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Journal of Human Growth and Development

versión impresa ISSN 0104-1282versión On-line ISSN 2175-3598

J. Hum. Growth Dev. vol.30 no.3 São Paulo sept./dic. 2020

http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.v30.11102 

ARTIGO ORIGINAL

 

Percepção materna do estado nutricional do filho sob a óptica da análise dos resíduos ajustados

 

 

Gustavo Carreiro PinascoI, III; Arthur Brunelli SalesI; Carla Venância Aguilar SantosI; Elizandra ColaII; Fabiano Novaes Barcellos FilhoI; João Batista Francalino da RochaIII; Eduardo Moreno Júdice de Mattos FarinaI; Willer França FiorottiI; Luiz Carlos de AbreuI, III

IEscola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória - EMESCAM Av. Nossa Sra. Da Penha, 2190 - Bela Vista, Vitória - ES, 29017-502, Brazil
IIHospital Estadual Infantil Nossa Senhora da Glória - HEINSG Alameda, 205 - Santa Lúcia, Vitória - ES, 29055-120, Brazil
IIICentro Univeristário Saúde ABC - FMABC Av. Lauro Gomes, 2000 - Vila Sacadura Cabral, Santo André - SP, 09060-870, Brazil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: A percepção materna do estado nutricional de seus filhos apresenta diversos fatores sociais importantes em sua composição e ela pode ser um importante na determinação da qualidade de alimentação das crianças
OBJETIVO: Avaliar os fatores sociais que influenciam a percepção materna sobre o estado nutricional de seus filhos
MÉTODO: Estudo transversal com escolares de 6 a 10 anos de uma escola pública de São Paulo, Brasil. Os dados foram obtidos por meio de um questionário estruturado aplicado às mães e a partir de antropometria das crianças. As associações entre as variáveis foram analisadas pelo teste do Qui-quadrado e pela análise dos resíduos ajustados, com 5% de significância. A concordância entre a percepção materna e o estado nutricional foi avaliada por meio do teste Kappa
RESULTADOS: Encontramos percepção incorreta em 45,8% dos casos, dos quais 98,2% foram de subestimação, com 80% de subestimação para crianças com sobrepeso. Encontramos concordância pobre e leve para todos os casos. Os resíduos ajustados apontaram para subestimação eutrófica; melhor percepção materna para o obeso; melhor percepção para mães que atingiram o ensino fundamental e médio; subestimação para meninos eutróficos e percepção correta para meninas eutróficas. As mães solteiras e as que não trabalham fora tendem a subestimar seus filhos eutróficos
CONCLUSÃO: Encontramos baixa concordância para quase todos os casos, com exceção das mães de meninas e das que não trabalham fora. A percepção correta relacionou-se positivamente com a menor escolaridade, sendo pior para as mães sem companheiro e que não trabalham fora. As mães de meninas, em comparação com as mães de meninos, tiveram uma percepção mais precisa

Palavras chave: comportamento materno, estado nutricional, criança, sobrepeso, obesidade.


 

 

Síntese dos autores

Por que este estudo foi feito?

percepção materna é fator determinante nos cuidados a serem adotados com seus filhos. Ela pode influenciar significativamente a alimentação das crianças qualitativamente e quantitativamente. Compreender os fatores associados à variação na percepção das mães acerca do estado nutricional de seus filhos pode ser uma chave importante para tomadas de decisão em nutrição, em nível de saúde pública..

O que os pesquisadores fizeram e encontraram?

Nós aplicamos um questionário, com perguntas realizadas com base na literatura vigente, em pais de crianças entre seis e 10 anos de idade de uma escola pública da cidade de São Paulo, e comparamos as respostas com a avaliação antropométrica objetiva desta população de escolares. Mães com baixa escolaridade e com filhos em obesidade tendem a perceber corretamente o estado nutricional, enquanto que mães solteiras, que trabalham fora de casa e com filhos do sexo masculino tendem a errar mais ao perceberem o estado nutricional de seus filhos.

O que essas descobertas significam?

A aplicação da análise estatística de resíduos ajustados possibilitou melhor interpretação dos fatores sociais associados à percepção materna do estado nutricional de seus filhos. Fatores como filhos em obesidade e baixa escolaridade materna, que classicamente tem sido relacionados a pior percepção das mães, se mostraram mais associados a melhores níveis de assertividade. Mães que precisam estar mais tempo fora do lar, como as que trabalham fora e que não tem um companheiro tendem a errar mais na percepção do estado nutricional de seus filhos.

 

INTRODUÇÃO

A percepção materna sobre o estado nutricional de seu filho é fundamental, uma vez que determina padrões de cuidado que definem práticas e atitudes alimentares das mães com seus filhos, assim como os hábitos alimentares pessoais futuros dessas crianças. Estudos recentes1 mostram que a prevalência de excesso de peso entre crianças da América Latina vem crescendo. É sabido que isso está diretamente associado à persistência dessa condição na idade adulta, determinando maior ocorrência de comorbidades, como hipertensão, diabetes, e problemas cardiovasculares1.

A alimentação incorreta é fator determinante na prevalência da obesidade em qualquer idade2, sendo a maior ocorrência de erros alimentares dos filhos um fator associado à percepção materna equivocada, que é fator associado à maior dificuldade na implementação de dietas para crianças alimentadas inadequadamente3. Uma revisão sistemática4 sobre o tema constatou que mães têm dificuldade em avaliar corretamente o estado nutricional de seus filhos. Nesse contexto, a percepção materna adequada é fator fundamental no enfrentamento, principalmente, da obesidade infantil, visto que isso possibilita melhor adesão materna em intervenções alimentares3.

O equívoco dos pais pode estar relacionado a diferentes fatores5, como grau de escolaridade materna4, estado civil, rotina laboral dos pais6 e sexo da criança7 e a sua compreensão é ferramenta decisiva para a tomada de ações preventivas no combate à obesidade infantil8.

Este estudo tem por objetivo avaliar a influência de fatores sociais relacionados à percepção materna (PM) do estado nutricional (EN) de seu filho.

 

MÉTODO

Estudo transversal em amostragem por conveniência de crianças de 6 a 10 anos de idade, alunos de uma escola pública federal de ensino fundamental da cidade de São Paulo. A instituição é dedicada a atender os filhos dos funcionários do hospital da Universidade Federal de São Paulo, no qual os autores trabalhavam e, por isso, foi escolhida para o estudo.

Os dados foram coletados a partir de questionário estruturado e baseado em estudo nacional prévio9, aplicado pessoalmente às mães em reunião de pais do colégio, tentando abranger a totalidade dos estudantes. Na situação de abstenção, o documento foi enviado para preenchimento individual. No questionário, as seguintes variáveis foram avaliadas: idade e sexo da criança, escolaridade, estado civil, a rotina laboral da mãe e percepção do EN de seu filho.

Dos 235 questionários que foram aplicados, 122 retornaram devidamente preenchidos e quatro foram excluídos por terem sido preenchidos incompletamente, totalizando amostra de 118 indivíduos.

Foi enviado um termo de consentimento livre e esclarecido a todas as mães. Após autorização, as crianças foram pesadas e medidas em um único momento por dois pediatras com experiência em antropometria, que aferiram em conjunto cada criança individualmente. No ato da pesagem foi utilizada uma balança de plataforma estável, da marca Filizola, com precisão de 5g. A altura foi medida a partir de um estadiômetro fixo com precisão de 0,1cm. As crianças estavam descalças e usavam roupas leves, adequadas para a realização do procedimento.

As variáveis idade materna, peso, altura e índice de massa corporal (IMC) da criança foram expressas por medidas de tendência central (média e desvio padrão). As variáveis sexo da criança, escolaridade, estado civil e rotina laboral da mãe foram expressas em frequências absolutas e relativas. As crianças também foram classificadas nutricionalmente conforme o valor do IMC (kg/m2) e divididas em quatro categorias, conforme a Organização Mundial da Saúde: magreza (p1IMC<p3), eutrofia (p3IMCp85), sobrepeso (p85<IMCp97) e obesidade que incluiu as crianças em obesidade ou obesidade grave (IMC>p97). Foi considerada uma quinta categoria denominada "excesso de peso" formada pelas classificações de sobrepeso e obesidade (IMC>p85).

A percepção materna da classificação nutricional das crianças foi disposta em tabelas de frequência, em relação à amostra total, ao sexo da criança, à escolaridade, ao estado civil e à rotina laboral das mães (tabelas de 1 a 4, respectivamente). As variáveis IMC e percepção materna foram analisadas pelo teste Qui-quadrado, a um nível de significância de 5%, em relação à amostra total, ao sexo da criança, à escolaridade, ao estado civil e à rotina laboral das mães. Os respectivos p-valores obtidos foram dispostos nas tabelas de 1 a 4. Nos casos de associação significativa, os dados tiveram seus resíduos calculados e ajustados.

A análise de resíduos ajustados (RA) pode ser utilizada como auxiliar na interpretação de dados organizados em tabelas de contingência. Por seu intermédio, é possível avaliar como os diferentes valores expressos nas tabelas contribuem para o valor do Qui-quadrado e, por conseguinte, para associação entre as variáveis testadas. Para significância de 5%, um resíduo ajustado estatisticamente significativo é aquele, em módulo, maior que 1,96 desvios padrão (DP). Valores de resíduos significativos e positivos expressam tendência positiva, ou seja, quando foram observados mais casos do que o esperado, enquanto resíduos significativos e negativos indicam tendência negativa, ou seja, situações em que foram observados menos casos do que o esperado10. Os valores de RA calculados foram expressos ao lado de cada frequência observada para os casos em que o Qui- quadrado calculado indicou associação significativa (p-valor<0,05).

Para este estudo, consideramos que uma tendência desejável de comportamento materno acontece quando RA> +1,96 e há percepção correta, como nos casos em que a mãe classifica como normal um filho eutrófico, ou quando RA< -1,96 e há percepção incorreta, como quando a mãe classifica como normal um filho com sobrepeso. Tendências indesejáveis de comportamento materno acontecem nas situações contrárias, ou seja, quando há percepção incorreta e RA> +1,96 ou percepção correta e RA< -1,96.

A concordância entre PM e o EN da criança foi avaliada por meio do teste Kappa. A análise dos resultados foi feita para a amostra total, por sexo das crianças, por escolaridade, estado civil e rotina laboral das mães. As classificações adotadas para os valores de Kappa11 foram: pobre (0-0,19); leve (0,20-0,39); moderada (0,40-0,59); substantiva (0,60-0,79) e quase perfeita (0,80-1,00).

As análises foram conduzidas no software Statistic Package for Social Sciences v.23 (IBM SPSS para Windows, Chicago, USA). O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo com o número de inscrição 1503/10.

 

RESULTADOS

A média de idade materna foi de 38 anos (DP±7 anos). Em relação à escolaridade, 10,2% das mães que participaram da pesquisa concluíram o ensino fundamental, 61,9% concluíram o ensino médio e apenas 28% tinham ensino superior concluído. Das mães entrevistadas, 79,7% tinham um companheiro e 92,4% trabalhavam fora de casa.

No total de 118 crianças, 55,1% eram do sexo masculino. As médias de peso, altura e IMC foram, respectivamente: 32,3 kg (DP±8,8 anos), 130 cm (Dp±0,10 cm) e 18,4 kg/m2 (IMC mínimo e máximo foram 13,4 e 33, respectivamente). Quanto à classificação nutricional, 30 (25,4%) tinham sobrepeso e 26 (22%) obesidade, nenhuma criança foi classificada como magra.

Verificamos 47,4% (56) das crianças em excesso de peso, sendo que 46,4% (26) delas eram obesas e o restante 53,6% (30) em sobrepeso. As mães de crianças eutróficas classificaram corretamente 74,2% (46) de seus filhos, representando 71,87% de acertos referentes a crianças eutróficas e com excesso de peso somadas (Tabela 1).

As mães acertaram a classificação nutricional dos filhos em 54,2% (64) no total dos casos, em 20% (6) das crianças com sobrepeso e 46,2% (12) das crianças obesas. Dentre as mães que erraram, 98,15% (53) subestimaram o EN das crianças (consideraram seus filhos mais magros do que realmente eram) e 1,85% (1) as superestimaram.

A PM teve associação significativa com a classificação nutricional de seus filhos, assim como para todas as variáveis sociodemográficas (tabelas de 1 a 4). A análise de concordância pelo Kappa mostrou concordância pobre para: a amostra total (0,14), escolaridade (ensinos fundamental, médio e superior com 0,19, 0,13 e 0,10, respectivamente), sexo masculino (0,17), estado civil das mães (0,17 e 0,13 para aquelas com e sem parceiro, respectivamente) e para as mães que trabalham fora (0,11). Mães de meninas e aquelas que não trabalham fora apresentaram concordância leve (0,36 e 0,27, respectivamente).

 

DISCUSSÃO

A proporção de crianças com excesso de peso em nosso estudo foi maior que a encontrada por alguns pesquisadores12,13. Dois estudos14,15 obtiveram valores significativamente menores para sobrepeso: 5,2% e 9,7%, respectivamente.

As classificações corretas dos estados nutricionais variaram pouco em relação aos dados da literatura para o total de casos, para as crianças em sobrepeso e em obesidade. Dentre as classificações incorretas das mães, nosso trabalho apresentou prevalência mais baixa de superestimação em relação aos estudos consultados13,14,16-27.

Encontramos correspondência com alguns estudos para o resultado do Kappa, que mostrou concordância pobre para os dados gerais16,17,21, enquanto outros obtiveram concordância variando de leve a moderada14,25,27,28. Em relação ao sexo, a concordância obtida em nosso estudo foi semelhante a um estudo realizado em creches de uma cidade do Sul do Brasil29, sendo maior para mães de meninas. Maior concordância para essas mães também foi encontrada em estudo realizado com pré-escolares17. Nenhuma das fontes consultadas avaliou a concordância em relação à escolaridade, rotina laboral e ao estado civil das mães.

As mães dos eutróficos foram as que classificaram mais corretamente o EN de seus filhos. De acordo com revisão sistemática4, a maioria dos estudos mostrou maior percentual de acerto entre PM e EN dos filhos quando estes eram eutróficos7,13,18,20,23-32. Encontramos maior acerto para o quesito normal/eutrófico. Não obstante, o resíduo para magra/eutrófico (2,207) sinaliza subestimação matematicamente significativa. Isso indica que quantidade significativa de mães os subestimaram, ainda que, em termos absolutos, a maioria delas tenha apresentado percepção correta.

A mesma revisão sistemática4 indica haver tendência de subestimação para crianças com sobrepeso, sendo ainda maior para crianças obesas nos estudos que fazem essa estratificação18,20,23,25-27,32. Em nosso estudo, a maior contribuição percentual de subestimação foi para crianças com excesso de peso - 35,19% (38) do total de mães, sendo que 80% (24) das mães de filhos com sobrepeso subestimaram seus filhos -, porém os resíduos para subestimação não foram significativos, indicando que esse comportamento já era esperado. A subestimação de crianças com sobrepeso possui alta prevalência, mas não foi acompanhada de tendência crescente de percepção incorreta. As crianças eutróficas e obesas, respectivamente, 24,1%(15) e 46,1%(14) foram subestimadas quanto ao seu EN.

Um estudo sobre a PM em creches em cidade do sul do Brasil29 afirmou que mães de filhos em sobrepeso ou em obesidade possam ter melhor percepção do estado nutricional, visto que os sinais clínicos seriam visualmente mais perceptíveis. Contudo, a revisão sistemática consultada4 aponta que os estudos não confirmaram essa hipótese. Eles evidenciam baixa capacidade das mães em identificarem o excesso de peso de seus filhos e melhor capacidade de identificar o peso normal para os filhos eutróficos7,13,18,20,23-32. Entretanto, nosso estudo sugere que mães de crianças obesas tendem a classificá-las corretamente, na medida em que os resíduos ajustados apontam diminuição significativa na subestimação e aumento significativo da percepção correta. Acreditamos que a não realização da estatística inferencial (análise de resíduos) para cada correlação apresentada pelos outros autores possa ser o motivo da discordância dos nossos resultados com o verificado na revisão sistemática, visto que nenhum desses estudos aplicou este método estatístico.

Alguns estudos se dedicaram a investigar fatores possíveis para a percepção materna incorreta, como o grau de escolaridade materno. Níveis de escolaridade mais baixos são frequentemente associados a níveis de percepção piores7,13,23,26,27,31,32, o que não foi o encontrado neste estudo. Proporcionalmente, assim como em um estudo sobre a PM no Distrito Federal, no Brasil16, houve piora na percepção com o aumento da escolaridade, haja vista que mães com o ensino fundamental acertaram em 75% (9) dos casos, seguidas de mães com o ensino médio, com 53,4% (39) de acertos. Mães com ensino superior tiveram percepção correta em 48,4% (16) dos casos. Estatisticamente, houve tendências desejáveis de diminuição de subestimação e aumento de percepção correta para mães com ensino fundamental e médio, porém nenhum resíduo foi significativo para aquelas com ensino superior. Isso corrobora os dados percentuais, na medida em que, estatisticamente, níveis escolares menores apresentaram tendências desejáveis de comportamento materno.

Mães de meninos têm percepção menos correta em relação às mães de meninas18,26,32. Estudo transversal realizado em escolas particulares16 demonstrou que mães de meninos têm maior tendência a subestimá-los devido à idealização de um arquétipo de corpo masculino mais robusto e, por conseguinte, ligado à ideia de saúde. Por outro lado, mães de meninas tendem a ser mais críticas em relação ao estado nutricional, ansiando uma silhueta mais magra, sendo isso um reflexo de imposições culturais e sociais. Um estudo sobre a concordância entre o EN aferido e percebido por mães de pré-escolares17, concluiu que muitas delas acreditam que o excesso de peso da criança irá se distribuir ao longo de seu crescimento e ela não se tornará um adolescente acima do peso. O nosso estudo sustenta essas afirmações dado que 64,6% (42) das mães de meninas tiveram percepção acertada, frente a 41,5% (22) das mães de meninos. Os resíduos sugerem tendência para subestimação de meninos quando estes eram eutróficos (2,054) e tendência a percepção correta para meninas eutróficas e obesas (2,586 para normal/eutrófico e 3,922 para acima do peso/obesidade). Os resíduos corroboram os dados descritivos, pois uma maior quantidade de mães de meninos eutróficos em relação a mães de meninas eutróficas os subestimou, 33,3% (8) contra 18,42% (7), respectivamente.

Mães de crianças de ambos os sexos, de acordo com a análise de resíduos, tendem a subestimar menos seus filhos obesos, apesar de haver 66,7% de subestimação de meninos. Mães de meninos com sobrepeso também os subestimaram mais percentualmente, 88,8% (15) contra 69,2% (9) de subestimação de meninas com sobrepeso, mas estatisticamente isso não representou uma tendência, visto que os resíduos não foram significativos.

Até o momento, poucos trabalhos se dedicaram a explorar a associação da rotina laboral das mães com a percepção materna. Alguns estudos2,29 avaliaram a ocupação materna, mas não obtiveram significância estatística. Para o nosso estudo, essa variável teve associação significativa e, apesar de mais da metade das mães acertarem na percepção, os resíduos ajustados (1,968) sugerem que as que trabalham fora tendem a subestimar mais os filhos eutróficos em relação àquelas que não o fazem. Filhos obesos também foram significativamente menos subestimados pelas mães que trabalham fora.

Estudo descritivo realizado em uma cidade do norte do México3 também avaliou o estado civil das mães, porém não encontrou associação estatística. Em nosso estudo, mães sem parceiro têm a tendência de subestimar o EN de seus filhos quando eles são eutróficos (2,012). Os dados proporcionais também indicam maior percepção equivocada, dado que 54,1% (41) delas se equivocaram na percepção.

Um estudo realizado na Toscana25, obteve Kappa maior quando foi usada a escala de silhueta que o questionário simples, contudo, ambos os valores indicavam concordância moderada entre a PM e o EN dos filhos. Contudo, não há consenso a respeito da melhor ferramenta utilizada para avaliar a percepção materna. Estudos recentes têm se utilizado de escalas de silhueta e questionários simples. Autores4 descreveram ter sido possível identificar diferenças na capacidade dos dois métodos em avaliar a percepção materna, com a ressalva de que o método de questionário é passível de aumentar as porcentagens de subestimação, quando comparado à escala de silhuetas, o que pode ser uma limitação do nosso estudo.

Não encontramos na literatura outro estudo que tenha utilizado a análise de resíduos ajustados como ferramenta estatística para avaliar as diferenças entre percepção materna e estado nutricional. Os estudos revisados para fins de discussão deste trabalho se limitaram em usar somente a estatística descritiva para avaliar o grau de correlação entre as variáveis estudadas, dada a associação estatística significativa. Acreditamos que isso possa ser o motivo da discordância entre os resultados obtidos e os citados. Ainda, conflitamos a estatística descritiva com a análise de resíduos para salientar que podem existir tendências de comportamento não identificáveis percentualmente.

 

CONCLUSÃO

A concordância entre percepção materna e estado nutricional foi pobre para os dados gerais, para o sexo, escolaridade, rotina laboral e estado civil, à exceção de mães de meninas e aquelas que não trabalham fora, que apresentaram concordância leve.

Mães de filhos obesos tendem a classificá-los corretamente. Isso não foi verificado estatisticamente para crianças eutróficas e em sobrepeso. Mães de filhos eutróficos sem parceiro e as que trabalham fora tendem a subestimar o EN de seus filhos.

Níveis de escolaridade mais baixos (ensino fundamental e médio) mostraram tendência de percepção correta, o que não foi observado para mães com o ensino superior. Há tendência de subestimação para meninos e de percepção correta para meninas, ou seja, mães de meninas percebem suas filhas mais corretamente comparativamente a mães de meninos.

Contribuição dos autores

Gustavo Carreiro Pinasco - desenho de estudo, banco de dados, análise estatística, metodologia, visualização de dados, administração do projeto, supervisão, escrita do manuscrito, revisão e edição da escrita.

Arthur Brunelli Sales - análise estatística, visualização de dados, escrita do manuscrito, revisão e edição da escrita.

Carla Venância Aguilar Santos - banco de dados, visualização de dados, escrita do manuscrito, revisão e edição da escrita.

Elizandra Cola - Writing - escrita do manuscrito, revisão e edição da escrita.

Eduardo Moreno Júdice de Mattos Farina - escrita do manuscrito, revisão e edição da escrita.

Fabiano Novaes Barcellos Filho - escrita do manuscrito, revisão e edição da escrita.

Willer França Fiorotti - Writing - escrita do manuscrito, revisão e edição da escrita.

Luiz Carlos de Abreu - desenho de estudo, metodologia, visualização de dados, supervisão, escrita do manuscrito, revisão e edição da escrita.

Financiamento

Financiamento próprio.

Agradecimentos

Aos pais e estudantes do Núcleo de Educação Infantil - Escola Paulistinha de Educação e ao serviço de Nutrologia Pediátrica da UNIFESP. A viabilidade financeira deste artigo se deve ao Projeto Acre - Projeto Saúde na Amazônia Ocidental (convênio multi-institucional processo nº 007/2015 SESACRE-UFAC-FMABC).

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

 

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Endereço para correspondência:
Gustavo Carreiro Pinasco
gustavo.pinasco@emescam.br

Recebido: Dezembro 2020
Analisado: Abril 2020
Aceito: Setembro 2020

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