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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282versão On-line ISSN 2175-3598

J. Hum. Growth Dev. vol.30 no.2 São Paulo maio/ago. 2020

http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.v30.10366 

ARTIGO ORIGINAL

 

Novas tendências em instrumentos para triagem do desenvolvimento infantil no Brasil: uma revisão sistemática

 

 

Karolina Alves de AlbuquerqueI; Ana Cristina Barros da CunhaII

IPrograma de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) - Vitória (ES), Brasil
IIUniversidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) - Rio de Janeiro (RJ), Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: Instrumentos de triagem são usados para monitoramento do desenvolvimento infantil. O uso acurado de ferramentas padronizadas é condição indispensável para a prática clínica e pesquisas que visam detectar risco de desenvolvimento e problemas em crianças
OBJETIVO: O objetivo desta revisão sistemática foi analisar o uso de instrumentos padronizados de triagem do desenvolvimento infantil adotados em estudos com crianças brasileiras
MÉTODO: Dois pesquisadores independentes selecionaram em cinco bases de dados referencias em Inglês e Português onde buscaram estudos que usaram testes de triagem para avaliação do desenvolvimento de crianças brasileiras. Todos os artigos foram lidos para analisar o objetivo principal, delineamento, população-alvo, o tipo de teste de triagem e o propósito de uso do teste com crianças brasileiras
RESULTADOS: Dentre os 27 artigos analisados, a maioria deles eram estudos observacionais conduzidos com crianças até seis anos de idade com objetivo principal de rastrear atrasos e analisar associações entre riscos e desenvolvimento. Quatro instrumentos foram identificados: Teste de Triagem do Desenvolvimento de Denver II; Ages and Stages Questionnaire; Bayley Scales of Infant and Toddler Development, Screening Test; e Battelle Developmental Inventory Screening Test. Três testes estão sendo validados para uso no Brasil
CONCLUSÃO: Esta revisão sugere que os instrumentos de triagem têm sido usados nas pesquisas com diferentes finalidades, por vezes de forma apropriada ou incorreta, como por exemplo para diagnosticar problemas de desenvolvimento. Além disso, os estudos de validação de medidas para triagem e avaliação do desenvolvimento de crianças brasileiras ainda são escassos e, por isso, merecem atenção

Palavras-chave: desenvolvimento infantil; instrumentos de triagem; vigilância; avaliação do desenvolvimento; revisão sistemática.


 

 

Síntese dos autores

Por que este estudo foi feito?

O uso de ferramentas padronizadas, feito de forma adequada é fundamental para detectar riscos de atrasos no desenvolvimento em crianças. Este estudo foi feito para verificar quais são e como tem sido usados os instrumentos padronizados de triagem do desenvolvimento infantil na população brasileira.

O que os pesquisadores fizeram e encontraram?

Este é um estudo de revisão sistemática conduzida de acordo com as diretrizes do Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta Analyses - PRISMA. Analisamos 27 artigos e identificamos quatro instrumentos de triagem: Teste de Triagem do Desenvolvimento de Denver II; Ages and Stages Questionnaire; Bayley Scales of Infant and Toddler Development, Screening Test; e Battelle Developmental Inventory Screening Test. Encontramos informações de estudos psicométricos de versões adaptadas para uso no Brasil de três dos quatro instrumentos.

O que essas descobertas significam?

Os instrumentos de triagem são usados com diferentes propósitos, que não só o rastreio do desenvolvimento infantil. O principal erro é o seu uso para diagnosticar atrasos no desenvolvimento. Além disso, os estudos psicométricos de medidas para triagem e avaliação do desenvolvimento de crianças brasileiras ainda são escassos e, por isso, merecem atenção.

 

INTRODUÇÃO

O monitoramento do desenvolvimento infantil é um processo amplo, contínuo e imprescindível para a saúde e desenvolvimento de crianças1,2, com especial importância desde as mais recentes políticas públicas de atenção à saúde da criança3. Neste processo, a técnica de triagem mais utilizada por profissionais de saúde brasileiros para detectar possíveis alterações no desenvolvimento infantil é a avaliação clínica informal4. Entretanto, o julgamento clínico baseado nessa avaliação detecta apenas 30% das crianças suspeitas de comprometimento no desenvolvimento, enquanto instrumentos padronizados de triagem apresentam sensibilidade e especificidade de 70 a 90% na identificação destas crianças5.

Instrumentos padronizados de avaliação apresentam diferentes propósitos. Testes de triagem, por exemplo, são usados para identificar crianças em risco para atrasos no desenvolvimento e, portanto, necessitam ser adequados para uma avaliação específica6. Por definição, eles devem ser de rápida administração e abrangentes o suficiente para indicar problemas em diferentes domínios do desenvolvimento, como motor, cognitivo e socioemocional. Os instrumentos padronizados de triagem configuram-se como a melhor forma de identificação precoce de crianças com risco para atrasos(1), todavia não são suficientes para detalhar ou diagnosticar alterações específicas do desenvolvimento devido às características que os definem7.

Atualmente, maior parte dos testes para triagem do desenvolvimento infantil disponíveis foi desenvolvida na América do Norte. Para uso no Brasil, eles necessitam passar por um processo de tradução, adaptação e verificação de propriedades psicométricas para serem utilizados no contexto brasileiro7,8. Estudos anteriores de revisão de instrumentos de avaliação do desenvolvimento infantil indicam a falta de testes validados para o Brasil8-10. Ressalta-se, ainda, que estes estudos revisaram diferentes medidas de avaliação infantil e não somente testes de triagem. Dessa forma, são necessários estudos que discutam sobre os testes padronizados para triagem do desenvolvimento infantil disponíveis no Brasil e sua efetividade para a detecção precoce de alterações na criança e para monitoramento completo do desenvolvimento infantil. Diante do exposto, a pergunta norteadora desta revisão sistemática é: "Quais os testes padronizados para triagem do desenvolvimento infantil mais usados em crianças brasileiras e como eles têm sido utilizados em pesquisas?".

Assim, o objetivo dessa revisão é analisar o uso de testes padronizados para triagem do desenvolvimento infantil adotados em estudos com crianças brasileiras.

 

MÉTODO

Trata-se de um estudo de revisão sistemática conduzida de acordo com as diretrizes do Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses - PRISMA. A busca dos artigos foi realizada em cinco bases de dados indexadas: PubMed, Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), LILACS, IBECS e SciELO. O processo de busca e seleção foi conduzida por dois pesquisadores independentes entre abril e maio de 2018 e atualizado em fevereiro de 2020, utilizando-se as palavras-chave e operadores booleanos ("child development" OR "neuropsicomotor development" OR "infant development"), AND (screening OR surveillance), AND ("Brazil"), e seus respectivos termos em português. Possíveis divergências e discordâncias na busca e seleção dos artigos foram resolvidas por consenso entre os pesquisadores. Todo o processo foi realizado utilizando-se o software Mendeley Desktop® para organização das referências.

As referências retidas para essa revisão obedeceram aos seguintes critérios de inclusão: a) estudos empíricos redigidos em Inglês e Português; b) estudos publicados em formato de artigo em periódicos nacionais ou internacionais nos últimos sete anos (entre 2014 e 2020); c) somente estudos com crianças brasileiras que adotaram algum teste padronizado para triagem do desenvolvimento infantil. Para o proposito desta revisão, somente testes para triagem com procedimentos padronizados de aplicação, correção e interpretação, e de rápida administração para avaliação de diferentes domínios do desenvolvimento foram considerados7. As referências foram excluídas de acordo com os seguintes critérios: a) estudos que usaram instrumentos não padronizados ou que não eram testes de triagem; e b) estudos que não usaram o teste para avaliar o desenvolvimento da criança.

Depois da leitura completa de todos artigos, as seguintes informações foram extraídas: a) objetivo principal, delineamento e população-alvo do estudo; b) teste de triagem utilizado; e c) finalidade do uso do teste. Manuais, livros e sites dos testes foram lidos para complementar aquelas informações. Baseado naquelas informações as características gerais dos instrumentos em termos de faixa etária, procedimentos de aplicação e interpretação, sensibilidade/especificidade da versão original, adaptação/validação e disponibilidade de uma versão do instrumento para uso no Brasil foram mais bem descritas. Os dados foram organizados em figuras e tabelas que serão apresentadas a seguir.

 

RESULTADOS

O processo de busca e seus resultados estão descritos na Figura 1.

Primeiro, um total de 2139 referencias foram encontradas. Após aplicação dos filtros e remoção das produções duplicadas foram examinados 754 artigos a partir dos títulos. Após leitura dos resumos, 33 artigos foram identificados como de acordo com o objetivo proposto para essa revisão. Todos foram então lidos na íntegra e, por fim, seis artigos foram excluídos, porque usaram instrumentos de avaliação infantil que não eram de triagem ou padronizados, ou usaram o teste para verificar a compreensão de adultos a respeito dele, sem administrá-lo na criança.

Em geral, a maior parte das referências eram de estudos observacionais do tipo transversal (n=18) ou metodológicos (n=5), estes últimos com objetivo de avaliar propriedades psicométricas dos instrumentos. Os estudos observacionais tinham como objetivo principal verificar desfechos do desenvolvimento ou associar estes desfechos com fatores biopsicossociais (n=16). Considerando todos os 27 artigos retidos, 77.943 crianças brasileiras menores de seis anos de idade foram avaliadas. Ressalta-se que seis estudos incluíram apenas crianças menores de dois anos11-16.

Em sua maioria, a população-alvo dos estudos era de crianças com desenvolvimento normal11,12,15,17-28 ou crianças em risco para atrasos14,16,29-36. Dois estudos incluíram crianças com diagnóstico confirmado de deficiência, no caso paralisia cerebral37 e microcefalia13.

Quatro testes de triagem do desenvolvimento infantil foram identificados nesta revisão: 1) Teste de Triagem do Desenvolvimento de Denver Revisado - Denver II38; 2) Ages and Stages Questionnaire - ASQ39; 3) Bayley Scales of Infant and Toddler Development, Screening Test - Bayley-ST40; e 4) Battelle Developmental Inventory, Screening - BDIS41. O mapa das referências com os respectivos testes de triagem está apresentado na Figura 2.

Uma breve descrição dos testes em termos de suas características de conteúdo, formato e propriedades psicométricas das versões originais está apresentada na Tabela 1.

Nos estudos revisados, os testes para triagem do desenvolvimento infantil foram escolhidos e adotados para finalidades diversas, conforme apresentado na Tabela 2.

 

DISCUSSÃO

Considerando a importância do uso de medidas padronizadas e validadas no monitoramento do desenvolvimento de crianças, esta revisão teve como objetivo analisar o uso de testes padronizados para triagem do desenvolvimento adotados em estudos com crianças brasileiras, a fim de discutir sobre as novas tendências para uso destes testes no Brasil. Os achados revelaram que os estudos têm adotado, em geral, quatro instrumentos de triagem, sendo eles: Teste de Denver II, Ages and Stages Questionnaires (ASQ); Bayley Scales of Infant and Toddler Development, Screening Test (Bayley-ST) e o Battelle Developmental Inventory Screening (BDIS).

A escolha de um teste, seja para fins clínicos ou de pesquisa, deve se basear nos objetivos do profissional/pesquisador, no perfil da população a ser avaliada e nas propriedades psicométricas do instrumento9. De modo geral, os estudos usaram testes para triagem do desenvolvimento infantil para avaliar crianças na faixa etária correspondente à população-alvo do teste, o que reafirma a adequação do uso do teste para o perfil de idade populacional que ele avalia. Da mesma forma, a análise do objetivo principal destes estudos apontou que muitos deles usaram o instrumento de triagem com propósitos condizentes a esse tipo de instrumentação, tais como verificar incidência de suspeita de atrasos e buscar relações entre fatores de risco e desfechos no desenvolvimento de uma população.

Entretanto, a análise também revelou que alguns deles optaram por usar um instrumento para triagem com propósitos que excediam as possibilidades desse tipo de ferramenta de avaliação.

O uso adequado de testes para rastreio e identificação da incidência de suspeita de atrasos do desenvolvimento por vezes não foi considerado. Parte dos estudos adotou um teste de triagem para determinar atrasos do desenvolvimento em uma população específica (13,15,33). Embora nenhum dos estudos revisados tenha buscado formalizar um diagnóstico, as conclusões podem ser interpretadas para classificação diagnóstica da criança e não como suspeita ou rastreio de atrasos de desenvolvimento. Por exemplo, Dell'Agnolo et al.33, concluem que três meninos avaliados em seu estudo pelo teste de Denver II apresentaram diagnóstico de atrasos na fala. O uso de testes para triagem como medida para descrição do perfil de desenvolvimento da criança também é um ponto crítico25,27,32. Teste para triagem do desenvolvimento são ferramentas breves, com poucos itens e não permitem esse tipo de descrição. Eles se propõem apenas a identificar crianças que devem ser indicadas para uma avaliação complementar7,42.

Dentre os testes observados nos artigos revisados, o Teste de Denver II foi o mais usado em 12 estudos. Embora não haja uma adaptação autorizada ou estudos que atestem a validade deste teste para uso com a população brasileira, duas pesquisas usaram-no como padrão-ouro na validação de uma medida de avaliação21,29. Essa a escolha é feita baseada na popularidade do Teste de Denver II, bem como pela escassez, até o momento, de testes de triagem validados para uso com crianças brasileiras. Além disso, o Teste Denver II é uma ferramenta de avaliação infantil indicada pela Sociedade Brasileira de Pediatria, e é um teste barato e de fácil aplicação22. Todavia, é importante cautela na interpretação e generalização dos resultados do Teste Denver por causa das suas limitações em termos de validação para o Brasil, o que não foi observado nos estudos revisados.

Testes de triagem, como o Teste de Denver, identificam crianças que podem estar em risco para atrasos no desenvolvimento1,6, não sendo, portanto, instrumentos apropriados para a avaliação de crianças com diagnóstico confirmado de atrasos ou deficiências, como foi visto em alguns dos estudos analisados13,37. Lamônica et al.37 usaram o Teste de Denver para avaliar crianças com diagnóstico de paralisia cerebral, condição de saúde e neurodesenvolvimento que, por definição, apresenta atrasos severos no desenvolvimento motor43. O Teste de Denver II também foi usado para verificar a eficácia de uma intervenção nutricional no desempenho cognitivo de crianças31, o que também é um uso indevido do teste de triagem, que não são adequados para avaliar eficácia um estudos de intervenção. Além disso, a cognição não é um dos domínios avaliados pelo Teste de Denver, o que pode, inclusive, resultar em viés de análise dos resultados da pesquisa.

Ressalta-se que a escolha correta de uma medida de avaliação é muito importante. Cada teste foi planejado para alcançar propósitos com finalidades específicas para avaliar uma determinada população em domínios previamente definidos6,9. Revisões anteriores sobre ferramentas de avaliação do desenvolvimento argumentam sobre a falta de testes validados para o Brasil8-10. Além dos cinco estudos metodológicos incluídos nesta revisão, três dos quatro testes de triagem analisados aqui estão em processo de validação para uso com a população infantil brasileira. Entretanto, a disponibilidade desses testes validados para uso no Brasil ainda é restrita. O Teste de Denver II, por exemplo, possui uma versão traduzida para o português que é comercializada no Brasil44, mas não é normatizado ou validado para uso com a crianças brasileiras. Por sua vez, o ASQ possui uma versão em português para o Brasil adaptada para uso em creches brasileira: o ASQ-BR45.

Embora os estudos psicométricos com o ASQ-BR tenham encontrado bons índices de validade de constructo e ótimas correlações item-to-test19,40, ele não está disponível para uso comercial. Dos quatro estudos que usou o ASQ, três adotaram o ASQ-BR com objetivo de obter melhores índices de consistência interna e de validade15,19,23.

Por outro lado, as Escalas Bayley possuem uma versão em português comercializada no Brasil, que inclui a versão completa e de triagem, mas que não são adaptadas para uso com crianças brasileiras46. Em 2016, uma versão completa das Escalas Bayley III foi adaptada em um primeiro estudo de validação proposto por Madaschi et al.47, mas também não são comercializadas. Neste estudo, a versão completa das Escalas Bayley III apresentou alta validade convergente e boa consistência interna na avaliação de crianças a partir de 12 meses, porém, baixa estabilidade e baixos índices de confiabilidade teste-reteste também foram encontrados47. Nenhum dos artigos incluídos nessa revisão citou o este estudo de validação das Escalas Bayley e não há estudos psicométricos da versão de triagem para o Brasil.

Por fim, o Battelle Developmental Inventory Screening (BDIS) foi usado nos estudos revisados, que adotaram uma tradução livre da versão em espanhol do BDIS conduzida pelos autores, sem adaptação ou validação para uso com crianças brasileiras14,17. É importante destacar que o BDIS foi recentemente adaptado para a população brasileira pelas autoras desta revisão e os resultados psicométricos são promissores, indicando excelentes índices de validade baseada na estrutura interna, validade concorrente e convergente, consistência interna e confiabilidade teste-reteste e entre examinadores48.

Devido à importância de monitorar o desenvolvimento infantil para procurar por atrasos e realizar uma intervenção precoce, a escolha de um teste para triagem e identificação de riscos para o desenvolvimento infantil deve ser feita de forma clara e precisa. Testes que avaliam ampla faixa etária permitem amplas análises e uma aplicação clínica mais fidedigna, porque eles permitem um acompanhamento longitudinal pelos mesmos parâmetros avaliados8. Conhecer os domínios de desenvolvimento que o teste avalia também é importante, o que deve ser coerente ao propósito do pesquisador6, assim como dos profissionais clínicos do campo da Atenção Precoce. Além disso, esta revisão contribui para a prática de monitoramento e triagem do desenvolvimento infantil, porque os principais testes para rastreio de atrasos do desenvolvimento são analisados criticamente. Também, as tendências do uso destas ferramentas são discutidas, apresentando uma visão crítica que pode ajudar na escolha de medidas de avaliação infantil para uso em clínica e em pesquisas.

Finalmente, os resultados dessa revisão indicam a necessidade de mais investimento em medidas de avaliação apropriadas para a população infantil no Brasil. Embora sejam escassos os instrumentos validados para essa população, é possível perceber um considerável empenho dos pesquisadores para adaptar e encontrar evidências psicométricas para versões brasileiras de testes de triagem. Esse empenho é válido e merece o reconhecimento da comunidade acadêmico-científica, mas o incentivo financeiro é mandatório para novos estudos de validação. Além disso, é importante que os profissionais tenham cuidado na escolha e uso dos instrumentos adaptados e validados. Estudos de adaptação cultural e de avaliação das propriedades psicométricas são fundamentais para que as ferramentas de triagem, já consideradas robustas e sensíveis internacionalmente, possam ser usadas sem restrições na avaliação da população infantil também no Brasil.

 

CONCLUSÃO

Esta revisão identificou quatro testes padronizados para triagem do desenvolvimento que são usados em pesquisas com crianças brasileiras. Esses testes ainda não possuem validade psicométrica consistente para uso no Brasil, o que deve ser considerado na escolha de uma ferramenta de avaliação. Os resultados desta revisão mostram que, por vezes, os testes de triagem são usados de forma inapropriada, sobretudo porque são usados com objetivos que extrapolam seus propósitos, como por exemplo para diagnóstico ou acompanhamento da evolução e progressão do desenvolvimento infantil. Por fim, nossos achados indicam que estudos de validação, e não somente de adaptação transcultural, dos testes de triagem são muito necessários e, por isso, merecem atenção. Isso significa oferecer fomento e suporte para as pesquisas serem conduzidas com objetivo de validar medidas mais fidedignas e sensíveis para avaliação do desenvolvimento da criança brasileira, as quais poderão ser usadas para prevenção aos riscos e proteção da infância no Brasil.

 

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Endereço para correspondência:
karol.arcos@gmail.com

Manuscrito recebido: Setembro 2019
Manuscrito aceito: Janeiro 2020
Versão online: Maio 2020

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