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Journal of Human Growth and Development

Print version ISSN 0104-1282On-line version ISSN 2175-3598

J. Hum. Growth Dev. vol.30 no.3 São Paulo Sept./Dec. 2020

http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.v30.11116 

ARTIGO ORIGINAL

 

Relato de um caso com rápida evolução e desfecho satisfatório em criança com provável Síndrome de Guillain-Barré

 

 

Luciana Guerra GalloI, II; Ana Flávia de Morais OliveiraI, II; Luíza Morais de MatosII, III; Amanda Amaral AbrahãoI; Flávia de Assis SilvaIII; João Pedro MendesIV; Carolina Martins PereiraIII; Amanda Silva Franco MolinariIII; Ernane Pires MacielIII

IZika and other Arbovirus Cohort Studies - ZARICS, Núcleo de Medicina Tropical, Universidade de Brasília (UnB), Campus Universitário Darcy Ribeiro, Brasília (DF), Brasil
IIPrograma de Pós-Graduação em Medicina Tropical, Núcleo de Medicina Tropical, UnB- Campus Universitário Darcy Ribeiro, Brasília (DF), Brasil
IIISecretaria de Saúde do Distrito Federal, Setor de Áreas Isoladas Norte (SAIN) - Brasília (DF), Brasil
IVFaculdade de Medicina, Universidade de Brasília - UnB, Campus Universitário Darcy Ribeiro, Brasília (DF), Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: A Síndrome de Guillain-Barré (SGB) é a causa mais frequente de paralisia flácida aguda e subaguda desde a erradicação da poliomielite. Embora rara, é reconhecida como a principal causa de paralisia flácida entre pessoas internadas em terapia intensiva pediátrica por doenças neuromusculares agudas
OBJETIVO: Relatar um caso de paciente do sexo masculino, com 14 meses de idade, com diagnóstico provável de Síndrome de Guillain-Barré com neuropatia sensitivo motora, aguda, mielínica, com provável comprometimento axonal secundário, com rápida evolução e melhora
DESCRIÇÃO DO CASO: Foi admitido em hospital público materno-infantil de referência para o Distrito Federal um paciente masculino, residente na Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno. A criança tinha 14 meses de idade e 8,6kg, situação vacinal atualizada e desenvolvimento neurospicomotor adequado para a idade, com quadro de paresia em membros inferiores, sem alterações cognitivas. Após 14 horas da admissão, diante do agravamento do quadro clínico e da dissociação albomino-citológica identificada pela análise de líquido cefalo-raquidiano foi iniciada imunoterapia (imunoglobulina humana endovenosa, 0,7g/kg/dia por três dias). Após 24 horas do início do tratamento, a criança apresentou melhora em seu estado geral. O paciente teve alta hospitalar após cinco dias de internação. Após 76 dias da alta, foi constatada melhora significativa no desenvolvimento neuropsicomotor, apesar de leve atraso em seu desenvolvimento até o momento.
CONCLUSÃO: Diante da raridade de casos em crianças, é importante que os profissionais de saúde se mantenham sensíveis a captar e tratar os casos de maneira oportuna. Recomendamos ainda que os casos identificados sejam acompanhados cuidadosamente, afim de verificar se a SGB, e suas variantes, podem explicar transtornos de desenvolvimento à posteriori

Palavras-chave: Síndrome de Guillain-Barré, saúde da criança, desenvolvimento infantil.


 

 

Síntese dos autores

Por que este estudo foi feito?

A Síndrome de Guillain-Barré é considerada síndrome rara. Seu acometimento em crianças é ainda menos frequente, especialmente com idade inferior à 18 meses. Embora seu diagnóstico seja um desafio para clínica, tal síndrome deve ser incluída entre os diagnósticos diferenciais para afecções neurológicas em crianças, pois seu tratamento é mais efetivo e com menor risco de sequelas quando realizado em momento oportuno. Este relato apresenta caso de criança com 14 meses com diagnóstico provável de Síndrome de Guillain-Barré, a fim de alertar a comunidade médica-pediátrica.

O que os pesquisadores fizeram e encontraram?

O tratamento com imunoglobulina foi iniciado dois dias após o estabelecimento da paresia de membros inferiores com evolução evidente de melhora nas primeiras 24 horas após a infusão. A hipótese de Síndrome de Guillain-Barré é sustentada pelos sinais clínicos, análise de líquido cefalo-raquidiano e eletroneuromiografia. Os marcos de desenvolvimento foram investigados com instrumento validado e em uso corrente, sendo detectada interrupção parcial das funções motoras e orofacial adquiridas, com posterior retorno, porém com leve atraso na deambulação e linguagem. Atualmente a criança apresenta evolução satisfatória.

O que essas descobertas significam?

O diagnóstico e a intervenção adequada realizados de maneira oportuna são direitos inalienáveis dos usuários do SUS. Contudo, a raridade da SGB particularmente em crianças pequenas, evidencia a vulnerabilidade dessa população. Cabe aos profissionais de saúde aportarem sua experiência com estes pacientes de modo a contribuir com os demais profissionais envolvidos na atenção à SGB a partir de espaços de sensibilização e de atualização continuada. Neste caso, até o momento, a SGB não comprometeu de forma irreversível o desenvolvimento da criança, mas é importante que seu crescimento e desenvolvimento seja monitorado cuidadosamente para intervir de maneira adequada caso seja necessário.

 

INTRODUÇÃO

A Síndrome de Guillain-Barré (SGB) é a causa mais frequente de paralisia flácida aguda e subaguda desde a erradicação da poliomielite. De origem autoimune, a SGB é considerada uma doença neurológica rara. Sua frequência entre crianças é baixa1-3, embora seja a principal causa de paralisia flácida entre pessoas internadas em terapia intensiva pediátrica por doenças neuromusculares agudas, de acordo com estudo realizado em hospital infantil em Boston4.

Outras causas de paralisia flácida na infância são mielite aguda, encefalomielite aguda dissseminda (ADEM), PIDC (polirradiculoneurite inflamatória desmielinizante crônica), miastenia gravis (MG), MG congênita, botulismo infantil, paralisia periódica hipocalêmica, rabdomiólise, dermatomiosite e miopatias miopatias4,5.

A incidência da SGB no mundo é desconhecida, mas sabe-se que a cada 10 anos de aumento da idade, há um incremento de 20% no risco de desenvolver SGB6. O coeficiente de incidência anual no Brasil, em menores de 15 anos, foi 0,39 a 0,63 casos/100.000 habitantes, entre 1990 a 19967. Em uma unidade de saúde do município de São Paulo, entre 1995 e 2002, o coeficiente de incidência desta faixa etária foi de 0,11/100.000 habitantes, sendo a maior proporção de casos observada entre crianças de 0 a 4 anos de idade2. Considerando dados nacionais reportados à OMS, entre 2000 e 2008, foi encontrado um coeficiente de incidência médio de 0,4 casos/100.000 habitantes menores de 15 anos de idade8. No entanto, é possível que estas magnitudes sejam influenciadas pela prevalência de infecções com comportamento neurotrópicos9, como os arbovírus Zika e Chikungunya10 em determinada população.

Existem poucos casos relatados na literatura em crianças com idade inferior a dezoito meses. Aqui, relatamos o caso de um paciente do sexo masculino, com 14 meses de idade, com diagnóstico provável de Síndrome de Guillain-Barré compatíveis com neuropatia sensitivo motora, aguda, mielínica, com provável comprometimento axonal secundário, com rápida evolução e melhora.

 

APRESENTAÇÃO DO CASO

Paciente masculino, residente na Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno (RIDE), com 14 meses de idade e 8,6kg - com crescimento e ganho de peso dentro da curva normal11, com traço falciforme diagnosticado em teste do pezinho, situação vacinal atualizada (últimas vacinas: Tríplice viral, Pneumocócica conjugada e Meningocócica C conjugada em 11 de setembro de 2019), desenvolvimento neurospicomotor adequado para a idade, sem internações prévias, hemotransfusões, cirurgias ou alergias medicamentosas, foi admitido em 21 de outubro de 2019 no pronto socorro de Hospital Materno Infantil de Brasília (HMIB) com quadro de paresia em membros inferiores, sem alterações cognitivas.

A mãe refere histórico de quadro de infecção intestinal com diarreia líquida e escurecida acompanhada de febre baixa com início em 30 de setembro de 2019 e duração de três dias. O quadro foi avaliado por pediatra da cidade de origem e tratado com medicamentos sintomáticos. Na noite de 13 de outubro, a criança apresentou quadro de algia em região pélvica, rouquidão, coriza e febre, diagnosticado pelo mesmo pediatra como laringite, em 14 de outubro, e medicada com Fosfato Dissodico de Dexametasona, Ibuprofeno e Soro Fisiológico spray, havendo remissão do quadro de laringite. O quadro de algia pélvica apresentou piora gradativa, com episódios de miastenia de membros inferiores a partir de 17 de outubro, quando retornou ao pediatra e foi prescrita Dipirona, Amoxicilina associada ao Clavulanato e nebulização com soro fisiológico e Brometo de Ipratrópio. Em 18 de outubro, a criança apresentou episódios de paresia de membros inferiores e dificuldade de deambular, foi novamente atendida pelo pediatra que detectou prejuízo de equilíbrio e ortostatismo, levantando hipótese diagnóstica de encefalite ou cerebelite, encaminhou ao hospital.

A criança foi atendida pela primeira vez no HMIB em 18 de outubro. A avaliação médica constatou que a criança estava em bom estado geral, não se detectou sinais de cerebelite ou outras alterações neurológicas e a criança foi liberada para o domicílio com orientações e as mesmas medicações.

Na tarde de 19 de outubro a criança evoluiu para paresia persistente de membros inferiores, dor em quadril e membros inferiores aliviada por decúbito ventral e piorada nas demais posições, sem controle de tronco, enrijecimento de nuca com sustentação cervical preservada, com choro com manipulação, marcha e estática impossibilitadas. Controle esfincteriano intestinal e vesical preservados. Em 21 de outubro, o pediatra voltou a avaliar a criança e detectou sinais de irritação meníngea com déficit motor em membros inferiores, sem capacidade de sustentação do corpo, apontando como hipóteses diagnósticas encefalite e meningite, encaminhando ao HMIB.

Em 21/10/2019, foi internada no HMIB. Em anamnese, a mãe relatou persistência da febre e mialgia de membros inferiores, apesar da administração de antiálgicos e antitérmicos, sendo a mialgia caracterizada como "dor da cintura para baixo" que levava a criança a assumir posição antálgica, evoluindo para dificuldade seguida de incapacidade de deambular.

Na admissão hospitalar a criança apresentava-se em regular estado geral, corada, hidratada, acianótica, anictérica, eupneica, afebril, ativa e reativa, sem exantema ou petéquias, dor quando manipulada ou sustentada no colo com alívio em decúbito ventral, apresentando desconforto à palpação do quadril, choro quando colocado em posição fetal, hipotonia simétrica de membros inferiores, reflexo cutâneo plantar em extensão (sinal de Babinski) bilateral negativo e incapacidade de manter-se de pé. Os reflexos osteotendinosos, reflexo cutâneo plantar em flexão e exame de sensibilidade e campo visual não foram registrados.

Foi internada em unidade pediátrica com a hipótese diagnóstica de neuropatia a esclarecer, sendo iniciada antibioticoterapia endovenosa (Cefotaxima). Após 14 horas da admissão, em 22 de outubro, diante do agravamento do quadro clínico e da dissociação albomino-citológica identificada pela análise de de líquido cefalo-raquidiano (LCR), optou-se pelo início da imunoterapia sendo prescrito imunoglobulina humana endovenosa (0,7g/kg/dia por dia por três dias), suspensa a antibioticopterapia e o paciente foi encaminhado para a UTI pediátrica com hipótese diagnóstica de Síndrome de Guillain-Barré. Após 24 horas do início do tratamento com imunoglobilina, a criança apresentou melhora em seu estado geral.

Investigações e diagnósticos diferenciais

Na investigação do caso, foram realizados exames laboratoriais, análise de LCR, eletroneuromiografia pela Secretaria Estadual de Saúde.

Os resultados dos exames complementares de amostras sanguíneas, realizados em 18 de outubro e 22 de outubro de 2019 estão apresentados na tabela 1. Quantos à série vermelha, observou-se discreta alteração de HCM, CHCM e MPV abaixo do previsto dos níveis de referência, enquanto as plaquetas se mostraram com níveis altos e aumento progressivo nas análises realizadas. Na série branca foram observadas alterações discretas em comparação aos níveis de referência. Dentre os minerais analisados, Magnésio, Cálcio e Fósforo apresentaram níveis discretamente acima do valor de referência, enquanto a creatinina apresentou-se abaixo. As enzimas CKMB, Fosfatase alcalina e LDH apresentaram acentuada alteração acima do nível de referência, porém a primeira com tendência a redução, considerando as duas coletas.

A análise do LCR realizada no momento da admissão hospitalar mostrou pleocitose (células nucleadas 12mm3), glicose 75mg/dl (glicemia 120mg/dl), proteína totais 247 mg/dl, bacterioscopia e cultura para piogênicos negativas, reação em cadeia da polimerase (PCR) para neisséria, pneumococo e meningococo negativo.

(Tabela 2)

Foi realizada investigação para poliomielite, encefalomielite difusa aguda, artrite reacional e miosite, sendo estes diagnósticos descartados. A hipótese diagnóstica de SGB se apoiou nos critérios de Brighton (6): clínica, dissociação albumino-citológica em líquido cefalo-raquidiano (exame realizado em 21 de outubro de 2019) eletroneuromiografia tardia (realizada em 26 de novembro de 2019) compatíveis com neuropatia sensitivo motora, aguda, mielínica, com provável comprometimento axonal secundário.

Ainda, quanto a eletroneuromiografia de membros superiores e inferiores, o estudo de condução sensitiva e motora detectou velocidade e amplitude de condução reduzidas nos nervos mediano e ulnar bilateralmente.

Quanto à infecção por arbovírus foi realizada pesquisa sorológica em 22/10/2019 para Dengue e Zika (anticorpos IgM por MAC-ELISA) ambos não reagentes. Realizou nova pesquisa em 12/12/2019 de anticorpos IgM e RT-qPCR, para Zika, Dengue e Chikungunya, e pesquisa de anticorpos IgG para Chikungunya, todos não reagentes.

Acompanhamento e desfecho

No primeiro dia de internação na UTI, o paciente permaneceu afebril e apresentou melhora do quadro clínico, tendo os testes neurológicos constatado resposta neurológica de pares cranianos preservada, com controle cervical adequado, capacidade de sentar com apoio, sem controle de tronco; sinal de Babinski frustro e aumento da força muscular de membros inferiores, porém sem a capacidade de movê-los contra a gravidade. Nesta data foi realizada coleta de amostra sanguínea para diagnóstico sorológico (pesquisa de anticorpos IgM por MAC-ELISA) de Zika e Dengue, ambos não reagentes - exames repetidos em 12 de dezembro, com pesquisa de anticorpos IgM e RT-qPCR, para Zika, Dengue e Chikungunya, e pesquisa de anticorpos IgG para Chikungunya, todos não reagentes.

No segundo dia de internação na UTI, último dia de infusão de imunoglobulinas, a criança continuou apresentando evolução satisfatória do quadro clínico, contactante, continua com resposta adequada dos pares cranianos com melhora nas respostas neurológicas conseguindo vencer a gravidade com os membros, maior movimentação de membros superiores e ainda com perda de força em membros inferiores e dificuldade de controle do tronco, apesar de conseguir manter-se sentada sem apoio em alguns momentos.

No terceiro dia de internação na UTI pediátrica, a criança permaneceu afebril, não apresentava mais queixas álgicas, com baixa movimentação de membros inferiores, porém retomou a capacidade de manter-se sentado sozinho, apoiando-se com as mãos. Recebeu alta da UTI pediátrica e foi admitido na enfermaria pediátrica do mesmo hospital.

Em 27 de outubro de 2019, após cinco dias da admissão hospitalar, considerando a melhora progressiva do quadro clínico da criança, que apresentava boa sustentação do tronco, capacidade de sentar rapidamente e aumento do movimento e força dos membros inferiores, sem queixas álgicas, foi concedida a alta hospitalar.

A criança manteve a capacidade cognitiva, respiratória e as eliminações fisiológicas presentes e normais, assim como a estabilidade hemodinâmica por todo o período de acompanhamento hospitalar.

Após 36 dias da alta hospitalar, a criança passou por consulta de fisioterapia, em unidade de referência em reabilitação motora. Foi detectada boa função motora, não sendo necessária realização de sessões de reabilitação.

Ainda, 40 dias após a consulta de fisioterapia, foi realizada investigação do desenvolvimento neuropsicomotor da criança11, comparando seu desenvolvimento anterior ao início dos sintomas relacionados à SGB, durante e após a remissão do quadro clínico (Quadro 1). Foi constatada melhora significativa no desenvolvimento neuropsicomotor após a remissão dos sintomas, apesar de leve atraso em seu desenvolvimento até o momento.

 

DISCUSSÃO

Este trabalho relata um caso provável de SGB em uma criança com 14 meses de idade, condição clínica extremamente rara, possivelmente associado à reação pós-vacinal ou síndrome diarreica. Sua apresentação clínica foi compatível com um caso clássico de SGB, com paralisia bilateral progressiva e ascendente12. Embora o caso tenha necessitado de internação em UTI, a idade da criança em sinergia à oportunidade do diagnóstico e oferta de tratamento específico podem ter influenciado na evolução satisfatória do caso de maneira mais célere.

As alterações laboratoriais relacionadas à série vermelha, mostram uma leve anemia, possivelmente relacionada ao traço de anemia falciforme identificado ao nascer. Adicionalmente, a contagem elevada de plaquetas, com baixo volume plaquetário médio, também indicam anormalidades. Talvez deva ser investigada outra patologia hematológica que contribua para estes achados.

As ligeiras alterações observadas na série branca, com ausência de leucopenia ou leucocitose, apontam possível inexistência de infecção viral ou bacteriana. Corroborando com os resultados dos testes diagnósticos para arboviroses - todos não reagentes.

A baixa creatinina, sem alterações de ureia, pode refletir o estado nutricional da criança, que não estava se alimentando de maneira adequada desde o início dos sintomas da laringite. Neste sentido, o leve aumento de minerais pode ser um reflexo da ingesta de multivitamínicos, neste caso preconizado pelas sociedades de pediatria brasileiras, em dosagens compatíveis com os protocolos do SUS.

Os altos valores observados de LDH e glicose podem estar relacionados à não realização de jejum prévio ao exame. Porém, ainda quanto às alterações enzimáticas, a Fosfatase alcalina está relacionada à possíveis alterações hepáticas, o que levanta a necessidade de maior investigação do quadro.

A evidente e rápida melhora do quadro neurológico, deve ser destacada. Este achado é incomum entre adultos13. Talvez, a idade da criança tenha colaborado14, porém, sabe-se que a identificação de hipótese diagnóstica com rápido encaminhamento para unidade hospitalar de referência, e a terapia medicamentosa com imunoglobulina iniciada em tempo oportuno também influenciam de forma positiva na evolução e desfecho do caso14.

Quanto ao desenvolvimento neuropsicomotor, considerando os marcos do desenvolvimento utilizados na investigação11 em consonância com os achados eletroneuromiográficos, observa-se um pequeno atraso nas funções motoras. Apesar da acentuação de sintomas em membros inferiores, também foram observadas alterações em membros superiores.

A criança relatada apresentou alguns marcos de desenvolvimento da capacidade manual em idade anterior à esperada. No entanto, estas funções foram comprometidas durante o curso da SGB, especialmente a capacidade de realizar o movimento de pinça, levando até 32 dias para a sua plena recuperação. Nascimento e colaboradores, em revisão sistemática recente, não encontraram estudos que analisaram a função manual em crianças até os 18 meses de vida com diagnóstico de disfunção do desenvolvimento15, demonstrando a importância do acompanhamento deste tipo de caso, a fim de analisar a evolução desta função.

Outro achado quanto ao desenvolvimento infantil diz respeito à sua capacidade de deglutição. Embora não tenha sido completamente afetada, os episódios de engasgos levantam o alerta para comprometimento da motricidade orofacial possivelmente relacionado ao envolvimento de pares de nervos cranianos12. Neste sentido, o possível comprometimento neuronal em consonância com os traumas advindos da condição clínica, como dor e permanência em ambiente desconhecido, podem ter contribuído para o atraso observado no desenvolvimento da linguagem.

Dentre as limitações que envolvem este relato, destacamos a ausência de identificação do agente etiológico que desencadeou o quadro neurológico. No entanto, é importante lembrar que os quadros diarreicos e respiratórios são rotineiros em crianças desta faixa-etária e, por isso, raramente são coletadas amostras para identificação do agente responsável14. Também, a falta de exames laboratoriais complementares nos dias consecutivos, após a admissão hospitalar, compromete a análise bioquímica do quadro. Além disso, não foi realizado exame de ressonância magnética a fim de analisar áreas de desmielinização ou inflamatórias, limitação comum a outros estudos com crianças desta idade16,17. Porém, dada a rápida evolução favorável do caso, assim como a limitação de recursos do SUS, especialmente no que diz respeito ao exame de ressonância magnética em criança desta idade (que, provavelmente, exigiria sedação), estes procedimentos podem ter sido descartados, considerando a clínica como soberana. Contudo, exames de alta complexidade e indispensáveis para o maior nível de certeza diagnóstica da SGB (análise de LCR e eletroneuromiografia), foram realizados de maneira oportuna.

Diante da raridade de casos em crianças, é importante que os profissionais de saúde se mantenham sensíveis aos relatos de seus responsáveis a fim de captar e tratar os casos de maneira oportuna. Recomendamos ainda que os casos identificados sejam acompanhados cuidadosamente, pelo menos até completar seus marcos de desenvolvimento neuropsicomotor (três anos de idade), afim de verificar se a SGB, e suas variantes, pode explicar transtornos de desenvolvimento à posteriori.

Financiamento

Este estudo foi parcialmente financiado pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (Edital nº04/2016, Projeto nº10804.58.28084.25042016) e MCTIC/FNDCT-CNPq/ MEC-CAPES/ MS-Decit (Projeto nº14/2016). As fontes de financiamento não tiveram participação nos resultados.

Conflito de interesses

Os autores declaram não possuir qualquer tipo de conflito de interesse.

Aspectos éticos

Este estudo é parte de projeto aprovado pelo Comitê de Ética de Pesquisa com seres humanos da Universidade de Brasília (CAAE: 61551116.3.3001.5558) e da Secretaria de Saúde do Distrito Federal (CAAE: 61551116.3.0000.5553). Os responsáveis legais pela família da criança incluída foram esclarecidos em relação aos objetivos e todos os procedimentos envolvidos na pesquisa e assinaram termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), autorizando o uso de suas respostas, dados de prontuários, resultados de exames e sua publicação de maneira não identificada.

Agradecimentos

Os autores agradecem à equipe de pediatria do Hospital Materno-Infantil de Brasília.

 

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Endereço para correspondência:
Luciana Guerra Gallo
lucianaggallo@gmail.com

Recebido: Dezembro 2019
Analisado: Maio 2020
Aceito: Setembro 2020

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