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Journal of Human Growth and Development

Print version ISSN 0104-1282On-line version ISSN 2175-3598

J. Hum. Growth Dev. vol.30 no.3 São Paulo Sept./Dec. 2020

http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.v30.11082 

 

 

 

Endereço para correspondência:
Patrícia Aparecida Zuanetti
pati_zua@yahoo.com.br

Recebido: Julho 2020
Analisado: Maio 2020
Aceito: Setembro 2020

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ARTIGO ORIGINAL

 

Narrativa escrita de escolares com e sem dificuldade de consciência sintática

 

 

Ana Claudia Constant SoaresI; Patrícia Aparecida ZuanettiII; Kelly da SilvaIII; Raphaela Barroso Guedes-GranzottiIV; Marisa Tomoe Hebihara FukudaI

IFaculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP). Ribeirão Preto (SP) - Brasil
IIHospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP) - Ribeirão Preto (SP) - Brasil
IIIUniversidade Federal de Sergipe (UFS). Campus Profº Antônio Garcia Filho - Lagarto (SE) - Brasil
IVUniversidade Federal de Sergipe (UFS). Campus São Cristóvão - São Cristóvão/SE (SE) - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: A consciência sintática é uma habilidade metalinguística e é definida como a capacidade da criança em refletir sobre os processos formais relativos à organização das palavras em frases e manipulá-los. Esta é uma habilidade ainda pouco explorada no contexto de aprendizagem escolar, sendo pouco descrito a sua importância no processo de aprendizagem escolar de crianças falantes do português
OBJETIVO: Comparar a narrativa escrita entre crianças com e sem dificuldade em consciência sintática
MÉTODO: Participaram 60 crianças (idade média 9,4 anos; DP: 0,9) matriculadas no 4º e 5º ano do ensino fundamental de uma escola municipal, divididas em dois grupos, de acordo com seu o desempenho na tarefa de consciência sintática - G1 (crianças com desempenho médio/elevado em consciência sintática) e G2 (desempenho rebaixado). Após a avaliação da habilidade de consciência sintática, cada criança elaborou um texto narrativo escrito baseado em uma figura estímulo que foi analisado nos aspectos grafia, erros ortográficos, uso das classes gramaticais e o conteúdo. Para comparação entre os grupos usou-se o teste T - student (
α = 0,05
RESULTADOS: As crianças do G2 apresentaram grafia alterada; maior ocorrência de erros ortográficos, sendo estes principalmente do tipo relação fonografêmica irregular; apoio na oralidade e dificuldade com marcadores de nasalização; textos curtos com preferência do uso de substantivos e verbos, além de dificuldades com a estruturação do texto, uso de pontuação e vocabulário, enquanto que o G1 utilizou mais verbos e pronomes no lugar dos substantivos
CONCLUSÃO: Crianças que apresentam adequada habilidade de consciência sintática conseguiram elaborar narrativas escritas com maior competência, demonstrando aquisição de aspectos ortográficos e desenvolvimento da coerência textual

Palavras-chave: linguagem infantil, desenvolvimento da linguagem, narrativa, escrita manual, aprendizagem, consciência sintática.


 

 

Síntese dos autores

Por que este estudo foi feito?

Diversas habilidades cognitivas são avaliadas no contexto de aprendizagem escolar. Dentro das habilidades metalinguísticas, a consciência sintática pouco foi explorado, sendo que seu papel no aprendizado escolar era ignorada até pouco tempo. Este estudo teve o propósito de demonstrar que essa habilidade metalinguísticas também é uma importante variável no desenvolvimento da linguagem escrita e deve ser estimulada no contexto escolar.

O que os pesquisadores fizeram e encontraram?

A amostra de crianças foi avaliada e posteriormente dividida entre crianças com adequado desempenho em consciência sintática e desempenho inferior. Posteriormente, comparou-se a narrativa escrita entre estes dois grupos.

Encontramos que as crianças com consciência sintática rebaixada apresentam dificuldades na elaboração textual, tanto do ponto de vista ortográfico, sugerindo uma defasagem no desenvolvimento da linguagem escrita assim como um texto com pobre coerência.

O que essas descobertas significam?

Os achados demonstram que esta habilidade metalinguística é igualmente importante no desenvolvimento da linguagem escrita assim como as outras habilidades metalinguísticas (ex: consciência fonológica). Este dado reforça a importância que a relação consciência sintática e elaboração textual deve ser explorada.

 

INTRODUÇÃO

As habilidades metalinguísticas envolvem a reflexão a respeito da produção verbal, são definidas como habilidades de função secundária na linguagem. Essas possuem propriedades que podem ser examinadas a partir de um monitoramento intencional e deliberado1. Dentre as habilidades metalinguísticas, podemos citar a consciência sintática.

A consciência sintática (CS) é definida como a habilidade de se refletir e manipular a estrutura sintática da língua e controlar sua aplicação, ou seja, ela se refere à reflexão e controle intencional sobre os processos formais relativos à organização das palavras em frases2. Esta se distingue da compreensão, porque diz respeito à capacidade onde se considera a estrutura mais do que o significado de uma frase3.

Existe uma recíproca e estreita relação entre a linguagem escrita e a CS e esse elo foi analisado através de estudos que englobaram populações com diversas línguas: a língua portuguesa3-7, a chinesa8-11, a inglesa12,13 e a espanhola14. Os instrumentos geralmente utilizados para a avaliação da CS envolvem a capacidade da criança de julgar se os vocábulos estão adequadamente ordenados na frase, ou se há concordância nominal e verbal entre as palavras2 ou ainda, através da categorização de palavras6,15.

Os estudos envolvendo consciência sintática e alfabetização indicaram que as habilidades sintático-semânticas desenvolvidas são bons preditores do desempenho em tarefas de compreensão de leitura3,4,8-14,16,17. Estes estudos analisaram a relação entre CS e compreensão de leitura, porém, a díade CS e narrativa escrita (em que se pode observar mais profundamente o desenvolvimento da escrita, analisando a produção de frases, uso de diversas classes gramaticais e os erros ortográficos) ainda não foi explorada.

Diante da escassez de estudos que analisaram a relação entre consciência sintática e narrativa escrita e da importância cultural que a escrita possui em nossa sociedade, compreender quais são as habilidades cognitivas que auxiliam nesta apropriação linguística se faz necessário. Com base na literatura apresentada, de que a consciência sintática tem relação com o desempenho em leitura e escrita, este estudo partiu da premissa que indivíduos com dificuldade em tarefas de consciência sintática apresentarão mais dificuldade para construir uma narrativa escrita. A tarefa de elaborar narrativas escritas é uma atividade complexa18. Envolve aspectos da linguagem oral, tais como vocabulário e adequada compreensão, habilidades cognitivas, tais como atenção e adequado desenvolvimento motor fino. Por meio da elaboração textual é possível analisar como a criança articula suas ideias e qual o domínio ortográfico possui19.

Com isso, o objetivo é analisar a narrativa escrita de escolares do ensino fundamental com e sem dificuldade de consciência sintática.

 

MÉTODO

Trata-se de um estudo observacional do tipo caso-controle. Participaram 60 escolares do 4º e 5º ano do ensino fundamental, de escolas públicas de um município do Estado de São Paulo - Brasil, divididos em dois grupos, de acordo com o desempenho na Prova de CS, sendo:

- Grupo 1 (G1): crianças com desempenho em CS adequado para o ano escolar (n = 41; média de idade: 9,4 anos, desvio padrão 0,7 - 53,6% do sexo feminino e 63,4% estavam matriculados no 4º ano);

- Grupo 2 (G2): crianças com desempenho em CS alterado para ano escolar (n=19; média de idade: 9,5 anos, desvio padrão 0,6 - 52,6% do sexo feminino e 57,9% estavam matriculados no 4º ano);

Foram excluídas as crianças que apresentavam diagnóstico de deficiência intelectual e/ou com o diagnóstico de alguma síndrome (crianças do programa de inclusão escolar, por exemplo); queixas auditivas; com histórico de intervenção terapêutica para alterações de linguagem oral/escrita (ex: fonoterapia, psicopedagogia ou reabilitação cognitiva); crianças não alfabetizadas e as que não colaboraram com a realização dos testes.

Ressalta-se que não foram excluídas deste estudo as crianças com rendimento escolar insatisfatório ou com queixas comportamentais. Se estas eram alfabetizadas e não tinha diagnóstico de deficiência intelectual/síndrome, as crianças acabaram participando deste estudo.

A coleta de dados foi realizada em três fases. A primeira consistiu no levantamento de dados a respeito da criança por meio do preenchimento de um questionário respondido pelos responsáveis. Esse questionário continha questões relativas à gestação e nascimento (APGAR, período de internação, nascimento a termo ou pré-termo, e outros), desenvolvimento neuropsicomotor e de fala/linguagem e, histórico de doenças e seus respectivos tratamentos. O questionário foi utilizado apenas para verificação dos critérios de exclusão do estudo.

A segunda fase consistiu da aplicação da prova de CS Capovilla e Capovilla15, realizada de forma individual e em local silencioso. A terceira etapa compreendeu a prova de narrativa escrita, aplicada de forma coletiva, em sala de aula.

A Prova de Consciência Sintática15 é composta por quatro tarefas, avaliando diferentes categorias:

I. Julgamento Gramatical: são apresentadas oralmente frases corretas e incorretas (ex: "A mulher está muito bonito"; "Andou de ela carro"). A criança deve indicar quais as frases estão corretas e quais não estão. São fornecidas, no início três frases como exemplos, explicando porque a frase está certa ou errada.

II. Correção Gramatical: são apresentadas oralmente frases incorretas e a criança deve corrigi-las também de forma oral, (ex: avaliador diz "Lápis o apontei eu" e, a criança deve corrigir, dizendo "Eu apontei o lápis"). São fornecidas, no início três frases como exemplos, explicando porque e como seriam corretamente.

III. Correção Gramatical de Frases com Incorreções Gramatical e Semântica: são apresentadas oralmente frases com alterações semânticas e gramaticais e a criança deve corrigir somente a alteração gramatical (ex: avaliador diz "O sol são preto", a criança deve responder "O sol é preto"). A criança deve perceber qual o tipo de erro gramatical existente e corrigir a frase, falando-a ao avaliador de maneira correta, mas sem corrigir o erro semântico. Também são fornecidas, no início três frases como exemplos, explicando porque a frase está certa ou errada e como deveriam ser corrigidas.

IV. Categorização de Palavras: são apresentadas oralmente 15 palavras. Essas palavras correspondem a uma classe gramatical (adjetivo, substantivo e verbo). E a criança deve julgar a qual classe gramatical a palavra pertence. São fornecidas, no início três palavras como exemplos, explicando a categoria de cada uma.

Em relação à pontuação deste teste, é atribuído 1 ponto para cada item respondido de forma correta. A pontuação máxima no julgamento gramatical é de 20 pontos, na correção gramatical de 10 pontos, na correção gramatical de frases com incorreções gramatical e semântica de 10 pontos e na categorização de palavras de 15 pontos sendo a pontuação geral no teste de 55 pontos.

Os critérios para composição dos grupos (G1 e G2) seguem os padrões de referência de normalidade do teste para o ano escolar, conforme pontuação obtida por cada criança (vale ressaltar que no teste, o padrão de normalidade é dado por série escolar, logo, se a criança estava frequentando o 5º ano do ensino fundamental, a tabela de padrão a ser comparada era referente à 4ª série e do 4º ano era referente à 3ª série).

Na Prova de Narrativa Escrita cada criança recebeu uma folha A4 em branco. Foi solicitado que a partir da apresentação de quatro imagens, a criança redigisse um texto. Essas imagens consistiam em uma mulher realizando atividades de "cuidados com a casa" (passando roupa, lavando louça, varrendo o chão e costurando roupa). Vale ressaltar que não existia relação lógico temporal entre as imagens e que não foi solicitado uma elaboração oral antes da escrita. Não houve tempo máximo para a realização desta tarefa.

Para a análise das narrativas escritas foi utilizado o guia para Análise de Narrativas Escritas - PAES20. Este avalia quatro aspectos:

A primeira parte analisa a grafia e são considerados e avaliados seis itens (força aplicada ao traçado gráfico, tamanho das letras, inclinação das letras, espaçamento entre as letras, inclinação das frases e dificuldade em utilizar o espaçamento da folha). A pontuação máxima, segundo os critérios do protocolo é 6 pontos, sendo que quanto maior a pontuação melhor a grafia.

No aspecto relativo aos erros ortográficos, foi analisado quantas vezes ocorreram os diversos tipos de erros ortográficos possíveis na escrita da língua portuguesa. Foram divididos em 15 categorias. Inicialmente foram computados quantos erros a criança apresentou dentro de cada categoria (tipo de erro ortográfico) e o número total de palavras escritas pela criança (tanto palavras escritas correta e incorretamente quanto palavras ininteligíveis). Para possibilitar comparação dos dados entre grupos, os dados brutos foram convertidos em porcentagem de ocorrência. Esse procedimento foi adotado visto que cada criança tinha liberdade para escrever qualquer tamanho de narrativa.

Quanto ao aspecto, variáveis linguísticas (substantivos, adjetivos, verbos conjugados correta e incorretamente, pronomes, marcadores temporais e outras classes gramaticais), foram calculadas o total de palavras da narrativa (extensão do texto) e a porcentagem de uso de cada classe gramatical no texto. Neste item também foi utilizada a porcentagem de cada categoria.

Na quarta e última parte é analisado o conteúdo do texto elaborado. Esta parte foi composta por oito itens: estrutura do texto (presença de início/meio/fim), coerência ao tema (criação e desfecho da situação problema, manutenção dos personagens ao longo da narrativa), adequação de vocabulário, presença de detalhes da história, criatividade, inteligibilidade da mensagem do texto, utilização de pontuação e título. Para cada item foi atribuído um, meio ou zero ponto. O ponto inteiro foi dado quando a criança demonstrava domínio no referido quesito, meio ponto para domínio parcial e zero ponto quando não apresentou o quesito. A pontuação para a análise foi a somatória obtida em todos os itens. A pontuação máxima possível foi de oito pontos.

As narrativas escritas foram analisadas por dois juízes, sendo estes profissionais fonoaudiólogos especialistas em linguagem infantil. Os juízes analisaram as narrativas das crianças sem saber em qual grupo esta pertencia. Utilizou-se o Índice Kappa para avaliar a concordância entre eles. O nível de concordância entre os juízes foi classificado como praticamente perfeito.

Para a inferência estatística (avaliação se existia ou não diferença na narrativa escrita de crianças com e sem dificuldade em consciência sintática) utilizou-se o teste de T- Student para amostras não pareadas, depois de verificado normalidade de dados. O nível de significância adotado foi de 0,05.

Esse estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição sob nº 602/2014 e aprovado pela Secretária Municipal de Educação do município onde foi realizada a coleta de dados.

 

RESULTADOS

Na tabela 1 estão descritos os resultados da Prova de Consciência Sintática utilizada para a composição dos grupos. Esta demonstra o desempenho médio de cada um dos grupos nas diversas subtarefas da Prova de Consciência Sintática.

No G1 encontramos que 2% das crianças tinham classificação "rebaixada" na prova de julgamento - prova 1 (p1), 4% na prova de correção gramatical (p2), 4% na prova de correção gramatical com alterações semânticas e sintáticas (p3) e de 2% na prova de categorização. No G2, a porcentagem de erros nas provas foi de respectivamente: p1 = 36%, p2 = 74%, p3 = 10% e p4 = 63%. Ressalta-se que, como descrito nos métodos, às crianças que obtiveram resultados dentro dos padrões de normalidade (desempenho médio e/ou elevado) no "total" desta prova compuseram o G1 e as classificadas com "desempenho rebaixado", compuseram o G2 (Tabela 1).

No que diz respeito à narrativa escrita com base em figura estímulo, foram analisados quatro aspectos: grafia, porcentagem de erros ortográficos, variáveis linguísticas e conteúdo. Em relação ao aspecto "grafia", a média do G1 foi de 4,3 pontos (Desvio Padrão: 0,9) e do G2 a média foi 3,2 (Desvio Padrão: 0,9). Houve diferença significativa entre os grupos (p = 0,001), onde G1 apresentou melhor desempenho.

Quanto aos "Erros Ortográficos" cometidos nas narrativas escritas houve diferença estatística entre os grupos, com maior ocorrência no G2. A freqüência de erros em cada tipologia está demonstrada na Tabela 2. Ressalta-se que, neste caso, quanto maior a porcentagem, pior é o desempenho daquela criança (Tabela 2).

Em relação ao desempenho no item "Variáveis linguísticas" (Tabela 3) foram observadas diferenças estatísticas entre os grupos para o uso de substantivos e pronomes, bem como para a extensão do texto (observada pelo número total de palavras). As crianças de G1 elaboraram textos mais extensos e com maior uso de pronomes do que as crianças de G2, que por sua vez utilizaram maior número de substantivos. Quanto à porcentagem de uso de cada categoria de palavras nas produções textuais, foi observado menor uso da categoria adjetivos em ambos os grupos e predominância do uso de verbos pelo G1 e do uso de verbos e substantivos pelo G2 (Tabela 3).

Na Tabela 4 estão demonstrados os resultados do aspecto "Conteúdo" do PAES. O desempenho de G1 foi caracterizado por escores (média) significativamente superiores aos de G2, indicando que o G1 apresentou melhor adequação nos itens analisados quanto ao conteúdo do que o G2, de acordo com o protocolo utilizado (Tabela 4).

 

DISCUSSÃO

A narrativa escrita é um importante instrumento de avaliação, pois fornece dados a respeito do desenvolvimento linguístico e cognitivo da criança20,21. Envolve a seleção do conteúdo (aspecto pragmático e semântico da linguagem) assim como a forma de transmissão da mensagem20. No caso de a transmissão da mensagem ser pela escrita é necessário que a criança saiba a relação fonema/grafema (letra/som), saiba organizar as palavras construindo frases e, posteriormente, o texto (aspecto sintático e morfológico) e ter domínio dos aspectos de grafia e ortográficos.

Observou-se que as crianças com dificuldade em CS (G2) apresentaram um texto narrativo pouco extenso, maior porcentagem de erros ortográficos, utilização de palavras de diferentes classes gramaticais e um texto do ponto de vista de "conteúdo", mais pobre.

Com isso, este estudo, demonstra que a consciência sintática não é somente preditora da capacidade de compreender textos, como confirmado por alguns estudos2,4-6,8-14, mas também que crianças com alteração em CS apresentam textos escritos deficitários, sugerindo que possa haver uma relação direta entre estas.

Ao analisarmos as subprovas que avaliaram a consciência sintática, temos que ambos os grupos tiveram mais facilidade (maior pontuação média) na primeira tarefa, a tarefa de julgamento gramatical. Na literatura, esta tarefa é considerada de fácil realização, sendo que, autores apontam que essa tarefa não deve ser a única utilizada para a avaliação da consciência sintática, pois muitas crianças podem apenas "detectar uma dissonância global" no enunciado, sem reconhecer de fato a alteração sintática presente na frase2. Dentre as tarefas mais complexas para o G2, destaca-se a categorização de palavras. Maiores dificuldades nesta tarefa também foram resultados de outro estudo6.

No primeiro aspecto avaliado na narrativa escrita, a grafia, o G2 apresentou pontuação inferior, ou seja, demonstrou mais dificuldade em utilizar o espaço da folha, força excessiva ao escrever, desorganização das linhas, dentre outros. Até o momento, não há estudos que relacionem a capacidade gráfica à habilidade de consciência sintática, porém, estudos que avaliam este aspecto em crianças com dificuldades de aprendizagem20,22, com dislexia ou com transtorno do déficit de atenção e hiperatividade - TDAH23 encontraram a grafia alterada nestas populações. O objetivo deste estudo não foi verificar se as crianças do G2 ou do G1 tinham dificuldades específicas em leitura/escrita ou TDAH ou alterações comportamentais, porém, a questão da disgrafia pode estar associada à presença de comorbidades na população aqui estudada.

A respeito da ocorrência de erros ortográficos nas elaborações escrita, os escolares do grupo com alterações em CS também foram os que apresentaram maior porcentagem de erros ortográficos, evidenciando que a falta de domínio da sintaxe apresentado por tal grupo também se reflete em menor domínio de regras ortográficas. Já quanto à tipologia dos erros, os mais frequentes em ambos os grupos foram: relação fonografêmica irregular (possibilidade de representações múltiplas), seguido de apoio na oralidade e confusão no uso de marcadores de nasalização, porém com maior porcentagem de ocorrência no G2.

Ao se comparar a porcentagem e a tipologia dos erros ortográficos das crianças deste estudo com de crianças com dificuldades de aprendizagem relatado no estudo de Zuanetti et al.20, observou-se achados semelhantes de palavras com erros ortográficos (25%), entretanto em relação à tipologia, crianças com dificuldade de aprendizagem apresentaram mais dificuldades em relação à omissão/acréscimo de letras em silabas complexas e crianças com dificuldade sintáticas tiveram um maior número de porcentagem de erro na relação fonografêmica irregular. Esta diferença entre esses dois tipos de população pode sugerir que crianças com dificuldade de aprendizagem podem apresentar um atraso maior no desenvolvimento da linguagem escrita ao se comparar com crianças com somente dificuldade na consciência sintática, sendo esta última população, composta por crianças que já dominam a ideia que a sílaba pode apresentar estruturas complexas, mas não dominam que o nosso sistema gráfico possui irregularidades.

O único estudo nacional que relacionou escrita e consciência sintática6 observou com mais frequência o erro do tipo "segmentação indevida" e encontrou que crianças com alteração nesta habilidade cometem mais erros de hipersegmentação ao se comparar com crianças com desenvolvimento adequado nesta habilidade.

Com relação ao uso das variáveis linguísticas na elaboração textual, estudos trazem que crianças sem dificuldade em linguagem escrita se utilizam preferencialmente de verbos e substantivos e a classe gramatical menos utilizada é a dos adjetivos20,24. Por outro lado, em crianças com distúrbio de linguagem o uso de adjetivos supera o uso dos marcadores temporais24. Quanto ao uso de verbos, o mesmo foi o observado neste estudo, sendo uma das classes gramaticais mais utilizadas tanto pelo G1 como pelo G2.

Neste estudo, ao se comparar as variáveis linguísticas utilizadas por cada grupo, foi observada diferença entre estes no uso de substantivos e pronomes, sendo que para o grupo sem alteração em consciência sintática (G1) foi encontrado menor porcentagem de uso de substantivos e maior porcentagem de uso de pronomes, já o contrário foi observado no G2 (maior uso de substantivos e pequena porcentagem de pronome). Esse dado sugere um maior conhecimento e domínio das regras morfossintáticas pelo primeiro grupo, que passa a utilizar outras classes gramaticais substituindo a necessidade de utilizar ou repetir alguns substantivos.

O G1 também elaborou narrativas mais extensas e estudos abordando a língua portuguesa verificaram que quanto maior o número total de palavras utilizadas na produção textual, maiores foram as possibilidades de aparecimento das diferentes variáveis linguísticas20,25.

Atentando-se também à extensão do texto, verificou-se que os escolares que desenvolveram textos mais extensos (crianças com CS adequada), foram também os que apresentaram maior adequação no aspecto referente ao conteúdo. Tal dado sugere que textos mais extensos tendem a apresentar estruturação narrativa mais desenvolvida, com começo, meio e fim, assim como a serem mais ricos em detalhes, incluindo personagens e inferindo fatos e sentimentos. As crianças do G1 apresentaram um vocabulário mais diversificado, com maior criatividade e uso correto de pontuação.

Com relação ao conteúdo, o aspecto na qual foi encontrada maior dificuldade, depois do uso de título, diz respeito ao uso correto de pontuação. Uma possível justificava para tal fato é que os demais itens avaliados (vocabulário, detalhes, criatividade e coerência) podem ser favorecidos por pistas visuais contidas na imagem, bem como experiências anteriores dos sujeitos com leitura e escrita de histórias, diferentemente da pontuação que depende principalmente de regras aprendidas.

Este estudo, um dos pouco realizados com crianças que possuem a língua portuguesa como sendo a principal, demonstrou que crianças com alterações em consciência sintática apresentam déficits na narrativa escrita. Este dado demonstra que a díade escrita versus consciência sintática deve ser mais bem investigada em nossas crianças. Sugerimos estudos que avaliem como o treinamento da habilidade de CS pode beneficiar ou não a capacidade de escrita e se crianças com diversas condições (ex: dislexia, TDAH, transtornos emocionais, e outros) apresentam esta habilidade mais desenvolvida em relação à outro grupo.

 

CONCLUSÃO

Os achados demonstraram que escolares que apresentaram desenvolvimento adequado dessa habilidade metalinguística também apresentaram melhor produção textual, com narrativa escrita mais elaborada, englobando desde aspectos ortográficos até o desenvolvimento da coerência textual.

Constatou-se que crianças com dificuldades em consciência sintática apresentam grande porcentagem de erros ortográficos, sendo a tipologia semelhante aos estudos que avaliam escrita em crianças com dificuldades de aprendizagem (erros mais frequentes: relação fonografêmica irregular, apoio na oralidade e confusão de marcadores de nasalização) e, que estas possuem dificuldade no uso de pronomes, utilizando preferencialmente a "repetição dos substantivos" durante sua elaboração. Também apresentam textos curtos e geralmente mais descritivos.

 

REFERÊNCIAS

 

 

Endereço para correspondência:
Patrícia Aparecida Zuanetti
pati_zua@yahoo.com.br

Recebido: Julho 2020
Analisado: Maio 2020
Aceito: Setembro 2020

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