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Journal of Human Growth and Development

Print version ISSN 0104-1282On-line version ISSN 2175-3598

J. Hum. Growth Dev. vol.30 no.3 São Paulo Sept./Dec. 2020

http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.v30.11068 

ARTIGO ORIGINAL

 

Perfil do desempenho em habilidades metalinguísticas e leitura de escolares com dislexia, dificuldades e transtornos de aprendizagem

 

 

Bianca dos Santos; Simone Aparecida Capellini

Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" Faculdade de Filosofia e Ciências (UNESP) - Marília (SP), Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: O processo de leitura envolve diversas habilidades cognitivas como a decodificação das palavras, a aquisição de vocabulário, a percepção dos sons, as habilidades metalinguísticas e a memória, de forma que esses processos levam o escolar à compreensão das ideias de um texto para a criação de modelos mentais, com base no contexto e no seu ponto de vista
OBJETIVO: Caracterizar e comparar o desempenho em habilidades metalinguísticas e leitura de escolares com dislexia, dificuldades e transtornos de aprendizagem
MÉTODO: Este é um estudo observacional e descritivo de corte transversal. Participaram 80 escolares do 3º ao 5º ano do ensino fundamental, ambos os sexos, na faixa etária de oito a dez anos e 11 meses, distribuídos em quatro grupos, sendo Grupo I composto por 20 escolares com diagnóstico interdisciplinar de dislexia, Grupo II composto por 20 escolares com diagnóstico interdisciplinar de transtornos de aprendizagem, Grupo III composto por 20 escolares com dificuldades de aprendizagem e Grupo IV composto por 20 escolares com bom desempenho acadêmico. Todos os escolares foram submetidos à aplicação do Protocolo de provas de habilidades metalinguísticas e de leitura, individualmente
RESULTADOS: Os resultados foram analisados estatisticamente e revelaram maior número de erros de Grupo I e Grupo II em relação ao Grupo III, e Grupo IV e Grupo III em relação ao Grupo IV nas provas metalinguísticas, de leitura de palavras e de pseudopalavras e de repetição de não-palavras monossílabas e polissílabas
CONCLUSÃO: A partir deste estudo foi possível concluir que escolares com dislexia e transtorno de aprendizagem apresentaram um maior número de erros em provas silábicas e fonêmicas e leitura de palavras e pseudopalavras quando comparados aos escolares com dificuldades de aprendizagem e bom desempenho acadêmico

Palavras-chave: aprendizagem, leitura, educação, dislexia, transtornos de aprendizagem.


 

 

Síntese dos autores

Por que este estudo foi feito?

Este estudo foi realizado pois já é sabido pela literatura quais são os critérios diagnósticos e as manifestações de escolares com transtornos de aprendizagem, dislexia e dificuldades de aprendizagem, entretanto, são escassos os estudos que se propõem a comparar o desempenho destes escolares, principalmente em relação às habilidades metalinguísticas.

O que os pesquisadores fizeram e encontraram?

Para esta finalidade, foi utilizado um Protocolo que avalia as habilidades metafonológicas nos níveis fonêmico e silábico, leitura de palavras e de pseudopalavras e memória operacional fonológica, e a partir da aplicação deste protocolo e da análise realizada, foram encontradas diferenças estatisticamente significantes entre o desempenho dos escolares, de modo que, os escolares com transtornos de aprendizagem apresentaram maior dificuldade, e portanto, maior número de erros nas habilidades avaliadas quando comparados com escolares com dislexia e escolares com dificuldades de aprendizagem. O estudo ainda possibilitou saber não só essa diferença de desempenho, mas quais as provas/habilidades que os escolares tem maior facilidade e maior dificuldade para executar.

O que essas descobertas significam?

Estes achados trazem ao profissional tanto da área da saúde quanto da educação que lidam com escolares com estes diagnósticos a possibilidade de terem o conhecimento do nível da dificuldade dos escolares em provas específicas, bem como no auxílio para o diagnóstico diferencial em situação clínica e educacional.

 

INTRODUÇÃO

O processo de leitura envolve diversas habilidades cognitivas como a decodificação das palavras, a aquisição de vocabulário, a percepção dos sons, as habilidades metalinguísticas e a memória, de forma que esses processos levam o escolar à compreensão das ideias de um texto para a criação de modelos mentais, com base no contexto e no seu ponto de vista1-4.

Dentre estas habilidades, a que tem destaque é a decodificação. Este processo envolve as habilidades de reconhecimento da palavra escrita, o qual se refere à capacidade de transformar os signos ortográficos das palavras escritas em linguagem, isto é, dividir a palavra em seus sons constituintes, convertendo a letra em sons da fala para formar uma palavra5-7.

A memória operacional fonológica é um sistema de capacidade limitada que permite o armazenamento e a manipulação temporária de informações verbais ou visuais necessárias para tarefas complexas, como a compreensão, o aprendizado, a leitura, o raciocínio e o planejamento8.

As habilidades metafonológicas, a memória operacional fonológica e os chamados processos léxicos (como o conhecimento da estrutura ortográfica, por exemplo) são considerados processos básicos e se distinguem dos processos de alto nível, pois estes exigem uma capacidade maior de abstração ou de elaboração mental9,10.

Na literatura11-13 é descrito que escolares com transtornos de aprendizagem e dislexia apresentam alteração na fluência da leitura. Esta alteração pode acontecer tanto decorrente de dificuldades no mecanismo de decodificação de leitura, como dificuldades nas habilidades metalinguísticas.

Os chamados transtornos de aprendizagem são decorrentes de disfunções do sistema nervoso central e relacionados a uma "falha" no processo de aquisição e processamento da informação, e, portanto, não podem ser confundidos com as dificuldades de aprendizagem, uma vez que esta, diferentemente dos transtornos de aprendizagem são decorrentes de questões relacionadas a problemas de ordem pedagógica, emocional ou sociocultural14.

A Dislexia é um transtorno específico da leitura, cuja manifestação pode revelar alterações em diferentes tipos de processamentos, frequentemente caracterizados por dificuldades no início da alfabetização, afetando a aquisição da leitura, escrita e ortografia. As alterações nos processos cognitivos, fonológicos e /ou visuais podem se manifestar de diferentes formas caracterizando os diferentes subtipos auditivo, visual ou misto15-17.

As dificuldades de aprendizagem são definidas como obstáculos ou barreiras que dificultam o processo de aprendizagem do escolar18-20. Essas dificuldades podem ser duradouras ou passageiras, que também podem ou não levar o escolar ao abandono, à reprovação, baixo rendimento, atraso no tempo de aprendizagem ou à necessidade de ajuda especializada21.

Desta forma, se fazem necessários estudos como este que se proponham a estabelecer o perfil de desempenho entre as habilidades metalinguísticas e de leitura em diferentes populações de escolares objetivando verificar qual o impacto destas habilidades na leitura de palavras isoladas, uma vez que na literatura há descrição de que escolares com transtornos específicos de aprendizagem como a dislexia e transtorno global apresentam dificuldades em acessar e recuperar informações fonológicas necessárias para um desempenho considerado adequado em tarefas de leitura, mas ainda não há estudos que descrevam os mesmos achados de forma comparativa, conforme proposto neste estudo.

Sendo assim, o objetivo geral deste estudo é estabelecer o perfil de desempenho em habilidades metalinguísticas de escolares com dislexia, dificuldades e transtornos de aprendizagem, e os objetivos específicos, consequentemente, foram de caracterizar e comparar este desempenho.

 

MÉTODO

Trata-se de estudo qualitativo transversal. Os participantes são 80 escolares do ensino fundamental, de ambos os sexos, na faixa etária de oito anos a dez anos e 11 meses, divididos em quatro grupos, sendo que em cada grupo haviam cinco escolares com oito anos de idade, sendo dois do sexo feminino e três do sexo masculino, seis escolares com nove anos de idade, sendo cinco do sexo masculino e um do sexo feminino e nove escolares com 10 anos de idade, sendo quatro do sexo masculino e cinco do sexo feminino, divididos da seguinte forma:

Grupo I (GI): composto por 20 escolares com diagnóstico interdisciplinar de dislexia do subtipo fonológico;

Grupo II (GII): composto por 20 escolares com diagnóstico interdisciplinar de transtornos de aprendizagem;

Grupo III (GIII): composto por 20 escolares com dificuldades de aprendizagem;

Grupo IV (GIV): composto por 20 escolares com bom desempenho acadêmico.

Os participantes de todos os grupos foram escolares regularmente matriculados em escolas públicas municipais designadas pelo Núcleo de Apoio Psicopedagógico da Secretaria Municipal de Educação da cidade de Marília/SP, que utilizam o mesmo material didático e que aplicam o mesmo método de ensino, a fim de evitar que materiais e métodos distintos acarretassem viés nos resultados obtidos deste estudo.

Critérios de inclusão e exclusão dos participantes

Participaram do grupo I (GI) e do grupo II (GII) os escolares com diagnóstico interdisciplinar de dislexia e transtornos de aprendizagem realizado pela equipe interdisciplinar do Laboratório de Investigação dos Desvios da Aprendizagem, incluindo avaliação fonoaudiológica, neurológica, pedagógica e neuropsicológica. Estes escolares estavam na lista de espera para atendimento fonoaudiológico no Centro de Estudos da Educação e da Saúde e não haviam sido submetidos a nenhum tipo de intervenção fonoaudiológica, psicopedagógica ou pedagógica.

Os escolares do grupo III (GIII) e do grupo IV (GIV) foram indicados por seus professores por terem dificuldades de aprendizagem e por apresentarem bom desempenho acadêmico. Foram considerados escolares com bom desempenho acadêmico quando apresentavam desempenho satisfatório em dois bimestres consecutivos em avaliação de Língua Portuguesa e Matemática, nota superior e igual a 5,0 (GIV) e, foram considerados com dificuldades de aprendizagem quando apresentarem desempenho insatisfatório em dois bimestres consecutivos em avaliação de Língua Portuguesa e Matemática, nota inferior a 5,0 (GIII).

A partir desta indicação, os escolares foram submetidos à aplicação do Teste de Desempenho Escolar22. Somente foram distribuídos no GIV deste estudo, os escolares que obtiveram desempenho superior e/ou médio/superior nos subtestes de leitura, escrita e aritmética do TDE e no GIII, os escolares que obtiveram desempenho inferior nos subtestes de leitura, escrita e aritmética do TDE.

Todos os grupos foram submetidos à aplicação do procedimento de avaliação:

a)PROHMELE -Protocolo de Provas de Habilidades Metalinguísticas e de Leitura23. Este protocolo é composto pelas seguintes provas:

- Provas de identificação silábica e fonêmica: Identificação de sílaba inicial (ISI), Identificação de fonema inicial (IFI), Identificação de sílaba final (ISF), Identificação de fonema final (IFF), Identificação de sílaba medial (ISM), Identificação de fonema medial (IFM);

- Provas de manipulação silábica e fonêmica: segmentação silábica (Seg Sil), segmentação fonêmica (Seg Fon), adição silábica (Ad Sil), adição fonêmica (Ad Fon), substituição silábica (Subs Sil), substituição fonêmica (Subs Fon), subtração silábica (Subt Sil), subtração fonêmica (Subt Fon), combinação de sílabas (Com Sil) e combinação de fonemas (Com Fon);

- Provas de Leitura: Leitura de palavras reais: composta por uma lista de palavras reais (133 palavras); Leitura de pseudopalavras: composta por uma lista de pseudopalavras (27 pseudopalavras)

-Prova de Repetição de Não-Palavras: Repetição de Não-palavras monossilábicas; Repetição de Não-palavras dissilábicas; Repetição de Não-palavras trissilábicas; Repetição de Não-palavras polissilábicas com 4 sílabas; Repetição de Não-palavras polissilábicas com 5 sílabas; Repetição de Não-palavras polissilábicas com 6 sílabas. As pseudopalavras neste estudo são entendidas, como logatomo, ou seja, uma sílaba ou uma sequência de sílabas que pertencem à língua, mas que não formam uma palavra com significado. A pseudopalavra é derivada de uma palavra real, como, por exemplo, "bafata", derivada de "barata", mudando-se apenas um elemento e mantendo-se o padrão silábico.

Segundo as autoras do procedimento5 a prova de repetição de não-palavras avalia a memória operacional fonológica pois requer que o escolar evoque diversos processos fonológicos, como percepção, codificação, armazenamento, recuperação e produção, independentes do seu conhecimento lexical.

A aplicação das provas de habilidades metalinguísticas foi realizada de forma que o escolar não obtivesse pista visual da articulação dos sons produzidos pela examinadora. As respostas do escolar foram anotadas na folha de respostas do PROHMELE. O escolar foi instruído e treinado previamente por meio de exemplos similares aos da prova para que soubessem o que deveriam fazer.

As provas de leitura foram realizadas em voz alta e filmadas para posterior análise da leitura. Cada escolar recebeu a instrução de como deve ler as listas de palavras, apresentadas no formato de letra arial tamanho 14, espaço duplo, divididas em colunas segundo extensão de palavras (monossilábicas, dissilábicas, trissilábicas e polissilábicas - 4 a 7 sílabas) e de pseudopalavras (monossilábicas, dissilábicas, trissilábicas). Na prova de leitura de pseudopalavras, foi esclarecido aos escolares que eles realizariam a leitura de palavras que não existiam e que por isto não faziam parte de seu vocabulário. As provas foram aplicadas individualmente em uma sessão com cerca de 50 minutos.

Todas as provas deste estudo foram analisadas segundo o critério de erros. A caracterização dos tipos de erros da leitura de palavras reais e pseudopalavras foi realizada a partir de critérios estabelecidos para o português do Brasil, descritos a seguir:

D1 - Regra de correspondência grafofonêmica independente do contexto referentes a palavras regulares com correspondência unívoca. Em palavras como: pato, bolo, faca, vela, tatu, dado, massa, moça, desço, chuva, janela, unha, carro, óculos, põe, água, lâmpada, rã, etc.,

D2 - Regra de correspondência grafofonêmica dependente do contexto referentes às regras aplicadas às palavras irregulares. Como por exemplo: casa, zebra, costa, piscina, árvore, rato, cara, ganso, bolsa, homem, galho, gente, cinema, guarda, guizo, leque, quadro, exceção, xícara, exame, tórax, caixa, enxame, etc.,

D4- Valores da letra "X" dependentes exclusivamente do léxico mental e ortográfico, que aprecem em palavras como: abacaxi, táxi, oxigênio, auxílio, próximo, etc.,

Na prova de leitura de pseudopalavras foi considerada somente a regra D1, pois seu objetivo foi verificar a correspondência unívoca entre letra e som.

Este estudo foi realizado após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição de origem, cujo número do Protocolo é 836/2013. Todos os pais e/ou responsáveis pelos escolares deste estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Análise Estatística

Para a análise estatística dos dados, foi utilizado o programa SPSS (Statistical Package for Social Sciences), em sua versão 22.0. Os testes utilizados foram: Teste dos Postos Sinalizados de Wilcoxon, Teste de Kruskal-Wallis, Teste de Mann-Whitney ajustado pela Correção de Bonferroni.

 

RESULTADOS

Foi possível verificar que houve maior número de erros dos escolares de GII quando comparados aos de GIV na prova de identificação de fonema inicial, maior número de erros dos escolares do GII em relação aos do GIII e do GIV na prova de identificação de sílaba final. Os escolares de GI e GII apresentaram maior número de erros quando comparado aos do GIII e do GIV nas provas de identificação de fonema final, de identificação de sílaba e de fonema medial, de subtração, de adição e de combinação de sílaba, de adição de fonema, de substituição de fonema em relação ao GIII e ao GIV. Os escolares do GI e do GII apresentaram maior número de erros na prova de subtração e de segmentação fonêmica em relação aos do GIII e do GIV (Tabelas 1, 2 e 3).

Com relação às provas de leitura de palavras reais e pseudopalavras, foi possível observar na Tabela 4 que ocorreu diferença estatisticamente significante quando comparados o desempenho dos escolares do GI, do GII, do GIII e do GIV.

Na Tabela 5, verificou-se que ocorreu diferença estatisticamente significante quando comparado o desempenho dos escolares do GI, do GII, do GIII e do GIV nas provas de Repetição de Não Palavras monossilábicas e polissilábicas com quatro e seis sílabas.

 

DISCUSSÃO

De acordo com este estudo, podemos verificar que escolares com diagnóstico de Transtorno de Aprendizagem apresentaram um maior número de erros em todas as provas que foram aplicadas. Já os escolares do grupo controle, ou seja, com um bom desempenho acadêmico, apresentaram dificuldades em apenas algumas provas, como por exemplo provas fonêmicas, repetição de não-palavras e provas de identificação, subtração e segmentação de sílabas, porém estas dificuldades não foram estatisticamente significantes, enquanto que escolares com diagnóstico de Dislexia apresentaram mais erros em provas fonêmicas e leitura de palavras e pseudopalavras.

Foi possível verificar que na maioria das provas fonêmicas de habilidades metalinguísticas os escolares de todos os grupos obtiveram um maior número de erros em comparação às provas silábicas.

Estes resultados evidenciam que a maior dificuldade dos escolares com dislexia deste estudo está em identificar, combinar, adicionar, subtrair, segmentar e substituir fonemas. Isso ocorre, pois de acordo com estudos anteriores, os escolares adquirem primeiramente percepção silábica, e só em seguida com o treinamento da leitura que adquirem a percepção fonêmica23,24.

Um estudo realizado25 revelou que os escolares em geral têm dificuldades para entender que os elementos da fala correspondem a unidades únicas de sons, porém em nível abstrato, ou seja, que são existentes na mente, o que vai ao encontro aos achados deste estudo, uma vez que os escolares com dificuldades de aprendizagem, transtorno de aprendizagem e dislexia apresentaram maior número de erros nas provas que apresentavam manipulação fonêmica.

Entretanto, o maior número de erros encontrado neste estudo, entre os escolares diagnosticados com dislexia e com transtornos de aprendizagem, respectivamente, deu-se quando foram comparadas as provas silábicas e fonêmicas, Isso pode ter ocorrido, pois estes escolares apresentam dificuldade de acesso e recuperação de informação fonológica26.

Mesmo que tarefas de habilidades metafonológicas, como por exemplo a identificação de sílabas e de fonemas serem consideradas mais simples, ou seja, que exigem apenas uma operação seguida de resposta, comparadas as tarefas mais complexas, como a de manipulação silábica e fonêmica que exige a realização de duas operações, ou seja, guardar uma unidade na memória enquanto é feita uma nova operação, alguns escolares deste estudo apresentaram dificuldade em algumas dessas provas, principalmente escolares com transtornos de aprendizagem e dificuldades de aprendizagem.

Portanto, as respostas podem variar de acordo com o tipo de operação que é exigida do escolar e de acordo com o tipo de comprometimento linguístico-cognitivo que eles apresentam10. Desta forma, os escolares com transtornos de aprendizagem apresentaram maior número de erros em diversas provas que envolviam identificação de sílaba e fonemas quando comparados aos escolares com dislexia, demonstrando que estes escolares com transtornos de aprendizagem têm maiores dificuldades em provas de habilidades metalinguísticas, até mesmo em atividades que exigem apenas um processo operacional da criança.

Esses achados tornam evidente a importância e necessidade de se desenvolver nesses escolares o conhecimento metalinguístico, seja quanto a capacidade de refletir sobre os fonemas e sílabas durante a leitura, como também em forma de análise das partes constituintes da palavra, para que a criança seja capaz de identificá-los não só oralmente, como também em conteúdo escrito para leitura27.

Na prova de leitura de palavras, tanto de palavras reais como na pseudopalavras foi possível observar que houve um maior número de erros em escolares com transtornos de aprendizagem seguidos dos escolares com dislexia, isso porque, segundo a literatura11, escolares com alguma dificuldade na aprendizagem apresentam alterações na leitura, decorrente da dificuldade de decodificação que podem apresentar.

Uma leitura considerada fluente vai depender da capacidade do indivíduo de decodificar rapidamente as palavras e reconhecer palavras isoladas de maneira automática e fluente, sendo esta habilidade de compreensão prejudicada quando o escolar tem alguma dificuldade para reconhecer as palavras28. Como os escolares deste estudo com transtornos de aprendizagem e com dislexia apresentam déficit em habilidades de identificação e decodificação fonológica, de acordo com as manifestações que estes escolares apresentam, os erros desta natureza vão estar presentes não apenas na leitura de palavras reais como também na leitura de pseudopalavras.

Este estudo também mostrou que os escolares de com dificuldades de aprendizagem apresentaram alterações em habilidades metalinguísticas e de leitura, o que talvez possa ser explicado pelo fato de que quando o princípio alfabético da Língua Portuguesa não é ensinado sistematicamente no contexto de sala de aula, os escolares em fase de desenvolvimento da leitura e da escrita podem apresentar falhas em habilidades de detectar, de discriminar, de comparar e de memorizar sons e silabas, conforme os achados encontrados neste estudo; o que pode acarretar dificuldade no acionamento do mecanismo gerativo para a formação de palavras para a leitura e escrita28.

Em relação à prova de repetição de palavras e não-palavras, responsável por avaliar a memória operacional fonológica dos escolares deste estudo, foi encontrado um índice de maior número de erros em todos os grupos deste estudo, sendo maior o índice de erros no grupo de escolares com transtornos de aprendizagem. Isso se mostrou predominante principalmente na prova de repetição de não-palavras polissilábicas. A execução desta prova demanda o uso de uma memória operacional, com capacidade de gerenciamento de informação, e com escolares com algum tipo de alteração de aprendizagem apresentam diminuição na capacidade de estocagem de informação fonológica para rápida recuperação, é possível que quanto maior a extensão do estímulo para a retenção, menor a memória de estocagem12.

Os achados deste estudo revelam ainda que, conforme destacada na literatura29 quando há a percepção do fonema há a possibilidade do escolar realizar a estocagem da informação fonológica e consequentemente realizar a associação grafema-fonema, percebendo assim que os fonemas podem ser combinados para formar outra palavra, fazendo com que o mecanismo gerativo de memória seja acionado e que ocorra a conversão da fonologia em ortografia. Este mecanismo dará condições para que o escolar leia qualquer palavra nova, apesar de cometer erros nas palavras irregulares.

Dessa forma, escolares com transtornos de aprendizagem ou até mesmo dificuldades de aprendizagem podem apresentar, de acordo com este estudo, falha na percepção do fonema acarretando em uma diminuição na capacidade de informação fonológica, no estabelecimento de relação grafema-fonema para a realização da leitura e na capacidade gerativa da memória operacional fonológica para a realização de estocagem de informação lida ou falada.

Isto significa que ao realizar a avaliação de desempenho acadêmico de escolares, devem ser avaliadas as habilidades metalinguísticas pois, de acordo com este estudo, há uma diferença de desempenho entre escolares com bom desempenho acadêmico, escolares com dislexia e escolares com transtornos de aprendizagem.

 

CONCLUSÃO

Há diferenças no desempenho em habilidades metalinguísticas de escolares com dislexia, transtornos de aprendizagem e dificuldades de aprendizagem quando comparados, o que mostra que são necessários mais estudos que se proponham a apresentar a diferença de desempenho entre estes escolares, baseados em evidência científica.

 

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Endereço para correspondência:
Bianca dos Santos
biasantosfono@hotmail.com

Recebido: Setembro 2019
Analisado: Maio 2020
Aceito: Setembro 2020

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