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Journal of Human Growth and Development

Print version ISSN 0104-1282On-line version ISSN 2175-3598

J. Hum. Growth Dev. vol.30 no.2 São Paulo May/Aug. 2020

http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.v30.10370 

ARTIGO ORIGINAL

 

Perfil alimentar, metabólico e antropométrico de adolescentes nascidos prematuros

 

 

Mírian Nara LopesI; Sabrina GrassiolliII; Maria de Lá Ó Ramalho VeríssimoIII; Beatriz Rosana Gonçalves de Oliveira TosoIV; Pamela Talita FavilIV; Ana Cláudia Ramos de PaulaIV; Cláudia Silveira VieraIV

IUnidade Saúde da Família Santo Onofre, Secretaria Municipal de Saúde de Cascavel (SMS) Cascavel (PR), Brasil
IICentro de Ciências Biológicas e da Saúde, Departamento de Ciências Biológicas Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE) - Cascavel (PR), Brasil
IIIDepartamento de Enfermagem Materno-Infantil e Psiquiátrica, Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo (USP) - São Paulo (SP), Brasil
IVCentro de Ciências Biológicas e da Saúde, Departamento de Enfermagem, Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE) - Cascavel (PR), Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: A prematuridade pode estar relacionada à instalação precoce de obesidade e síndrome metabólica na adolescência. O aleitamento e a alimentação são fatores cruciais na gênese do risco cardiometabólico
OBJETIVO: Analisar a relação do tipo de aleitamento e hábitos alimentares com o perfil pressórico, lipídico, glicêmico e antropométrico de adolescentes nascidos prematuros
MÉTODO: Estudo transversal com 50 adolescentes nascidos prematuros no oeste do Paraná, com idades entre 10 e 19 anos. Avaliaram-se dados do nascimento, aleitamento e alimentac
̧ão (Marcador de Consumo Alimentar de 24 horas). Verificou-se peso, altura, circunferência abdominal (CA), pressão arterial (PA); dosadas concentrações de glicose, colesterol total (CT) e triglicerídeos (TG) por punção capilar. Análise de dados por estatística descritiva e análise de variância
RESULTADOS: 78% realizavam alimentac
̧ão em frente a telas e 52% não realizavam todas as principais refeições do dia; independentemente da quantidade de refeições diárias, os perfis lipídico, glicêmico e CA não apresentaram diferença estatística significante entre os grupos. Observou-se associação estatisticamente significante entre PA e número de refeições (p=0,01), CT e aleitamento materno (p=0,03) e TG com consumo de embutidos (p=0,02) e produtos ricos em carboidratos (p=0,01). Para 72% foi ofertado leite de vaca antes de completar um ano e somente 30% receberam aleitamento materno exclusivo até os seis meses de idade. Na amostra, 30% apresentaram PA elevada, 22% e 41% CT e TG elevados, respectivamente. Dos 30% com excesso de peso, 60% apresentaram PA elevada, 53% TG, 33% CT elevado e 33% percentil CA 90
CONCLUSÃO: O aleitamento não influenciou no perfil metabólico, porém se evidenciou como fatores de risco para os adolescentes desenvolverem problemas cardiovasculares futuros à prematuridade, hábitos alimentares inadequados, excesso de peso, CA e perfil pressórico e lipídico alterados

Palavras-chave: Prematuridade, Saúde do Adolescente, Nutrição do Adolescente, Comportamento Alimentar, Doenças Cardiovasculares, Síndrome X Metabólica.


 

 

Síntese dos autores

Por que este estudo foi feito?

Avaliar em que medida o aleitamento e a alimentação estão associados as alterações nesse período da vida do nascido prematuro, conforma-se em importante caminho para intervenção.

O que os pesquisadores fizeram e encontraram?

Os pesquisadores avaliaram o perfil alimentar, metabólico e antropométrico de adolescentes nascidos prematuros mediante estudo de desenho transversal e evidenciaram que mesmo com hábitos alimentares saudáveis, eles podem apresentar alteração nos perfis pressórico, lipídico, glicêmico e/ou antropométrico, sendo que nessa amostra a prevalência de síndrome metabólica foi de 8%.

O que essas descobertas significam?

O adolescente nascido prematuro apresenta risco cardiovascular elevado; nesse sentido, identificar precocemente esse perfil e reconhecer o índice de síndrome metabólica nesse grupo contribui para reduzir o desenvolvimento de doenças crônicas na vida adulta.

 

INTRODUÇÃO

Segundo a Organização Mundial da Saúde1, a cada 10 partos há um prematuro, totalizando aproximadamente 15 milhões anualmente. Destes, em torno de um milhão morre por complicações da prematuridade ou tem prejuízos em sua qualidade de vida, com sequelas permanentes ou condições crônicas1,2.

Muitas das repercussões da prematuridade são decorrentes da alimentação no período neonatal3. Para o recém-nascido prematuro, tanto o excesso como a falta de alimentos causam prejuízos. O objetivo da alimentação nessa fase é promover ganho de peso, crescimento e desenvolvimento adequados, prevenindo possíveis alterações metabólicas e neurológicas4. Dada à condição de prematuridade, a nutrição parenteral tem sido a primeira opção na nutrição, ainda que desencadeie alterações imediatas, como hiperglicemia, distúrbios eletrolíticos e hipertrigliceridemia. A alimentação enteral deve ser iniciada tão logo possível, com o leite da própria mãe, considerado o mais adequado à idade gestacional do recém-nascido prematuro4.

Nos primeiros meses, o recém-nascido prematuro apresenta catch-up, caracterizado por taxas de crescimento maiores do que o comumente esperado5. No entanto, o risco de desenvolver doenças cardiometabólicas devido ao catch-up é aspecto importante que deve ser considerado no seguimento do recém-nascido prematuro6.

A preocupação com possíveis efeitos adversos do crescimento muito rápido ou muito lento do recém-nascido prematuro é crescente, pois uma nutrição não ideal poderá causar reflexos profundos e duradouros, com maior risco para obesidade e distúrbios cardiovasculares na adolescência e vida adulta6,7. Assim, a má nutrição intraútero ou durante a primeira infância predispõe o feto a alterações metabólicas, que pode ter repercussão no perfil metabólico na infância, evento conhecido como origem fetal dessas doenças8.

Esses períodos são conhecidos como janelas críticas de exposição para a programação metabólica, ou seja, momento de maior risco9. O período da lactação é considerado uma janela crítica do desenvolvimento10, uma vez que a desnutrição ou a superalimentação nesse período pode contribuir para o desenvolvimento de Síndrome Metabólica (SM). Em crianças nascidas a termo, o uso de fórmulas para o aleitamento e o rápido crescimento esteve associado a SM, enquanto que o aleitamento materno foi associado ao baixo risco de desenvolver SM9. Em relação ao recém-nascido prematuro tem-se que é comum que a família ofereça grande quantidade de leite ou alimentos, por acreditarem que esse precisa engordar e crescer rapidamente, aumentando o risco de obesidade e suas morbidades, como a SM6.

A SM é um transtorno complexo traduzido por fatores de risco cardiovascular, definida como a presença de três ou mais alterações metabólicas: hipertrigliceridemia, reduzidas concentrações de colesterol de alta densidade (HDL), resistência insulínica, hipertensão arterial e obesidade visceral (podendo ser verificada pela Circunferência Abdominal - CA)11. Várias condições estão relacionadas ao seu surgimento, como predisposição genética, falta de atividade física e alimentação inadequada12.

Além dessas condições, o crescimento fetal e pós-natal são determinantes para a SM, uma vez que recém-nascidos pequenos para idade gestacional e prematuros têm aumento na prevalência dos componentes da SM da infância à vida adulta, inversamente proporcional ao peso ao nascer13. Quando adultos, apresentam níveis mais altos de Pressão Arterial (PA), de glicose em jejum, e baixa sensibilidade insulínica, quando comparados aos nascidos a termo13,14.

Evidencia-se que a prematuridade e a alimentação do recém-nascido podem estar associadas à ocorrência de alterações no metabolismo. Considerando ainda que o diagnóstico de SM tem aumentado a cada ano entre crianças e adolescentes, em virtude do estilo de vida e do alto índice de sobrepeso e obesidade dentre esse público, questiona-se se entre adolescentes nascidos prematuros essa ocorrência também está presente.

Tem-se, para tanto, como objetivo deste estudo analisar a relação do tipo de aleitamento e hábitos alimentares com o perfil pressórico, lipídico, glicêmico e antropométrico de adolescentes nascidos prematuros.

 

MÉTODO

Estudo de abordagem quantitativa de desenho transversal, em que são descritas as variáveis como uma fotografia de um recorte temporal, sendo as causas e efeitos são permanentes com evolução crônica ou prolongada15, como no caso da prematuridade. A pesquisa foi desenvolvida em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) de município no oeste do Paraná, no primeiro semestre de 2017.

A população foi composta por adolescentes entre 10 e 19 anos, nascidos prematuros. Visto que a amostra foi do tipo conveniência, diferentes estratégias foram realizadas para incluir o maior número possível de participantes; verificaram-se manualmente todos os prontuários dos usuários nessa faixa etária nos arquivos da UBS, buscando-se nascimentos ocorridos no recorte temporal entre 1998 a 2006. Adicionalmente, realizou-se busca em escola da região e abordagem aos usuários que frequentavam a UBS.

Na UBS, identificaram-se 91 nascimentos com peso abaixo de 2500g, mas sem registro de Idade Gestacional (IG). Destes, não foram localizados 43 adolescentes após três ou mais tentativas de contato telefônico em dias e horários diferentes. Dos contatados, quatro recusaram o convite para participar da pesquisa, um estava internado para desintoxicação e 10 tinham IG maior que 37 semanas. Na busca na escola e na abordagem na UBS, foram identificados mais 32 adolescentes; destes, quatro não nasceram prematuros, dois residiam em outro município e, com seis, não se conseguiu contato telefônico.

Foram excluídos do estudo os adolescentes não localizados e aqueles que não compareceram na terceira tentativa de agendamento para avaliação. A amostra final compreendeu 50 adolescentes nascidos prematuros com idades entre 10 e 19 anos.

A coleta de dados deu-se na UBS, após agendamento conforme a disponibilidade do adolescente e seu responsável. Os participantes foram informados sobre os aspectos éticos e legais para assinatura dos termos de assentimento, pelo adolescente, e de consentimento, pelo responsável.

Para a entrevista, utilizou-se formulário que incluía aspectos sociodemográficos, clínicos e comportamentais, baseado no instrumento de Goldenring e Cohen16. Para investigação da amamentação, questionou-se sobre o tempo de Aleitamento Materno Exclusivo (AME) e complementado, idade de introdução de fórmula infantil e leite de vaca. Para investigação dos hábitos alimentares, utilizou-se o Marcador de Consumo Alimentar de 24 horas, recomendado pelo Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional17.

Após a entrevista, realizou-se exame físico na presença do responsável. Verificou-se a PA com esfigmomanômetro aneroide da marca Premium® com braçadeira adequada, devendo o manguito ocupar dois terços do braço. A PA foi aferida após pelo menos 10 minutos de repouso, no membro superior esquerdo, apoiado à altura do coração; por duas vezes, com intervalo máximo de 10 minutos. Os valores médios das aferições foram avaliados por gráficos de percentil de idade, estatura e sexo, sendo considerada elevada quando PA sistólica ou diastólica maior ou igual que percentil 95, em acordo com a 7a edição das Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial18. Para maiores de 18 anos, os parâmetros utilizados foram os mesmos do adulto.

Para avaliação do peso, utilizou-se balança tipo plataforma digital portátil, marca Líder®, modelo P200m, capacidade de 200 kg; para a estatura, utilizou-se estadiômetro de parede Sanny®, modelo Standart, com escala em milímetros. Registrou-se o peso (P) em quilogramas (Kg) e a altura (A) em metros (m); para obtenção do Índice de Massa Corporal (IMC) aplicou-se a fórmula IMC=P/A2 (peso dividido pela altura ao quadrado), utilizando-se os pontos de corte de Escore-Z para avaliação19.

Verificou-se a CA no ponto médio entre a margem inferior da última costela e a borda superior da crista ilíaca com fita métrica inelástica graduada em milímetros, com o adolescente em pé, pés unidos e abdome exposto. Os dados foram avaliados segundo critérios da IDF11, recomendado pela Diretrizes da SBD12; aqueles com mais de 18 anos foram avaliados com os parâmetros de adultos, que considera adequada a CA <90cm para homens e <80cm para mulheres.

Na sequência, o adolescente foi submetido à coleta de sangue capilar - realizou-se punção periférica com lancetas automáticas da marca Premium®. Para avaliação de glicose, foi utilizado o aparelho Accu-Chek® Active e o resultado analisado de acordo com a VI edição das Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes para sangue plasmático, uma vez que o resultado obtido com a tira-teste corresponde à concentração de glicose no plasma12,20.

Para realização dos exames de Triglicerídeos (TG) e Colesterol Total (CT), foi utilizado o aparelho Accuntrend Plus®, com tiras-teste para pesquisa quantitativa de TG e CT em sangue capilar fresco, seguindo orientações do fabricante. A Sociedade Brasileira de Análises Clínicas21 afirma que determinações de CT e TG podem ser analisadas sem jejum prévio, pois fornecem informações importantes sobre o risco aumentado de doença coronariana. Assim, os resultados de CT e TG foram avaliados conforme valores de referência do Consenso Brasileiro para a Normatização da Determinação Laboratorial do Perfil Lipídico21.

Após a digitação com conferência dupla no Microsoft Excel for Windows 2010, a análise estatística foi realizada no software R (R Development Core Team), com poder de teste de hipóteses superiores a 80%. Realizou-se estatística descritiva e análise de variância; para avaliar as variáveis qualitativas e sua relação com as variáveis quantitativas, foi construída a tabela de análise de variância (ANOVA). A análise da associação entre as variáveis qualitativas foi realizada pelo teste de associação exato de Fisher e sua versão híbrida, todos com 5% de probabilidade. Para a análise da proporção de adolescentes em cada grupo para a comparação das categorias, foram analisadas frequência absoluta, proporção amostral e intervalo de confiança de Wilson, válido para pequenas amostras.

O estudo foi registrado pelo Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) 16348813.7.1001.0107 e aprovado com parecer 1.134.712; todos adolescentes assinaram o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido e seus responsáveis o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

 

RESULTADOS

Quanto à caracterização da amostra, 26 (52%) eram do sexo masculino, com maioria de cor auto referida branca (54%) e idade entre 10 e 14 anos (68%). A maior parte (80%) foi classificada como prematuro moderado ou tardio, apresentando Idade Gestacional (IG) média de 33,18 semanas e peso médio ao nascer de 2046g, estando o peso adequado para idade gestacional em 70% dos casos.

No que diz respeito aos hábitos alimentares, 28% foram amamentados com Leite Materno (LM) por mais de um ano, com tempo médio de 13,29 meses. Em relação aos hábitos atuais, 78% realizavam alimentação em frente a algum tipo de tela; mais da metade (52%) não realizava as principais refeições do dia; entre 54% a 80% tinham a alimentação composta por feijão, frutas frescas, verduras e legumes. No entanto, de 26 a 68% faziam uso de alimentos ricos em carboidratos e gorduras (Tabela 1).

A maioria dos adolescentes nascidos prematuros apresentou níveis normais de PA (70%), glicemia (98%), CT (78%), TG (59%) e percentil da CA <90 (90%). Porém, há que se considerar que aqueles com PA, CT e TG elevados (30, 22 e 41%, respectivamente) e os 30% com excesso de peso - sendo 22% com sobrepeso e 8% com obesidade - constituem-se em grupo de risco para desenvolverem SM na vida adulta. Destaca-se que a prevalência de SM nesta amostra foi de 8%.

Observa-se, na Tabela 2, a distribuição dos adolescentes quanto ao tipo e tempo de aleitamento e seu perfil lipídico, glicêmico, pressórico e de Circunferência Abdominal (CA).

Quanto ao tipo de alimentação láctea, 30% receberam AME até os seis meses de idade, enquanto mais da metade (54%) recebeu LM com fórmula infantil como complemento e 16% foram alimentados com exclusivamente com fórmula infantil e/ou Leite de Vaca (LV). Não houve associação estatisticamente significativa do tipo de aleitamento com níveis alterados de PA, CT, TG, glicemia e CA.

Em relação às refeições realizadas ao longo do dia, observa-se que aqueles que realizam as três principais refeições (desjejum, almoço, jantar), apresentam resultados mais adequados aos parâmetros estabelecidos para PA, glicemia, CT e CA (Tabela 3). Ainda, 42% não consomem café da manhã e 10% não almoça ou janta. No entanto, independentemente do número diário de refeições, o perfil lipídico, glicêmico e a CA não evidenciou diferença estatística entre os grupos. Contudo, dentre os que não realizavam uma das principais refeições, 20% apresentaram PA elevada e 24% TG elevado.

Verifica-se na tabela 4 a análise de associação entre consumo de alimentos indicados no Marcador de Consumo Alimentar e número de refeições diárias em relação aos perfis pressórico, glicêmico, lipídico e antropométrico dos adolescentes nascidos prematuros.

Observou-se associação entre PA elevada e a não realização de uma das três principais refeições do dia, hábito de 66,7% dos adolescentes, e consumo de verduras e legumes, habitual para 86,7%. Houve tendência à associação da PA elevada com aqueles que fazem ingestão de alimentos com elevado índice de gordura trans saturada e carboidratos, encontrado em 20%. Ainda, houve associação entre o CT e aqueles que receberam LM, tanto exclusivo como complementado, visto que 72,7% dos que receberam LM apresentaram CT elevado. O TG demonstrou associação com consumo de hambúrguer e/ou embutidos, em que paradoxalmente somente 21,7% dos que consomem esses alimentos apresentaram TG elevados; bem como de macarrão instantâneo, salgadinhos de pacote e biscoitos salgados, uma vez que 61,5% dos que consomem esses produtos tiveram valores elevados de TG. Há ainda tendência de associação entre IMC e número de refeições diárias, pois 48,4% dos adolescentes que faziam as três principais refeições eram eutróficos.

Dentre os adolescentes com sobrepeso e obesos, apesar de não haver diferença estatística significativa em relação às variáveis analisadas, houve prevalência de PA (60%) e TG (53%) elevados e ainda 33% apresentaram CT elevado e 33% percentil de CA 90, conforme demonstrado na Tabela 5.

 

DISCUSSÃO

A caracterização da amostra desse estudo correspondeu a dados internacionais realizados em diferentes regiões, consistindo o predomínio de nascimentos prematuros com IG entre 32 a 36 semanas - em torno de 80%, com peso adequado à idade gestacional ao nascimento1,2.

Ainda que muitos dos adolescentes nascidos prematuros tenham apresentado níveis pressóricos, glicêmicos, lipídicos e antropométricos adequados, o estudo evidenciou que parcela significativa deles possuem fatores de risco para SM, além de possuírem hábitos alimentares irregulares.

Mesmo frente ao fato de que a maior parte dos adolescentes consumam alimentos saudáveis, este estudo evidenciou que muitos ingerem alimentos ricos em gorduras e carboidratos, além de terem apresentado alto consumo de alimento em frente às telas, sendo que mais da metade não faz uma das principais refeições. O consumo de refrigerantes e bebidas adoçadas está correlacionado ao aumento de casos de obesidade infantil, mesmo que seja suco natural de frutas, e ainda há inadequado consumo de micronutrientes por parte dos adolescentes, como cálcio, ferro, sódio e vitaminas, uma vez que eles ingerem mais alimentos não saudáveis, quando comparado a adultos22,23. Durante as entrevistas alguns adolescentes afirmaram gostar de frutas e verduras, porém costumavam consumir apenas no início do mês e que não consumiam mais devido ao valor elevado.

Como alimentação saudável envolve a combinação da ingestão de nutrientes e os aspectos sociais e culturais do ato de comer, realizar as refeições em frente às telas estimula o consumo além do necessário; as características do ambiente onde se come influenciam na quantidade de alimentos ingeridos, além de interferir nos sinais fisiológicos que regulam fome e saciedade17. Contudo, esse é o hábito dos jovens na atualidade, apontado também em estudo nacional com estudantes de 12 a 17 anos (ERICA), o qual revelou que em torno de 60% faziam as refeições quase sempre ou sempre assistindo televisão24.

Embora os fatores protetivos do LM já tenham sido descritos3,4, na amostra estudada, independente de receber AME até o sexto mês, os adolescentes apresentaram proporcionalmente as mesmas alterações dos que receberam complemento ou não receberam LM. Porém, quando o LM foi utilizado houve maior proporção de normalidade em todas as variáveis, comparado ao leite de vaca.

Destaca-se que, dentre os adolescentes que apresentaram PA e TG elevadas, houve uso de LM associado a fórmula. Desses, 44% não tomam café da manhã e 4% não almoça ou não janta. Ainda, 81,5% comem em frente a telas, 55,5% comem embutidos e 70,4% tomam bebidas adoçadas. Estudo25 recente indica que 51,4% dos adolescentes brasileiros nunca ou às vezes consomem café da manhã. Pular uma refeição reflete negativamente em processos essenciais para o crescimento e desenvolvimento, principalmente para os pré-adolescentes, dado o rápido crescimento nessa fase. Ademais, não consumir desjejum está relacionado com aumento da obesidade em crianças - ainda que haja redução na ingesta calórica - e com prejuízos no rendimento escolar25,26.

A associação de fatores de risco cardiovascular com prematuridade está bem estabelecida13,14, o que também foi evidenciado por Sipola-Leppänen et al.6 em adultos jovens nascidos prematuros, ao afirmar que esses apresentam duas a três vezes mais chance de ter hipertensão arterial, assim como maiores taxas de obesidade e gordura abdominal. Seus achados também apresentaram níveis de glicose semelhantes entre os prematuros precoces, tardios e os que nasceram a termo, o que corrobora esse estudo, que não observou alterações no perfil glicêmico.

Resultados de pesquisas com prematuros em análise sobre o risco cardiovascular ao longo da vida são heterogêneas, sendo difícil precisar a influência dos seus múltiplos determinantes7. Salienta-se que poucos estudos foram desenvolvidos com adolescentes nascidos prematuros no Brasil, consistindo este o primeiro na região.

Dentre os adolescentes em estudo, a porcentagem com excesso de peso foi considerável e a PA e o TG estavam elevados nessa parcela da amostra. O sobrepeso é um importante indicador da condição futura de saúde do indivíduo, quando associado ao excesso de peso tem-se alterações pressóricas e lipídicas, há um aumento do risco de desenvolver diabetes e doença coronariana. Somado a isso, estudos tem estabelecido que crianças e adolescentes obesos mantem-se assim na vida adulta, prenunciando a SM14. Desse modo, o adolescente que nasceu prematuro e apresentou as referidas alterações encontra-se vulnerável para desenvolver condições crônicas de saúde futuras.

Apesar da importancia do tema em foco, ressalta-se que o estudo tem como limitação o fato de ser transversal e não evidenciar uma característica passível de ser generalizada a todos os adolescentes nascidos prematuros. No entanto, traz como contribuição a identificação da prematuridade, hábitos alimentares inadequados, excesso de peso, perfil pressórico e lipídico alterados como fatores de risco para o desenvolvimento de problemas cardiovasculares futuros.

As informações apresentadas ainda ratificam a importância do seguimento do prematuro por longo prazo, subsidiando o desenvolvimento de ações e o estabelecimento de serviços e protocolos de acompanhamento durante a adolescência de nascidos prematuros.

Visto que no Brasil o acesso para o adolescente nascido prematuro está limitado a poucos ambulatórios localizados em grandes centros, a identificação da presente amostra, no âmbito da atenção primária a saúde, representa um passo importante para ampliar o olhar para esse público e oferecer cuidado à saúde de forma integral e longitudinal.

Ainda, pode-se considerar que a identificação do perfil lipídico e glicêmico de adolescentes nascidos prematuros brasileiros, se configura em novo conhecimento, uma vez que os estudos com essa população em sua maioria não relacionam esses dados com a idade gestacional. Desse modo, conhecer esse perfil e reconhecer o índice de SM nesse grupo é uma contribuição para prevenção de complicações futuras a sua saúde. Nesse contexto, sugerem-se novos estudos de comparação com coorte semelhante de adolescentes nascidos a termo, visto que outra limitação desse estudo diz respeito às influências da puberdade no metabolismo, sendo necessário ampliar estudos para esclarecer e apresentar caminhos preventivos.

 

CONCLUSÃO

Os resultados deste estudo demonstraram que o tipo de aleitamento não apresentou associação estatística com alterações na PA, CT, TG, glicemia ou CA dos adolescentes nascidos prematuros, embora a proporção de normalidade entre os que receberam LM seja maior. Adolescentes nascidos prematuros, mesmo com hábitos alimentares saudáveis, podem apresentar alteração nos perfis pressórico, lipídico, glicêmico e/ou antropométrico elevando o risco cardiovascular.

Agradecimento

Ao CNPq, uma vez que este estudo faz parte da pesquisa intitulada "Repercussões da prematuridade: estresse materno e programação metabólica após a alta hospitalar", contemplado no edital universal 014/2014 - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), termo de concessão processo 457109/2014-9.

Abreviaturas

A: Altura

AME: Aleitamento Materno Exclusivo

CA: Circunferência Abdominal

CAAE: Certificado de Apresentação para Apreciação Ética

CT: Colesterol Total

HDL: colesterol de alta densidade

IDF: International Diabetes Federation

IG: Idade Gestacional

IMC: Índice de Massa Corporal

KG: Quilogramas

LM: Leite Materno

LV: Leite de Vaca

P: Peso

PA: Pressão Arterial

SBD: Sociedade Brasileira de Diabetes

SM: Síndrome Metabólica

TG: Triglicerídeos

UBS: Unidade Básica de Saúde

 

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Endereço para correspondência:
miriannaralopes1@gmail.com

Manuscrito recebido: Setembro 2019
Manuscrito aceito: Janeiro 2020
Versão online: Maio 2020

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