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Journal of Human Growth and Development

versión impresa ISSN 0104-1282versión On-line ISSN 2175-3598

J. Hum. Growth Dev. vol.30 no.3 São Paulo sept./dic. 2020

http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.v30.11113 

ARTIGO ORIGINAL

 

Fatores associados a casos de Dengue na área industrial brasileira: um estudo ecológico

 

 

Danilo Correa CordeiroI; Fernando Luiz Affonso FonsecaII; Claudia ArabIII; Francisco Naildo Cardoso LeitãoIV; Juliana Zangirolami-RaimundoV; Rodrigo Daminello RaimundoIV

IDepartamento de Sustentabilidade da Faculdade de Medicina do ABC (FMABC) - Santo André (SP), Brasil
IILaboratório de Análises Clínicas, Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina do ABC. Av. Lauro Gomes, 2000 - Vila Sacadura Cabral - Santo André / SP - Brasil
IIIDepartamento de Cardiologia da Universidade Federal de São Paulo, Rua Sena Madureira, n.º 1.500 - Vila Clementino - São Paulo - SP - Brasil
IVLaboratório de Delineamento de Estudos e Escrita Científica, Centro Universitário Saúde ABC. Av. Lauro Gomes, 2000 - Vila Sacadura Cabral - Santo André / SP - Brasil
VFaculdade de Medicina FMUSP, Universidade de São Paulo. Av. Dr. Arnaldo, 455 - Cerqueira César, São Paulo - SP - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: A dengue é uma doença infecciosa viral sistêmica aguda, estabelecida mundialmente em ciclos de transmissão epidêmica e endêmica. Altos níveis de precipitação, temperaturas adequadas, proximidade entre centros urbanos e peri-urbanos, movimento humano entre centros populacionais e produção de resíduos sólidos urbanos (RSU) podem facilitar a transmissão e a disseminação da dengue
OBJETIVO: Identificar a relação entre casos diagnosticados de dengue e fatores socioeconômicos, geração de massa de RSU e índice pluviométrico
MÉTODO: Estudo ecológico, com coleta secundária de dados de 2010 a 2016 para cada município da Região do Grande do ABC, em São Paulo, Brasil. Foram investigados a população total, o produto interno bruto (PIB) per capita, RSU, número de casos de dengue e índice pluviométrico. Os dados foram coletados nos sites do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os municípios da Região do Grande ABC, o Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, a Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC, o Sistema Nacional de Informação sobre Saneamento, Centro de Vigilância Epidemiológica do Estado de São Paulo e o Departamento de Água e Energia Elétrica do Estado de São Paulo. As relações entre variáveis foram testadas pela correlação de Spearman
RESULTADOS: A análise dos dados de todos os municípios mostrou correlação positiva entre casos de dengue com população total (r = 0,675, p <0,01), produto interno bruto per capita (r = 0,539, p <0,01) e RSU por habitante por ano (r = 0,492, p <0,01). Também foram observadas correlações positivas entre população total e produto interno bruto per capita (r = 0,583, p <0,01), RSU / dia (r = 0,302, p <0,05) e RSU / ano (r = 0,961, p <0,01); produto interno bruto per capita e RSU / dia (r = 0,849, p <0,01), RSU / ano (r = 0,410, p <0,05) e índice de precipitação (IR) (r = 0,416, p <0,05); RSU / dia e RSU / ano (r = 0,389, p <0,01) e IR (r = 0,388, p <0,05
CONCLUSÃO: Quanto maior a população total, poder de compra ou condição socioeconômica (PIB per capita) e a geração de RSU, maior o número de casos de dengue. O descarte adequada dos RSU parece ser uma maneira de ajudar no controle dos casos de dengue

Palavras-chave: dengue, vírus da dengue, fatores socioeconômicos, resíduos sólidos.


 

 

Síntese dos autores

Por que este estudo foi feito?

Para identificar a relação entre casos diagnosticados de dengue e fatores socioeconômicos, geração de massa de Resíduos Sólidos Urbanos e índice pluviométrico.

O que os pesquisadores fizeram e encontraram?

Foi realizado um estudo com coleta secundária de dados do ano de 2010 a 2016 para cada município da Região do Grande ABC, em São Paulo, Brasil. Foram coletados informações de População total, produto interno bruto (PIB) per capita, número de casos de dengue, índice pluviométrico, resíduos sólidos urbanos por município kg\dia e Resíduos Sólidos Urbanos tonelada\mês.

O que essas descobertas significam?

Quanto maior a população total, poder de compra ou condição socioeconômica (PIB per capita) e a geração de RSU, maior o número de casos de dengue. O descarte adequado dos Resíduos Sólidos Urbanos é uma maneira de ajudar no controle dos casos de dengue.

 

INTRODUÇÃO

A dengue é uma doença viral sistêmica aguda que foi estabelecida em todo o mundo em ciclos de transmissão epidêmica e endêmica em Bhatt et al.1. Entre 1990 e 2013, foram estimadas aproximadamente 9221 mortes por dengue ao ano Stanaway et al.2. A incidência de dengue apresentou um grande aumento nesse período. Os casos de dengue quase dobraram a cada década, passando de 8,3 milhões de casos em 1990 para 58,4 milhões de casos em 2013 Stanaway et al.2. A dengue é uma doença infecciosa causada pelo vírus do genoma do RNA e os sorotipos são comumente chamados de dengue tipo 1, tipo 2, tipo 3 e tipo 4 de acordo com a FUNASA3. Essa doença é caracterizada tanto pela febre variável, clinicamente classificada como dengue (DF) quanto pela dengue clássica, e manifestações graves como hemorragia, febre hemorrágica da dengue (DHF) e síndrome do choque da dengue (SCD), podendo levar à morte3.

O principal vetor do vírus da dengue é o mosquito Aedes aegypt, adaptado ao ambiente doméstico e associado ao crescimento demográfico, além de trocas nacionais e internacionais. Esses fatores, mais variações no índice de precipitação, umidade e temperatura no ambiente, aumentam a dispersão de mosquitos e a disseminação de sorotipos virais, pois as populações humanas possuem recipientes receptivos para a reprodução de vetores, como água parada em pneus e vasos de acordo com Donalísio e Glasser4. O pico de transmissão da dengue pode estar relacionado ao aumento da sobrevivência do vetor adulto, sob condições de temperatura e umidade da estação chuvosa e não de sua densidade. A maior sobrevivência do mosquito permite que as fêmeas infectadas completem o período de replicação do vírus em Glasser e Gomes5.

Áreas com altos níveis de precipitação e temperaturas adequadas estão fortemente associadas a altos riscos de dengue Bhatt et al.1. Além disso, a proximidade entre áreas urbanas e centros periurbanos (ou seja, regiões periféricas em grandes cidades com baixa renda e alta quantidade de pessoas com condições insatisfatórias de higiene e saneamento) também está associada a altos riscos de dengue, especialmente em áreas altamente interconectadas1. Isso indica que o movimento humano entre centros populacionais é um facilitador da transmissão e disseminação da dengue Bhatt et al.1 e Carneiro et al.6.

O gerenciamento de resíduos pode ser uma estratégia eficaz e sustentável de controle de vetores de dengue Abeyewickreme et al.7. O resíduo sólido pode ser definido como qualquer material, substância, objeto ou bem descartado como resultado de atividades humanas na sociedade, cujo destino final é feito, proposto para prosseguir ou necessário, no estado sólido ou semi-sólido, como gases. Contidos em contêineres e líquidos cujas particularidades impossibilitam que sejam despejadas no sistema público de esgoto ou em corpos d'água ou para exigir soluções tecnicamente ou economicamente inviáveis em face da melhor tecnologia disponível. Os resíduos sólidos são agrupados em Resíduos Sólidos Urbanos (RSU) e classificados de acordo com a origem da seguinte forma: Resíduos Sólidos Domésticos, originários de atividades domésticas em residências urbanas; ou Resíduos sólidos públicos, provenientes de varredura, limpeza de ruas e ruas e outros serviços de limpeza urbana conforme o Ministério do Meio Ambiente em 20108.

O objetivo do estudo é identificar a relação entre os casos diagnosticados de dengue e fatores socioeconômicos, geração de massa RSU e índice pluviométrico na área industrial brasileira, de 2010 a 2016.

 

MÉTODO

Este estudo é um estudo ecológico, com coleta de dados secundária. A coleta de dados ocorreu entre 2016 e 2017 e os dados referem-se aos anos de 2010 a 2016 para cada município da Grande região do ABC. Sete municípios compõem esta região: Santo André, São Caetano do Sul, São Bernardo do Campo, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra. As variáveis investigadas foram população total, produto interno bruto (PIB) per capita, resíduos sólidos urbanos (RSU), número de casos de dengue e índice de chuvas. A região do Grande ABC é composta por sete municípios (Santo André, São Caetano do Sul, São Bernardo do Campo, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra), no sudeste da cidade de São Paulo, e concilia a presença de importantes indústrias complexos, alto grau de urbanização e também espaços verdes e preservação ambiental, cuja produção de água é uma parte importante do sistema metropolitano de abastecimento.

Variáveis de Estudo

A população total refere-se às estimativas anuais da população feitas pelo IBGE e, no presente estudo, as estimativas totais da população (soma dos municípios) foram usadas de 2010 a 2016 e por cada município investigado. PIB per capita é definido como a divisão do valor atual do PIB pela população residente no meio do ano9.

Os RSU compreendem o agrupamento de Resíduos Sólidos Domésticos, provenientes de atividades domésticas em residências urbanas, e Resíduos Sólidos Públicos, provenientes de varredura, limpeza de ruas e ruas e outros serviços de limpeza urbana8. No presente estudo, foram utilizados os RSU em quilogramas por habitante por dia (Kg / Hab / Dia) e o peso total da tonelada. RSU em Kg / Hab / Dia é definido pela fórmula mostrada na Figura 1. Para este índice, é feito um cálculo da massa coletada, ou seja, a soma de resíduos sólidos domésticos e comerciais (RDO) e resíduos sólidos públicos (RPU) por per capita em relação à população urbana total atendida pelo serviço de coleta conforme o SNIS10.

 

 

O número de casos de dengue é definido por todos os casos suspeitos confirmados em laboratório (sorologia IgM, NS1, isolamento viral, PCR, imuno-histoquímica). Após verificação laboratorial da circulação viral na área pesquisada, a confirmação é feita por critérios clínicos e epidemiológicos3. Finalmente, o índice de chuva é a quantificação da precipitação da água (chuva, granizo) medida em mililitros e foi utilizado o índice anual de chuva.

Instrumentos

Utilizamos fontes secundárias de banco de dados. A caracterização dos municípios (população e PIB per capita) e as informações do último censo do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) foram obtidas consultando o site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)9. Todos os outros dados sobre os municípios foram pesquisados nos seguintes sites: Região Grande ABC (Santo André 2018)11, (São Caetano do Sul 2018)12, (São Bernardo do Campo 2018)13, (Diadema 2018)14, (Mauá 2018)15, (Ribeirão Pires 2018)16 e (Rio Grande da Serra 2018)17; o Consórcio Intermunicipal do Grande ABC18 e a Agência de Desenvolvimento Econômico da Grande ABC em 201219.

Os dados da gestão de resíduos foram obtidos no Relatório do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, intitulado Diagnóstico da gestão de resíduos sólidos urbanos (SNIS)10. Os dados dos casos de dengue foram obtidos no site de Vigilância Epidemiológica do Estado de São Paulo20. As informações sobre o índice de chuvas em cada município, exceto Rio Grande da Serra (não disponível), foram obtidas no banco de dados hidrológico do DAEE21.

Análise estatística

Os programas Excel 2013 foram utilizados para elaboração do banco de dados e o Statistical Package for the Social Research (SPSS) versão 22.0 para análise estatística. Os dados foram plotados e distribuídos em uma tabela de frequências simples, expressa em números absolutos. O teste de Shapiro-Wilk foi utilizado para verificar a normalidade dos dados. As variáveis não foram paramétricas e o teste de correlação estatística utilizado foi o de Spearman. Utilizamos um nível de significância de 0,05 (5%) com intervalos de confiança de 95%.

 

RESULTADOS

Todos os municípios da região do Grande ABC entre 2010 e 2016 foram analisados. Os valores absolutos da população total, PIB per capita, RSU coletados por dia e por ano, casos diagnosticados de dengue, índice de precipitação e IDH em todas as cidades são apresentados na Tabela 1. A população total aumentou a cada ano durante esse período de sete anos em todos os municípios. Em Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul, o PIB per capita diminuiu anualmente. A produção de RSU / dia e RSU / ano mostra uma queda em todos os municípios no período analisado. Em 2015, Diadema, Santo André e São Bernardo do Campo apresentaram um grande aumento nos casos de dengue em comparação aos anos anteriores.

A tabela 2 apresenta os resultados dos casos diagnosticados de dengue correlacionados a fatores socioeconômicos, geração de massa de USW e índice de chuvas na região do Grande ABC, de 2010 a 2016. Na região do Grande ABC (todos os sete municípios analisados como uma região importante), casos de dengue apresentaram correlação positiva e significativa com a população total, PIB per capita e geração de massa de RSU por habitante por ano. Além disso, de acordo com o teste de Spearman, houve uma correlação positiva entre: população total com PIB per capita, RSU por dia e RSU por ano; PIB per capita com RSU por dia, RSU por ano e PI; e RSU por dia com IP e RSU por ano.

No município de Diadema, não foram encontradas correlações estatisticamente significativas entre os casos de dengue e os fatores analisados. O PIB per capita foi correlacionado com a população total e inversamente correlacionado com o RSU por dia. Em Mauá, os casos de dengue foram positivamente correlacionados com a população total, sem correlação significativa com os outros fatores analisados. Nesse município, o RSU por dia foi inversamente correlacionado com a população total e o PIB per capita, e diretamente com o RSU por ano. O IP foi diretamente correlacionado com a população total de Mauá. Em Ribeirão Pires, não houve correlação significativa entre os parâmetros analisados e os casos de dengue. Houve, no entanto, uma correlação positiva entre população total e PIB per capita e RSU por ano e RSU por dia. O IP foi inversamente correlacionado com a população total.

A tabela 2 também mostra que, segundo o teste de correlação de Spearman, os casos de dengue não se correlacionam com os parâmetros estudados no município do Rio Grande da Serra. A correlação dos parâmetros com o IP não foi calculada porque o município não fornece dados do índice de precipitação para cada ano. RSU por ano foi diretamente correlacionado com a população total e o PIB per capita, enquanto RSU por dia foi inversamente correlacionado com a população total. Em Santo André, os resultados mostraram que os casos de dengue estavam inversamente relacionados ao IP. Em São Bernardo do Campo, verificou-se que os casos de dengue se correlacionavam inversamente com a população total. Os casos de dengue foram inversamente correlacionados com RSU por ano e por dia no município de São Caetano do Sul.

Não houve correlação entre população (p = 0,337), número de casos de dengue (p = 0,294) e índice de desenvolvimento humano (IDH), exceto PIB per capita (p = 0,023 com coeficiente de correlação de 0,821).

 

DISCUSSÃO

O presente estudo analisou a relação entre os casos diagnosticados de dengue e os fatores socioeconômicos, geração de massa de RSU e índice pluviométrico na região do Grande ABC e seus municípios, no período de 2010 a 2016. Verificou-se que, na Grande Região do ABC, o diagnóstico os casos de dengue foram correlacionados com a população total, o PIB per capita e a geração de resíduos coletados por habitante por ano. Esses resultados sugerem que quanto maior a população total, o poder de compra ou o status socioeconômico (PIB per capita) e a geração de resíduos sólidos urbanos, maior o número de casos de dengue. A análise de cada município revelou que em Mauá, os casos de dengue estavam positivamente correlacionados com a população total, enquanto em São Bernardo do Campo, essa correlação era inversa. Em Santo André, uma correlação inversa foi encontrada entre os casos de dengue e IP. Em São Caetano do Sul, a produção de resíduos sólidos por ano e por dia por habitante se correlacionou inversamente com os casos de dengue. Nos municípios de Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra e Diadema não houve correlação de casos de dengue com os fatores analisados.

Existem evidências suficientes para argumentar que é mais provável que a dengue seja influenciada por uma combinação complexa de fatores em vez de um único fator patogênico, incluindo fatores ambientais, demográficos, entomológicos e epidemiológicos Yue et al.22, Udayanga et al.23, Udayanga et al.24. As várias esferas do governo direcionaram esforços para aumentar a conscientização da população para reduzir a criação de mosquitos, como a eliminação da água parada. No entanto, os programas de controle e prevenção de vetores costumam ser insuficientes, ineficazes ou ambos como diz Guzman et al.25. Isso se deve em parte ao fato de o vetor da dengue, Aedes aegypti, ter uma grande adaptabilidade e poder se reproduzir mesmo em águas poluídas e em grandes altitudes Thammapalo et al.26.

Nossos resultados demonstraram correlação significativa entre o aumento de casos de dengue e a população total no município de Mauá. A densidade humana pode ser crítica para a propagação da doença, particularmente nas paisagens urbanas Romeo-Aznar et al.27. Diadema, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra não mostraram correlação entre os casos de dengue e outros fatores. Isso pode dever-se a indivíduos infectados que podem registrar a doença em outros municípios, principalmente porque a maior facilidade para unidades de saúde, indígenas ou importadas19. Segundo ten Bosch et al.28, a maioria das infecções por dengue é clinicamente assintomática e as infecções inapparentes podem contribuir significativamente para o ônus da doença em áreas endêmicas.

No município de Santo André, não houve significância dos parâmetros estudados nos casos de dengue, exceto no IP, correlacionado inversamente com os casos de dengue. Contrariamente aos nossos resultados, um estudo em outra região metropolitana brasileira mostrou que a quantidade total de chuvas estava significativamente associada ao número de incidentes de dengue conforme Santos et al.29. Focks & Barrera30, Patz et al.31 afirmaram que a densidade do vetor aumenta devido à chuva, causando um aumento nos casos de dengue, pois a maior umidade durante a estação chuvosa proporciona um ambiente ideal para o crescimento e a sobrevivência dos mosquitos da dengue. Neste estudo, não houve associação entre índice de chuva e casos de dengue. Isso pode nos levar a supor que fatores não climáticos podem influenciar diretamente os casos de dengue na região do Grande ABC.

O aumento dos casos de dengue esteve diretamente relacionado à geração de RSU e PIB per capita, ou seja, quanto maior o poder de compra, maior o consumo e, consequentemente, maior a produção de resíduos. Com uma população19 de 827 km2, a região da Grande ABC atualmente se destaca por sua variedade de cadeias produtivas, aumentando a participação nas atividades do setor de serviços e o aumento do comércio varejista, representando um dos maiores mercados consumidores do país. Quanto maior a produção de resíduos sólidos urbanos por dia e ano em São Caetano do Sul, menor o número de casos de dengue. Esse resultado pode ser devido à coleta diária de lixo municipal. A existência de contêineres perto de residências está associada a uma alta incidência de dengue Gama et al.32 e quanto menor o PIB da região, maior a incidência de casos de dengue Qu et al.33. Em um estudo recente, foi demonstrado o impacto econômico no controle de doenças transmitidas por mosquitos, revelando que a epidemiologia da dengue reduziu a renda bruta anual do país (ie Maldivas) em US $ 110 por morador Bangert et al.34.

Considerando as características de cada município analisado, grande parte da população vive em áreas de difícil acesso e, embora a coleta seja realizada em 100% da área, 100% dos resíduos gerados podem não ser coletados em Franca et al.35, consequentemente, pode haver acúmulo de resíduos em locais inadequados e acúmulo de água, facilitando a proliferação do Aedes Aegypti. Outra característica importante é a presença de espaços e reservas naturais para preservação ambiental, que representam aproximadamente 50% do território, sendo um dos principais reservatórios de água e reserva natural do Estado de São Paulo20. Um estudo realizado no norte de Queensland, na Austrália, descobriu que recipientes com matéria orgânica abundante tendem a produzir um mosquito adulto maior e de rápido desenvolvimento conforme Thammapalo et al.26. Nesse contexto, a suposição de que o lixo doméstico influencia o volume da população é forte, não apenas pela existência de criadouros, mas porque fornece um suprimento de comida exigido pelo mosquito ao longo de seu ciclo de vida. Estudos já mostraram que existe um grande volume de criadouros positivos de resíduos domésticos Zara et al.36, o que gera a necessidade de atenção sobre a importância de uma embalagem adequada de resíduos Souza-Santos37. Porém, tão importante quanto o descarte adequado dos resíduos é a coleta eficiente e regular, pois está diretamente relacionada ao controle do Aedes aegypti Lefèvre et al.38. Estudos destacaram a importância de melhorar a educação e a coleta de lixo na redução de casos23,24.

Estudos futuros devem investigar a relação dos casos de dengue com outros fatores, como mudança no status de urbanização / uso da terra, controle de vetores e programa de proteção individual (qualidade da moradia) e descarte e armazenamento incorretos de resíduos.

Na área industrial brasileira, os casos diagnosticados de dengue foram relacionados à população total, PIB per capita e geração de resíduos por ano, sem relação entre casos de dengue e índice pluviométrico, índice de desenvolvimento humano e coleta de resíduos sólidos urbanos por dia. Os resultados do presente estudo sugerem que o acondicionamento correto dos resíduos pode ser uma maneira de auxiliar no controle dos casos de dengue.

Agradecimentos

A viabilidade financeira deste artigo se deve ao Projeto Acre - Projeto Saúde na Amazônia Ocidental (convênio multi-institucional processo nº 007/2015 SESACRE-UFAC-FMABC).

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência:
Danilo Correa Cordeiro
danilo.gsa@live.com

Recebido: Janeiro 2020
Analisado: Maio 2020
Aceito: Setembro 2020

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