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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282versão On-line ISSN 2175-3598

J. Hum. Growth Dev. vol.30 no.3 São Paulo set./dez. 2020

http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.v30.11063 

ARTIGO ORIGINAL

 

Tendência das taxas de letalidade de covid-19 no mundo, entre 2019-2020Trends in case-fatality rates of covid-19 in the world, between 2019 - 2020

 

 

Henrique de Moraes BernalI; Carlos Eduardo SiqueiraII, III; Fernando AdamiI; Edige Felipe de Sousa SantosI, IV

ILaboratório de Delineamento em Estudos e Escrita Científica, Centro Universitário Saúde ABC, Av. Príncipe de Gales, 667 - Santo André - SP - Brazil - CEP - 09060-590
IISchool for the Environment, University of Massachusetts Boston. 100 Morrissey Boulevard, Boston, MA, 02125
IIIGraduate Entry Medical School, University of Limerick, V94 T9PX, Limerick, Ireland
IVFaculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo (USP), Av. Dr. Arnaldo, 715 - São Paulo - SP - Brasil - CEP - 01246-904

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: As infecções por CoV podem causar desde um simples resfriado até uma síndrome respiratória grave, como a Síndrome Respiratória Aguda Grave e a Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS-CoV). O COVID-19 impôs uma nova realidade em termos de modelos globais de saúde
OBJETIVO: Avaliar as tendências das taxas de letalidade do COVID-19 no mundo
MÉTODO: Estudo de séries temporais de base populacional usando dados públicos e oficiais de casos e mortes por COVID-19 na Argentina, Austrália, Brasil, Chile, China, Colômbia, França, Alemanha, Índia, Irã, Itália, Japão, México, Marrocos, Nova Zelândia, Nigéria, Peru, Arábia Saudita, África do Sul, Coreia do Sul, Espanha, Suíça, Reino Unido, Estados Unidos (EUA) e Rússia, entre 31 dezembro de 2019 e 31 agosto de 2020. Os dados foram baseados nos relatórios do Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças. COVID-19 foi definido pela Classificação Internacional de Doenças, 10ª revisão (U07.1). Para análise estatística, foi realizado o modelo de regressão de Prais-Winsten, a partir do qual foi possível calcular a variação percentual de mudança diária (DPC) das taxas, classificadas como crescentes, decrescentes ou estacionárias
RESULTADOS: Durante o período do estudo, as taxas de letalidade no mundo permaneceram estacionárias (DPC = 0,3; IC 95% [-0,2: 0,7]; p = 0,225). Na África, Marrocos teve tendência decrescente (DPC = -1,1; IC 95% [-1,5: -0,7]; p <0,001), enquanto na África do Sul houve tendência crescente (p < 0,05) e estacionária na Nigéria (p > 0,05). Em relação às Américas, a Argentina revelou tendência decrescente nas taxas de letalidade (DPC = -0,6; IC 95% [-1,1: -0,2]; p = 0,005), os EUA demonstraram tendência estacionária (p > 0,05) e todos os outros países americanos demonstraram tendências crescentes (p < 0,05). Na Ásia, o Irã apresentou tendência decrescente (DPC = -1,5; IC 95% [-2,6: -0,2]; p = 0,019); China e Arábia Saudita apresentaram tendências crescentes (p <0,05), enquanto Índia, Japão e Coreia do Sul mantiveram tendência estacionária (p > 0,05). A maioria dos países europeus apresentaram tendências crescentes (p <0,05): Alemanha, Itália, Espanha, Reino Unido e Rússia; França e Suíça demonstraram tendências estacionárias (p > 0,05). Por fim, na Oceania, a tendência nas taxas de letalidade na Austrália foi estacionária (p > 0,05) e aumentou na Nova Zelândia (p < 0,05
CONCLUSÃO: A tendência nas taxas de letalidade por COVID-19 no mundo permaneceu estacionária entre 31 de dezembro de 2019 e 31 de agosto de 2020. Argentina, Irã e Marrocos foram os únicos países com tendências decrescentes. Por outro lado, África do Sul, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, México, Peru, China, Arábia Saudita, Alemanha, Espanha, Reino Unido, Rússia e Nova Zelândia apresentaram tendências crescentes de letalidade. Todos os outros países analisados demonstraram tendências estacionárias. De acordo com dados de letalidade, nosso estudo confirma que a pandemia de COVID-19 ainda está em fase de progressão em todo o mundo

Palavras-chave: COVID-19, Tendência, Letalidade, Epidemiologia.


 

 

Síntese dos autores

Por que este estudo foi feito?

COVID-19 impôs uma nova realidade em termos de modelos globais de saúde.

As evidências científicas disponíveis até o momento não são suficientes para atender às demandas de enfrentamento da pandemia.

Estudos epidemiológicos são relevantes para desencadear estratégias de saúde pública para o controle da disseminação.

O que os pesquisadores fizeram e encontraram?

Conduzimos um estudo de séries temporais de base populacional usando dados públicos e oficiais de casos e mortes por COVID-19 na Argentina, Austrália, Brasil, Chile, China, Colômbia, França, Alemanha, Índia, Irã, Itália, Japão, México, Marrocos, Nova Zelândia, Nigéria, Peru, Arábia Saudita, África do Sul, Coreia do Sul, Espanha, Suíça, Reino Unido, Estados Unidos e Rússia, entre dezembro de 2019 e agosto de 2020.

As tendências nas taxas de letalidade diminuíram apenas em três países entre os 26 analisados: Argentina, Irã e Marrocos. O Irã apresentou maior redução entre os três.

Nigéria, EUA, Índia, Japão, Coreia do Sul, França, Suíça e Austrália demonstraram tendências estacionárias nas taxas de letalidade devido ao COVID-19.

Todos os demais países analisados em nosso estudo apresentaram tendências crescentes de letalidade, com resultados mais expressivos entre países da América e Europa.

O que essas descobertas significam?

As tendências crescentes nas taxas de letalidade foram maiores entre os países das Américas e da Europa, sugerindo uma maior gravidade da doença nesses continentes.

As tendências decrescentes nas taxas de letalidade encontradas na Argentina, Irã e Marrocos devem atrair a atenção internacional, a fim de orientar as políticas públicas de saúde para reduzir a letalidade da COVID-19.

De acordo com dados de letalidade, nosso estudo confirma que a pandemia de COVID-19 ainda está em fase de progressão em todo o mundo.

 

INTRODUÇÃO

Os coronavírus (CoV) compõem uma grande família de vírus e possuem esta denominação devido às espículas que envolvem sua superfície que se assemelham a uma coroa (corona, Latim)1. As infecções por CoV podem causar desde um simples resfriado até mesmo uma síndrome respiratória grave, como a Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS-CoV) e a Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS-CoV)1,2. COVID-19 é uma nova variante dos coronavírus, isolada pela primeira vez na China. O novo coronavírus difere dos demais pelo seu alto impacto na saúde pública e pelo grande número de novos casos relatados em um curto período de tempo2,3.

COVID-19 gerou uma nova realidade em termos de modelos globais de prestação de cuidados de saúde1,2. As evidências científicas até então disponíveis não são suficientes para atender às demandas de enfrentamento da pandemia, uma vez que dados sobre tratamento específico e vacinas ainda não estão consolidados (OMS)4, levando governos a implementar o distanciamento social como principal estratégia eficaz para conter a propagação da doença.

O cenário pandêmico impôs a criação de informações a fim de colaborar para prontamente (re)organizar as práticas e prestação de assistência em saúde, como prevenção e tratamento, controle, cura e reabilitação, uma vez que tais informações são essenciais para gestores e prestadores de saúde5. Para atender a essa demanda, estudos epidemiológicos são relevantes para desencadear estratégias de saúde pública para o controle da disseminação.

Além disso, é importante ressaltar que, no cenário global de pandemia, não há nenhuma pessoa ou constituinte que esteja completamente amparado ou protegido, dada a emergência de uma doença infecciosa e desconhecida. Não seria prudente fazer previsões específicas sobre a história natural da doença ou os resultados dos esforços para conter o surto de SARS-CoV-2, mas é possível considerar algumas conclusões incipientes e proteger os mais vulneráveis do vírus6.

Na área da saúde7, a pesquisa é estruturada para desenvolver dados confiáveis sobre problemas e necessidades que são importantes para o indivíduo/comunidade, com foco particular na orientação dos profissionais. Em consonância a isso, a literatura que avaliou o distanciamento social demonstra provável eficácia na redução da letalidade, uma vez que é adequado para prevenir e controlar a ampla disseminação de COVID-198.

Há lacuna de estudos populacionais que avaliem as tendências das taxas de letalidade em diferentes países do mundo, informações cruciais para entender a dinâmica da pandemia, a gravidade da doença e elaborar políticas públicas de saúde no cenário global5. As taxas tradicionais de letalidade podem possivelmente subestimar a letalidade real, uma vez que cada região do mundo está passando por um estágio diferente da pandemia9. A taxa de letalidade não é um valor fixo, mas dinâmico. Assim, o objetivo deste estudo foi avaliar as tendências nas taxas de letalidade de COVID-19 no mundo.

 

MÉTODO

Estudo de séries temporais de base populacional com dados públicos e oficiais disponíveis no site do Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças (https://www.ecdc.europa.eu/en).

Os dados foram coletados em 31 de agosto de 2020, por endereço residencial para os casos notificados como COVID-19. Os dados populacionais foram extraídos do website Country Meters (https://countrymeters.info/en) e incluíram os seguintes países: Argentina (45.757.489 habitantes), Austrália (2.5949.452 habitantes), Brasil (217.040.683 habitantes), Chile (18.944.479 habitantes), China (1.410.334.120 habitantes), Colômbia (50.697.280 habitantes), França (65.790.781 habitantes), Alemanha (81.466.451 habitantes), Índia (2.195.755.104), Irã (84.341.761 habitantes), Itália (60.016.386 habitantes), Japão (125.901.152 habitantes), México (136.136.481 habitantes), Marrocos (36.833.644 habitantes), Nova Zelândia (4.695.515 habitantes), Nigéria (208.242.721 habitantes), Peru (33.538.625 habitantes), Arábia Saudita (35.457.606 habitantes), África do Sul (57.581.898), Coreia do Sul (51.472.090 habitantes), Espanha (45.690.902 habitantes), Suíça (8.770.577 habitantes), Reino Unido (66.679.096 habitantes), Estados Unidos (333.487.241 habitantes), Rússia (146.590.156 habitantes).

O estudo analisou casos e óbitos notificados entre 31 de dezembro de 2019 e 31 de agosto de 2020. Novos casos e óbitos foram coletados de acordo com o dia da notificação.

População do estudo, critérios de inclusão e exclusão

A Organização Mundial da Saúde atribuiu o código de emergência na Classificação Internacional das Doenças, 10ª edição (CID-10), de "U07.1 COVID-19, vírus identificado" a um diagnóstico de doença de COVID-19 confirmado por testes laboratoriais. Todos os casos confirmados e óbitos de COVID-19 foram incluídos.

A coleta de dados começou em datas diferentes em cada país de acordo com a notificação de novos casos. Na Argentina, começou em 03 de março; na Austrália, em 25 de janeiro; no Brasil, 26 de janeiro; no Canadá, em 26 de janeiro; na China, em 21 de janeiro; no Chile, em 03 de março; na Colômbia, em 07 de março; na França, em 25 de janeiro; na Alemanha, em 28 de janeiro; na Índia, em 30 de janeiro; no Irã, em 20 de fevereiro; na Itália, em 31 de janeiro; no Japão, em 21 de janeiro; no México, em 29 de fevereiro; no Marrocos, em 03 de março; na Nova Zelândia, em 28 de fevereiro; na Nigéria, em 28 de fevereiro; no Peru, em 07 de março; na Arábia Saudita, em 03 de março; na África do Sul, em 06 de março; na Coreia do Sul, em 21 de janeiro; na Espanha, em 2 de fevereiro; na Suíça, em 26 de fevereiro; no Reino Unido, em 31 de janeiro; nos Estados Unidos, em 21 de janeiro; na Rússia, em 1º de fevereiro.

Procedimentos de coleta de dados

Os dados foram extraídos do sistema de dados público e oficial do Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças (ECDC), seção "Última atualização da situação, curva epidemiológica e distribuição global". O ECDC está monitorando minuciosamente a pandemia, fornecendo avaliações de risco e orientações de saúde pública.

Os casos e óbitos confirmados foram levantados dos sistemas nacionais de informação de saúde responsáveis por registar, analisar e publicar os dados oficiais de saúde do país. Os dados foram transferidos para o Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças, que os atualiza diariamente.

Os dados sobre a população residente de cada país foram obtidos no website Country Meters e projetados de acordo com a população de dezembro de 2019 a agosto de 2020. Os dados populacionais representam a população total do país em 1º de janeiro de 2019 e 2020.

Para minimizar possíveis discrepâncias, os dados foram extraídos por dois pesquisadores diferentes de forma independente.

Análise estatística

Foram calculadas as taxas de incidência (casos novos / população) e mortalidade (óbitos / população) de COVID-19, expressas por 1.000.000 habitantes, e letalidade (óbitos totais / casos totais), expressas em porcentagem diária, entre dezembro de 2019 e agosto de 2020.

Para análises de tendências, utilizamos os métodos propostos por Antunes e Cardoso (2015)10. As taxas de construção de séries temporais foram calculadas usando o modelo de regressão de Prais-Winsten, que permitiu que as correções de autocorrelação de primeira ordem fossem realizadas nos valores, organizados por tempo. Assim, foram estimados os seguintes valores: coeficiente angular (β) e respectiva probabilidade (p), considerando nível de significância de intervalo de confiança de 95% (IC 95%).

O processo de modelagem de dados incluiu taxas de transformação (variável dependente = valor Y) em uma função logarítmica de base 10. A variável independente (valor X) foi os dias da série histórica. Também foi utilizado o teste de Durbin-Watson para medir a existência de autocorrelação de primeira ordem da série temporal composta pelos coeficientes diários e para verificar se a correlação era compatível com a hipótese de resíduos de regressão de distribuição aleatória11.

Os resultados das taxas logarítmicas (β) da regressão de Prais-Winsten permitiram estimar a variação percentual de mudança diária (Daily Percent Change - DPC) em cada país, com os respectivos intervalos de confiança (IC 95%)10:

Esse procedimento possibilitou determinar as taxas como crescentes, decrescentes ou estacionárias e quantificar a variação percentual nas taxas diárias de incidência12, mortalidade e letalidade. A tendência foi considerada estacionária quando o coeficiente não foi significativamente diferente de zero (p > 0,05).

Para facilitar a visualização das tendências de letalidade, reduzimos a variação aleatória do gráfico por meio da técnica de média móvel de cinco ordens11.

Todas as análises estatísticas foram realizadas no software estatístico STATA 15.1 (College Station, TX, U.S. 2018).

 

RESULTADOS

Taxas de letalidade

Entre 31 de dezembro de 2019 e 31 de agosto de 2020, a letalidade por COVID-19 no mundo foi de 3,4%.

Na África, entre os países analisados, a maior letalidade foi encontrada na África do Sul (2,2%), seguida pela Nigéria (1,9%) e Marrocos (1,8%). Resultados semelhantes foram encontrados na Oceania: Austrália (2,4%) e Nova Zelândia (1,6%) (Tabela 1).

Em relação às Américas, o México teve a maior taxa de letalidade: 10,8%, o que representa o quarto país do nosso estudo com o maior percentual. O Canadá também apresentou elevada letalidade: 7,1%. Nos demais países americanos, foi encontrado percentual semelhante de letalidade, exceto no Chile, onde foi de 0,5%, a menor taxa entre todos os países avaliados neste estudo (Tabela 1).

A Ásia apresentou dois perfis distintos de grupos: China e Irã tiveram percentual de letalidade acima de 5,0%, enquanto o restante dos países asiáticos apresentou taxas abaixo de 2,0% (Tabela 1).

A Europa teve os resultados mais heterogêneos em comparação com outros continentes. Itália, França e Reino Unido apresentaram percentual de letalidade acima de 10,0%. Espanha e Suíça apresentam taxas intermediárias entre os países europeus, enquanto Alemanha e Rússia foram os países com as menores taxas de letalidade no continente. (Tabela 1).

Tendências nas taxas de letalidade

As tendências nas taxas de letalidade no mundo foram constantes (DPC = 0,3; IC 95% [-0,2: 0,7]; p = 0,225) no período do estudo (Tabela 2, Fig. 1).

 

 

Marrocos foi um dos três países em que a letalidade diminuiu (DPC = -1,1; IC 95% [-1,5: -0,7]; p <0,001). Na Nigéria, a letalidade permaneceu estacionária e na África do Sul aumentou (Tabela 2, Fig. 2).

 

 

Nas Américas, a Argentina demonstrou tendência decrescente na letalidade (DPC = -0,6; IC 95% [-1,1: -0,2]; p = 0,005), enquanto o resto dos países apresentaram tendências crescentes, exceto os EUA, onde a tendência foi estacionária ( Tabela 2, Fig. 3).

 

 

Em relação aos países asiáticos, o Irã apresentou tendência decrescente na letalidade (DPC = -1,5; IC 95% [-2,6: -0,2]; p = 0,019). China e Arábia Saudita demonstraram tendências crescentes, enquanto Índia e Coréia do Sul revelaram tendência estacionária (Tabela 3, Fig. 4).

 

 

Na Europa, França e Suíça demonstraram tendências estacionárias na letalidade, mas todos os outros países tiveram tendência crescente (Tabela 3, Fig. 5).

 

 

Finalmente, na Oceania, a Austrália teve tendência estacionária e a Nova Zelândia demonstrou tendência crescente de letalidade devido ao COVID-19 (Tabela 3, Fig 6).

 

 

DISCUSSÃO

Fizemos as estimativas das tendências calculando a variação percentual diária nas taxas de letalidade, o que permite entender melhor a dinâmica da pandemia em comparação com a simples análise de taxas9. Entre 31 de dezembro de 2019 e 31 de agosto de 2020, as tendências de letalidade de COVID-19 no mundo permaneceram estacionárias. Argentina, Irã e Marrocos foram os únicos países que apresentaram tendências decrescentes de letalidade. Nigéria, Estados Unidos, Índia, Japão, Coréia do Sul, França, Alemanha, Suíça e Austrália demonstraram tendência estacionária. Todos os outros países apresentaram tendências crescentes, o que pode indicar gravidade progressiva da doença nos cinco continentes do mundo.

Nossos achados mostraram taxas de letalidade no mundo semelhantes às de Zhao et al., que encontrou taxa de 3,1% na análise de 30 estudos com 53.000 pacientes12. Outro estudo que estimou a letalidade mostrou taxas estimadas para essa pandemia variando de 2,9% a 3,0%9. Como já apontamos, a taxa de letalidade não é um valor fixo, mas sim um valor dinâmico. Analisando as tendências no mundo em nosso estudo, a análise estatística demonstrou tendência estacionária (p > 0,05).

Tendências de letalidade crescentes

África do Sul, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, México, Peru, China, Arábia Saudita, Alemanha, Itália, Espanha, Reino Unido, Rússia e Nova Zelândia apresentaram tendências crescentes de letalidade devido ao COVID-19. Entre todos eles, Canadá, México, Peru, Alemanha, Itália, Espanha e Reino Unido apresentaram taxas de letalidade acima da taxa mundial, o que pode indicar a maior gravidade da doença nessas nações. Alemanha, Espanha e Reino Unido apresentaram a maior variação percentual diária (DPC), indicando que a Europa ainda é o continente mais afetado pela COVID-19.

Com relação ao Canadá, nossos resultados contrastam com os achados de Abdollahi et al., o qual encontrou taxa de letalidade de 1,6% (IC 95% 0,7% -3,1%) em 22 de abril, que é significativamente menor do que a encontrada neste estudo13. Isso demonstra que a letalidade de COVID-19 aumentou substancialmente nos últimos 4 meses neste país. Por conta disso, é válido ressaltar que o Canadá apresentou significativo aumento da gravidade da doença, a qual ainda está em progressão.

Referente à Europa, encontramos o mesmo comportamento para as taxas de letalidade apontadas por Pachetti et al., que descreveu uma taxa significativamente inferior para a Alemanha (0,31% IC 95% [0,29; 0,33]) em relação às demais nações, em 30 de abril14. Embora a estimativa letalidade não seja alta na Alemanha, este país teve a segunda maior variação percentual diária positiva nas taxas de letalidade entre todos os 26 países analisados. Além da Alemanha, a Rússia apresentou baixas taxas de letalidade, mas também revelou tendência crescente. O Reino Unido apresentou a maior letalidade e tendência de aumento dentre as nações analisadas em nosso estudo.

Tendências de letalidade estacionárias

Nigéria, Estados Unidos, Índia, Japão, Coreia do Sul, França, Suíça e Austrália demonstraram tendências estacionárias nas taxas de letalidade de COVID-19. França e Suíça foram as únicas nações nas quais a taxa ficou acima da mundial, o que permite levantar a hipótese de que a Europa ainda não está em uma fase de regressão da pandemia.

Referente à Austrália, já foram observados sinais de controle da pandemia por Chin et al., o qual identificou taxas de letalidade na faixa de 0,4% a 3,0%, tendendo a diminuir a partir 29 de março15. Isso pode ser possivelmente atribuído à implementação oportuna e rigorosa de medidas de proibição de viagens e encontros sociais, bem como diagnósticos combinados a estratégias de gestão.

Os Estados Unidos também demostraram sinais de contenção da letalidade de COVID-19. Em 22 de abril, Abodollahi et al. relatou uma taxa de letalidade de 6,1% (IC 95% 5,4%-6,9%)13, correspondendo a aproximadamente 2 vezes os nossos resultados (3,1%). Isso demonstra que a letalidade diminuiu nos últimos 4 meses e agora está estacionária.

Tendências de letalidade decrescentes

Marrocos, Argentina e Irã demostraram tendências decrescentes nas taxas de letalidade de COVID-19. Apesar disso, o Irã foi o único país em que a letalidade atingiu patamar superior à estimativa mundial.

Em 13 de maio de 2020, Ouchetto et al. relatou uma taxa de letalidade de 5,26% em Marrocos16, quase 2 vezes maior do que nossos achados (1,8%), sustentando a hipótese de que a pandemia tende a ser controlada neste país.

Em relação ao Irã, é preciso interpretar tais resultados com parcimônia, uma vez que, de acordo com outros estudos, os casos relatados nas estatísticas oficiais no início da epidemia podem apresentar subestimação importante do total de casos, o que torna, assim, a estimativa da verdadeira taxa de letalidade atual de COVID-19 impossível nesta nação17.

É importante salientar que a nossa análise foi baseada em dados secundários públicos e oficiais do Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças. Mesmo considerando uma subnotificação desconhecida, esses são os melhores dados disponíveis para a formulação de políticas públicas de saúde. A análise da incidência, mortalidade e letalidade e suas respectivas tendências permitiram mensurar o risco, a gravidade e a magnitude, que são indicadores imprescindíveis para entender a dinâmica das pandemias6.

O modelo de regressão de séries temporais utilizado neste estudo possibilitou quantificar a variação percentual da mudança diária (Daily Percent Change - DPC) das taxas de letalidade, garantindo a avaliação das alterações diárias da dinâmica da pandemia entre 26 países dos 5 continentes do mundo.

 

CONCLUSÃO

A tendência nas taxas de letalidade por COVID-19 no mundo permaneceu estacionária entre 31 de dezembro e 31 de agosto. Argentina, Irã e Marrocos foram os únicos países com tendências decrescentes. Por outro lado, África do Sul, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, México, Peru, China, Arábia Saudita, Alemanha, Espanha, Reino Unido, Rússia e Nova Zelândia apresentaram tendências crescentes de letalidade. Todos os outros países analisados demonstraram tendências estacionárias. De acordo com dados de letalidade, nosso estudo confirma que a pandemia de COVID-19 ainda está em fase de progressão em todo o mundo.

Financiamento

Nenhum a declarar.

Conflito de intereses

Nenhum a declarar.

Aprovação em comitê de ética

Não se aplica.

Agradecimentos

Agradecemos ao Prof. Luiz por suas contribuições no delineamento e na escrita deste estudo.

Para mais informações, entre em contato:

Henrique M. Bernal - henriquembernal@hotmail.com

Carlos Eduardo Siqueira - carlos.siqueira@umb.edu

Fernando Adami - Fernando.adami@fmabc.br

Edige Felipe de Sousa Santos - edige@usp.br

 

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Endereço para correspondência:
Edige Felipe de Sousa Santos
edige@usp.br

Recebido: Maio 2020
Analisado: Setembro 2020
Aceito: Setembro 2020

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