ações de tomada de decisão, de precisão, de estratégia, de tempo de reação, de concentração, de destreza motora, entre outros aspectos. O grau de exigência da função executiva é dependente do grau de exigência da complexidade física, cognitiva e motora referente a cada esporte1-3,5,8.

Assim, a prática esportiva apresenta relevância em atuar no desenvolvimento global do público infantil, como mostrado em pesquisas recentes que demonstraram crianças praticantes de esportes possuem maior capacidade cardiorrespiratória, motora, atencional, executiva e cognitiva em comparação as crianças não praticantes5,9-14.

Ishihara et al.15 observaram a relação da experiência esportiva no tênis com a função executiva de crianças de 6 a 12 anos e encontraram associação positiva entre maior capacidade cardiorrespiratória e função executiva. O tempo de prática influenciou beneficamente o desempenho da flexibilidade cognitiva somente em meninos.

Portanto, observa-se a importância da prática esportiva durante a infância no desenvolvimento físico, motor e cognitivo do público infantil. Contudo, ainda existem poucos estudos analisando a influência da prática esportiva na função executiva em crianças. Estes estudos são mais voltados para adolescentes e adultos16-18. Assim, novas investigações voltadas para as possíveis alterações nas capacidades da função executiva dentro do esporte durante a infância são necessárias.

Assim, o objetivo deste estudo é analisar a relação da prática esportiva durante a infância na coordenação motora, atenção, flexibilidade cognitiva e velocidade de processamento cognitivo.

 

MÉTODO

Amostra e critérios éticos

Trata-se de um estudo transversal analítico19. Participaram do estudo 130 estudantes com idades entre 7 a 10 anos sendo, 68 praticantes de modalidades esportivas e 62 não praticantes de modalidades esportivas, divididos em grupo de esportistas (GE) e grupo controle (GC). Todos têm aulas de Educação Física duas vezes na semana e são alunos de escolas da rede de ensino particular e pública do Distrito Federal. Os esportes praticados são ballet (1), basquete (1), futebol (11), futsal (2) ginástica artística (3), arte marcial (30) e natação (14). A seleção do local de realização e recrutamento dos integrantes do estudo foi realizada por conveniência e todos os participantes tiveram o termo de assentimento e de consentimento livre esclarecido assinados pelos pais ou responsáveis. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Católica de Brasília (nº 2.071.564).

Critérios de inclusão

Os critérios de inclusão adotados foram a ausência de diagnóstico de doenças neurológicas e/ou psiquiátricas, não apresentar problema físico que impedisse a participação nos testes físicos, não estar fazendo uso de medicamentos que alterassem os sentidos ou a cognição, não possuir histórico de reprovação escolar.

Procedimentos gerais

Aplicou-se a anamnese previamente ao início do estudo para pais e crianças separadamente, com o objetivo de garantir os critérios de inclusão do estudo, como histórico de desaprovação escolar, escolaridade, uso de medicamentos e distúrbios neurológicos. Os pesquisadores realizaram três visitas para aplicação dos instrumentos de pesquisa, os quais foram realizados de forma aleatorizada dentro das dependências das escolas, divididos em três blocos: 1) teste de atenção por cancelamento e teste de trilhas A e B (aplicados de forma coletiva); 2) testes de saltos; 3) composição corporal e o teste Körperkoordination für Kinder (KTK). Todos os profissionais que aplicaram os testes foram treinados e as crianças foram previamente familiarizadas com todos os instrumentos de pesquisa, uma semana antes de sua aplicação.

Teste de trilhas A e B

O teste de trilhas A é composto por duas tarefas, uma de letras (A-L) e números (1-12), ambas dispostas aleatoriamente. O teste consiste em ligar os pontos em ordem alfabética e ordem numérica crescente. Já o teste de trilhas B, consiste da apresentação de letras (A a L) e números (1 a 12) dispostos aleatoriamente em uma única folha, a tarefa é conectar os itens seguindo uma alternância na sequência das ordens numéricas e alfabéticas20.

O desempenho no teste de trilhas A e B foi registrado no período de um minuto20. O desempenho do teste na parte A foi mensurado por meio do número de acertos em sequência e na parte B foi mensurada a sequência, conexões e soma. Foram dadas as mesmas instruções para todos os sujeitos e o cômputo da pontuação ocorreu por meio da contagem de sequências corretas para a trilha A. Já para a trilha B foram computadas as sequências, conexões e somatório de sequências + conexões21.

Teste de atenção por cancelamento

Teste de Atenção por Cancelamento (TAC) elaborado por Montiel e Capovilla21, tem por objetivo avaliar a atenção seletiva e alternada em uma tarefa de busca visual, composto por três partes, com diferentes matrizes, estímulos e graus de dificuldade, com duração máxima de um minuto cada teste20. Em todos os testes, a tarefa do participante é assinalar todos os estímulos iguais ao estímulo-alvo (símbolos) previamente determinado.

Na primeira parte do teste, a figura-alvo foi indicada na parte superior da folha, aparecendo aleatoriamente 50 vezes e dispostas em 15 linhas em um total de 300 figuras. Na segunda parte, o estímulo-alvo foi composto por um par de figuras geométricas que apareceram aleatoriamente por 7 vezes, dispostas em 15 linhas. Na terceira parte do teste, o estímulo-alvo mudou e variou de duas a seis vezes em cada linha. A correção dos testes foi avaliada de acordo com o número total de acertos, erros e ausências21.

Avaliação antropométrica e composição corporal

A avaliação antropométrica e de composição corporal foi realizada pela mensuração da circunferência da cintura e do quadril, massa corporal (balança eletrônica, Tech 05, China), estatura (estadiômetro, Cardiomed, Brasil) e as dobras triciptal e subescapular (adipômetro, Lange, Skinfold Caliper, EUA). Utilizando os resultados das avaliações antropométricas e de composição corporal foi estabelecido o índice de massa corporal [IMC = Massa corporal (kg) / Estatura2 (m)] e a porcentagem de gordura corporal (GoC) foi utilizado o cálculo proposto por Slaugther et al.22. As técnicas adotadas para a mensuração das variáveis antropométricas seguirão os procedimentos descritos por Petroski et al.23.

Teste Körperkoordinationstest für Kinder (KTK)

O KTK é composto por quatro tarefas: 1) trave de equilíbrio: caminhar para trás ao longo de três vigas de largura decrescente; 2) saltos monopedais: saltar sobre obstáculos de altura crescente; 3) transferência sobre plataformas: mover-se lateralmente em tábuas de madeira (20 s) e; 4) saltos laterais: saltar com as duas pernas de um lado para o outro (15 s)24.

A avaliação da capacidade coordenativa foi realizada pelo quociente motor (QM), oriundo dos valores brutos obtidos em cada tarefa do KTK e seu somatório resulta no QM total. Pode ser classificado em cinco níveis de coordenação motora: alta coordenação motora global; boa coordenação motora global; coordenação motora global normal; insuficiência da coordenação motora global e; perturbação na coordenação motora global24.

Análise estatística

A estatística descritiva foi calculada por meio da média e desvio-padrão. A normalidade dos dados foi testada por meio do Shapiro-Wilk test. Para a comparação das variáveis antropométricas, físicas, motoras e cognitivas entre os sexos foi utilizado o teste t de Student. Para analisar os pontos de corte dos indicadores antropométricos e o desempenho do teste motor, de atenção, flexibilidade cognitiva e velocidade de processamento que pudessem identificar a ação da prática esportiva, adotou-se a técnica de curva ROC (Receiver Operating Characteristic). O critério utilizado para obtenção dos pontos de corte foram os maiores e mais próximos valores de sensibilidade e especificidade, não inferiores a 60%. A significância estatística de cada análise foi verificada pela área sob a curva ROC e pelo intervalo de confiança a 95% (IC95%), de modo que consideramos a habilidade discriminatória significativa quando a área sob a curva ROC foi compreendida entre 1,00 e 0,60 e o limite inferior do IC95% não inferior a 0,50. Os modelos de regressão bivariada e multivariada foram utilizados para calcular a razão de chances (OR). O nível de significância do estudo foi p 0.05 e o software utilizado foi o Statistical Package for the Social Sciences, versão 23.0.

 

RESULTADOS

A Tabela 1 apresenta as variáveis antropométricas, de saltos e coordenação motora separadas com base nas crianças praticantes e não praticantes de modalidades esportivas.

Observa-se na Tabela 1, que as crianças praticantes de esportes obtiveram menores valores de massa corporal e maiores valores nos saltos monopedal e saltos laterais em comparação com as crianças não praticantes de esportes (p<0,05).

O Gráfico 1 apresenta o desempenho nos testes, TAC total e trilhas A, B e B-A de acordo com a prática esportiva. Verificou-se que crianças praticantes de esporte apresentaram um maior desempenho no teste de trilhas B em relação às que não praticam. (P<0,05).

A Tabela 2 apresenta as áreas sob a curva ROC com os respectivos intervalos de confiança (IC) referentes aos indicadores antropométricos, motores, de atenção e função executiva na predisposição à prática esportiva.

As variáveis que apresentaram poder discriminatório (IC>0,50) de desempenho da prática esportiva foram os saltos laterais, saltos monopedais e escore QM (Tabela 2). No entanto, nenhuma das variáveis apontaram uma razão de chance significativa.

Observa-se na Tabela 3, os indicadores dos testes de atenção e função executiva como influenciados pela prática esportiva (IC>0,50). Assim, somente o teste de trilhas B e trilhas B-A apresentaram-se como indicadores da prática esportiva. A prática esportiva demonstrou a chance 5,44 vezes de apresentar maior desempenho no teste de trilhas B e 2,59 vezes de obter um maior desempenho no teste de trilhas B-A.

 

DISCUSSÃO

Os principais resultados do presente estudo destacaram que não houve diferença nos valores de soma e escore de coordenação motora entre os grupos. Somente apresentaram diferenças nas tarefas de salto lateral e monopedal com obtenção de maior capacidade nestes testes para as crianças praticantes de esportes.

Ademais, as crianças praticantes de modalidades esportivas obtiveram maior capacidade no teste de flexibilidade cognitiva em comparação às crianças não praticantes de esportes. Resultados estes reafirmados ao observar-se que a prática esportiva demonstrou capacidade preditiva para a flexibilidade cognitiva e velocidade de processamento cognitivo, representando uma chance de 5,44 e 2,9 vezes maiores de seus praticantes alcançarem melhores desempenhos nas respectivas variáveis.

Tais achados reafirmam o que Huijgen et al.25 observaram em adolescentes de 13 a 17 anos, em que houve maior desempenho de atenção sustentada e flexibilidade cognitiva em jogadores de elite em relação aos jogadores amadores de futebol. Em concordância, Verburgh et al.26 observaram que atletas de futebol de elite e amadores de 8 a 12 anos demonstraram maior capacidade de controle inibitório, menor tempo de reação e menor taxa de erros nos testes de funções executivas no atletas de elite em comparação aos atletas amadores.

Com referência aos estudos acima, destaca-se que a prática esportiva é capaz de influenciar as capacidades das funções executivas em seus praticantes, contudo, os estudos mencionados foram executados em amostras de adolescentes e utilizaram atletas profissionais, condição diferente da população do presente estudo que abordou crianças que praticam a iniciação esportiva. Mas, é interessante destacar que mesmo em crianças que realizam a iniciação esportiva, o esporte foi capaz de propiciar melhoras na capacidade de flexibilidade cognitiva13,27,28.

Ademais, é interessante destacar que o desempenho da coordenação motora não diferiu entre os grupos, mas foi observada diferença na flexibilidade cognitiva, elemento que contrapõe as pesquisas recentes com o público infantil, visto que trazem a coordenação motora e aptidão cardiorrespiratória como elementos determinantes para alterar o desempenho da função executiva. O presente resultado demonstra haver outros componentes diretamente relacionados à influência na função executiva, como a exigência cognitiva requisitada pela tarefa motora, ato constantemente aplicado durante a iniciação esportiva com o objetivo da aprendizagem técnica5,13,29,30. A possível explicação de não haver encontrado diferenças na coordenação motora e composição corporal entre os grupos pode ser devido ao grupo de crianças não praticantes e praticantes de modalidades esportivas realizarem aulas de Educação Física escolar por duas vezes semanalmente, minimizando as diferenças entre os grupos.

A prática esportiva mostra-se aplicável para atuar beneficamente sobre o desenvolvimento da flexibilidade cognitiva e velocidade de processamento cognitivo em crianças, ação diretamente relacionada a exigência cognitiva para a realização esportiva. Durante a prática esportiva, a criança depara-se com a complexidade das tarefas motoras e cognitivas, ou seja, ao desempenhar os movimentos esportivos ela terá que interpretar, processar e escolher seu gesto motor frente a um conjunto de informações, como: a percepção espacial do jogo, precisão nos movimentos, tomada de decisão, seleção de informações, foco, controle atencional, antecipação, dentre outros elementos. O processo de emitir respostas a estas informações irá determinar o desempenho esportivo e, por consequência, o desempenho cognitivo.

A grande contribuição do esporte para o desenvolvimento da capacidade executiva e atencional é decorrente da organização cerebral para a realização, aprendizagem e controle da tarefa motora. Esta relação é explicada pela conexão entre as áreas do cerebelo, córtex motor e córtex pré-frontal. A eficiência desta conexão ou estímulos entre as regiões cerebrais é inteiramente dependente da tarefa motora requisitada para o indivíduo, por meio da ativação do córtex pré-frontal que é a região responsável pelo controle das funções executiva. Somente terá efetiva a ação durante a realização de tarefas motoras novas e/ou complexas, as quais irão exigir da criança processamento cognitivo da informação. A aprendizagem motora do movimento acontece em três estágios: as etapas cognitiva, associativa e autônoma. Inicialmente terá uma grande requisição dos processos executivos e atencionais e ao avançar do aprendizado este recrutamento cognitivo diminui. Por este motivo, há necessidade de atuar com a progressão da complexidade e/ou novidade do movimento para possibilitar estímulos da função executiva, atividade comumente utilizada no âmbito da iniciação esportiva4,5,30,31.

Em adendo, o esporte apresenta sua relevância para a aplicação não somente para o desenvolvimento motor, mas também cognitivo da criança, podendo extrapolar os efeitos da prática esportiva para os domínios da função executiva em crianças, beneficiando-as em seu processo de aprendizagem social e escolar, condição inerente ao mundo atual. Portanto sugere-se que, a produção de novos estudos experimentais poderá justificar o aumento das ofertas de atividades motoras e esportivas por pais e centros educacionais, com o intuito de beneficiar a aprendizagem e o desenvolvimento cognitivo de crianças.

Sendo assim, torna-se primordial proporcionar para a criança a vivência esportiva, atuando no aprimoramento do desempenho aeróbico, motor e cognitivo, fundamentais para a manutenção de aspectos inerentes à saúde e enfatizando a importância do estímulo e aperfeiçoamento do gesto motor com objetivos de melhora na performance da função executiva5,32. Embora o estudo apresente algumas limitações em relação à impossibilidade de definir os mecanismos neurofisiológicos responsáveis pelos resultados e a relação de causa e efeito, por tratar-se de um estudo transversal, o mesmo possibilita um maior entendimento da relação da prática esportiva como um instrumento que pode melhorar a saúde de crianças. Por fim, sugerem-se novos estudos de caráter longitudinal, com o intuito de verificar se há relação de causa-efeito entre o aprimoramento motor e o aumento da atenção e função executiva, assim como, indicar os possíveis mecanismos neurofisiológicos inerentes dessa relação entre os aspectos físico e o cognitivo.

 

CONCLUSÃO

As crianças praticantes de modalidades esportivas não demonstraram diferenças nos resultados de coordenação motora e composição corporal em comparação às crianças não praticantes. Ademais, a prática esportiva mostrou-se relevante em propiciar maior capacidade de flexibilidade cognitiva em comparação às crianças não praticantes, e também apresentou um fator preditor da capacidade da flexibilidade cognitiva e velocidade de processamento em crianças.

Por fim, os resultados indicam relação positiva entre crianças praticantes de modalidades esportivas na infância e a capacidade da flexibilidade cognitiva, sem expressar diferenças na coordenação motora em comparação com crianças que realizam somente a Educação Física escolar. Tal desfecho é interessante para o âmbito escolar por facilitar a aprendizagem do educando, de modo a apresentar uma nova perspectiva aos profissionais de Educação Física para atuação por meio de iniciação esportiva do público infantil, adequando o planejamento de aula não somente para os aspectos físicos, mas também cognitivos.

 

Agradecimentos

Agradecemos ao apoio do Centro Universitário Euro Americano (UNIEURO).

 

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Endereço para correspondência:
rafa_mazzoccante@hotmail.com

Manuscrito recebido: Setembro 2018
Manuscrito aceito: Agosto 2019
Versão online: Outubro 2019

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