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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282versão On-line ISSN 2175-3598

J. Hum. Growth Dev. vol.30 no.1 São Paulo jan./abr. 2020

http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.v30.9963 

ARTIGO ORIGINAL

 

Perfil nutricional de mulheres atendidas pela Estratégia Saúde da Família Maranhão, Brasil

 

 

Patricia Dore VieiraI,VII; Maria Tereza Borges Araújo FrotaII,III; Elida Mara Braga RochaIII,VII; Sophia Cornbluth SzarfarcIII; Italla Maria Pinheiro BezerraVI; Viviane Gabriela NascimentoIV,V; Claudio LeoneI,IV; Luiz Carlos de AbreuI,IV

ILaboratório de Delineamento de Estudos e Escrita Científica da Faculdade de Medicina do ABC. Santo André, SP, Brasil
IIDepartamento de Nutrição, Universidade Federal do Maranhão, São Luiz, Maranhão
IIIDepartamento de Nutrição, Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
IVDepartamento de Saúde, Ciclos de Vida e Sociedade. Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
VProfessora Titular da Universidade Paulista - UNIP
VIEscola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória, Vitória, Espírito Santo, Brasil
VIIFaculdade Juazeiro do Norte
VIIIFaculdade de Medicina Estácio de Juazeiro do Norte

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: A alimentação inadequada, seja por excesso ou insuficiência de calorias e nutrientes, resulta em situações de risco à saúde assim como inadequações do perfil nutricional. A presença de deficiências nutricionais é mais visível em mulheres e, portanto, existe maior probabilidade de refletir os riscos de tais deficiências. Conhecer o perfil do estado nutricional da população feminina do Maranhão, que retratar o estado nutricional de suas família, podendo auxiliar na criação de ações específicas no combate aos problemas alimentares e, consequentemente, de saúde
OBJETIVO: Avaliar o perfil nutricional e sua relação com determinantes sociais em população de mulheres maranhenses atendidas pela Estratégia Saúde da Família
MÉTODO: Estudo de corte transversal com 989 mulheres maranhenses com idade entre 15 e 49 anos, de julho a setembro de 2010. Por meio de questionário foram coletados dados para verificação das condições socioeconômicas, além da aplicação da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar para verificar o nível de insegurança alimentar. Índice de Massa Corporal e as medidas de circunferências de quadril e cintura foram obtidas para verificar o perfil nutricional. As variáveis foram analisadas quanto a frequências, distribuição e tendência central. Foi realizada a análise bivariada quanto às associações entre as variáveis socioeconômicas e o Índice de Massa Corporal. Utilizou-se o coeficiente de correlação de Spearman entre o escore de segurança alimentar e o Índice de Massa Corporal, adotando-se o nível de significância de 5%. A análise de regressão linear de múltiplas variáveis foi realizada
RESULTADOS: Houve relação entre a classificação do Índice de Massa Corporal das mulheres com determinantes sociais como idade, renda familiar e insegurança alimentar. Observa-se prevalência elevada de mulheres em risco nutricional, principalmente para sobrepeso e obesidade, embora se observe ainda a presença de magreza e de baixa estatura
CONCLUSÃO: Os fatores socioeconômicos tem associação significante ao Índice de Massa Corporal das mulheres indicando que existe uma importante relação entre Índice de Massa Corporal materno com idade e a situação de insegurança alimentar

Palavras-chave: mulheres em idade reprodutiva, índice de massa corpórea, escala brasileira de insegurança alimentar, estratégia da saúde da família.


 

 

Síntese dos autores

Por que este estudo foi feito?

A transição nutricional é um fenômeno mundial que vem acarretando, mesmo entre populações de baixo nível socioeconômico, aumento significativo na prevalência de obesidade e suas consequências. Este estudo teve como objetivo de conhecer o estado nutricional das mulheres maranhenses atendidas pelo programa ESF visando propostas coerentes com as características sociais das mesmas.

O que os pesquisadores fizeram e encontraram?

A avaliação do Indie de massa Corpórea mostrou que, como vem ocorrendo no Brasil como um todo a ocorrência de desnutrição, durante décadas o maior problema de saúde no País, ocorre no Maranhão em proporção aceitável de acordo com a distribuição padrão proposta pela OMS. Já o sobrepeso/obesidade ocorre em proporção preocupante de modo a exigir a procura de intervenções factíveis para essa população estudada. A associação entre a presença de sobrepeso/obesidade e a insegurança alimentar subjetiva avaliada pela EBIA sugere que a alimentação habitual não atende às necessidades nutricionais de grande parte da a população que sente fome e/ou tem medo de passar fome.

O que essas descobertas significam?

Enquanto medidas de intervenção eficazes e efetivas não estão sendo aplicadas mesmo entre a população atendida pela ESF, há que procurar estratégias eficazes para que a população se conscientize que um estado nutricional adequado é a melhor prevenção contra as ocorrências decorrentes das doenças crônicas comuns entre obesos. Não pode ser desprezado o custo para tratamento dessas consequências para os gastos na rede pública nos três níveis de atenção à saúde e nas três esferas do governo.

Compete ao poder público, defender e proteger a população nos seus direitos humanos a alimentação adequada e à saúde, atendendo à demanda de uma sociedade democrática, justa e igualitária. Igualmente o Estado deve garantir que recursos públicos estejam disponibilizados para todos os cidadãos independente de sua condição social e economica, permitindo o bem estar de todos livres de iniquidades.

 

INTRODUÇÃO

A análise do estado nutricional do indivíduo contribui para avaliar em que medida as suas necessidades fisiológicas de nutrientes estão sendo alcançadas, de modo manter a composição e as funções do organismo, que resulta do equilíbrio entre a ingestão e a necessidade de nutrientes1.

No mundo, o momento é de transição epidemiológica e nutricional, passando progressivamente de um cenário em que prevalecia a desnutrição atualmente se tem prevalecido um cenário de sobrepeso e obesidade.

Em 2004, pela primeira vez no planeta, o número de pessoas com peso acima do recomendado ultrapassou o número de desnutridos, chegando a cerca de um bilhão de adultos com excesso de peso, dos quais 300 milhões eram obesos2,3.

No Brasil, as estatísticas indicam que 40% dos adultos têm excesso de peso e em praticamente todos os estratos de idade constata-se o aumento da prevalência de obesidade4.

Essa transição nutricional vem acarretando sérias consequências ao longo do tempo, inclusive no Brasil e até mesmo em países menos desenvolvidos. Nos últimos cinquenta anos, têm sido observada alterações na quantidade e na qualidade da dieta, associadas a mudanças no estilo de vida, nas condições econômicas, sociais e demográficas, com repercussões negativas na saúde da população5,6.

No Brasil, o estado nutricional da população tem sido objeto de grande atenção no campo da saúde pública e, como esse contexto salienta, é de grande importância a sua avaliação periódica especialmente em populações de áreas de maior risco, como é o caso do Estado do Maranhão.

Situado no Nordeste do Brasil, o Maranhão apresenta um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,69, o que o classifica na penúltima posição entre os estados brasileiros7. Além disso, é o estado com maior proporção de população socialmente excluída, com um Índice de Exclusão Social (IES) igual a 59,6%, o mais elevado da região8. Nele a prevalência de população vivendo em situação de indigência mais do que dobra em relação ao Brasil e 25,7% de seus habitantes estão em situação de extrema pobreza9.

Neste cenário, mesmo considerando as questões relativas à qualidade das ações públicas na Atenção Básica à Saúde, é inegável a importância que a Estratégia Saúde da Família (ESF) assume na reestruturação do sistema de saúde e organização da atenção primária10,11, assim como o Bolsa Família que é um programa de transferência direta de renda com condicionalidades, que beneficia famílias em situação de pobreza e extrema pobreza. Este programa deve compreender dimensões como a promoção do alívio imediato da pobreza por meio da transferência direta de renda às famílias, além de reforçar o exercício dos direitos sociais básicos nas áreas da saúde e educação, por meio do acompanhamento das condicionalidades, o que contribui para que as famílias consigam romper o ciclo da pobreza entre gerações para assim oferecer apoio ao desenvolvimento de capacidades das famílias por meio da articulação com programas complementares de capacitação, de geração de emprego e renda, de alfabetização, entre outros12.

O objetivo do estudo é avaliar o estado nutricional e sua relação com determinantes sociais na população de mulheres maranhenses atendidas pela Estratégia Saúde da Família.

 

MÉTODO

Estudo de corte transversal, com análise secundária de dados do projeto de pesquisa "Prevalência e Determinantes da Anemia em Mulheres e Crianças no Estado do Maranhão", desenvolvido com o objetivo de avaliar as condições de saúde e nutrição das crianças menores de cinco anos e das mulheres em idade reprodutiva no Estado do Maranhão13.

No Maranhão a ESF teve início em 1994, no município de São Luís, expandindo-se gradativamente para 100% dos municípios maranhenses, atingindo, em 2012, uma cobertura populacional ao redor de 81,2%14.

Para o presente estudo além da capital São Luis foram sorteados cinco 5 municípios de cada uma das quatro macrorregiões do estado, sendo pesquisadas 40 famílias em cada um deles. As famílias incluídas na amostra foram selecionadas de maneira randomizada a partir de listagem de famílias atendidas pela ESF no Maranhão14.

Essa amostra resultou em 989 mulheres com idade entre 15 e 49 anos e a coleta de dados foi realizada de julho a setembro de 2010.

Os dados para verificação das condições socioeconômicas: local de residência, (zona urbana e zona rural), composição familiar, escolaridade materna, renda familiar, acesso aos benefícios e programas sociais governamentais, como o bolsa família, idade materna) foram coletados em formulários padronizados.

A segurança alimentar das famílias também foi avaliada utilizando a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA)15.

Foram coletadas medidas de peso e altura das mulheres e a seguir calculado o Índice de Massa Corporal (IMC) com vistas à classificação do seu estado nutricional.

O estado nutricional foi classificado de acordo com os valores de referência para o IMC, propostos pela Organização Mundial de Saúde16.

As variáveis foram analisadas quanto a frequências, distribuição e tendência central. Realizou-se a análise bivariada quanto às associações entre as variáveis socioeconômicas e o IMC. Também foi calculado o coeficiente de correlação de Spearman entre o escore de segurança alimentar e o IMC das mulheres. O nível de significância adotado foi de 5%. Ao final foi realizada a análise de regressão linear de múltiplas variáveis, incluindo no modelo todas as variáveis que na análise bivariada haviam apresentado valores de p<0,20.

Esta pesquisa foi desenvolvida conforme a Resolução CNS 466\12 do Conselho Nacional de Saúde, aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (n 2191/10), tendo a anuência formal das instituições envolvidas e a concordância dos responsáveis pelos serviços, bem como, a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pela população estudada.

 

RESULTADOS

A amostra total do estudo foi composta por 989 mulheres, cuja média de idade foi de 27,5 anos (desvio padrão (dp)=7,0), média de peso 57,7kg (dp=11,6), de estatura 1,54m (dp=0,59m) e de Índice de Massa Corpórea de 24,3kg/m2 (dp=4,5) (Figura 1).

Na Figura 1, observa-se que 90% das mulheres estavam com estatura abaixo da mediana de estatura e que 81% estavam com peso abaixo da mediana. Em relação ao IMC, a proporção de mulheres abaixo da mediana foi de 67%.

Em relação ao estado nutricional, 60% (n=593) das mulheres eram eutróficas, 5% (n=49) apresentavam magreza, 24% (n=236) e 11% (n=111) respectivamente sobrepeso e obesidade (Tabela 1).

Na análise bivariada (Tabela 1) verificou-se associação significante entre estado nutricional e idade materna (p<0,0001), renda familiar (p=0,0015) e insegurança alimentar (p<0,0001).

Para a análise de regressão linear multivariada, foram selecionadas as características estatisticamente significantes na bivariada (idade materna, renda familiar e insegurança alimentar) e também as variáveis: local de residência e benefício bolsa família, por sua plausibilidade epidemiológica.

Ao final da análise de múltiplas variáveis, permaneceram significantes apenas a idade materna e a insegurança alimentar.

Na análise de regressão multivariada uma maior idade materna resultou como sendo fator de risco para um maior Índice de Massa Corporal, coef.: 0,71 (p>0,0001), enquanto a condição de menor insegurança alimentar resultou em fator de proteção para menor IMC, coef.: -0,78 (p<0,0001). (Tabela 2)

Na figura 2 evidencia-se uma correlação inversa, estatisticamente significante, entre o IMC em valor absoluto e a segurança alimentar, mostrando que quanto maior a segurança alimentarem domicilio já se observam valores elevados de IMC entre as mulheres, coeficiente de Pearson: -0,97 (p<0,0001).

 

DISCUSSÃO

As medidas de estatura das mulheres revelam que de 40% delas deve ter apresentado, durante a infância e adolescência, um crescimento linear aquém do esperado como normal, pois apenas uma em cada dez das mulheres avaliadas apresentou uma estatura acima da mediana de referência para a população.

Quanto ao peso, cerca de 30% das mulheres apresentam um valor provavelmente inferior ao que seria de se esperar, pois apenas 1/5 das mesmas apresentavam peso acima da mediana. Entretanto mais do que um processo de desnutrição ainda vigente isto representa mais um peso que é consequência da menor estatura que estas mulheres apresentavam, pois a proporção casos de magreza observada a partir do escore z de IMC é praticamente a esperada a partir da distribuição de referência, isto é, cerca de 2,5% das mulheres apresentando escore z IMC<-2,017.

O Índice de Massa Corpórea possui como vantagem a facilidade de obtenção a partir da padronização para obtenção das medidas de peso e altura, além de ter relação com causas de morbimortalidade, nesse caso, especialmente nos limites extremos de seus valores18.

A distribuição dos valores de escore z IMC da amostra evidencia que 1/3 das mulheres apresentavam um valor acima da mediana, o que corrobora a hipótese anterior de que tinham um peso provavelmente decorrente de uma menor estatura, e que, o que é mais relevante, entre estas já se observa uma tendência a uma prevalência elevada de sobrepeso e de obesidade.

Esta análise, quando feita pela classificação da OMS baseada em valores absolutos de IMC, mostra que uma em cada 4 e que uma em cada 10 mulheres da amostra já é classificada respectivamente como sobrepeso e como obesidade.

Quanto à magreza a prevalência observada, 5,0%, é praticamente a mesma descrita para a região Nordeste, 5,2% das mulheres. Já a proporção de mulheres com sobrepeso e obesidade é inferior à registrada na mesma região, 41% de sobrepeso e 14,7% de obesidade, conforme a Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher19 e a do Semiárido Nordestino, 32,6% de sobrepeso e 16,1% obesidade20.

Percebe-se assim, que a realidade do avanço do aumento de casos de excesso de peso em mulheres do Maranhão não reflete exatamente a realidade de outras regiões do País. Essa diferença provavelmente é explicada pela má distribuição de renda possivelmente mais acentuada no Maranhão do que nos demais estados brasileiros5,21.

Esses valores distintos, além de poderem ser justificados por possíveis diferenças amostrais e metodológicas entre os estudos, podem também ser decorrentes de uma menor velocidade de evolução da Transição Nutricional no estado do Maranhão, o que faz com que o mesmo se encontre em uma etapa mais inicial da Transição quando comparado ao restante da região, como consequência da realidade socioeconômica do Estado, que possui cerca de ¼ da população em condição de extrema pobreza9,11,22,23.

A análise preliminar dos dados do presente estudo indicou relação da classificação do IMC das mulheres com a sua idade, a renda familiar e a insegurança alimentar no domicilio.

Nesta fase não se obteve associação do IMC com: local de residência (urbana ou rural), recebimento de bolsa família, escolaridade materna e número de pessoas que residiam no mesmo domicílio. Apesar de classicamente citados como associados ao estado nutricional, a sua não associação na presente amostra provavelmente foi decorrência da restrita variação que estes fatores de risco apresentam numa população que pode ser considerada como homogeneamente de baixo nível socioeconômico.

Em relação à média de IMC para renda familiar, constata-se que à medida que a renda familiar diminui, ocorre redução do nível de IMC das mulheres, semelhantemente relatado por outros estudos mostrando a influência principalmente da renda, escolaridade materna e condições de saneamento sobre o risco de desnutrição energético-proteica presente na população brasileira21,24,25. Observa-se que embora programa Bolsa Família, não tenha apresentado significância estatística em sua relação com o IMC, mais de 60% das famílias recebe tal benefício, que tem por finalidade melhorar a renda familiar e, portanto, pode reduzir o risco de insegurança alimentar.

Entretanto, a análise final dessas mesmas variáveis em conjunto, por regressão linear multivariada, evidenciou que apenas a idade materna e a segurança/insegurança alimentar se mostravam associadas ao IMC das mulheres.

A correlação entre IMC e a idade, apesar de não ser tão elevada, é um fenômeno esperado à medida que a idade avança, pois já existem na literatura dados que apontam para uma tendência de se aumentar o peso corporal com a idade26.

Como seria de se esperar, por ser decorrente do risco de carência alimentar nos seus diversos níveis, resulta, efetivamente, num menor consumo energético e, consequentemente, em menor risco de sobrepeso. O inverso também ocorre, quanto maior a segurança alimentar maior a diversificação de itens alimentares consumidos, especialmente aqueles presentes na mídia. A maior a insegurança alimentar se relaciona com uma tendência a um menor IMC entre as mulheres, enquanto a condição oposta, ou seja, de segurança alimentar, já evidencia prevalência importante de sobrepeso e obesidade mesmo nesta população de mulheres de baixa renda.

Em concordância a esses resultados foi evidenciada a relação da Insegurança Alimentar com menor renda familiar, baixa escolaridade, maior número de moradores no domicílio, condições inadequadas de saneamento básico, ausência de vínculo empregatício e maior pre¬valência entre famílias de zona rural. Quanto à ingestão alimentar, além da restrição quantitativa identificada pela Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA), a Insegurança Alimentar também tem sido relacionada a uma qualidade dietética inferior, com menor consumo de alimentos ricos em proteínas (pertencentes ao grupo das leguminosas, leites e derivados e carnes e ovos) e reguladores (frutas e verduras), além de maior omissão de refeições e consumo glicídico27.

Cabe considerar que estas alterações nutricionais estão presentes em famílias que são atendidas no Programa de Estratégia da Saúde da Família, o que sugere a necessidade de que a orientação alimentar seja enfatizada visando adequá-lo melhor à realidade do Estado do Maranhão.

O Programa de Estratégia da Saúde da Família deve compreender dimensões como a promoção do alívio imediato da pobreza por meio da transferência direta de renda às famílias, além de reforçar o exercício dos direitos sociais básicos nas áreas da saúde e educação, por meio do acompanhamento das condicionalidades, o que contribui para que as famílias consigam romper o ciclo da pobreza entre gerações para assim oferecer apoio ao desenvolvimento de capacidades das famílias por meio da articulação com programas complementares de capacitação, de geração de emprego e renda, de alfabetização, entre outros12.

Em paralelo é fundamental que as ações desenvolvidas objetivando a redistribuição de renda sejam revistas, já que são propostas importantes para a mudança dessa realidade. Nesse momento também passam a ser fundamentais ações voltadas para a prevenção do aumento da prevalência de sobrepeso e obesidade da população, como parte das estratégias necessárias para minimizar, ou até evitar, as já conhecidas complicações de saúde que decorrem dessas alterações nutricionais, como é o caso das doenças crônicas não transmissíveis28.

 

CONCLUSÃO

No Estado do Maranhão, na população coberta pela Estratégia Saúde da Família observa-se prevalência elevada de mulheres em risco nutricional, principalmente para sobrepeso e obesidade, embora se observe ainda a presença de magreza e de baixa estatura, o que caracteriza uma Transição Nutricional, mesmo que em etapas mais iniciais em comparação com o Brasil como um todo e inclusive com a própria região Nordeste.

Percebe-se que os fatores socioeconômicos são relevantes estatisticamente em relação à sua associação ao grau de IMC das mulheres indicando que existe uma importante associação do IMC materno com idade e a situação de insegurança alimentar.

Figura 1: Frequência acumulada das mulheres segundo seus escores z de peso, altura e Índice de Massa Corpórea (IMC). Maranhão. Brasil, 2010.

 

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ARTIGO ORIGINAL
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VIEscola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória, Vitória, Espírito Santo, Brasil
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VIIIFaculdade de Medicina Estácio de Juazeiro do Norte

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RESUMO

INTRODUÇÃO: A alimentação inadequada, seja por excesso ou insuficiência de calorias e nutrientes, resulta em situações de risco à saúde assim como inadequações do perfil nutricional. A presença de deficiências nutricionais é mais visível em mulheres e, portanto, existe maior probabilidade de refletir os riscos de tais deficiências. Conhecer o perfil do estado nutricional da população feminina do Maranhão, que retratar o estado nutricional de suas família, podendo auxiliar na criação de ações específicas no combate aos problemas alimentares e, consequentemente, de saúde
OBJETIVO: Avaliar o perfil nutricional e sua relação com determinantes sociais em população de mulheres maranhenses atendidas pela Estratégia Saúde da Família
MÉTODO: Estudo de corte transversal com 989 mulheres maranhenses com idade entre 15 e 49 anos, de julho a setembro de 2010. Por meio de questionário foram coletados dados para verificação das condições socioeconômicas, além da aplicação da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar para verificar o nível de insegurança alimentar. Índice de Massa Corporal e as medidas de circunferências de quadril e cintura foram obtidas para verificar o perfil nutricional. As variáveis foram analisadas quanto a frequências, distribuição e tendência central. Foi realizada a análise bivariada quanto às associações entre as variáveis socioeconômicas e o Índice de Massa Corporal. Utilizou-se o coeficiente de correlação de Spearman entre o escore de segurança alimentar e o Índice de Massa Corporal, adotando-se o nível de significância de 5%. A análise de regressão linear de múltiplas variáveis foi realizada
RESULTADOS: Houve relação entre a classificação do Índice de Massa Corporal das mulheres com determinantes sociais como idade, renda familiar e insegurança alimentar. Observa-se prevalência elevada de mulheres em risco nutricional, principalmente para sobrepeso e obesidade, embora se observe ainda a presença de magreza e de baixa estatura
CONCLUSÃO: Os fatores socioeconômicos tem associação significante ao Índice de Massa Corporal das mulheres indicando que existe uma importante relação entre Índice de Massa Corporal materno com idade e a situação de insegurança alimentar

Palavras-chave: mulheres em idade reprodutiva, índice de massa corpórea, escala brasileira de insegurança alimentar, estratégia da saúde da família.


 

 

Síntese dos autores

Por que este estudo foi feito?

A transição nutricional é um fenômeno mundial que vem acarretando, mesmo entre populações de baixo nível socioeconômico, aumento significativo na prevalência de obesidade e suas consequências. Este estudo teve como objetivo de conhecer o estado nutricional das mulheres maranhenses atendidas pelo programa ESF visando propostas coerentes com as características sociais das mesmas.

O que os pesquisadores fizeram e encontraram?

A avaliação do Indie de massa Corpórea mostrou que, como vem ocorrendo no Brasil como um todo a ocorrência de desnutrição, durante décadas o maior problema de saúde no País, ocorre no Maranhão em proporção aceitável de acordo com a distribuição padrão proposta pela OMS. Já o sobrepeso/obesidade ocorre em proporção preocupante de modo a exigir a procura de intervenções factíveis para essa população estudada. A associação entre a presença de sobrepeso/obesidade e a insegurança alimentar subjetiva avaliada pela EBIA sugere que a alimentação habitual não atende às necessidades nutricionais de grande parte da a população que sente fome e/ou tem medo de passar fome.

O que essas descobertas significam?

Enquanto medidas de intervenção eficazes e efetivas não estão sendo aplicadas mesmo entre a população atendida pela ESF, há que procurar estratégias eficazes para que a população se conscientize que um estado nutricional adequado é a melhor prevenção contra as ocorrências decorrentes das doenças crônicas comuns entre obesos. Não pode ser desprezado o custo para tratamento dessas consequências para os gastos na rede pública nos três níveis de atenção à saúde e nas três esferas do governo.

Compete ao poder público, defender e proteger a população nos seus direitos humanos a alimentação adequada e à saúde, atendendo à demanda de uma sociedade democrática, justa e igualitária. Igualmente o Estado deve garantir que recursos públicos estejam disponibilizados para todos os cidadãos independente de sua condição social e economica, permitindo o bem estar de todos livres de iniquidades.

 

INTRODUÇÃO

A análise do estado nutricional do indivíduo contribui para avaliar em que medida as suas necessidades fisiológicas de nutrientes estão sendo alcançadas, de modo manter a composição e as funções do organismo, que resulta do equilíbrio entre a ingestão e a necessidade de nutrientes1.

No mundo, o momento é de transição epidemiológica e nutricional, passando progressivamente de um cenário em que prevalecia a desnutrição atualmente se tem prevalecido um cenário de sobrepeso e obesidade.

Em 2004, pela primeira vez no planeta, o número de pessoas com peso acima do recomendado ultrapassou o número de desnutridos, chegando a cerca de um bilhão de adultos com excesso de peso, dos quais 300 milhões eram obesos2,3.

No Brasil, as estatísticas indicam que 40% dos adultos têm excesso de peso e em praticamente todos os estratos de idade constata-se o aumento da prevalência de obesidade4.

Essa transição nutricional vem acarretando sérias consequências ao longo do tempo, inclusive no Brasil e até mesmo em países menos desenvolvidos. Nos últimos cinquenta anos, têm sido observada alterações na quantidade e na qualidade da dieta, associadas a mudanças no estilo de vida, nas condições econômicas, sociais e demográficas, com repercussões negativas na saúde da população5,6.

No Brasil, o estado nutricional da população tem sido objeto de grande atenção no campo da saúde pública e, como esse contexto salienta, é de grande importância a sua avaliação periódica especialmente em populações de áreas de maior risco, como é o caso do Estado do Maranhão.

Situado no Nordeste do Brasil, o Maranhão apresenta um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,69, o que o classifica na penúltima posição entre os estados brasileiros7. Além disso, é o estado com maior proporção de população socialmente excluída, com um Índice de Exclusão Social (IES) igual a 59,6%, o mais elevado da região8. Nele a prevalência de população vivendo em situação de indigência mais do que dobra em relação ao Brasil e 25,7% de seus habitantes estão em situação de extrema pobreza9.

Neste cenário, mesmo considerando as questões relativas à qualidade das ações públicas na Atenção Básica à Saúde, é inegável a importância que a Estratégia Saúde da Família (ESF) assume na reestruturação do sistema de saúde e organização da atenção primária10,11, assim como o Bolsa Família que é um programa de transferência direta de renda com condicionalidades, que beneficia famílias em situação de pobreza e extrema pobreza. Este programa deve compreender dimensões como a promoção do alívio imediato da pobreza por meio da transferência direta de renda às famílias, além de reforçar o exercício dos direitos sociais básicos nas áreas da saúde e educação, por meio do acompanhamento das condicionalidades, o que contribui para que as famílias consigam romper o ciclo da pobreza entre gerações para assim oferecer apoio ao desenvolvimento de capacidades das famílias por meio da articulação com programas complementares de capacitação, de geração de emprego e renda, de alfabetização, entre outros12.

O objetivo do estudo é avaliar o estado nutricional e sua relação com determinantes sociais na população de mulheres maranhenses atendidas pela Estratégia Saúde da Família.

 

MÉTODO

Estudo de corte transversal, com análise secundária de dados do projeto de pesquisa "Prevalência e Determinantes da Anemia em Mulheres e Crianças no Estado do Maranhão", desenvolvido com o objetivo de avaliar as condições de saúde e nutrição das crianças menores de cinco anos e das mulheres em idade reprodutiva no Estado do Maranhão13.

No Maranhão a ESF teve início em 1994, no município de São Luís, expandindo-se gradativamente para 100% dos municípios maranhenses, atingindo, em 2012, uma cobertura populacional ao redor de 81,2%14.

Para o presente estudo além da capital São Luis foram sorteados cinco 5 municípios de cada uma das quatro macrorregiões do estado, sendo pesquisadas 40 famílias em cada um deles. As famílias incluídas na amostra foram selecionadas de maneira randomizada a partir de listagem de famílias atendidas pela ESF no Maranhão14.

Essa amostra resultou em 989 mulheres com idade entre 15 e 49 anos e a coleta de dados foi realizada de julho a setembro de 2010.

Os dados para verificação das condições socioeconômicas: local de residência, (zona urbana e zona rural), composição familiar, escolaridade materna, renda familiar, acesso aos benefícios e programas sociais governamentais, como o bolsa família, idade materna) foram coletados em formulários padronizados.

A segurança alimentar das famílias também foi avaliada utilizando a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA)15.

Foram coletadas medidas de peso e altura das mulheres e a seguir calculado o Índice de Massa Corporal (IMC) com vistas à classificação do seu estado nutricional.

O estado nutricional foi classificado de acordo com os valores de referência para o IMC, propostos pela Organização Mundial de Saúde16.

As variáveis foram analisadas quanto a frequências, distribuição e tendência central. Realizou-se a análise bivariada quanto às associações entre as variáveis socioeconômicas e o IMC. Também foi calculado o coeficiente de correlação de Spearman entre o escore de segurança alimentar e o IMC das mulheres. O nível de significância adotado foi de 5%. Ao final foi realizada a análise de regressão linear de múltiplas variáveis, incluindo no modelo todas as variáveis que na análise bivariada haviam apresentado valores de p<0,20.

Esta pesquisa foi desenvolvida conforme a Resolução CNS 466\12 do Conselho Nacional de Saúde, aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (n 2191/10), tendo a anuência formal das instituições envolvidas e a concordância dos responsáveis pelos serviços, bem como, a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pela população estudada.

 

RESULTADOS

A amostra total do estudo foi composta por 989 mulheres, cuja média de idade foi de 27,5 anos (desvio padrão (dp)=7,0), média de peso 57,7kg (dp=11,6), de estatura 1,54m (dp=0,59m) e de Índice de Massa Corpórea de 24,3kg/m2 (dp=4,5) (Figura 1).

Na Figura 1, observa-se que 90% das mulheres estavam com estatura abaixo da mediana de estatura e que 81% estavam com peso abaixo da mediana. Em relação ao IMC, a proporção de mulheres abaixo da mediana foi de 67%.

Em relação ao estado nutricional, 60% (n=593) das mulheres eram eutróficas, 5% (n=49) apresentavam magreza, 24% (n=236) e 11% (n=111) respectivamente sobrepeso e obesidade (Tabela 1).

Na análise bivariada (Tabela 1) verificou-se associação significante entre estado nutricional e idade materna (p<0,0001), renda familiar (p=0,0015) e insegurança alimentar (p<0,0001).

Para a análise de regressão linear multivariada, foram selecionadas as características estatisticamente significantes na bivariada (idade materna, renda familiar e insegurança alimentar) e também as variáveis: local de residência e benefício bolsa família, por sua plausibilidade epidemiológica.

Ao final da análise de múltiplas variáveis, permaneceram significantes apenas a idade materna e a insegurança alimentar.

Na análise de regressão multivariada uma maior idade materna resultou como sendo fator de risco para um maior Índice de Massa Corporal, coef.: 0,71 (p>0,0001), enquanto a condição de menor insegurança alimentar resultou em fator de proteção para menor IMC, coef.: -0,78 (p<0,0001). (Tabela 2)

Na figura 2 evidencia-se uma correlação inversa, estatisticamente significante, entre o IMC em valor absoluto e a segurança alimentar, mostrando que quanto maior a segurança alimentarem domicilio já se observam valores elevados de IMC entre as mulheres, coeficiente de Pearson: -0,97 (p<0,0001).

 

DISCUSSÃO

As medidas de estatura das mulheres revelam que de 40% delas deve ter apresentado, durante a infância e adolescência, um crescimento linear aquém do esperado como normal, pois apenas uma em cada dez das mulheres avaliadas apresentou uma estatura acima da mediana de referência para a população.

Quanto ao peso, cerca de 30% das mulheres apresentam um valor provavelmente inferior ao que seria de se esperar, pois apenas 1/5 das mesmas apresentavam peso acima da mediana. Entretanto mais do que um processo de desnutrição ainda vigente isto representa mais um peso que é consequência da menor estatura que estas mulheres apresentavam, pois a proporção casos de magreza observada a partir do escore z de IMC é praticamente a esperada a partir da distribuição de referência, isto é, cerca de 2,5% das mulheres apresentando escore z IMC<-2,017.

O Índice de Massa Corpórea possui como vantagem a facilidade de obtenção a partir da padronização para obtenção das medidas de peso e altura, além de ter relação com causas de morbimortalidade, nesse caso, especialmente nos limites extremos de seus valores18.

A distribuição dos valores de escore z IMC da amostra evidencia que 1/3 das mulheres apresentavam um valor acima da mediana, o que corrobora a hipótese anterior de que tinham um peso provavelmente decorrente de uma menor estatura, e que, o que é mais relevante, entre estas já se observa uma tendência a uma prevalência elevada de sobrepeso e de obesidade.

Esta análise, quando feita pela classificação da OMS baseada em valores absolutos de IMC, mostra que uma em cada 4 e que uma em cada 10 mulheres da amostra já é classificada respectivamente como sobrepeso e como obesidade.

Quanto à magreza a prevalência observada, 5,0%, é praticamente a mesma descrita para a região Nordeste, 5,2% das mulheres. Já a proporção de mulheres com sobrepeso e obesidade é inferior à registrada na mesma região, 41% de sobrepeso e 14,7% de obesidade, conforme a Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher19 e a do Semiárido Nordestino, 32,6% de sobrepeso e 16,1% obesidade20.

Percebe-se assim, que a realidade do avanço do aumento de casos de excesso de peso em mulheres do Maranhão não reflete exatamente a realidade de outras regiões do País. Essa diferença provavelmente é explicada pela má distribuição de renda possivelmente mais acentuada no Maranhão do que nos demais estados brasileiros5,21.

Esses valores distintos, além de poderem ser justificados por possíveis diferenças amostrais e metodológicas entre os estudos, podem também ser decorrentes de uma menor velocidade de evolução da Transição Nutricional no estado do Maranhão, o que faz com que o mesmo se encontre em uma etapa mais inicial da Transição quando comparado ao restante da região, como consequência da realidade socioeconômica do Estado, que possui cerca de ¼ da população em condição de extrema pobreza9,11,22,23.

A análise preliminar dos dados do presente estudo indicou relação da classificação do IMC das mulheres com a sua idade, a renda familiar e a insegurança alimentar no domicilio.

Nesta fase não se obteve associação do IMC com: local de residência (urbana ou rural), recebimento de bolsa família, escolaridade materna e número de pessoas que residiam no mesmo domicílio. Apesar de classicamente citados como associados ao estado nutricional, a sua não associação na presente amostra provavelmente foi decorrência da restrita variação que estes fatores de risco apresentam numa população que pode ser considerada como homogeneamente de baixo nível socioeconômico.

Em relação à média de IMC para renda familiar, constata-se que à medida que a renda familiar diminui, ocorre redução do nível de IMC das mulheres, semelhantemente relatado por outros estudos mostrando a influência principalmente da renda, escolaridade materna e condições de saneamento sobre o risco de desnutrição energético-proteica presente na população brasileira21,24,25. Observa-se que embora programa Bolsa Família, não tenha apresentado significância estatística em sua relação com o IMC, mais de 60% das famílias recebe tal benefício, que tem por finalidade melhorar a renda familiar e, portanto, pode reduzir o risco de insegurança alimentar.

Entretanto, a análise final dessas mesmas variáveis em conjunto, por regressão linear multivariada, evidenciou que apenas a idade materna e a segurança/insegurança alimentar se mostravam associadas ao IMC das mulheres.

A correlação entre IMC e a idade, apesar de não ser tão elevada, é um fenômeno esperado à medida que a idade avança, pois já existem na literatura dados que apontam para uma tendência de se aumentar o peso corporal com a idade26.

Como seria de se esperar, por ser decorrente do risco de carência alimentar nos seus diversos níveis, resulta, efetivamente, num menor consumo energético e, consequentemente, em menor risco de sobrepeso. O inverso também ocorre, quanto maior a segurança alimentar maior a diversificação de itens alimentares consumidos, especialmente aqueles presentes na mídia. A maior a insegurança alimentar se relaciona com uma tendência a um menor IMC entre as mulheres, enquanto a condição oposta, ou seja, de segurança alimentar, já evidencia prevalência importante de sobrepeso e obesidade mesmo nesta população de mulheres de baixa renda.

Em concordância a esses resultados foi evidenciada a relação da Insegurança Alimentar com menor renda familiar, baixa escolaridade, maior número de moradores no domicílio, condições inadequadas de saneamento básico, ausência de vínculo empregatício e maior pre¬valência entre famílias de zona rural. Quanto à ingestão alimentar, além da restrição quantitativa identificada pela Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA), a Insegurança Alimentar também tem sido relacionada a uma qualidade dietética inferior, com menor consumo de alimentos ricos em proteínas (pertencentes ao grupo das leguminosas, leites e derivados e carnes e ovos) e reguladores (frutas e verduras), além de maior omissão de refeições e consumo glicídico27.

Cabe considerar que estas alterações nutricionais estão presentes em famílias que são atendidas no Programa de Estratégia da Saúde da Família, o que sugere a necessidade de que a orientação alimentar seja enfatizada visando adequá-lo melhor à realidade do Estado do Maranhão.

O Programa de Estratégia da Saúde da Família deve compreender dimensões como a promoção do alívio imediato da pobreza por meio da transferência direta de renda às famílias, além de reforçar o exercício dos direitos sociais básicos nas áreas da saúde e educação, por meio do acompanhamento das condicionalidades, o que contribui para que as famílias consigam romper o ciclo da pobreza entre gerações para assim oferecer apoio ao desenvolvimento de capacidades das famílias por meio da articulação com programas complementares de capacitação, de geração de emprego e renda, de alfabetização, entre outros12.

Em paralelo é fundamental que as ações desenvolvidas objetivando a redistribuição de renda sejam revistas, já que são propostas importantes para a mudança dessa realidade. Nesse momento também passam a ser fundamentais ações voltadas para a prevenção do aumento da prevalência de sobrepeso e obesidade da população, como parte das estratégias necessárias para minimizar, ou até evitar, as já conhecidas complicações de saúde que decorrem dessas alterações nutricionais, como é o caso das doenças crônicas não transmissíveis28.

 

CONCLUSÃO

No Estado do Maranhão, na população coberta pela Estratégia Saúde da Família observa-se prevalência elevada de mulheres em risco nutricional, principalmente para sobrepeso e obesidade, embora se observe ainda a presença de magreza e de baixa estatura, o que caracteriza uma Transição Nutricional, mesmo que em etapas mais iniciais em comparação com o Brasil como um todo e inclusive com a própria região Nordeste.

Percebe-se que os fatores socioeconômicos são relevantes estatisticamente em relação à sua associação ao grau de IMC das mulheres indicando que existe uma importante associação do IMC materno com idade e a situação de insegurança alimentar.

Figura 1: Frequência acumulada das mulheres segundo seus escores z de peso, altura e Índice de Massa Corpórea (IMC). Maranhão. Brasil, 2010.

 

REFERÊNCIAS

 

 

Endereço para correspondência:
mariaterezafrota@gmail.com

Manuscrito recebido: Setembro 2019
Manuscrito aceito: Fevereiro 2019
Versão online: Março 2020

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