SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.30 número1Validação de um questionário de frequência de consumo alimentar para gestantes atendidas em unidades básicas de saúdeCannabis: de planta condenada pelo preconceito a uma das grandes opções terapêuticas do século índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282versão On-line ISSN 2175-3598

J. Hum. Growth Dev. vol.30 no.1 São Paulo jan./abr. 2020

http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.v30.9973 

ARTIGO ORIGINAL

 

Meninas Brasileiras que Praticam Balé Clássico Desenvolvem Diferentes Estratégias de Controle Postural

 

 

Rafaela Noleto dos SantosI; Adriano Jabur BittarII; Tânia Cristina Dias da Silva HamuII; Andreja Paley PiconIII; Cibelle Kayenne Martins Roberto FormigaI, II

IPós-Graduação em Ciências Aplicadas a Produtos para a Saúde, Universidade Estadual de Goiás, Anápolis, Goiás, Brazil
IICurso de Fisioterapia, Universidade Estadual de Goiás, Goiânia, Goiás, Brazil
IIIPós Graduação em Ciências da Reabilitação da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, Brazil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: O crescimento e o desenvolvimento de crianças é produto da interação de fatores biológicos e ambientais. A prática de dança pode otimizar vários aspectos do controle motor, da coordenação e do equilíbrio na infância e adolescência
OBJETIVO: O objetivo do presente estudo foi verificar como a prática do balé clássico, em nível profissional, pode influenciar as pressões plantares e o controle postural de crianças e adolescentes, assim como verificar se a visão e a posição dos membros superiores pode interferir neste resultado
MÉTODO: Estudo transversal desenvolvido com 111 meninas com idades entre 10 e 15 anos praticantes (n = 56) e não praticantes (n = 55) de balé clássico. Foram avaliados os dados antropométricos (IMC), as pressões plantares e a estabilidade postural (baropodometria). Três diferentes condições: olhos abertos (OA), olhos fechados (OF) e braços abertos (BA) foram observadas. A análise de dados foi realizada por meio da comparação de grupos e testes de correlação
RESULTADOS: As praticantes de balé clássico realizaram menor descarga de peso em antepé E, apresentaram menores valores de pressão máxima e área de superfície plantar em todas as condições avaliadas e tiveram menores deslocamentos posturais. Observou-se ainda que as bailarinas foram mais influenciadas pela visão e posicionamento dos membros superiores do que o grupo das não praticantes de balé, e que o tempo de dança interferiu de forma a modificar os resultados encontrados
CONCLUSÃO: Meninas que praticam balé classico têm características específicas de pressão plantar e desenvolvem diferentes estratégias de controle postural quando comparadas a meninas típicas da mesma idade, principalmente na posição de braços abertos

Palavras-chave: desenvolvimento infantil, controle postural, equilíbrio e dança.


 

 

Síntese dos autores

Por que este estudo foi feito?

Este estudo foi feito porque meninas que praticam Balé Clássico tem características corporais (IMC e percentual de gordura) e de controle motor (coordenação, equilíbrio e consciência corporal) diferentes do que meninas da mesma idade não praticantes desta atividade e isso já é bem documentado na literatura. No entanto ainda não são bem estudadas as reais estratégias motoras que bailarinas profissionais ou estudantes usam para executar as complexas sequências de movimentos às quais são submetidos diariamente. O objetivo foi então elucidar essas estratégias motoras que meninas bailarinas utilizam para manter o controle postural frente às diversas condições.

O que os pesquisadores fizeram e encontraram?

Os pesquisadores analisaram as pressões plantares e os deslocamentos na análise estabilométrica (Baropodometria) em diferentes condições de posicionamento dos membros superiores e influência visual e compararam os resultados entre dois grupos de meninas com idades semelhantes (n=111), bailarinas e não bailarinas. Eles encontraram que as meninas praticantes de Balé apresentam características de pressões plantares diferentes, menores deslocamentos na estabilometria e que são mais dependentes da visão. Percebeu-se que estes resultados estão relacionados à estratégias de controle postural diferentes, tendo em vista uma abundância motora, discutida no artigo.

O que essas descobertas significam?

Essas descobertas significam que uma atividade física regular e sistematizada tem influência sobre como o corpo se comporta frente a desafios motores diversos e sobre medidas estáticas como as pressões plantares.

Os achados do presente estudo podem contribuir para o entendimento das estratégias motoras posturais de crianças e adolescentes praticantes de Balé Clássico, com implicações na prática do treinamento sistemático e na prevenção de lesões a longo prazo. Com base nisso, é possível desenvolver programas focados no aprimoramento e desenvolvimento de estratégias corretas para coordenação e gerenciamento de instabilidades na abundância motora, para que não ocorram efeitos nocivos de muita variabilidade no equilíbrio e movimento.

 

INTRODUÇÃO

Manter o equilíbrio durante a posição vertical é uma tarefa complexa, que exige uma combinação de controle sensorial e motor1. Bailarinos mantêm estabilidade postural durante tarefas desafiadoras mais facilmente do que não praticantes desta modalidade e estímulos proprioceptivos e visuais são entradas sensoriais fundamentais para tal2-5.

O treinamento da dança melhora o equilíbrio e a capacidade de movimento desenvolvendo estratégias posturais dinâmicas específicas relevantes para os requisitos impostos6. A formação dos comandos para modular a postura vertical está ligada à especificidade e complexidade da execução da ação. Esta associação é importante para esportes ou atividades artísticas, nos quais o controle da orientação e equilíbrio do corpo são críticos para otimizar o desempenho. Um questionamento importante é se o treinamento postural específico é benéfico para o controle permanente durante posturas comuns e em novas posturas desafiadoras5,7.

Por outro lado, estratégias dinâmicas de equilíbrio parecem ser influenciadas pelas acelerações do crescimento, o que pode distorcer referências proprioceptivas e representações do corpo. Em equilíbrio estático, o controle postural de jovens bailarinos é menos eficiente que dos adultos, e eles são visualmente mais dependentes8. Bailarinos clássicos devem ter mecanismos sofisticados de equilíbrio para se posicionarem de forma eficaz durante sequências coreográficas complexas de suas performances, com atividades multidirecionais em diferentes amplitudes e ângulos de rotação9.

Uma revisão da literatura revelou que pesquisas usando plataformas de força ou sistemas cinemáticos indicaram a importância da visão para manter o equilíbrio em bailarinos e a necessidade de se entender as características de balanço postural desta população. Poucos estudos já analisaram a influência do posicionamento dos membros superiores (MMSS) e a maioria deles também não controlou esse posicionamento, dessa maneira, os bailarinos poderiam ter assumido diferentes posições para conseguir um melhor equilíbrio3.

A perspectiva tradicional da ciência do movimento que tendia a universalmente associar variabilidade com decréscimos de desempenho e patologia não é mais sustentável. Ferramentas e metodologias que surgiram a partir da perspectiva dos sistemas dinâmicos (por exemplo, dinâmica não-linear e teoria do caos) são discutidas no contexto da coordenação e controle postural. A variabilidade pode desempenhar um papel funcional na detecção e exploração de limites de estabilidade10,11.

Neste sentido, o objetivo do presente estudo foi verificar o quanto a prática do Balé Clássico, em nível profissionalizante, pode influenciar nas pressões plantares e na variabilidade do controle postural de meninas, e verificar se a visão e a posição dos MMSS podem interferir neste resultado. A hipótese é de que as bailarinas apresentam diferentes estratégias de estabilidade postural, que podem estar representadas por diferentes valores de pressões plantares, de área de superfície plantar e variações do Centro de Pressão (COP), quando comparadas às meninas não praticantes de Balé, porém são mais dependentes da visão.

 

MÉTODO

Caracterização do Estudo e Participantes

Este é um estudo observacional transversal, realizado em duas escolas na cidade de Goiânia, Goiás, Brasil. A amostra foi composta por 111 meninas saudáveis, de 10 a 15 anos, divididas em dois grupos. Grupo 1 (n = 56): praticantes de Balé Clássico em nível profissionalizante, em uma escola pública de formação de bailarinos; Grupo 2 (n = 55): meninas de uma escola pública e que não praticavam Balé ou outra atividade física fora do horário escolar.

Critérios de inclusão dos grupos: faixa etária de 10 a 15 anos, sexo feminino, estudantes na escola selecionada, assinatura prévia do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Para o Grupo 1, também foi um critério ter no mínimo quatro anos de prática de Balé Clássico.

Critérios de exclusão para ambos os grupos: meninas com problemas ortopédicos instalados (pé torto congênito, luxação do quadril, etc) ou de origem neuológica (paralisia cerebral, síndrome de Down, etc) ou com problemas sensoriais (deficiência visual, deficiência auditiva, etc).

Foi necessário que os responsáveis autorizassem a participação assinando o TCLE e que as próprias participantes, em consentimento, assinassem o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido.

Instrumentos e procedimentos

As avaliações físicas foram realizadas por avaliadores treinados e aconteceram dentro das escolas, em salas reservadas durante 15 a 20 minutos com cada participante. A massa corporal foi obtida com o uso de uma balança Filizola® (série 3134, nº 86713 com divisões de 100 gramas e carga máxima de 150 kilos). A estatura foi mensurada por um estadiômetro com base fixa e cursor móvel. O IMC foi expresso em kilos por massa ao quadrado (kg/m2).

Para a análise das pressões plantares e estabilidade postural foi utilizada a plataforma de baropodometria, com sensor de quartzo piezoelétrico Midcaptures, de frequência amostral de 150 Hz, e a análise dos dados foi feita pelo software FootWork®.

Neste estudo, definiu-se pico de pressão máxima como o maior valor de pressão detectado ao longo de uma medição12,13, sendo utilizada a unidade Quilopascal (kPa). O pico de pressão média foi definido como sendo a média de todos os valores de pressão para cada medição13, descrita em porcentagem para representar a descarga de peso em antepé e retropé, de cada lado.

A área de superfície plantar corresponde à medida da região de contato do pé com os sensores da plataforma. É determinada pela soma da área de todos os sensores ativados dentro de uma dada região14. Neste estudo, foram analisados os dados referentes à superfície plantar do pé esquerdo (E) e direito (D) com a unidade centímetros quadrados (cm2).

O índice de arco e o tipo de pé foram calculados de acordo com Staheli et al.15 e a estabilidade postural foi analisada através de parâmetros estabilométricos derivados do comportamento espacial e temporal do centro de pressão16.

As avaliações foram feitas em postura ortostática estática, sendo repetidas duas vezes com 60 segundos de manutenção da posição em cada repetição, em três condições diferentes, a saber: olhos abertos (OA), olhos fechados (OF) e braços abertos (BA). Nas posições OA e OF, os braços estavam ao longo do corpo e na posição BA os olhos estavam abertos. A posição BA caracterizou-se por braços abertos em abdução de 90° e cotovelos e punhos estendidos. O comando dado foi para que as meninas ficassem em pé em cima da plataforma com um pé ao lado do outro em sua postura usual e quando com os olhos abertos, eles deveriam estar direcionados para um ponto fixo, à frente, ao nível dos olhos, a 1,5 metros da parede. Os pés foram posicionados na postura habitual para que a análise fosse realizada simulando a postura adotada diariamente.

O estudo foi elaborado de acordo com as Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas Envolvendo Seres Humanos (Resolução 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde) e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos sob o número CAAE 65387717.4.0000.8113.

Análise de Dados

A análise estatística foi realizada com o programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 23.0 version 23.0 (IBM Corp. Released 2015. IBM SPSS Statistics for Windows, Version 23.0. Armonk, NY: IBM Corp.). A normalidade foi testada pelo teste Kolmogorov-Smirnov. A análise descritiva foi processada utilizando-se média e desvio-padrão. Os procedimentos estatísticos utilizados foram o teste T de Student para a comparação das médias entre os grupos e o teste T de Student pareado para as comparações intragrupo. Para a correlação com o tempo de dança, no grupo das bailarinas, foi realizado o Teste de correlação de Pearson. Em todos os testes, considerou-se nível de significância de 5% (p 0,05).

 

RESULTADOS

A amostra estudada foi composta por 111 meninas, de 10 a 15 anos de idade (média = 12,21 ± 1,21), com o membro D dominante em sua maioria, distribuídas em Grupo 1 (n = 56; idade média = 12,32 ± 1,32) praticantes profissionalizantes de Balé Clássico e Grupo 2 (n = 55, idade média = 12,09 ± 1,09) não praticantes de Balé. A média de tempo de dança das bailarinas foi de 6,98 (± 1,92) anos, com uma rotina diária de exercício correspondente a aulas e ensaios de três a seis vezes na semana, em torno de duas a cinco horas por dia. A Tabela 1 mostra a caracterização da amostra.

Análise da Pressão Média

Nas três condições avaliadas, as bailarinas descarregaram menos peso em antepé E quando comparadas às não praticantes de Balé. Em OF, também foi significativa a maior pressão média em retropé E nesse grupo. Na avaliação intragrupo, para as três condições, a descarga de peso das bailarinas é feita mais em retropé E. No Grupo 2, a descarga de peso também acontece mais em retropé, não existindo diferença entre E e D (Tabela 2).

Análise da Pressão Máxima

Em todas as condições avaliadas as bailarinas apresentaram menores valores de pressão máxima tanto no pé E quanto D, quando comparadas com as meninas não praticantes desta atividade. É possível notar também que estes valores foram menores no pé D, para ambos os grupos, com exceção da condição BA no grupo das bailarinas, cuja diferença não foi significativa (Tabela 2).

Análise da Área de Superfície Plantar

Na comparação dos grupos, em todas as condições avaliadas, as bailarinas apresentaram menores valores de área de superfície plantar, tanto no pé E quanto D, sendo estes valores menores no pé D em OABF. Vale ressaltar que a maioria delas tinha pés cavos (56% pés E cavos e 57% pés D cavos), enquanto que a maioria das não praticantes de Balé Clássico tinha pés normais (71% pés E normais e 76% pés D normais) (Tabela 2).

Estabilometria

O grupo das bailarinas apresentou menor deslocamento ântero-posterior (AP) nas condições OA e OF e menor deslocamento látero-lateral (LL) e área da elipse em AO (Tabela 3).

É possível notar que, em geral, as bailarinas apresentaram deslocamentos menores na análise estabilométrica do que as não bailarinas nas condições de olhos abertos e fechados. No entanto, é possível identificar uma influência diferente com os braços abertos. Embora não sejam significativos, os movimentos do grupo das bailarinas mostram uma tendência a ser maior na posição de braços abertos (Figura 1).

Influência da visão

Para os dois grupos, a condição de olhos fechados influenciou em uma maior superfície de contato de ambos os pés. Na estabilometria, foi possível observar maiores deslocamentos e área da elipse, no entanto esta diferença não foi significativa para o Grupo 2 no deslocamento LL (Tabela 3 e Tabela 4).

Influência da posição dos MMSS

A posição de abdução de 90º dos MMSS teve igual influência nos parâmetros de baropodometria estática dos dois grupos levando a: menor pressão média em retropé E, maior pressão média em antepé D e menor pressão máxima em pé E. No entanto, apenas as bailarinas apresentaram maiores superfícies de contato em ambos os pés e maiores valores em todos os parâmetros da estabilometria (Tabela 3 e Tabela 5).

Prática de Balé Clássico, Baropodometria e Estabilometria

Através da análise de correlação de Pearson percebeu-se que quanto maior o tempo de dança, em anos, maior foi a pressão média em antepé e menor em retropé, para ambos os pés, além de uma maior superfície de contato em pé E. Em relação aos parâmetros de estabilometria, não houve correlações significativas (Tabela 6).

 

DISCUSSÃO

Este estudo trouxe evidências sobre como a prática do Balé Clássico de forma sistematizada e profissionalizante pode interferir nas pressões plantares e estratégias de estabilidade postural de meninas. Foi observado, em síntese, que as praticantes de Balé Clássico, na análise da baropodometria, realizaram menor descarga de peso em antepé E, apresentaram menores valores de pressão máxima e área de superfície plantar em todas as condições avaliadas e tiveram menores deslocamentos, na análise da estabilometria. Observou-se ainda que elas foram mais influenciadas pela visão e posicionamento dos MMSS do que o grupo das não praticantes de Balé, e que o tempo de dança interferiu de forma desenvolver estratégias motoras específicas.

Espera-se que bailarinos com um certo nível de experiência tenham maior domínio sobre os movimentos corporais e, portanto, melhor controle postural, o que já é bem estudado na literatura. Os movimentos realizados sempre acontecem com os olhos abertos e com grande influência destes para o feedback sensorial necessário para uma boa execução, uma vez que os braços estão em constante mudança e combinação de diferentes linhas de movimentos. Saber como esse movimento exerce influência no controle postural ou nas estratégias motoras para sua manutenção é o que ainda não foi estudado e ainda não está claro. Este estudo mostrou que a abertura dos braços causa respostas diferentes tanto na baropodometria estática quanto na estabilometria de meninas, com idades semelhantes e diferentes experiências motoras.

A análise de distribuição de pressão normal nos pés se caracteriza por 60% ocorrer em retropé, 8% em médio-pé e 28% em antepé, considerando os dois lados17. As meninas aqui avaliadas apresentaram resultados semelhantes, com um maior pico de pressão em retropé. No entanto, na comparação de grupos, isso foi mais evidente nas bailarinas, no pé E.

A natureza da distribuição de pressão no pé cavo ainda não está totalmente clara, e diferentes conclusões foram feitas a partir de comparações com os pés normais. Uma pesquisa mostrou maior pressão no calcanhar e antepé lateral e menor pressão e área de contato no médiopé e hálux18, já outro estudo mostrou que há aumento de pressão tanto em antepé quanto em retropé19 nos pés cavos comparados aos normais. As bailarinas do presente estudo, em sua maioria, possuem pés cavos e um menor valor de pressão média em antepé E quando comparadas ao Grupo 2 de meninas, em sua maioria, com pés normais.

O pé cavo é mais frequentemente causado por desequilíbrio muscular o que faz com que arco plantar fique excessivamente alto e diminua a área de superfície plantar20. Isso é agravado pelo uso das sapatilhas que gera compressão nos pés e limita as áreas de contato plantar21. As bailarinas do presente estudo também apresentaram menor área de superfície plantar.

Convencionalmente, o lado dominante de um indivíduo é usado para realizar tarefa, enquanto o lado não dominante para suporte ou manutenção do equilibrio22. No Balé, existe uma diferença no esforço muscular e na capacidade de coordenação necessários na perna de apoio e perna do gesto, respectivamente, na execução de movimentos assimétricos. No entanto, o efeito da dominância lateral sobre o desempenho de tais movimentos ainda não foi muito estudado. Geralmente a escolha de qual perna usar é feita individualmente por cada bailarino, já que a maior parte dos movimentos envolve posturas unilaterais sobre uma pequena base de apoio22,23.

Bailarinas mais jovens e inexperientes possuem menor habilidade de viés lateral, do que as mais experientes, pelos efeitos do treinamento22. As bailarinas do presente estudo, em sua maioria com o lado D dominante e jovens, apresentaram maiores pressões médias em retropé E, o que pode ser justificado por ser esse o membro mais constantemente usado de apoio.

A pressão máxima é o maior valor de pressão detectado ao longo de uma medição12 e no grupo das bailarinas esse valor foi menor em todas as condições avaliadas. Isso pode representar um melhor controle da musculatura estabilizadora, pois a prática da dança leva a uma melhor estabilidade postural e os bailarinos apresentam um controle de postura mais ativo em relação a indivíduos não treinados3,4,6,24. Esses dados também corroboram com os achados da estabilometria aqui demonstrados.

Estudos como os já discutidos mostram menor oscilação postural como melhor controle do equilíbrio, mas alguns pesquisadores defendem que isso pode ser interpretado de outra forma5. Já foi analisado que esportistas com alta demanda por controle de equilíbrio, como aqueles que participam de artes marciais e ginástica, têm uma maior oscilação postural do que os não atletas25,26. A controvérsia comum vem da interpretação dos resultados do teste de Romberg, que é usado em exame da função neurológica para o equilíbrio, no qual alta oscilação postural é sinal de distúrbios posturais. No entanto, isso não deve ser interpretado como um pior equilíbrio, mas sim atribuído a tarefas motoras mais exigentes da prática esportiva5.

Atletas altamente qualificados, frente às perturbações que o corpo sofre em relação aos estímulos ambientais, podem gerenciar instabilidades posturais com sucesso, apesar do aumento da oscilação. De acordo com a ideia de abundância motora, isso é bom para o desempenho motor qualificado27. Quando o centro de pressão se comporta como um ponto fixo existe resistência a perturbações, mas uma menor flexibilidade e adaptação quando é necessária uma mudança no estado postural10. Muito provavelmente, a maior oscilação postural permite a mudança rápida e precisa da posição do corpo5, e a funcionalidade da variabilidade depende da tarefa10. A relação entre variabilidade e estabilidade é complexa e a variabilidade não pode ser equiparada com a instabilidade sem o conhecimento da dinâmica do movimento11.

Com base nesse pressuposto, pode ser possível justificar os resultados aqui encontrados para os maiores valores da estabilometria e área da superfície plantar encontrados para o grupo das bailarinas na condição de MMSS abduzidos a 90º, sendo esta uma estratégia de controle motor utilizada por elas para uma situação comum na prática da dança. Abrir os braços não é uma atividade comumente usada por crianças e adolescentes comuns em suas atividades motoras habituais e, portanto, não é uma estratégia motora de escolha, a menos que um desequilíbrio seja desencadeado. Para os dançarinos, no entanto, essa é uma situação recorrente, uma vez que dificilmente um movimento de balé é realizado com os braços ao longo do corpo. É então possível justificar que nessa posição o grupo de dançarinos tenha desenvolvido maiores estratégias motoras de deslocamento e manutenção do equilíbrio.

Existe um consenso na literatura em geral, de que os bailarinos usam estímulos proprioceptivos e visuais como suas entradas sensoriais fundamentais2. Suas habilidades de equilíbrio são superiores às dos não bailarinos quando seus olhos estão abertos, porém o mesmo não acontece com os olhos fechados, sugerindo que a capacidade de mudar de forma aguda de um mecanismo de balanceamento para outro não é sofisticado2,5,8,9,28. Tal fato pode justificar as maiores mudanças observadas na estabilometria do grupo das bailarinas quando comparadas às condições de olhos abertos e fechados.

Não houve correlações significativas entre os parâmetros de estabilometria e o tempo de dança, provavelmente porque todas as bailarinas da amostra são do nível profissionalizante e com experiência semelhante, de forma que não foi possível perceber o efeito do treinamento sobre o equilíbrio postural como descrito na literatura29.

Já em relação aos dados da baropodometria estática, com o aumento do tempo de dança, maior foi a pressão média em antepé, além de uma maior superfície de contato. O longo período de treinamento necessário para se tornar um bailarino produz memórias posturais para uma configuração anatômica do pé. Esta especificidade é independente do nível de dificuldade, e considera tanto a estabilidade postural quanto a estrutura do controle do motor7. Dessa forma novos estudos são necessários para entender os efeitos do Balé, a longo prazo, na biomecânica do pé dos bailarinos.

Os resultados aqui apresentados sugerem que bailarinas em nível profissionalizante, quando comparadas com meninas típicas que não vivenciam a prática do Balé Clássico, apresentaram menor descarga de peso em antepé E e menores valores de área de superfície plantar, o que pode estar relacionado a maior prevalência de pés cavos. Em relação à estabilidade postural, elas apresentaram menores valores de pressão máxima e menores deslocamentos na análise da estabilometria. No entanto, elas foram mais dependentes da visão e apresentaram maiores deslocamentos com os MMSS abduzidos a 90º, o que pode estar relacionado às diferentes estratégias de controle motor. Os achados sobre a influência da postura dos MMSS ainda não estão completamente esclarecidos e novas pesquisas são necessárias para elucidar a real estratégia motora de equilíbrio nessa população.

Os achados do presente estudo podem contribuir para a compreensão das estratégias motoras posturais de crianças e adolescentes praticantes de Balé com implicações na prática do treinamento sistematizado e prevenção de lesões a longo prazo. A partir desse conhecimento é possível desenvolver programas focados no aperfeiçoamento e desenvolvimento de estratégias corretas de coordenação e gerenciamento de instabilidades dentro da abundância motora27, de forma que não aconteçam os efeitos prejudiciais de muita variabilidade no equilíbrio e movimento11.

Conclui-se que meninas que praticam balé clássico têm características específicas de pressão plantar e desenvolvem diferentes estratégias de controle postural quando comparadas a meninas típicas da mesma idade, principalmente na posição de braços abertos. Os achados do presente estudo podem contribuir para a compreensão das estratégias motoras posturais de crianças e adolescentes praticantes de Balé com implicações na prática do treinamento sistematizado e prevenção de lesões a longo prazo. A partir desse conhecimento é possível desenvolver programas focados no aperfeiçoamento e desenvolvimento de estratégias corretas de coordenação e gerenciamento de instabilidades de cada indivíduo.

Agradecimentos

À equipe de profissionais do Centro de Educação Profissional em Artes Basileu França (CEPABF) pela confiança e apoio que tornaram este estudo possível. À equipe de profissionais do Instituto Estadual de Educação (IEG) pela parceria e por nos permitir realizar a pesquisa com seus alunos. Às bailarinas, a todas as meninas da escola pública selecionada e aos pais que prontamente aceitaram participar desta pesquisa e colaboraram para esse resultado.

Conflito de interesse:

Os autores declaram não haver conflito de interesse.

Declaração de divulgação:

Nenhum autor tem interesse financeiro ou recebeu qualquer benefício financeiro desta pesquisa.

 

REFERÊNCIAS

1.Krityakiarana W, Jongkamonwiwat N. Comparison of Balance Performance Between Thai Classical Dancers and Non-Dancers. J Danc Med Sci. 2016;20(2):72-8. DOI: http://doi.org/10.12678/1089-313X.20.2.72        [ Links ]

2.Pérez RM, Solana RS, Murillo DB, Hernández FJM. Visual availability, balance performance and movement complexity in dancers. Gait Posture. 2014;40(4):556-60. DOI: http://doi.org/10.1016/j.gaitpost.2014.06.021        [ Links ]

3.Costa MSS, Ferreira AS, Felicio LR. Static and dynamic balance in balé dancers: a literature review. Fisioter Pesqui. 2013;20(3):299-305. DOI: https://doi.org/10.1590/S1809-29502013000300016        [ Links ]

4. Cheng HS, Law CL, Pan HF, Hsiao YP, Hu JH, Chuang FK, et al. Preliminary results of dancing exercise on postural stability in adolescent females. Kaohsiung J Med Sci. 2011;27(12): 566-72. DOI: https://doi.org/10.1016/j.kjms.2011.06.032        [ Links ]

5.Michalska J, Kamieniarz A, Fredyk A, Bacik B, Juras G, Stomka KJ. Effect of expertise in balé dance on static and functional balance. Gait Posture. 2018;64:68-74. DOI: https://doi.org/10.1016/j.gaitpost.2018.05.034        [ Links ]

6.Rein S, Fabian T, Zwipp H, Rammelt S, Weindel S. Postural control and functional ankle stability in professional and amateur dancers. Clin Neurophysiol. 2011;122(8): 1602-10. DOI: https://doi.org/10.1016/j.clinph.2011.01.004        [ Links ]

7.Casabona A, Leonardi G, Aimola E, La Grua G, Polizzi CM, Cioni M, et al. Specificity of foot configuration during bipedal stance in balé dancers. Gait Posture. 2016;46:91-7. DOI: https://doi.org/10.1016/j.gaitpost.2016.02.019        [ Links ]

8.Bruyneel AV, Bertrand M, Mesure S. Influence of foot position and vision on dynamic postural strategies during the "grand plié" balé movement (squatting) in young and adult balé dancers. Neurosci Lett. 2018;678:22-8. DOI: https://doi.org/10.1016/j.neulet.2018.04.046        [ Links ]

9.Hutt K, Redding E. The effect of an eyes-closed dance-specific training program on dynamic balance in elite pre-professional balé dancers: a randomized controlled pilot study. J Danc Med Sci. 2014;18(1):3-11. DOI: https://doi.org/10.12678/1089-313X.18.1.3        [ Links ]

10.van Emmerik REA, van Wegen EEH. On the functional aspects of variability in postural control. Exerc Sport Sci Rev. 2002;30(4):177-83. DOI: https://doi.org/10.1097/00003677-200210000-00007        [ Links ]

11.van Emmerik REA, van Wegen EEH. On Variability and Stability in Human Movement. J Appl Biomech. 2000;16: 394-406. DOI: https://doi.org/10.1123/jab.16.4.394        [ Links ]

12.Giacomozzi C. Hardware performance assessment recommendations and tools for baropodometric sensor systems. Ann Ist Super Sanità. 2010;46(2):158-67. DOI: https://doi.org/10.4415/ANN_10_02_09        [ Links ]

13.Orlin MN, McPoil TG. Plantar Pressure Assessment. Phys Ther. 2000;80(4):399-409. DOI: https://doi.org/10.1093/ptj/80.4.399        [ Links ]

14.Filippin NT, Barbosa VLP, Sacco ICN, Costa PHL. Effects of obesity on plantar pressure distribution in children. Rev Bras Fisioter. 2007;11(6):495-501. DOI: http://doi.org/10.1590/S1413-35552007000600012        [ Links ]

15.Staheli LT, Chew DE, Corbett M. The longitudinal arch. A survey of eight hundred and eight-two feet in normal children and adults. J Bone Joint Surg Am. 1987;69(3): 426-8.         [ Links ]

16.Syed N, Karvannan H, Maiya AG, Binukumar B, Prem V, Chakravarty RD. Plantar pressure distribution among asymptomatic individuals: a cross-sectional study. Foot Ankle Spec. 2012;5(2):102-6. DOI: http://doi.org/10.1177/1938640011434503        [ Links ]

17.Cavanagh PR, Rodgers MM, Liboshi A. Pressure distribution under symptom-free feet during barefoot standing. Foot Ankle Int. 1987;7(5):262-76. DOI: http://doi.org/10.1177/107110078700700502        [ Links ]

18.Buldt AK, Forghany S, Landorf KB, Levinger P, Murley GS, Menz HB. Foot posture is associated with plantar pressure during gait: A comparison of normal, planus and cavus feet. Gait Posture. 2018;62:235-40. DOI: http://doi.org/10.1016/j.gaitpost.2018.03.005        [ Links ]

19.Burns J, Crosbie J, Hunt A, Ouvrier R. The effect of pes cavus on foot pain and plantar pressure. Clin Biomech. 2005;20(9):877-82. DOI: http://doi.org/10.1016/j.clinbiomech.2005(9).03.006        [ Links ]

20.Rosenbaum AJ, Lisella J, Patel N, Phillips N. The cavus foot. Med Clin North Am. 2014;98(2):301-12. DOI: http://doi.org/10.1016/j.mcna.2013.10.008        [ Links ]

21.Costa PHL, Nora FGA, Vieira MF, Bosch K, Rosenbaum D. Single leg balancing in balé: Effects of shoe conditions and poses. Gait Posture. 2013;37(3:419-23. DOI: http://doi.org/10.1016/j.gaitpost.2012.08.015        [ Links ]

22.Lin CW, Su FC, Wu HW, Lin CF. Effects of leg dominance on performance of balé turns (pirouettes) by experienced and novice dancers. J Sport Sci. 2013;31(16):1781-8. DOI: http://doi.org/10.1080/02640414.2013.803585        [ Links ]

23.Kilby MC, Newell KM. Intra- and inter-foot coordination in quiet standing: Footwear and posture effects. Gait Posture. 2012;35(3):511-16. DOI: http://doi.org/10.1016/j.gaitpost.2011.11.018        [ Links ]

24.Ku PX, Osman NAA, Yusof A, Abas WAW. Biomechanical evaluation of the relationship between postural control and body mass index. J Biomech. 2012;45(9): 1638-42. DOI: http://doi.org/10.1016/j.jbiomech.2012.03.029        [ Links ]

25.Gautier G, Thouvarecq R, Larue J. Influence of experience on postural control: effect of expertise in gymnastics. J Mot Behav. 2008;40(5):400-8. DOI: http://doi.org/10.3200/JMBR.40.5.400-408        [ Links ]

26.Juras G, Rzepko M, Król P, Czarny W, Bajorek W, Stomka K, et al. The effect of expertise in karate on postural control in quiet standing. Arch Budo Sci. 2013;9(3):205-9.         [ Links ]

27.Latash ML. The bliss (not the problem) of motor abundance (not redundancy). Exp Brain Res. 2012;217(1): 1-5. DOI: http://doi.org/10.1007/s00221-012-3000-4        [ Links ]

28.Mello MC, Ferreira AS, Felicio LR. Postural control during different unipodal positions in professional balé dancers. J Danc Med Sci. 2017;21(4):151-5. DOI: http://doi.org/10.12678/1089-313X.21.4.151        [ Links ]

29.Hopper DM, Grisbrook TL, Newnham PJ, Edwards DJ. The effects of vestibular stimulation and fatigue on postural control in classical balé dancers. J Danc Med Sci. 2014;18(2):67-73. DOI: http://doi.org/10.12678/1089-313X.18.2.67        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
rafinhanoleto@hotmail.com

Manuscrito recebido: Março 2019
Manuscrito aceito: Agosto 2019
Versão online: Março 2020

Creative Commons License