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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282versão On-line ISSN 2175-3598

J. Hum. Growth Dev. vol.31 no.2 Santo André maio/ago. 2021

http://dx.doi.org/10.36311/jhgd.v31.12229 

ARTIGO ORIGINAL

 

O controle postural de crianças Brasileiras de 6 a 9 anos no uso de smartphone se assemelha a postura de olhos fechados

 

 

Thiago Weyk de Oliveira BelicheI; Tânia Cristina Dias da Silva HamuII; Thailyne BizinottoIII; Celmo Celeno PortoIII; Cibelle Kayenne Martins Roberto FormigaI, II

IPós-Graduação Stricto Sensu em Ciências Aplicadas a Produtos para a Saúde, Universidade Estadual de Goiás, Anápolis, Goiás, Brasil;
IICurso de Fisioterapia, Laboratório de Pesquisa em Musculoesquelética, Universidade Estadual de Goiás, Goiânia, Goiás, Brasil;
IIIPós-Graduação Stricto Sensu em Ciências da Saúde da Universidade Federal de Goiás, Goiânia, Goiás, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: O uso de dispositivos eletrônicos móveis tem alcançado usuários cada vez mais jovens e tem levado pesquisadores a investigar o impacto dessas tecnologias na saúde da criança em desenvolvimento
OBJETIVO: Investigar o impacto do uso do smartphone no controle postural de crianças brasileiras de 6 a 9 anos de idade
MÉTODO: Estudo transversal realizado com 278 crianças de escolas públicas de Goiânia (GO, Brasil). As crianças foram avaliadas na postura ortostática pelo sistema de baropodometria computadorizada em três condições: olhos abertos, olhos fechados e manuseando um aplicativo gratuito para smartphone
RESULTADOS: As crianças tinham idade média de 8,36 anos, sendo 82% de eutróficas e com tempo médio de tela de duas horas diárias. As análises do controle postural revelaram que as crianças apresentaram maiores ajustes posturais com os olhos fechados em comparação com os olhos abertos e ao usar o aplicativo do smartphone o ajuste postural foi semelhante ao encontrado com olhos fechados. Na estabilometria, os deslocamentos posturais realizados pelas crianças se comportaram de modo semelhante à avaliação estática apenas na área total da superfície dos pés
CONCLUSÃO: O uso do smartphone e a ausência do estímulo visual na posição ortostática promoveram instabilidade postural nas crianças de 6 a 9 anos de idade. Estes achados podem contribuir para o conhecimento do impacto de tecnologias no desenvolvimento do equilíbrio de crianças em atividades diárias

Palavras-chave: desenvolvimento infantil, equilibrio, controle postural, tempo de tela.


 

 

Síntese dos autores

Por que este estudo foi feito?

Esta é uma pesquisa pioneira no Brasil e apresenta uma novidade sobre o impacto da tecnologia móvel no desenvolvimento motor de crianças. O tema da pesquisa é bastante atual e vai de encontro à discussão internacional de profissionais e pesquisadores que investigam o crescimento e o desenvolvimento de crianças nascidas na era digital.

O que os pesquisadores fizeram e encontraram?

Em nosso estudo (estudo transversal), investigamos o uso de smartphone no controle postural em crianças brasileiras de 6 a 9 anos. As análises do controle postural revelaram que as crianças apresentaram maiores ajustes posturais com os olhos fechados em relação aos olhos abertos e, ao utilizar o aplicativo do smartphone, o ajuste postural foi semelhante ao dos olhos fechados. Na estabilometria, os deslocamentos posturais realizados pelas crianças se comportaram de forma semelhante à avaliação estática apenas na área total da superfície dos pés.

O que essas descobertas significam?

Considerando a idade de desenvolvimento do controle postural, nossos achados indicam que escolares de 6 a 9 anos enfrentam muitas atividades instáveis em suas tarefas diárias, principalmente no que se refere ao uso de dispositivos móveis por horas, pois podem reduzir a estabilidade postural. Além disso, de acordo com os resultados encontrados, verificou-se que o uso do smartphone em postura ortostática associada a uma demanda atencional, tornava o controle postural das crianças mais instável quando comparado a estar com os olhos abertos, sendo semelhante ao de olhos fechados. Assim, as crianças apresentaram mais instabilidade postural na atividade realizada ao usar o smartphone.

 

INTRODUÇÃO

O avanço tecnológico é um dos fenômenos mais marcantes da sociedade atual. Esse avanço impulsionou a expansão da rede de telefonia móvel, tornando o smartphone um aparelho amplamente utilizado tanto por adultos e adolescentes quanto por crianças1. Crianças têm adotado esse recurso cada vez mais precocemente seja pela fascinante tecnologia ou por expressar uma condição de status social2.

As crianças e adolescentes estão cada vez mais inseridas e conectadas ao mundo virtual da tecnologia de informação e comunicação. O uso de dispositivos móveis tais como smartphones, tablets e as mídias sociais têm impactado na forma com que se relacionam no ambiente familiar e na escola. Dados da pesquisa realizada pelo Comitê Gestor de Internet no Brasil revelaram que o uso da internet por meio desses dispositivos teve um aumento importante. Estima-se que 86% das crianças e adolescentes na faixa etária de 9 a 17 anos têm acesso à rede de internet pelo smartphone e os resultados evidenciam que essa proporção tem aumentado com o passar dos anos3. No Brasil, os indicadores e estatísticas apontam que 34% dos jovens e adolescentes revelaram aprender habilidades em sua vida online que não aprendem na escola4.

O controle postural é um parâmetro importante para a manutenção da postura e realização das atividades funcionais da infância à idade adulta, e sua avaliação de fundamental importância nos primeiros anos da infância, sendo um essencial indicador do desenvolvimento motor infantil adequado. Além disso, está associado à maturação do sistema nervoso central, e requer a integração de informações visuais, vestibulares, proprioceptivas, bem como de estratégias posturais que permitam a manutenção do equilíbrio corporal como a capacidade de gerar forças para controlar a posição do corpo e habilidades cognitivas, a exemplo da atenção e motivação5, podendo sofrer influência positiva ou negativa em seu desenvolvimento devido o uso da tecnologia precocemente6.

Na infância, importante período de desenvolvimento da criança, o desempenho do equilíbrio estático e dinâmico são elementos essenciais na avaliação do controle postural. Nesta fase, o controle do equilíbrio das crianças é menos desenvolvido em comparação com os adultos e a estabilidade postural é refinada gradualmente com a idade durante o desenvolvimento típico7.

Diversos fatores contribuem para o desempenho atencional no contexto acadêmico quando as crianças executam tarefas cognitivas e motoras. A influência de dupla tarefa diária realizada por crianças quando em uso do smartphone, pode ser um fator de risco tanto postural como de instabilidade do equilíbrio durante a execução de habilidades diárias, especialmente na postura em pé8. A partir daí, ressalta-se a importância de avaliar esses aspectos na prevenção de problemas na saúde da criança.

A Academia Americana de Pediatria aponta que os efeitos do uso de mídia são multifatoriais e enfatiza que há uma forte associação entre o conteúdo de mídia e o comportamento da criança9. No Brasil, a Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda limitar o tempo máximo de uso de tela de duas horas para crianças com idades entre 6 a 10 anos, e para os adolescentes com idades entre 11 a 18 anos, limita esse tempo em até 3 horas por dia10.

Apesar dos dispositivos eletrônicos estarem presentes na vida diária de crianças brasileiras, ainda não está totalmente esclarecido os efeitos do seu uso em aspectos do desenvolvimento motor de crianças jovens, tais como o equilíbrio e controle postural. Nesse sentido, o objetivo do presente estudo foi investigar o impacto do uso do smartphone no controle postural estático de crianças de 6 a 9 anos de idade.

 

MÉTODO

Estudo transversal realizado em três escolas públicas de tempo integral da cidade de Goiânia, Goiás, Brasil. O cálculo amostral foi realizado no software GPower 3.1.2, considerando o tamanho do efeito mínimo de 4%, poder de teste de 95% e índice de significância de 5%. O 'n' amostral obtido foi de 272 crianças participantes.

Foram distribuídos 700 convites para participação na pesquisa e 278 crianças aceitaram participar autorizadas pelos pais. A amostra foi composta por crianças típicas, de ambos os sexos, recrutadas por faixa etária de 6 a 9 anos de idade. Foram excluídas crianças com anomalias congênitas, história de cirurgia, fratura, luxação nos membros superiores e inferiores, crianças com desenvolvimento cognitivo atrasado, crises convulsivas, alterações sensoriais e estereotipias. O estudo obedeceu aos princípios éticos de pesquisa e foi aprovado Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Goiás com número de protocolo 71269717.0.0000.5083.

Instrumentos e procedimentos

Os seguintes instrumentos e materiais foram utilizados: ficha de dados físicos, antropométricos e de saúde (peso, altura, Índice de Massa Corporal, dominância pedal, informações sobre uso de dispositivos eletrônicos e tempo de sono), Questionário socioeconômico, que avalia a renda familiar e classe social estratificada por categorias de alto (B1-B2) a baixo (D-E) poder de compra das famílias, balança digital (G-Tech® modelo Glass 10 em vidro temperado, com divisões de 100 kg e carga máxima para 150 kg), estadiômetro portátil, e um baropodômetro (dimensões de 565 x 420 x 25 mm, superfície ativa de 490 x 490 mm, com 4096/6x6 sensores capacitivos, frequência de 200 Hz e pressão máxima por sensor de 120N/cm2, software Footwork Pro®). Procedeu-se a calibração automática do equipamento de baropodometria antes do início da gravação e coleta de dados, e um notebook foi utilizado para transmissão de dados advindos da plataforma. Um profissional fisioterapeuta e devidamente treinado realizou as avaliações das crianças em uma sala reservada em cada escola. Os questionários de informações sobre as crianças foram aplicados com os pais e/ou responsáveis.

Inicialmente os participantes foram familiarizados com o protocolo de testes. Para constatação da dominância pedal, as crianças foram orientadas a realizar o chute com uma bola parada com o membro dominante. Para avaliação do controle postural, as crianças eram solicitadas a assumirem posição ortostática estática e ficar com os pés descalços em paralelo em cima da plataforma. Foi realizada demonstração prévia de como subir na plataforma. A partir da orientação dada, a largura da posição foi selecionada automaticamente pela criança ao subir na plataforma, com visualização simultânea de ambos os pés (direito e esquerdo) para quantificação dos dados. As análises do controle postural foram registradas em três condições: a) Olhos abertos (OA) em que a criança mantinha os membros superiores ao longo do corpo e os olhos alinhados com um ponto fixo na parede a uma distância de 1,5 metros; b) Olhos fechados (OF) em que a criança mantinha o mesmo posicionamento anterior, porém com os olhos fechados e c) Dupla tarefa (DT) na qual a criança assumia a posição ortostática, realizava flexão de cervical e uso dos braços simultaneamente, enquanto segurava o aparelho (smartphone - iPhone 8, iOS 13.3, 148 g, Apple Inc), com a atenção voltada para a tela, usando um aplicativo móvel gratuito Plush Hospital.

Para cada condição de teste, foram realizadas uma única gravação. Em relação ao tempo, as análises foram executadas utilizando um protocolo com um corte de 30 segundos (s) como ponto de referência para cada condição de teste avaliada11.

 

Figura 1

 

A análise estatística dos dados foi realizada no programa Statistical Package Social Sciences - SPSS versão 23.0. Para testar a normalidade dos dados foi usado o teste estatístico Kolmogorov-Sminorv. A análise descritiva foi realizada utilizando média e desvio padrão para as variáveis escalares ou numéricas e frequência e porcentagem para as variáveis categóricas. O valor de p foi considerado em todas as análises com índice de significância de 5% (p 0,05).

Para comparação do controle postural das crianças nas três condições de avaliação foi utilizado para as variáveis com distribuição normal (pressões médias dos pés) o teste Anova com medidas repetidas, observando a esfericidade pelo teste de Greenhouse-Geisser (p<0,001) e post-hoc de Sidak. Para as variáveis sem distribuição normal (áreas, suporte de peso e deslocamentos ântero-posterior e látero-lateral) foi usado o teste de Friedman com post-hoc de Wilcoxon.

 

RESULTADOS

Participaram do estudo 278 crianças, com média de idade de oito anos. A caracterização da amostra encontra-se na tabela 1. Os resultados deste estudo mostram que a maioria das crianças é do sexo masculino, com prevalência de dominância pedal à direita e eutróficas. Quanto ao aspecto socioeconômico, as crianças pertenciam em sua maioria às famílias de baixa renda. Quanto ao tempo de uso de tela, 56,3% das crianças assistem à televisão de 2 a 7 horas por dia. A soma do tempo de utilização de dispositivos móveis (tablet, computador e smartphone) obteve valor aproximado de 2 horas por dia, sendo que 44,6% das crianças tinham acesso à internet. A média de tempo de sono foi de 8,2 horas por noite.

Na tabela 2, são apresentados os resultados do tempo de uso das mídias eletrônicas. Quanto ao tempo de uso de tela, 56,3% das crianças passam entre 2 a 7 horas por dia assistindo televisão. Além disso, a soma do tempo de utilização de mídias eletrônicas (tablet, computador e smartphone) obteve valor aproximado de 2 horas por dia, sendo que 44,6% das crianças tinham acesso à internet. A média de tempo de sono foi de 8,2 horas por noite.

Na tabela 3 são apresentados os resultados da análise estática do controle postural. Vale ressaltar que, na condição de olhos fechados, os valores de pressão no antepé, área e de superfície do antepé de ambos os pés aumentaram em relação aos olhos abertos, e são similares à condição em dupla tarefa (uso do smartphone com atenção voltada para a tela do smartphone).

Os resultados da análise estabilométrica do controle postural são apresentados na tabela 4. O uso do smartphone diminuiu o deslocamento ântero posterior em relação à condição olhos fechados. As crianças avaliadas apresentaram menor deslocamento ântero-posterior (AP) para as condições OA e em DT, enquanto houve um maior deslocamento para a condição de OF. Usando o smartphone, o deslocamento látero-lateral (LL) é superior ao deslocamento ocorrido quando os olhos estão abertos e fechados. Por sua vez, os valores da área da elipse foram semelhantes nas condições de OF e DT.

 

DISCUSSÃO

O objetivo do estudo foi avaliar o impacto do uso do smartphone no controle postural de crianças de 6 a 9 anos de idade. Os resultados revelaram que a amostra participante foi homogênea em relação às características das crianças quanto ao sexo, condições de saúde e aspectos socioeconômicos das famílias. Todas as crianças da pesquisa possuíam contato prévio com dispositivos eletrônicos, como o tablet e smartphone e a maioria possuía acesso frequente à internet. Todas as crianças estudavam em escolas em tempo integral, e apesar de permanecerem na escola por um tempo prolongado, a média do tempo de uso de tela diário foi de aproximadamente duas horas e com tempo satisfatório de sono. Não foi encontrada diferença entre tempo de tela entre as idades das crianças avaliadas.

No presente estudo a soma do tempo de utilização ao acesso de dispositivos móveis (smartphone, tablet e computador) alcançou valor aproximado de duas horas por dia, sendo que 44,6% das crianças avaliadas tinham acesso à internet. Este valor está de acordo com a recomendação da Sociedade Brasileira de Pediatria10 e de estudo de revisão sistemática realizado sobre o tema12. Porém, estudo realizado na Turquia com crianças em idade pré-escolar verificou que o tempo total de telas, incluindo dispositivos móveis, de 3 horas por dia, uma hora a mais comparada ao nosso estudo, e tal justificativa é a de que essas crianças estão inseridas em ambientes de alto nível socioeconômico e educacional, com tecnologia de fácil acesso13.

As análises do controle postural das crianças avaliadas nas condições de olhos abertos, olhos fechados e usando o smartphone revelaram que os ajustes posturais desenvolvidos pelas crianças foram semelhantes para a maioria dos parâmetros nas condições de olhos fechados e em uso do smartphone, diferentemente de quando a criança estava em postura ortostática com olhos abertos.

As influências de cada um dos sistemas sensoriais são de grande importância para a integração e manutenção do controle postural. Dessa forma, a visão tem papel fundamental no controle postural. O sistema vestibular é sensível às informações da posição da cabeça no espaço e as mudanças súbitas na direção do movimento. Estímulos do sistema visual, somatossensorial e vestibular são importantes componentes de informação sobre o posicionamento da cabeça e o movimento do corpo. Cada um desses sentidos fornece diferentes informações ao sistema nervoso central e cada um desses um modelo diferente para o controle postural14.

Em nosso estudo, acredita-se que as adaptações realizadas pelas crianças com os olhos fechados ativaram mais os sensores vestibulares para o controle do movimento e manutenção da postura, uma vez que este é sensível às informações da posição da cabeça no espaço e as mudanças súbitas na direção do movimento. Os estímulos periféricos advindos dos sistemas somatossensorial, vestibular e visual fornecem diferentes referências quanto ao posicionamento e movimento do corpo, em relação ao ambiente e gravidade. Durante a manutenção da postura ortostática estática, a oscilação do corpo duplica quando a informação visual não se faz presente15. Neste sentido, no momento que a criança passou a utilizar o smartphone, a atenção voltada para a tarefa cognitiva pode ter acionado mais o sistema somatossensorial para manter a posição dos pés na plataforma e minimizar os movimentos do tronco e cabeça.

No presente estudo, o deslocamento corporal das crianças usando o aparelho de smartphone foi semelhante à condição de olhos abertos. Por sua vez, o deslocamento aumentou quando a criança fechou os olhos. O peso adicionado do aparelho não teve influência sobre os resultados das variáveis da presente condição experimental. Sabe-se que a visão é um importante componente para o controle postural e a estabilidade postural tende a ser melhor quando em uso binocular16. Nesse sentido, acredita-se que a criança ajustou o seu equilíbrio por meio da visão periférica mesmo estando envolvida em uma tarefa cognitiva.

Em outro estudo foram avaliados pré-escolares de 3 a 5 anos de idade, cujo objetivo foi investigar como a idade e a privação sensorial afetam a organização temporal, a variabilidade da oscilação do centro de pressão (CoP) e os comandos corretivos posturais. Como resultado, as crianças de 5 anos de idade apresentaram diminuição da variabilidade da oscilação do CoP durante o equilíbrio em comparação às crianças mais jovens. Condições de privação sensoriais mais desafiadoras resultaram em menor variabilidade da oscilação postural, maiores amplitudes e torques de correção mais frequentem para a estabilização17.

Nossos achados revelaram que apenas 8% das crianças participantes foram identificadas como dominantes no pé esquerdo, indicando que a diferença pode relacionar-se à dominância. Resultado semelhante foi encontrado em estudos anteriores sobre a influência da lateralidade na distribuição das pressões plantares18,19. Crianças experimentam diferentes padrões de cargas plantares na análise estática, com aumento da pressão no antepé dominante e consequentemente aumento no retropé não dominante19.

As crianças participantes do presente estudo apresentaram em sua maioria dominância à direita e maiores pressões médias no retropé esquerdo, tendo a condição OA comparado à DT justificado pelo fato de este ser utilizado como forma de estabilidade postural. Em um estudo foram observadas alterações na análise dinâmica ao avaliarem o padrão de marcha com o uso do smartphone, tendo como uma das atribuições destas mudanças a redução da atenção visual para o ambiente e orientação quanto aos ajustes posturais de cabeça20.

No presente estudo, a informação ambiental proveniente do aparelho parece ter se comportado da mesma maneira quando a criança estava com os olhos fechados na postura ortostática, uma vez que no deslocamento látero-lateral a condição de estar em uso do smartphone foi superior a estar de olhos abertos e fechados. Entretanto, quando se observou a área de elipse, a análise mostrou que estar em uso do smartphone assemelhou-se a estar de olhos fechados. Acredita-se que a tarefa cognitiva de usar o smartphone pela criança não foi capaz de provocar alterações posturais laterais significativas em relação aos ajustes posturais no plano sagital (deslocamento ântero-posterior) e considerando a área total.

Estudos apontam que o uso frequente e prolongado da postura com flexão cervical para manusear dispositivos eletrônicos pode causar desordens musculoesqueléticas, dores musculares, especialmente na região de cabeça e pescoço. Além disso, ações de promoção e prevenção à doenças cervicais em crianças e adolescentes devem ser implementadas visando a prevenção de desvios posturais e outros sintomas21-23. Em nosso estudo, não houve qualquer manipulação da postura da cabeça das crianças durante os testes, uma vez que cada criança recebeu a instrução de usar o smartphone da forma que usaria como se estivesse em casa.

O movimento da cabeça é reduzido durante o uso do smartphone, alterando tanto sinal visual quanto vestibular para estabilidade do controle postural, já que essas mudanças permitem ao sistema nervoso otimizar respostas posturais24, o que explica que enquanto a criança estava em uso do smartphone o ajuste postural da cabeça foi reduzido. Possivelmente, os ajustes posturais realizados pela criança enquanto estavam em uso do smartphone requer uma orientação diferente de cabeça e pescoço e/ou um movimento substancial do membro superior ou até mesmo qualquer alteração na postura que mude a localização do centro de gravidade. Assim, as crianças ainda não estão completamente maduras em seu sistema somatossensorial para ativar os ajustes posturais como nos adultos.

O controle postural implica em controlar a posição do corpo com relação a gravidade assegurando a manutenção do equilíbrio, orientação e posicionamentos dos segmentos como referencial de percepção e ações posturais, emergindo da interação de elementos como o indivíduo, tarefa e ambiente25. Assim, no presente estudo os ajustes posturais que a criança realiza quando os olhos estão fechados foram semelhantes aos ajustes quando estas estão focadas no uso do smartphone.

Estímulos do sistema visual, somatossensorial e vestibular são importantes fontes de informação sobre o posicionamento da cabeça e o movimento do corpo. Cada um desses sentidos fornece diferentes informações ao sistema nervoso central e cada um desses um modelo diferente para o controle postural26. Em nosso estudo, isso é justificado pela redução do campo visual associada a uma tarefa cognitiva que leva a uma instabilidade postural da mesma forma como a restrição do input sensorial (restrição total da visão com os olhos fechados). A atenção é diminuída para a função cognitiva da tarefa no aplicativo, focado na tela e não no ambiente.

Os ajustes posturais são ativados antes dos movimentos voluntários minimizando possíveis distúrbios no equilíbrio. O controle postural requer o processamento da atenção durante a execução de uma única tarefa. Ao realizar uma tarefa simultânea, o desempenho pode ser afetado. As respostas motoras promovidas por perturbações na postura são ajustes posturais comandados pelo sistema nervoso central (SNC) e dependem de informações sobre a tarefa executada e o ambiente27.

A avaliação do controle postural é comumente realizada em ortostatismo, no entanto o fato de alterar a posição da cabeça, os componentes envolvidos no controle postural podem ter sua função comprometida, levando a um aumento da oscilação postural. Neste estudo, consideramos que a alteração foi em virtude da postura adotada pelas crianças durante a avaliação, por estarem em uma demanda atencional, tornando a criança mais instável na atividade realizada com o smartphone. Ao focar na tela do smartphone, têm-se a diminuição da atenção visual e a função física de segurar o aparelho, usando os braços e a flexão da cabeça, o que aumenta a área de oscilação do CoP. A restrição do campo visual associada a uma tarefa cognitiva leva a uma instabilidade postural, já que atividades de dupla tarefa como usar o smartphone na posição em pé mostram maior instabilidade e requer concentração significativa28.

Estudo anterior que investigou a condição de dupla tarefa com o smartphone durante a marcha encontrou um impacto negativo da estabilidade dinâmica da marcha de indivíduos jovens enquanto caminhavam. Esse achado pode ter ocorrido pela redução do campo visual associada à tarefa cognitiva devido ao aumento da demanda de atenção durante manuseio do smartphone29. Neste sentido, no atual estudo as crianças também executavam uma dupla tarefa apresentando menor deslocamento ântero-posterior quando estavam em uso do smartphone, enquanto houve um maior deslocamento quando estavam de olhos fechados. Dessa forma, hipotetiza-se que o uso excessivo desta postura na infância pode repercutir negativamente no desenvolvimento motor. Contudo, ainda não está esclarecido se esse processo pode ser temporário ou duradouro. Novas pesquisas com essa temática podem contribuir para a compreensão desses fatores.

A estabilidade, ajustes posturais e contribuições de informações sensoriais para o controle postural foram investigadas em crianças de 5 a 12 anos, indicando que a estabilidade postural tende a aumentar com a idade e diminuir com a manipulação sensorial. A capacidade de realizar ajustes ântero-posterior foi mais evidente e a maturação sensorial ocorreu a priori no sistema visual, passando pelo sistema proprioceptivo e a posteriori no sistema vestibular, atingindo a maturidade funcional aos 9 anos de idade30.

Já em crianças mais jovens, acredita-se que a habilidade de usar o input proprioceptivo ocorre de forma semelhante ao adulto. No entanto, a função vestibular parece demorar mais tempo para amadurecer e se encontra em desenvolvimento ainda aos 16 anos31. As crianças parecem integrar informações sensoriais para o controle postural apenas após o final da primeira década de idade, mais precisamente aos 12 anos de idade, correspondendo ao nível de maturação da estabilidade postural32. Em nosso estudo, quando o input sensorial foi diminuído iniciou-se uma reponderação sensorial e quando o visual foi retirado a criança utilizou estratégias de inputs vestibulares e somatossensoriais. Portanto, em uso do smartphone a criança tem um input visual reduzido ocasionando uma oscilação corporal semelhante a estar de olhos fechados.

Considerando a idade de desenvolvimento do controle postural, acredita-se que crianças escolares de 6 a 9 anos, encontram muitas atividades instáveis em suas tarefas diárias, especialmente no que se refere a ficar horas usando dispositivos móveis que possam gerar uma redução de sua estabilidade corporal. Além disso, pelos resultados encontrados, verificou-se que usar o smartphone na postura ortostática associado a uma demanda atencional, tornou o controle postural das crianças mais instável em comparação a estar de olhos abertos e assemelhou-se na condição com os olhos fechados. Assim, as crianças tiveram maior instabilidade postural na atividade realizada quando em uso do smartphone.

O presente estudo apresenta algumas limitações metodológicas como a não randomização da sequência das condições de testes adotadas para cada criança. Contudo, nossos achados revelaram que os ajustes posturais que a criança realiza com os olhos fechados, assemelham-se aos ajustes ocorridos durante o uso do smartphone em dupla tarefa. Os resultados podem contribuir para o conhecimento do uso da tecnologia em crianças de 6 a 9 anos. Estudos futuros devem investigar melhor a relação entre o uso das tecnologias e outros aspectos do desenvolvimento da criança em atividades de dupla tarefa atencional e postural com o objetivo de auxiliar na adoção de medidas preventivas de proteção ao uso excessivo de dispositivos eletrônicos na infância. Além disso, estudos futuros podem avaliar o impacto das tecnologias considerando diferentes faixas etárias, como por exemplo, crianças e adolescentes.

Contribuições dos autores

Thiago Weyk de Oliveira Beliche- participou da coleta de dados, organização e preparação do banco de dados, interpretação e discussão dos resultados, redação do texto: Tânia Cristina Dias da Silva Hamu participou do delineamento do estudo, análise estatística dos dados e interpretação dos resultados, correção final do artigo; Thailyne Bizinotto- participou do delineamento do estudo, submissão ao comitê de ética em pesquisa, coleta de dados, correção final do artigo; Celmo Celeno Porto- participou do delineamento do estudo e correção final do artigo; Cibelle Kayenne Martins Roberto Formiga- participou do delineamento do estudo, treinamento da equipe, análise estatística dos dados, interpretação e redação do texto, correção final do artigo.

Financiamento

O estudo teve o apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (FAPEG): Processos 201810267000108 (Formiga, C.K.M.R) e 201810267000575 (Beliche, T. W.O) e FAPEG/CAPES 88887.162706/1028-00 (Bizinotto, T).

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

 

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Endereço para correspondência:
Thiago Weyk de Oliveira Belichea
thiagofisio30@gmail.com

Manuscrito recebido: Fevereiro 2021
Manuscrito aceito: Junho 2021
Versão online: Julho 2021

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