SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.30 número1A sala de recepção do ambiente socioeducativo de regime fechado na perspectiva da psicologia ambientalEmpatia e impulsividade sexual entre estudantes de medicina que enviam imagens íntimas de parceiros índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282versão On-line ISSN 2175-3598

J. Hum. Growth Dev. vol.30 no.1 São Paulo jan./abr. 2020

http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.v30.9959 

ARTIGO ORIGINAL

 

Desordem coordenativa desenvolvimental em crianças de Escolas Públicas de tempo parcial e integral

 

 

Ricardo Henrique BimI; José Luiz Lopes VieiraII

IUniversidade Estadual de Maringá (UEM) - Maringá (PR), Brasil
IIUniversidade Católica de Maule (UCM) - Talca, Chile

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: Crianças com Desordem Coordenativa Desenvolvimental são caracterizadas pela baixa proficiência motora não relacionada a patologias neurológicas ou prejuízos intelectuais severos, a qual resulta em dificuldades na realização de tarefas de vida diária
OBJETIVO: Este estudo investigou a prevalência de potencial Desordem Coordenativa Desenvolvimental em crianças com média de idade de 8,1 ± 0,35 anos de escolas públicas de tempo parcial e integral
MÉTODO: A amostra foi composta por 159 crianças, de ambos os sexos, sendo 48,4% do ensino parcial 51,6% do ensino integral. Utilizou-se a Bateria de Avaliação do Movimento para Crianças-2 (MABC-2) para avaliar as habilidades de lançar e receber, destreza manual e equilíbrio estático e dinâmico. As crianças foram classificadas em: desenvolvimento motor típico, risco para Desordem Coordenativa Desenvolvimental ou potencial Desordem Coordenativa Desenvolvimental. Para análise dos dados utilizou-se o teste de Kolgomorov-Smirnov. Para comparações das variáveis utilizou-se o Teste U Mann Whitney e análise de variância para identificar em quais habilidades as crianças apresentaram melhores níveis de proficiência motora
RESULTADOS: Os resultados indicaram que 2,5% das crianças de escolas de tempo integral foram diagnosticadas com potencial Desordem Coordenativa Desenvolvimental e nenhuma ocorrência foi verificada entre as crianças das escolas de tempo parcial, porém, sem diferenças estatisticamente significativas na comparação entre as habilidades de acordo com a jornada escolar diária
CONCLUSÃO: A soma das prevalências de crianças com risco e potencial Desordem Coordenativa Desenvolvimental (18,3%) é preocupante, indicando a necessidade de avaliações do desenvolvimento motor das crianças desde cedo visando estabelecer intervenções para reverter ou minimizar os déficits motores

Palavras-chave: crianças, desenvolvimento motor, dificuldade motora, escola de tempo integral.


 

 

Síntese dos autores

Por que este estudo foi feito?

A educação em Tempo Integral é um projeto recente e com grande potencial de ser implementado na rede pública de ensino. As oportunidades de aprendizagens de habilidades motoras deveriam ser incrementadas com a maior disponibilidade de atividades em função do aumento da jornada diária escolar. Desta forma, este estudo objetivou identificar a prevalência de provável Desordem Coordenativa Desenvolvimental (DCD) em crianças matriculadas tanto na jornada parcial como integral. A pesquisa fez parte da dissertação de mestrado "Comparação do desempenho motor de crianças entre escolas públicas de tempo parcial e integral" de autoria de Ricardo Henrique Bim, sob orientação do Prof. Dr. José Luiz Lopes Vieira desenvolvida no âmbito da Universidade Estadual de Maringá (UEM) no Programa de Pós-Graduação Associado em Educação Física (UEM/UEL).

O que os pesquisadores fizeram e encontraram?

A pesquisa buscou investigar a prevalência de Desordem Coordenativa Desenvolvimental em 159 crianças de escolas públicas de tempo parcial e integral e comparar o índice de acordo com a jornada escolar diária. Utilizou-se a Movement Assessment Battery for Children Second Edition (MABC-2) de Henderson, Sugden e Barnett (2007) para avaliar as habilidades de lançar e receber, destreza manual e equilíbrio estático e dinâmico. O desempenho no teste permite classificar as crianças em: desenvolvimento motor típico, risco para DCD ou potencial DCD.

O que essas descobertas significam?

Encontramos 1,3% de crianças da amostra total (n=159) com potencial DCD. Dentre as crianças de escolas de tempo integral o índice foi de 2,5% e nenhuma ocorrência foi verificada entre as crianças das escolas de tempo parcial, porém, sem diferença significativa na comparação entre os grupos. Salientamos que 17% das crianças apresentaram risco de DCD (14,3% em crianças matriculadas em tempo parcial e de 19,5% matriculadas em tempo integral). Não houve diferença estatisticamente significativa na prevalência de provável DCD e risco de DCD entre crianças matriculadas nas escolas públicas de tempo parcial e integral.

 

INTRODUÇÃO

Crianças com Desordem Coordenativa Desenvolvimental (DCD) são caracterizadas pela baixa proficiência motora não relacionada a patologias neurológicas ou prejuízos intelectuais severos1 a qual resulta em dificuldades na realização de tarefas de vida diária (ex: segurar objetos, escrever, saltar, correr, caminhar)1,2.

Dificuldades nas habilidades motoras causam um forte impacto no desenvolvimento do indivíduo, sendo os atrasos motores as primeiras manifestações de possíveis desordens do desenvolvimento3. Deste modo, crianças com desenvolvimento motor atípico, ou que se apresentam com risco de atrasos, merecem atenção e ações específicas, já que os problemas de coordenação e controle do movimento poderão se prolongar até a fase adulta4. As dificuldades motoras podem interferir em vários domínios comprometendo o aspecto social, emocional e afetivo do sujeito5.

Em âmbito mundial, a prevalência da DCD em crianças entre 5 a 11 anos de idade está estimada entre 2% e 9%6. Na Grécia, foi relatada prevalência em 5,4% das crianças7. No Canadá, 7,5%8; Na Inglaterra 1,8%9. No Brasil, estudo10 realizado na região sul do país identificou 19,9% com DCD. Em Florianópolis-SC a prevalência relatada foi de 6,1%11. Em Manaus-AM 11,8% na zona urbana e 4,4% na zona rural12; e na cidade de Maringá-PR 11,4%13.

Na literatura nacional disponível até o momento apenas o estudo de Melo et al.14 buscou investigar a influência da educação integral na prevalência de transtorno do desenvolvimento da coordenação em crianças em idade escolar. Os estudiosos identificaram uma prevalência de 8% ao avaliarem 50 crianças (25 participantes do programa de educação integral e 25 que cursaram o ensino regular) com idade entre 7 a 10 anos. Não foi observada relação significativa entre as variáveis tipo de educação e desempenho motor das crianças, sugerindo que o programa de educação integral pode não estar exercendo influência no desempenho das crianças, como preconizado.

Observa-se que há uma lacuna de investigações sobre o tema em diferentes regiões do país e em diferentes contextos sociais. Nesse sentido, visando contribuir com o aumento da conscientização sobre esta desordem e incentivar mudanças nas políticas públicas relacionadas aos cuidados com tais crianças, o presente estudo teve como objetivo investigar a prevalência de provável Desordem Coordenativa Desenvolvimental (DCD) em crianças com idade entre 7 e 8 anos de escolas públicas de tempo parcial e integral.

 

MÉTODO

A amostra do presente estudo foi composta por 159 crianças, de ambos os sexos, com média de idade de 8,1 ± 0,35 anos matriculadas no 3º. ano do ensino fundamental de quatro escolas públicas da rede municipal de ensino de Maringá-PR, sendo 77 crianças (48,4%) do ensino parcial e 82 crianças (51,6%) do ensino integral.

O "n" amostral foi determinado considerando as duas primeiras escolas que implantaram a jornada escolar diária de período integral na rede municipal de ensino de Maringá-PR, com o "Programa Mais Educação". Na sequência, foram selecionadas aleatoriamente duas outras escolas situadas na mesma região da cidade que ainda não haviam efetivado a ampliação da jornada escolar diária, buscando avaliar crianças com características equivalentes em relação ao contexto em que viviam e nível socioeconômico.

Para avaliar as habilidades motoras das crianças foi utilizada como instrumento de medida a Movement Assessment Battery for Children-Second Edition (MABC-2) (Bateria de Avaliação do Movimento para Crianças- MABC-2)15 validada para crianças brasileiras16.

Neste estudo foi utilizada a Faixa 2 do teste, específica para crianças de 7 a 10 anos de idade, a qual reúne 8 tarefas motoras divididas em três áreas: habilidade motora de destreza manual, habilidade de lançar e receber e habilidade de equilíbrio estático e dinâmico. A partir do escore final no teste, tem-se o percentil em que se enquadra cada criança e a classificação descritiva na bateria de testes, indicando o nível de desempenho motor.

Para efeitos de classificação das crianças de acordo com o desempenho motor no teste MABC-2, adotou-se os pontos de cortes e nomenclatura já estabelecidos na literatura nacional e interacional, os quais estabelecem desempenho motor atípico e provável DCD para escore igual ou abaixo do 5º percentil; em risco para DCD para escore entre o 6º e o 15º percentil; e desenvolvimento motor típico para escore percentil 16º ou acima10,16,17.

Para administração do teste foi necessária a utilização do kit de materiais específicos comercializado junto com seu protocolo e manual de instrução. A coleta de dados foi realizada nas instalações existentes em cada instituição participante, seguindo os critérios exigidos nos protocolos e atendendo a disponibilidade das escolas. O ambiente de avaliação foi organizado previamente para garantir a segurança das crianças, fidedignidade dos testes e sigilo dos dados. Participaram da coleta dos dados quatro professores de Educação Física, pertencentes ao quadro de acadêmicos do Programa de Pós-Graduação Associado em Educação Física UEM/UEL, com experiência em avaliação do desenvolvimento e desempenho motor, devidamente treinados para aplicação dos testes.

O estudo foi aprovado pelo Comitê Permanente de Ética em Pesquisa envolvendo Seres Humanos da Universidade Estadual de Maringá (COPEP), sob parecer nº. 297/2011 e obteve autorização da Secretaria da Educação do Município de Maringá (SEDUC) e das escolas selecionadas para a realização da investigação. Na sequência, foram encaminhados, aos pais ou responsáveis das crianças, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para assinatura e respectiva autorização da participação de seus filhos no estudo.

Os dados foram organizados e analisados no programa de Software SPSS 20.0. Primeiramente foi realizada uma análise estatística descritiva das variáveis do estudo, por meio de frequência e percentual. Para análise das variáveis numéricas foi aplicado o teste de Kolgomorov-Smirnov para verificar a normalidade da distribuição dos dados. Os dados não apresentaram distribuição normal, assim, utilizou-se mediana (Md), primeiro e terceiro quartis (Q1; Q3). Para as comparações das variáveis de desempenho motor entre as jornadas escolar diária foi utilizado o Teste U Mann Whitney. Para identificar em qual dimensão as crianças apresentaram melhores níveis de proficiência motora, foi realizado o teste de análise de variância (ANOVA) para medidas repetidas, cumprindo o pressuposto de esfericidade, o qual foi observado por meio do teste de Mauchly. O nível de significância adotado para a realização dos testes de estatística inferencial foi de α=0,05.

 

RESULTADOS

Primeiramente, são apresentados os resultados da frequência absoluta (f) e frequência relativa (%) considerando a possibilidade de ocorrência de desordem coordenativa desenvolvimental (DCD), risco de DCD e desenvolvimento típico nas crianças de acordo com a jornada escolar diária em que estão matriculadas (Tabela 1).

Observa-se na Tabela 1 que 85,7% (n=66) das crianças matriculadas nas escolas de tempo parcial apresentaram desenvolvimento motor típico. Um total de 14,3% (n=11) apresentou risco de DCD, e nenhuma apresentou provável DCD. Em relação às crianças matriculadas nas escolas de tempo integral 78% (n=64) demonstraram desenvolvimento típico, 19,5% (n=16) apresentaram risco de DCD e 2,5% (n=2) foram diagnosticadas com provável DCD. Contudo, não houve diferenças estatisticamente significativas (p<0,05) quando as classificações foram comparadas de acordo com a jornada escolar diária.

A Tabela 2 apresenta a comparação do desempenho motor das crianças nas habilidades e tarefas que compõe o Teste MABC-2 entre os escolares matriculados em jornada escolar diária parcial e integral.

Verifica-se na Tabela 2 que ao se comparar as habilidades motoras das crianças matriculadas em escolas de tempo parcial com as habilidades de crianças de escolas de tempo integral, houve diferença estatisticamente significativa, na habilidade motora de lançar e receber (p=0,029), nas tarefas de lançar saco de feijão no tapete (p=0,016), pular em tapetes (p=0,041) e no escore total do teste (p=0,038). Os resultados indicam que crianças que estudam em escolas com jornada diária de tempo parcial apresentaram melhor desempenho motor nestas habilidades e tarefas em comparação às crianças que estudam em escolas de tempo integral.

A Tabela 3 apresenta a comparação das médias e desvio padrão dos escores padrão de destreza manual, lançar e receber e equilíbrio (MABC-2) das crianças de acordo com a jornada escolar diária.

Nota-se na Tabela 3 que houve diferença estatisticamente significativa entre as habilidades de destreza manual e lançar e receber das crianças matriculadas em escolas de tempo parcial (p = 0,001) e entre as habilidades de destreza manual e equilíbrio das crianças matriculadas em escolas de tempo integral (p = 0,005). O desempenho das crianças de ambos os grupos (parcial e integral) no teste MABC-2 revelou maiores dificuldades motoras na habilidade de destreza manual. Em contrapartida, as crianças matriculadas em escolas de tempo parcial tiveram melhor desempenho na habilidade de lançar e receber e as crianças matriculadas em escolas de tempo integral foram melhores na habilidade de equilíbrio.

 

DISCUSSÃO

Os resultados do presente estudo evidenciaram que duas crianças ou 1,3% das 159 crianças avaliadas foram diagnosticadas com provável DCD. Dentre as crianças estarem matriculadas nas escolas de tempo integral o índice foi de 2,5%, já entre as crianças das escolas de tempo parcial nenhuma foi diagnosticada com provável DCD. O índice para risco de DCD foi de 19,5% (16 crianças) dentre as crianças de escolas de tempo integral e 14,3% (11 crianças) dentre aquelas das escolas de tempo parcial. Apresentaram desenvolvimento motor típico 78% das crianças de escolas de tempo integral e 85,7% das crianças de escolas de tempo parcial. Observa-se que a proporção de crianças com provável DCD, em risco de DCD e desenvolvimento motor típico foi semelhantes quando comparadas de acordo com a jornada escolar diária.

Destaca-se que das 159 crianças da amostra total 27 foram diagnosticadas com risco de DCD, ou seja, é alarmante o fato de que quase uma em cada 5 crianças estão em risco de apresentar essa desordem tão comprometedora para o desenvolvimento global e qualidade de vida dos jovens10.

A comparação entre o desempenho motor das crianças nas habilidades motoras e tarefas que compõe o MABC-2, de acordo com a jornada escolar diária demonstrou que crianças matriculadas em escolas de tempo parcial apresentaram melhor desempenho motor em relação às crianças das escolas de tempo integral na habilidade motora de lançar e receber, nas tarefas de lançar saco de feijão no tapete, pular em tapetes além do escore total do teste. Estes resultados apoiam os achados14 que contrariam a hipótese de que com mais tempo de permanência na escola as crianças incrementam o desenvolvimento de suas habilidades motoras. Percebe-se que o índice de crianças com provável DCD verificado neste estudo está abaixo do que comumente encontra-se na literatura nacional, entretanto, a proporção de crianças em risco de apresentar DCD foi semelhante aos resultados publicados em estudos prévios realizados no país.

Nos três estados que compõe a região Sul do Brasil uma avaliação10 com 1.587 crianças de 4 a 12 anos de idade provenientes de escolas públicas identificou 19,9% de escolares com provável desordem coordenativa desenvolvimental e 16,8% com risco de tal desordem. Os autores evidenciaram que as dificuldades nas tarefas de destreza manual repercutiram mais fortemente para o diagnóstico de provável DCD e no risco de tal desordem. Os meninos apresentaram pior desempenho nas tarefas de destreza manual e equilíbrio, enquanto as meninas apresentaram maior deficiência nas habilidades com bola. O desempenho motor deficitário foi mais prevalente no grupo etário de crianças mais velhas.

Na cidade de Florianópolis-SC, um estudo com 380 crianças de escolas públicas, de 7 a 10 anos de idade, diagnosticou 6,1% com provável DCD e 5,5% em situação de risco para DCD11. Também em Florianópolis-SC, estudos18 realizados com 417 crianças de 7 e 8 anos indicou a prevalência de 10,8% de crianças com DCD e 12% de crianças com risco de DCD. No município de Manaus-AM, pesquisa realizada com 240 crianças de 7 e 8 anos de idade, de ambos os sexos, matriculadas em escolas da rede municipal da cidade revelou que 11,8% das crianças da zona urbana apresentavam DCD e 10,3% estavam em risco de DCD. Na zona rural, 4,4% das crianças foram classificadas com DCD e 11,1% com risco de dificuldades de movimento12. No município de Maringá-PR, foi verificado13 que de 581 crianças com idade entre 7 e 10 anos matriculadas em escolas da rede pública de ensino 11,4% apresentavam DCD e 10,5% tinham risco para a DCD.

Por outro lado, o índice de crianças diagnosticadas com provável DCD neste estudo corroboram com os resultados verificados na Inglaterra, em que uma ampla investigação9 com 6.990 crianças de 7 a 8 anos de idade constatou que 1,8% apresentavam DCD e 4,9% evidenciaram risco de DCD.

A tendência relatada em estudos nacionais, com exceção de dois estudos11,12, aponta para uma prevalência de DCD acima de 10,0%, fato divergente das pesquisas internacionais que relatam índices inferiores a 10%, como em um estudo7 realizado na Grécia com 412 crianças de 4 a 6 anos de idade que evidenciou uma prevalência de 5,4% de DCD entre as crianças e 6,3% apresentaram risco da desordem. Do mesmo modo, no Canadá em uma investigação8 com 578 crianças de 9 a 14 anos de idade, reportaram uma incidência de DCD em 7,5% da amostra. Estes estudos apoiam as afirmações de que, a prevalência da DCD no âmbito mundial em crianças entre 5 a 11 anos de idade está estimada entre 2% e 9%6. No entanto, percebe-se que há uma grande variação nos resultados para a prevalência desta desordem no Brasil e no mundo.

O diagnóstico precoce da desordem coordenativa desenvolvimental é essencial para o encaminhamento das crianças aos programas compensatórios que minimizem os problemas decorrentes da desordem na vida da criança19 que necessita de avaliação e a intervenção continuada por parte da escola e dos familiares10. Neste sentido, Silva et al.20 implementaram um programa de intervenção motora para escolares com indicativo de DCD, baseado na abordagem da Educação Física Desenvolvimentista. As sessões eram realizadas individualmente, com duas aulas semanais de 45 minutos. Após 20 sessões de intervenção para cada escolar verificou-se diferenças significativas no desempenho motor das crianças, especialmente na habilidade de equilíbrio, confirmadas pela realização de avaliações (pré e pós-teste) utilizando a MABC-2.

Em relação à prevalência de crianças com desenvolvimento motor típico, os resultados do presente estudo indicaram que 78,0% das crianças matriculadas em escolas públicas de tempo integral apresentaram desenvolvimento motor típico. Índice inferior quando comparado ao percentual de crianças matriculadas em escolas públicas de tempo parcial, em que 85,7% demonstraram desenvolvimento motor típico. Na literatura científica, os resultados indicam que a proporção de crianças com desenvolvimento motor típico é maior em outros países quando comparados ao Brasil (88,4% a 93,3%), quando comparados com a população brasileira (47% a 88,4%)7-13.

Comparações do desempenho motor de crianças entre diferentes países já tem sido conduzidas por pesquisadores21 que compararam o desempenho motor de 255 crianças, com idade entre 4 e 6 anos, de Hong Kong com o desempenho de 493 crianças dos Estados Unidos e verificaram que as crianças orientais tiveram um desempenho significativamente melhor nas habilidades de destreza manual e de equilíbrio enquanto que as crianças americanas foram melhores nas habilidades de lançar e receber objetos, evidenciando diferenças culturais em alguns itens do teste MABC.

A comparação do desempenho das crianças em cada habilidade motora da MABC-2 revelou maiores dificuldades motoras de ambos os grupos (parcial e integral) na habilidade de destreza manual. Em contrapartida, as crianças matriculadas em escolas de tempo parcial tiveram melhor desempenho na habilidade de lançar e receber e as crianças matriculadas em escolas de tempo integral foram melhores na habilidade de equilíbrio.

Esses resultados apoiam outros achados de que as dificuldades nas tarefas de destreza manual repercutiram mais fortemente para o diagnóstico de provável desordem coordenativa desenvolvimental e no risco de tal desordem independentemente do sexo e idade10,22,23. Dentre escolares que apresentaram DCD também verificou-se que escores mais baixos ocorreram nas habilidades de lançar e receber11. Em ralação às crianças que apresentaram desenvolvimento motor típico, verificaram13 que a maior dificuldade motora encontrada foi nas habilidades manuais enquanto que para as crianças identificadas com provável DCD e risco de DCD ocorreu nas habilidades com bola. Os estudos citados revelam uma tendência de pior desempenho motor das crianças nas habilidades de destreza manual, que, no teste MABC-2, engloba as tarefas de colocar pinos em uma placa, passar um cordão em uma placa e desenhar uma trilha com uma caneta sobre uma folha de papel, atividades que se referem à capacidade de motricidade fina.

Salientamos que quando somadas as prevalências da população escolar com risco de DCD e potencial DCD é altamente preocupante, analisando os prejuízos que podem ocorrer nas relações sociais, emocionais, afetivas e escolares das crianças, e, ainda, considerando os poucos recursos no país para o atendimento interventivo destas13. A falta de detecção de DCD nos primeiros anos escolares e a carência de progra¬mas compensatórios que possam remediar as restrições na motricidade terminam por agravar as limitações motoras de crianças que transitam entre o risco de DCD e a norma¬lidade na trajetória desenvolvimentista10.

Este estudo avança no sentido de investigar a prevalência de provável Desordem Coordenativa Desenvolvimental (DCD) em crianças de escolas públicas de tempo parcial e integral, no entanto, limitado a apenas um município brasileiro e sem incluir outros processos avaliativos com familiares, educadores e profissionais de outras áreas que permitissem um diagnóstico irrefutável.

Os resultados expostos neste estudo poderão contribuir para ampliar a compreensão sobre esta desordem e incentivar mudanças nas políticas públicas relacionadas aos cuidados com essas crianças, sugerindo ainda, a necessidade de continuidade e ampliação de estudos afim de ampliar a compreensão sobre a DCD e seus desdobramentos.

As avaliações diagnósticas do estado de desenvolvimento motor das crianças são essenciais para identificar desde cedo a condição motora da criança. O acompanhamento contínuo permite tomar as atitudes necessárias para reverter ou minimizar quadros de déficits motores por meio de programas de intervenção específicos. Necessidade de estruturação das atividades propostas para as crianças de tempo integral, pois somente a permanência no contra turno não garante um melhor desenvolvimento motor. Os resultados apontaram que, em termos de desenvolvimento motor, a oportunidade de atividades motoras no contra turno em casa ou na vizinhança ou qualquer outro ambiente que seja fora do ambiente escolar parecem ser mais instigadoras do desenvolvimento motor.

 

CONCLUSÃO

Os resultados desse estudo evidenciaram que não houve diferença significativa na prevalência de provável Desordem Coordenativa Desenvolvimental (DCD) entre crianças matriculadas nas escolas públicas de tempo parcial e integral, contrariando a hipótese de que com mais tempo de permanência na escola as crianças incrementam o desenvolvimento de suas habilidades motoras.

Uma em cada cinco crianças foram diagnosticadas com risco de DCD ou potencial DCD este dado é alarmante indicando a necessidade de avaliações diagnósticas do estado de desenvolvimento motor das crianças desde cedo e de programas de intervenção que possam reverter ou minimizar os déficits motores.

Lista de abreviaturas

ANOVA - Análise de variância

COPEP -Comitê Permanente de Ética em Pesquisa

DCD - Desordem Coordenativa Desenvolvimental

MABC-2 - Movement Assessment Battery for Children-Second Edition - SEDUC Secretaria da Educação do Município de Maringá

SPSS - Statistical Package for the Social Sciences

TCLE - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

UEM - Universidade Estadual de Maringá

UEL - Universidade Estadual de Londrina

 

REFERÊNCIAS

1.Association AP. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: texto revisado (DSM-IV-TR): Artmed, 2002.         [ Links ]

2.Vaivre-Douret L. Developmental coordination disorders: state of art. Neurophysiol Clin. 2014;44(1):13-23. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.neucli.2013.10.133        [ Links ]

3.Valentini NC, Saccani R. Escala Motora Infantil de Alberta: validação para uma população gaúcha. Rev Paul Pediatr. 2011;29(2):231-8. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0103-05822011000200015        [ Links ]

4.Cantell MH, Smyth MM, Ahonen TP. Two distinct pathways for developmental coordination disorder: Persistence and resolution. Hum Mov Sci. 2003;22(4-5):413-31. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.humov.2003.09.002        [ Links ]

5.Henderson SE, Henderson L. Toward an understanding of developmental coordination disorder: terminological and diagnostic issues. Neural Plast. 2003;10(1-2):1-13. DOI: http://dx.doi.org/10.1155/NP.2003.1        [ Links ]

6.Association AP. Diagnostic and statistical manual of mental disorders (DSM-5®): fifth edition. American Psychiatric Association, 2013.         [ Links ]

7.Giagazoglou P, Kabitsis N, Kokaridas D, Zaragas C, Katartzi E, Kabitsis C. The movement assessment battery in Greek preschoolers: The impact of age, gender, birth order, and physical activity on motor outcome. Res Dev Disabil. 2011;32(6):2577-82. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.ridd.2011.06.020        [ Links ]

8.Cairney J, Hay JA, Faught BE, Hawes R. Developmental coordination disorder and overweight and obesity in children aged 9-14 y. Int J Obesity. 2005;29(4):369-72. DOI: http://dx.doi.org/10.1038/sj.ijo.0802893        [ Links ]

9.Lingam R, Hunt L, Golding J, Jongmans M, Emond A. Prevalence of developmental coordination disorder using the DSM-IV at 7 years of age: a UK population-based study. Pediatrics. 2009;123(4):e693-700. DOI: http://dx.doi.org/10.1542/peds.2008-1770        [ Links ]

10.Valentini NC, Coutinho MTC, Pansera SM, Santos VAP, Vieira JLL, Ramalho MH, et al. Prevalência de déficits motores e desordem coordenativa desenvolvimental em crianças da região Sul do Brasil. Rev Paul Pediatr. 2012;30(3):377-84. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0103-0582201200030001        [ Links ]

11.Miranda TB, Beltrame TS, Cardoso FL. Desempenho motor e estado nutricional de escolares com e sem transtorno do desenvolvimento da coordenação. Rev Bras Cineantropom Desempenho Hum. 2011;13(1):59-66. DOI: http://dx.doi.org/10.5007/1980-0037.2011v13n1p59        [ Links ]

12.Souza C, Ferreira L, Catuzzo MT, Corrêa UC. O teste ABC do movimento em crianças de ambientes diferentes. Rev Port Cien Desp. 2007;7(1):36-47.         [ Links ]

13.Santos VAP, Vieira JLL. Prevalência de desordem coordenativa desenvolvimental em crianças com 7 a 10 anos de idade. Rev Bras Cineantropom Desempenho Hum. 2013;15(2):233-42. DOI: http://dx.doi.org/10.5007/1980-0037.2013v15n2p233        [ Links ]

14.Melo TMFM, Kubota AMA, Almeida PHTQ, Pontes TB. Influência da educação integral na prevalência de transtorno do desenvolvimento da coordenação em crianças em idade escolar. Cad Ter Ocup UFSCar. 2014;22(3):537-42. DOI: http://dx.doi.org/10.4322/cto.2014.075        [ Links ]

15.Henderson SE, Sugden DA, Barnett AL. Movement assessment battery for children-2. Harcourt Assessment, 2007.         [ Links ]

16.Valentini N, Ramalho M, Oliveira M. Movement Assessment Battery for Children-2: Translation, reliability, and validity for Brazilian children. Res Dev Disabil. 2014;35(3):733-40. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.ridd.2013.10.028        [ Links ]

17.Geuze RH, Jongmans MJ, Schoemaker MM, Smits-Engelsman BC. Clinical and research diagnostic criteria for developmental coordination disorder: a review and discussion. Hum Mov Sci. 2001;20(1-2):7-47. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/S0167-9457(01)00027-6        [ Links ]

18.França C. Desordem Coordenativa Desenvolvimental em crianças de 7 e 8 anos de idade. Dissertação (Mestrado) - Centro de Ciências da Saúde e do Esporte da Universidade do Estado de Santa Catarina. Florianópolis: 2008.         [ Links ]

19.Missiuna C, Moll S, King S, King G, Law M. A trajectory of troubles: parents' impressions of the impact of developmental coordination disorder. Phys Occup Ther Pediatr. 2007;27(1):81-101. DOI: http://dx.doi.org/10.1080/J006v27n01_06        [ Links ]

20.Silva EVA, Contreira AR, Beltrame TS, Sperandio FF. Programa de intervenção motora para escolares com indicativo de transtorno do desenvolvimento da coordenação-TDC. Re. Bras Educ Espec. 2011;17(1):137-50. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-65382011000100010        [ Links ]

21.Chow SM, Henderson SE, Barnett AL. The Movement Assessment Battery for Children: A comparison of 4-year-old to 6-year-old children from Hong Kong and the United States. Am J Occup Ther. 2001;55(1):55-61. DOI: http://dx.doi.org/10.5014/ajot.55.1.5        [ Links ]

22.Smits-Engelsman BC, Niemeijer AS, van Galen GP. Fine motor deficiencies in children diagnosed as DCD based on poor grapho-motor ability. Hum Mov Sci. 2001;20(1-2):161-82. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/S0167-9457(01)00033-1        [ Links ]

23.Niemeijer AS, Smits-Engelsman BC, Schoemaker MM. Neuromotor task training for children with developmental coordination disorder: a controlled trial. Dev Med Child Neurol. 2007;49(6):406-11. DOI: http://dx.doi.org/10.1111/j.1469-8749.2007.00406.x        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
ricardobim@gmail.com

Manuscrito recebido: Setembro 2019
Manuscrito aceito: Fevereiro 2020
Versão online: Março 2020

Creative Commons License