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Journal of Human Growth and Development

Print version ISSN 0104-1282On-line version ISSN 2175-3598

J. Hum. Growth Dev. vol.29 no.3 São Paulo Sept./Dec. 2019

http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.v29.9537 

ARTIGO ORIGINAL

 

Tendência secular dos indicadores de aptidão física relacionados à saúde em crianças

 

 

Gabriela Blasquez ShigakiI, II; Mariana Biagi BatistaI, III; Ana Carolina PaludoIV; Lidyane Ferreira Zambrin VignadelliI; Helio Serassuelo JuniorI; Enio Ricardo Vaz RonqueI

IUniversidade Estadual de Londrina, Centro de Educação Física e Esporte, Londrina (PR), Brasil
IIUniversidade Paulista (UNIP) e Centro Universitário Rio Preto-UNIRP, São José do Rio Preto/São Paulo, Brasil
IIIUniversidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus Pantanal, Corumbá/Mato Grosso do Sul, Brasil
IVUniversidade Estadual do Centro Oeste do Paraná, Departamento de Educação Física, Guarapuava/Paraná, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: A aptidão física relacionada à saúde (AFRS) apresenta associação inversa com diversos fatores de risco cardiovascular em jovens, no entanto, poucos estudos têm investigado as alterações ocorridas ao longo de um determinado período nesses indicadores em crianças
OBJETIVO: Analisar a tendência secular de indicadores da AFRS em crianças de sete a 10 anos de idade
MÉTODO: A amostra foi composta de 1.136 sujeitos com idade de sete a 10 anos avaliados em três períodos do tempo (2002, 2005, 2010-11). Os testes de AFRS incluíram o teste de sentar-e-alcançar (SA), resistência abdominal (ABDO), corrida/caminhada de 9 min (9min) e para a adiposidade corporal utilizou-se o somatório de dobras cutâneas (
DC). A classificação desses indicadores foi realizada através dos pontos de corte da Physical Best. O teste de ANCOVA (controlado pelo índice de massa corporal (IMC), estatura e DC) comparou a diferença nos indicadores de AFRS entre os três períodos do tempo
RESULTADOS: Meninos apresentaram um declínio da flexibilidade de 6% entre os anos de 2010 e 2002; não ocorreram alterações significativas para teste de ABDO; crianças de ambos os sexos apresentaram maiores valores para o teste de 9 min no ano de 2005
CONCLUSÃO: Ocorreu tendência secular negativa para a AFRS, sendo que os indivíduos estudados em 2010 apresentaram resultados inferiores comparados aos seus pares (2002-2005) para a AFRS, em ambos os sexos, com exceção para força e resistência abdominal

Palavras-chave: aptidão física, força muscular, flexibilidade, criança.


 

 

Síntese dos autores

Por que este estudo foi feito?

O presente estudo fez parte da dissertação de mestrado da Prof.ª Gabriela Blasquez Shigaki no Programa de Pós Graduação Associado em Educação Física UEM/UEL (Universidade Estadual de Londrina). O tema foi proposto a partir de evidências científicas que indicam aumento da prevalência do sobrepeso e obesidade, baixa taxa no atendimento aos critérios de saúde nos indicadores de aptidão física relacionada à saúde (AFRS), alta prevalência de inatividade física e associação desses indicadores com fatores de risco cardiovasculares.

O que os pesquisadores fizeram e encontraram?

Neste estudo verificou-se a tendência secular de indicadores da aptidão física relacionada à saúde (AFRS) em 1.136 crianças com idade entre sete e dez anos. Para avaliar a AFRS foram utilizados os testes de sentar-e- alcançar, resistência abdominal, corrida/caminhada de 9min e, para a adiposidade corporal, utilizou-se o somatório de duas dobras cutâneas. Foi observada tendência secular negativa para a AFRS, durante o período de 2002 a 2010, principalmente na aptidão cardiorrespiratória e flexibilidade nessas crianças.

O que essas descobertas significam?

Esses achados apontam que em um período muito curto de tempo (2002-2005-2010) declínios significativos nos indicadores de AFRS, principalmente aptidão cardiorrespiratória, foram verificados na amostra de crianças com idade entre sete e dez anos. Esses resultados são preocupantes, uma vez que a literatura demonstra associação inversa entre os componentes da AFRS e fatores de risco à saúde.

 

INTRODUÇÃO

As alterações ocorridas em uma sociedade ao longo do tempo, seja nos padrões biológicos, comportamentais ou psicossociais, como, por exemplo, a renda familiar, o índice de massa corporal materno1 e nível de escolaridade2 podem ocasionar alterações nos indicadores de crescimento físico e no desempenho motor, refletindo não somente no padrão de desenvolvimento individual, como também populacional, mediante indicadores econômicos, nutricionais e de saúde. O estudo de tendência secular busca informações acerca dessas modificações em um determinado período de tempo e tem contribuído para a formulação de hipóteses sobre as alterações de diversas variáveis, seja no âmbito social, cultural ou da saúde de um país3,4.

Nesse sentido, nas últimas décadas diversas mudanças foram observadas na sociedade, tais como o aumento de fatores de risco para doenças cardiovasculares, como pressão arterial elevada, diabetes tipo II, dislipidemias, acúmulo de gordura abdominal e obesidade, já em idades precoces, sendo que esses fatores apresentam associação inversa com os componentes da aptidão física relacionada à saúde (AFRS), principalmente com a baixa aptidão cardiorrespiratória e o excesso de gordura corporal5. Embora alguns estudos demonstrem que a força muscular também se associa inversamente com diversos fatores de risco cardiovascular em jovens6.

Apesar desta constatação, são poucos os indivíduos que durante a infância e adolescência atendem os critérios recomendados para a saúde nos indicadores da AFRS7, o que pode acarretar um grave problema de saúde pública, devido à relação inversa entre os indicadores da AFRS com fatores de risco cardiovascular, além do fato de manter esses comportamentos não saudáveis até a idade adulta8.

Alguns estudos que analisaram a tendência secular dos indicadores da AFRS em jovens, apontam para declínios nesses indicadores ao longo dos anos, principalmente em relação à aptidão cardiorrespiratória (ACR) e aptidão muscular9-13, como consequência da diminuição dos níveis de atividade física entre os jovens14,15. Apesar dos esforços e pesquisas que buscam verificar a tendência secular nos indicadores da AFRS, ainda são poucos os estudos que contemplam todos os componentes da AFRS, pois a maioria desses trabalhos investigou somente o indicador de ACR. Em contrapartida, poucos estudos verificaram as alterações do componente neuromuscular, incluindo aptidão muscular e flexibilidade.

No Brasil, Gonçalves16 realizou um dos poucos estudos que analisaram a tendência secular em todos os indicadores da AFRS em crianças e adolescentes de sete a 14 anos entre os anos de 1990 e 2000 na cidade de Londrina-PR. Os resultados demonstraram tendência secular positiva para os indicadores de composição corporal, enquanto o desempenho motor demonstrou tendência secular negativa. Outro trabalho desenvolvido por Dórea17, por meio de uma abordagem de tendência secular, verificou as modificações ocorridas no comportamento das variáveis antropométricas e testes de desempenho motor relacionados à saúde em escolares de sete a 12 anos do município de Jequié-BA, entre os anos de 1990 e 2001. Os resultados demonstraram aumentos nas variáveis antropométricas, caracterizando tendência secular positiva. Por outro lado, os testes motores de sentar e alcançar e corrida/caminhada de 9 minutos indicaram tendência secular negativa.

Diante do cenário atual, as alterações culturais em crianças e adolescentes ocasionadas particularmente pelo aumento do comportamento sedentário, têm favorecido principalmente o aumento de sobrepeso e obesidade e índices considerados insuficientes para os indicadores da aptidão física15,18,19. No que tange os indicadores de AFRS e suas alterações seculares, a maioria dos estudos tem se dedicado a verificar as mudanças sobre a ACR, mostrando que ainda não existe consenso da tendência secular desse componente em jovens9,10. Dessa maneira, o objetivo do estudo foi verificar a tendência secular de indicadores da aptidão física relacionada à saúde em crianças de sete a 10 anos de idade.

 

MÉTODO

Sujeitos

O presente estudo faz parte de uma pesquisa intitulada: "Tendência secular do crescimento físico e indicadores da aptidão física relacionada à saúde em crianças de alto nível socioeconômico" na qual apresenta análise de tendência secular a partir de três coletas de dados realizadas nos anos de 2002, 2005 e 2010/11, com abordagens transversais. As coletas seguiram os mesmos protocolos de avaliação para todos os indicadores, sendo utilizados os mesmos instrumentos de medida.

Foram selecionadas por conveniência duas instituições de ensino privado do município de Londrina-PR, no qual atenderam os seguintes requisitos: apresentar grande quantidade de crianças matriculadas na faixa etária específica, infraestrutura adequada para coleta dos dados e aplicação dos testes motores e apoio institucional.

Todos os escolares matriculados nas instituições selecionadas, pertencentes à faixa etária entre sete e 10 anos de idade foram convidados a participar do estudo. Adotaram-se como critérios de exclusão: 1) Recusa em participar do estudo ou a não autorização dos pais ou responsáveis; 2) Não pertencer à faixa etária e nível socioeconômico pré-estabelecidos; 3) Ausência às aulas nos dias das avaliações.

Dessa forma, a amostra foi constituída por 511 indivíduos em 2002, 322 em 2005 e, por fim, no ano de 2010 por 303 escolares, com idades entre sete e 10 anos. Todos os sujeitos e seus responsáveis foram previamente informados sobre a proposta do estudo e assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Londrina (Parecer n° 161/10), de acordo com as normas da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde sobre pesquisa envolvendo seres humanos.

Antropometria

Medida de massa corporal foi obtida em uma balança de plataforma, digital, marca Filizola, com precisão de 0,05kg, e a estatura determinada em um estadiômetro de madeira com precisão de 0,1cm, de acordo com os procedimentos descritos por Gordon et al.20. Com base nessas informações, o índice de massa corporal (IMC) foi calculado.

A adiposidade subcutânea foi obtida pela técnica de espessura de dobras cutâneas das regiões subescapular (DCSE) e tricipital (DCTR). Tais medidas foram realizadas por um único avaliador com um adipômetro científico da marca Lange (Cambridge Scientific Instruments, Cambridge, MD), de acordo com as técnicas descritas por Harrison et al.21. Três medidas foram coletadas em cada ponto anatômico, em sequência rotacional, do lado direito do corpo, sendo registrado o valor mediano. Para as análises foi utilizado o somatório das dobras cutâneas (DC). O coeficiente teste-reteste excedeu a 0,95 para cada um dos pontos anatômicos, com erro de medida inferior a ± 1,0mm em todas as medidas.

Estado Socioeconômico

A classificação do estado socioeconômico familiar foi realizada pelo questionário "O Critério de Classificação Econômica Brasil", desenvolvido pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa22. O questionário foi anexado ao TCLE e solicitado aos responsáveis à autorização do sujeito para participação na pesquisa e responder ao instrumento. Os sujeitos pertencem a famílias consideradas de classe socioeconômica privilegiada, uma vez que mais de 95% da amostra foram classificados nas classes econômicas A e B, e mais de 55% da amostra foi classificada na classe econômica A (dados não apresentados).

Desempenho Motor

O desempenho motor foi avaliado mediante aplicação de três testes motores que compõem a bateria do Physical Best23 seguindo as devidas orientações e recomendações de coleta das informações. Os testes foram administrados em dois dias, sendo que no primeiro dia de avaliação motora foram realizados os testes de sentar-e-alcançar (SA) e o teste de resistência/força abdominal modificado de 1min (ABDO), enquanto que no segundo dia de avaliação foi realizado o teste de corrida/caminhada de nove minutos (9min).

Classificação dos indicadores da AFRS

Para a classificação dos indicadores de desempenho físico: flexibilidade (Teste SA), força e resistência muscular (Teste ABDO) e ACR (Teste de corrida/caminhada de 9min) foram adotados os critérios de saúde sugeridos pela bateria do Physical Best23. No caso da classificação da ACR foi adaptado aos valores da bateria, na qual sugere o uso de testes de corrida e/ou caminhada acima de seis minutos como alternativa ao teste de 1 milha. Assim, os valores recomendados para o teste de 1 milha foram divididos pelo tempo do teste de corrida utilizado, estabelecendo pontos de corte de velocidade (m/min) para o teste de 9min. O erro técnico de medida relativo foi na ordem de 5% para os testes de SA e 9min e 8% para ABDO.

Análise Estatística

O teste de Shapiro-Wilk verificou que os dados não apresentavam distribuição normal. Portanto, para caracterizar a amostra utilizou-se como medida de tendência central a mediana e, como medida de dispersão o intervalo interquartil (Q3-Q1). Para verificar a tendência secular nas variáveis analisadas, utilizou-se o teste de Kruskall-Wallis, seguido pelo Teste U de Mann-Whitney, quando p<0,05 para as comparações das variáveis entre os três estudos.

Adicionalmente utilizou-se a Análise de Covariância (ANCOVA), para comparação das variáveis entre os três estudos, controlando as variáveis influenciadoras (Covariáveis) das variáveis dependentes. Os critérios utilizados para selecionar as covariáveis foram: apresentar correlação linear significativa com a variável dependente, atender a homogeneidade das variâncias pelo Teste de Levene (p>0,05) e apresentar interação com a variável dependente.

Para representar as diferenças percentuais nas variáveis dependentes entre os três estudos utilizaram-se de deltas percentuais, obtidos mediante a seguinte fórmula:

Onde: %= Delta percentual; μ1= Média da variável do estudo anterior; μ2= Média da variável do estudo posterior.

O teste de Kruskall-Wallis, seguido pelo Teste U de Mann-Whitney (p<0,05) foi utilizado para as comparações do escore Z dessas variáveis entre os estudos. A significância adotada foi de 5%. Os dados foram tratados no pacote estatístico SPSS versão 20.0.

 

RESULTADOS

As características descritivas da amostra estão expressas na Tabela 1. Com relação aos indicadores de adiposidade corporal no sexo masculino, observam-se menores valores de ΣDC em 2010, seguido por 2002, enquanto o grupo masculino em 2005 apresentou os maiores valores nessa variável (p<0,05). Para o sexo feminino, os valores de ΣDC em 2010 foram menores, quando comparados com seus pares de 2005 (p<0,05).

Para o desempenho motor, apenas o teste de 9min no grupo feminino apresentou diferença entre os anos, sendo que em 2010 apresentou menor desempenho nesse teste, comparado com seus pares dos demais anos (p<0,05).

As comparações entre os indicadores da AFRS controlados por covariáveis estão expressas na Tabela 2. Nas comparações para o teste de SA, as diferenças foram significantes somente entre os anos de 2002 e 2010 quando ajustados pelas covariáveis estatura e ΣDC, para o sexo masculino. Por outro lado, no sexo feminino para as comparações dos testes de SA e ABDO, verifiram-se interações com as covariáveis estatura e idade, respectivamente. Nenhuma diferença significante foi verificada entre os anos.

Para o teste de 9min, o ano de 2010 apresentou diferenças (p<0,01) com os anos de 2002 e 2005, em ambos os sexos, com melhores valores no ano de 2005. Entretanto, no sexo masculino a diferença ocorreu quando ajustado pela idade e ΣDC, enquanto no sexo feminino verificaram-se diferenças (p<0,001) independentes de ajustamento estatístico.

Na Figura 1 estão expressas as diferenças percentuais dos três anos do estudo (2002, 2005 e 2010) para os indicadores da AFRS, de acordo com o sexo. Entre os anos de 2010 e 2002 ocorreu um declínio significante de -6,0% no teste de SA para o sexo masculino (p<0,05). No teste de 9 min, declínios significativos entre o ano de 2010 com os demais anos foram verificados em ambos os sexos. Entre 2010 e 2002 o declínio foi de -4,2% para o sexo masculino e -5,2% no sexo feminino, entre 2010 e 2005 foram de -5,8% e -6,5% para o sexo masculino e feminino, respectivamente.

 

DISCUSSÃO

Os principais resultados do presente estudo demonstraram tendência secular negativa para a ACR, sendo que os indivíduos no ano de 2010 apresentaram resultados inferiores no desempenho do teste de 9min, comparados (p<0,01) com os indivíduos nos anos de 2002 e 2005, em ambos os sexos. Entretanto, no sexo masculino a diferença ocorreu quando ajustado pela idade e ΣDC, enquanto no sexo feminino verificaram-se diferenças (p<0,001) independentes de ajustamento estatístico.

Tendência secular negativa também foi observada para a flexibilidade somente no sexo masculino, apontando menor desempenho no teste de SA com o passar dos anos, as diferenças foram significantes somente quando ajustados pelas covariáveis estatura e ΣDC. Esses achados contribuem para o entendimento do comportamento de alterações nos indicadores da AFRS em crianças brasileiras, sendo que em um período muito curto de tempo (2002-2005-2010) declínios significativos nos indicadores de AFRS, principalmente ACR, foram verificados nessa amostra de crianças com idade entre sete e dez anos. Esses resultados são preocupantes, uma vez que a literatura demonstra associação inversa entre os componentes da AFRS e fatores de risco cardiovasculares5,6.

Apesar da preciosa ferramenta para os estudos epidemiológicos, ao recorrer à abordagem de tendência secular, alguns cuidados devem ser tomados ao interpretar seus dados, como recorrer a coeficientes ao invés de utilizar valores absolutos, uma vez que se tratando de períodos longos, mudanças no tamanho da população são esperados3. Outros fatores também devem ser considerados, como o desenvolvimento e melhoria das técnicas de diagnóstico e medição; alterações nas classificações dos dados, com novos ajustes e controle de variáveis de confusão; e mudanças nas condições ambientais e sociais na sociedade3,24.

Dessa forma, a fim de minimizar alguns viesses, às análises estatísticas foram controladas por covariáveis, variáveis influenciadoras das variáveis dependentes. Adicionalmente, foram mantidos os métodos e técnicas de avaliações em todas as coletas de dados, assim como a seleção da amostra com características semelhantes em todos os momentos dos estudos, como sexo, faixa etária e nível socioeconômico.

Nossos achados corroboram com o estudo de Matton et al.12 no qual verificaram que meninos com idade entre 12 e 18 anos obtiveram uma queda no desempenho no teste de SA após 31 anos de tendência secular, enquanto que entre as meninas somente aquelas com 14 anos de idade ocorreu um leve declínio no desempenho entre o período analisados.

Por outro lado, os resultados publicados por Santos et al.25 observaram declínios no desempenho do teste de SA em ambos os sexos, porém os maiores declínios foram observados no sexo feminino nesse indicador de flexibilidade. Além disso, os resultados demonstraram que os jovens em 1992 superaram os de 2012 nos testes de SA, Shuttle run, e Corrida/caminhada de 1-milha.

Em um estudo realizado com adolescentes lituanos com idade entre 11 e 17 anos, foram verificadas alterações médias anuais de -0,98cm para os valores do teste de SA, enquanto adolescentes da Estônia na mesma faixa etária apresentaram alterações médias anuais menores, porém significativas de aproximadamente -0,25cm para o mesmo teste motor26.

Embora a flexibilidade apresente possível relação com o crescimento das extremidades inferiores, quando avaliada pelo teste de SA27, esse fato não justifica os declínios encontrados entre os meninos, uma vez que nenhuma alteração nessa variável foi verificada entre os estudos. O componente genético parece ser um forte determinante da aptidão física, e ademais fatores ambientais, como o estilo de vida também exerce certa influência sobre a flexibilidade. O estilo de vida sedentário parece contribuir para que o indivíduo restrinja seus movimentos, não propiciando maior amplitude nos momentos das atividades diárias, podendo acarretar encurtamentos musculares ou lesões27.

Alguns estudos que analisaram a tendência secular dos indicadores da AFRS em jovens, apontam para declínios nesses indicadores ao longo dos anos, principalmente em relação à ACR e aptidão muscular9-12 como consequência da diminuição dos níveis de atividade física entre os jovens14,15.

Diante disso, acredita-se que a redução do tempo destinado à atividade física e maior participação em atividades sedentárias entre crianças e adolescentes, tais como assistir televisão, jogar videogame e utilizar o computador possam ter contribuído nessas alterações28. Por outro lado, o resultado do teste de ABDO não apresentou nenhuma alteração no período analisado, indicando tendência secular nula para a força/resistência abdominal em crianças de ambos os sexos.

Embora a maioria dos estudos de tendência secular com indicadores de resistência/força tenham investigados adolescentes, nossos resultados corroboram com os resultados do estudo de Jürimae et al.26, uma vez que não foi encontrada alterações significativas no teste de abdominal de 30s em adolescentes lituanos e estônios durante a década de 1992-2002. Contudo, outros estudos apontam tendência secular negativa desse indicador entre a população jovem29.

A tendência secular nula da força/resistência abdominal pode ser, em partes, explicada pela manutenção do IMC e massa corporal observadas no presente estudo, uma vez que a dimensão corporal e a massa corporal são negativamente correlacionadas com a sustentação e a projeção do corpo contra a gravidade, como por exemplo, em tarefas motoras como o teste abdominal e testes de corrida/caminhada29.

Com relação à ACR, observaram-se declínios acentuados no ano de 2010 comparados aos demais anos, independente do sexo. Algumas meta-análises demonstram declínios no desempenho de jovens em diferentes tipos de teste que estimam a ACR a partir da década de 70 em todas as regiões do mundo, sendo que essa condição acentua-se a cada década, gerando média de queda anual de -0,36%, sendo que 75% dos grupos analisados apresentaram redução no desempenho. Assim, os autores indicam que houve uma tendência secular negativa na ACR em população pediátrica, durante a última metade do século passado9,30.

Segundo Andersen et al.11, é difícil analisar estudos de tendência secular da ACR quando a medida direta do VO2máx não está disponível. Uma vez que a comparação com outros estudos pode ser prejudicada pelo uso de equações diferentes de estimativa do VO2máx, variação na escolha de protocolos, ergômetros e testes motores. No entanto, as medições diretas também podem apresentar viesses relacionados ao protocolo de teste, escolha de ergômetro e tipo de procedimento para análise de VO2máx. Nesse sentido, optamos por representar e comparar os resultados do teste de 9min em velocidade média de corrida (m/min), não sendo utilizadas equações matemáticas para estimativa do VO2máx.

Ao contrário dos estudos que buscaram explicar o decréscimo da ACR e o aumento da força estática dos adolescentes estudados, em decorrência do aumento da massa corporal e do IMC25,29, o presente estudo não encontrou resultados semelhantes, uma vez que a massa corporal e o IMC da presente amostra não demonstraram alterações significativas, ao passo que se observou diminuição na ACR. Dessa forma, acredita-se que a tendência secular negativa observada na ACR no presente estudo, justifica-se em certa medida pela redução da prática de atividades físicas sistematizadas e do envolvimento com a prática de esportes9 verificadas entre a população infanto-juvenil nas últimas décadas, ao passo que aumentou consideravelmente as horas destinadas a atividades sedentárias, como por exemplo, assistir televisão15,28,31.

Embora a prática habitual de atividade física não tenha sido avaliada no presente estudo, a literatura relata que crianças e adolescentes com alto nível socioeconômico estão mais engajados com a prática de esportes31, quando comparado com seus pares. No entanto, o volume e a intensidade da atividade física praticada, na maioria das vezes, não atingem as recomendações de 60 minutos diários de atividades físicas de intensidade moderada a vigorosa9,31,32, sendo insuficientes para promover modificações no componente da ACR.

Esse fato também foi observado em um estudo que procurou investigar a associação entre a ACR e prática regular de esportes ou exercícios sistematizados em adolescentes de 11 a 13 anos de idade, na cidade de Londrina, Brasil. Os autores demonstraram que apenas três em cada dez adolescentes relataram participar de esportes ou exercícios regularmente e, esta participação só foi positivamente associada à ACR nas meninas. Adicionalmente, vale destacar que houve elevada proporção dos adolescentes com níveis reduzidos de ACR, indicando que esse componente da AFRS ainda merece ser melhor investigado33.

Os pontos fortes do presente estudo consistem no tamanho amostral, a manutenção dos instrumentos de medidas, dos protocolos de avaliações, e dos procedimentos adotados nos três estudos transversais. Por outro lado, destacamos como principais limitações à ausência de informações a respeito da atividade física dos sujeitos, para que se possa estabelecer uma condição de causalidade. Apesar do presente estudo não ser representativo nacional, observa-se escassa produção de conhecimento sobre o tema principalmente na população brasileira, devido às dificuldades e critérios necessários para a análise de tendência secular.

Diante disso, conclui-se que para as crianças analisadas, de alto nível socioeconômico e durante o período de 2002 a 2010 ocorreu tendência secular negativa para a ACR. Adicionalmente, destaca-se que meninos apresentaram tendência secular negativa no indicador de flexibilidade.

Agradecimentos

Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela bolsa de produtividade em pesquisa (E.R.V.R.) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelas bolsas de mestrado e doutorado (A.C.P; G.B.S.; L.F.Z.V; M.B.B.).

Declaração de interesse

Os autores declararam não haver qualquer potencial conflito de interesse referente a este artigo.

Contribuições dos autores

Cada autor contribuiu individual e significativamente para o desenvolvimento do manuscrito. GBS (http://orcid.org/0000-0002-0241-240X)* participou da concepção inicial do estudo, revisão da literatura, participou e coordenou a coleta de dados, análise dos dados e redação do manuscrito. MBB (http://orcid.org/0000-0002-2513-9354)* participou da coleta de dados, análise dos dados, revisão da literatura e redação do manuscrito. ACP (http://orcid.org/0000-0001-8771-4580)* e LFZV (http://orcid.org/0000-0002-2743-8315)* participaram da coleta de dados, revisão da literatura, tabulação dos dados e colaboraram na redação do manuscrito. HSJ (http://orcid.org/0000-0002-1156-4237)* colaborou na análise e interpretação dos dados e na revisão crítica do manuscrito. ERVR (http://orcid.org/0000-0003-3430-3993)* foi responsável pela concepção do projeto, colaborou na análise e interpretação dos dados e na revisão crítica do manuscrito em todas as etapas. Todos os autores aprovaram a versão final do manuscrito e contribuíram com o conceito intelectual do estudo. *Número ORCID (Open Researcher and Contributor ID).

 

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Endereço para correspondência:
gabiblasquez@hotmail.com

Manuscrito recebido: Setembro 2018
Manuscrito aceito: Agosto 2019
Versão online: Outubro 2019

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