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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282versão On-line ISSN 2175-3598

J. Hum. Growth Dev. vol.31 no.2 Santo André maio/ago. 2021

http://dx.doi.org/10.36311/jhgd.v31.11410 

ARTIGO ORIGINAL

 

Prevalência e fatores associados à síndrome metabólica em população vulnerável do norte do Brasil: um estudo transversal

 

 

Mayzza Campina RodriguesI, II; Erika da Silva MacielIII; Fernando Rodrigues Peixoto QuaresmaIII; Luis Fernando Castagnino SestiIV; Laércio da Silva PaivaI; Hugo Macedo JuniorV; Francisco Albino de AraújoV; Fernando Luiz Affonso FonsecaV; Fernando AdamiI

ILaboratório de Epidemiologia e Análise de Dados. Centro Universitário FMABC, Santo André, São Paulo, SP 09060-870, Brazil;
IISecretaria de Estado da Saúde do Tocantins SES/TO, Palmas, Tocantins, TO 77015-212, Brazil
IIIUniversidade Federal do Tocantins UFT/TO, Miracema, Tocantins, TO 77650-000, Brazil;
IVCentro Universitário Luterano de Palmas - CEULP/ULBRA, Palmas, TO 77019-900, Brazil;
VLaboratório de Delineamento de Estudos e Escrita Científica, Centro Universitário FMABC, Santo André, São Paulo, SP 09060-870, Brazil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: A síndrome metabólica (SM) é um conjunto de desequilíbrios metabólicos que estão associados ao desenvolvimento de doenças cardiovasculares, diabetes mellitus tipo 2 além de outras doenças crônicas não transmissíveis. A SM vem ganhando destaque na comunidade científica principalmente por sua ligação com o aumento da epidemia de obesidade no mundo
OBJETIVO: Analisar os fatores associados à síndrome metabólica e sua prevalência em população vulnerável da Região Norte do Brasil
MÉTODO: Trata-se de um estudo transversal com pescadores artesanais do estado do Tocantins, e foram utilizados dados coletados entre 2016 e 2017. A variável desfecho para SM foi definida de acordo com os critérios da International Diabetes Federation. As seguintes variáveis foram avaliadas: informações socioeconômicas e demográficas, consumo de peixe e tabagismo. Para análise estatística e de dados, foram avaliados o teste de Shapiro - Wilk, regressão de Poisson, teste t de Student e regressão interquartil
RESULTADOS: A taxa geral de prevalência (RP) da SM foi 31,9% maior em mulheres do que em homens. Os fatores associados à SM foram classe econômica e tabagismo e houve associação entre classe socioeconômica e tabagismo (p = 0,015). O componente mais prevalente foi obesidade abdominal com uma taxa de 62,5% (intervalo de confiança de 95% [IC]: 54,5, 70,5). A prevalência de SM em termos de sexo (RP = 2,27, IC 95% 1,04, 4,92, p = 0,037), tabagismo (RP = 2,40, IC 95%, 30, p = 0,003) e anos de experiência profissional (> 10 RP = 2,07, IC 95% 1,06, 4,05, p = 0,033) também foi avaliado
CONCLUSÃO: No presente estudo, a prevalência de SM esteve associada ao tabagismo e ao nível socioeconômico, sendo considerada elevada quando comparada a prevalência mundial. Esses achados assinalam a importância de um olhar das políticas públicas para que os serviços de saúde possam desenvolver ações que geram maior adesão as boas práticas de saúde pela população

Palavras-chave: obesidade, doença cardiovascular, estilo de vida, população vulnerável.


 

 

Síntese dos autores

Por que este estudo foi feito?

As doenças crônicas não transmissíveis estão entre as principais causas de morte no mundo, dentre as muitas causas destaca-se a Síndrome Metabólica, caracterizada por um conjunto de fatores que aumentam as chances do desenvolvimento de doenças cardiovasculares e outros agravos de saúde. Contudo ainda há poucos estudos de base populacional que avaliam a síndrome metabólica no Brasil sobretudo com populações em condições de vulnerabilidade social.

O que os pesquisadores fizeram e encontraram?

Conduzimos a pesquisa em quatro colônias de pescadores artesanais do Estado do Tocantins as margens do Lago da Usina Hidroelétrica de Luís Eduardo Magalhães, entre os anos de 2016 e 2017. Foram avaliados as variáveis socioeconômicas, sociodemográficas, antropometria, análises bioquímicas e pressão arterial sistêmica. A Síndrome Metabólica foi definida a partir dos parâmetros do International Diabetes Federation. Os resultados indicaram uma prevalência 31,9% o que foi considerada elevada quando comparada a prevalência mundial pelo grupo International Diabetes Federation, que encontrou um resultado entre 20-25%. Os principais fatores associados a esta prevalência foram tabagismo e nível socioeconômico.

O que essas descobertas significam?

A Síndrome Metabólica é um fator que eleva o risco de desenvolvimento de Doenças Crônicas Não Transmissíveis e em especial as doenças cardiovasculares, que associado ao tabagismo e o nível socioeconômico pode influenciar no aumento da prevalência ao logo do tempo.

 

INTRODUÇÃO

Os efeitos da globalização, rápida urbanização e aumento da expectativa de vida, além de comportamentos prejudiciais à saúde, que incluem o uso de álcool e cigarro podem ser observados no desenvolvimento de Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) como indicam os dados da Organização Mundial da Saúde (OMS)1.

A Síndrome Metabólica (SM), uma porta de entrada para o desenvolvimento de DCNT, caracteriza-se por um conjunto de desequilíbrios metabólicos que incluem excesso de gordura abdominal, altos níveis de triglicerídeos, baixo nível de lipoproteína-colesterol de alta densidade (HDL-C), níveis elevados de pressão arterial e insulina resistência2 e podem aumentar em 2,5x o risco de morbimortalidade por doenças cardiovasculares3.

Muito há se discutido sobre a SM e aumento do impacto de morbimortalidade prematura da população em geral, porém pouco se tem estudado a relação com populações vulneráveis, como é o caso dos pescadores artesanais.

Sendo importante ponderar que o tempo de exposição dos pescadores a condições de vulnerabilidade social, econômica, ambiental e os hábitos resultantes do estilo de vida, podem levar a mudanças progressivas na morbimortalidade e na transição epidemiológica do processo saúde-doença dessa população.

Faz-se importante considerar que a vulnerabilidade social traz ao campo das pesquisas um conceito de elo entre as relações estruturais globais da sociedade e as situações de risco em que determinadas populações se expõe4 como no caso dos pescadores artesanais.

E existem poucas evidências científicas sobre essa importante população e, para entender esses processos e melhorar as políticas públicas e a promoção da saúde, estudos precisam ser realizados5.

A pesca artesanal é uma atividade manual com alto gasto energético, entretanto, nos pescadores, fatores sociais e econômicos, como baixa renda e escolaridade, condições de trabalho e dificuldade de acesso aos serviços de saúde6-8, podem levar a uma dieta desequilibrada, resultando em sobrepeso e/ou obesidade. Além disso, fatores como sexo, etnia, escolaridade e condições de moradia influenciam o desenvolvimento de DCNT9 características observadas também nessa população.

Neste contexto de vulnerabilidade, no estado do Tocantins, as populações ribeirinhas, que incluem pescadores artesanais, foram afetadas pela construção da Usina Hidrelétrica Luís Eduardo Magalhães em 2002. Desde então, foi observada uma mudança nas atividades de trabalho e no estilo de vida dos pescadores, o que pode afetar a risco de desenvolver SM e, consequentemente, DCNT.

Portanto, considerando que os indicadores de SM estão associados a padrões de estilo de vida, este estudo teve como objetivo analisar os fatores associados à SM e sua prevalência em população vulnerável da Região Norte do Brasil.

 

MÉTODO

Desenho de estudo

Este é um estudo transversal10 realizado com pescadores artesanais, caracterizados como população vulnerável.

Local de estudo e período

O estado do Tocantins é rico em rios de água doce, fontes de pesca, atividades de lazer e outros empregos. No estado, a pesca artesanal utiliza pequenas embarcações e poucos e / ou simples instrumentos de pesca.

A atividade pesqueira é regulamentada pelo Instituto de Desenvolvimento Rural do Estado do Tocantins e atualmente existem 35 colônias de pescadores no estado. Destas, quatro colônias ao redor do lago que foram represadas pela construção da Usina Hidrelétrica Luís Eduardo Magalhães foram escolhidas devido à maior facilidade de acesso.

Foram incluídos neste estudo os pescadores de quatro colônias do lago da Usina Hidrelétrica Luís Eduardo Magalhães. As colônias foram: Itaobi, em Brejinho de Narazé, Z-10 e Associação Parque Sucupira, em Palmas e COPEMITO - Colônia de Pescadores de Miracema, em Miracema.

População estudada e Critérios de Elegibilidade

A amostra foi obtida por amostragem de conveniência e foi composta por participantes que atenderam aos critérios de inclusão, sendo: pescador com idade acima de 18 anos que concordou em participar voluntariamente mediante aceitação e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Enquanto isso, aqueles que não concordaram em participar do estudo e não participaram de nenhuma etapa do estudo foram excluídos. Assim, foram incluídos 144 pescadores (figura 1).

 

 

Coleta de Dados

Os dados foram coletados entre 2016 e 2017 por meio de entrevistas previamente marcadas pelos presidentes das colônias e por meio de entrevista semiestruturada previamente realizada por pesquisadores treinados. O estudo foi iniciado após a autorização dos pescadores e a coleta de dados foi agendada.

A coleta de dados foi realizada em diferentes etapas. Primeiro, os líderes foram contatados e autorizaram apresentar o projeto aos pescadores das respectivas colônias, em seguida foi agendado retorno para as próximas etapas. Após a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido pelos pescadores que concordaram em participar da pesquisa, foram coletadas amostras de sangue e realizadas avaliações e entrevistas antropométricas.

Análise de Dados

Variáveis

Foram avaliadas características socioeconômicas e demográficas, dados antropométricos (perímetro abdominal), resultados de análises bioquímicas (níveis de glicose, HDL-colesterol e triglicerídeos) e pressão arterial sistêmica. Com base na mensuração dessas variáveis, classificamos os distúrbios metabólicos e a SM de acordo com os parâmetros estabelecidos pelo International Diabetes Federation (IDF). A SM foi a variável de resultado e as demais variáveis foram utilizadas como variáveis de exposição.

Características Socioeconômicas

O nível socioeconômico foi avaliado por meio do questionário de Classificação Econômica Brasileira11 e perguntas sobre o sexo e a idade dos participantes.

Consumo de Peixe

A avaliação da percepção do consumo de peixe foi realizada por meio do instrumento proposto e validado por Maciel et al.12, que objetivou identificar o padrão de consumo e barreiras em adultos.

Obesidade Central

A avaliação do perímetro abdominal foi realizada para medir a obesidade central com fita antropométrica (marca Sanny), e a medida foi obtida a partir do ponto médio entre a última costela e a crista ilíaca enquanto o participante estava em posição ortostática, conforme recomendado pela Associação Brasileira para o estudo da obesidade e síndrome metabólica13. Para a classificação da obesidade abdominal, os valores recomendados pelo IDF foram os seguintes: 90 cm para homens e 80 cm para mulheres3.

Testes Biológicos

Foram analisados os níveis de triglicerídeos 150mg/dl, HDL-colesterol < 40mg/dl para homens e <50mg/dl para mulheres e glicemia em jejum < 100 mg/dL, conforme os critérios do IDF21 e não HDL-colesterol classificado em < 160mg/dl baixo risco, < 130 mg/dl intermediário, < 100 mg/dl alto e < 80 mg/dl muito alto para estimar o risco cardiovascular com a variável SM14. Os indicadores bioquímicos foram obtidos por meio de coleta de sangue periférico venoso, com participantes em jejum de 12 horas, obedecendo as normas de biossegurança. As amostras foram mantidas sob refrigeração e a análise laboratorial em até uma hora após a coleta pelo método enzimático-colorimétrico por automação (BS-200E Mindray ®).

Pressão Arterial Sistêmica

A medida da pressão arterial (PA) foi realizada com esfigmomanômetro e estetoscópio, com base nas recomendações da VII Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial15.

Síndrome Metabólica

As definições amplamente utilizadas para estabelecer SM são da Organização Mundial da Saúde (OMS), National Cholesterol Education Program's Adult Treatment Panel III (NCEP-ATP III) e International Diabetes Federation (IDF) que, embora apresentem características comuns, diferem nos seus pontos de corte o que dificulta uma classificação universal da prevalência de SM.

Neste estudo, a SM foi definida de acordo com os critérios do IDF3, que define a presença de obesidade abdominal com pontos de corte específicos para grupos étnicos e pelo menos dois outros fatores de risco metabólico, que podem incluir a presença de hiperglicemia, dislipidemias e / ou hipertensão arterial.

Tamanho do Estudo

Como não houve estudos que estimaram a prevalência de SM em pescadores artesanais, a taxa de prevalência variou de 14,9% a 65,3%, conforme apresentado por Vidigal et al.16 em uma revisão sistemática sobre a prevalência de SM em adultos. Nas colônias estudadas, o número total de pescadores artesanais registrados foi de 175. Ao considerar um erro de 5%, nível de confiança (IC) de 95% e poder de teste de 80%, o tamanho estimado da amostra variou de 93 a 121. Ao adicionar 10% da amostra a possíveis perdas, o tamanho amostral final deste estudo foi de aproximadamente 142.

Métodos Estatísticos

Foi utilizada estatística descritiva padrão. As variáveis qualitativas foram apresentadas como frequências absolutas e relativas. As variáveis quantitativas foram apresentadas como medidas de tendência central e respectivas estimativas de intervalo (IC95%), de acordo com a normalidade dos dados, avaliadas pelo teste de Shapiro-Wilk.

As medidas associadas foram estimadas de forma bruta. Para estimar a razão de prevalência (RP) da SM e seu IC95%, foi utilizada a regressão de Poisson com variância robusta. Enquanto isso, as variáveis quantitativas foram apresentadas como média ou mediana, avaliadas pelo teste t de Student e regressão interquartil.

Os modelos explicativos foram estimados utilizando regressão de Poisson com variância robusta pelo método stepwise backward, com critérios de entrada (p = 0,20) e remoção (p = 0,05). O nível de significância foi estabelecido em 5%. Foi utilizado o software Stata® versão 11.0 (StataCorp, LC).

Vulnerabilidade Social

Há muitas definições para o conceito de vulnerabilidade, e estão sempre relacionadas ao objeto do que se pretende estudar, não sendo este um assunto nem tão jovem e nem tão velho.

Contudo a definição de escolha para o conceito de vulnerabilidade social no presente estudo foi a de Andrew17 (2015) que traz que vulnerabilidade social decorre do acúmulo de múltiplos e variados problemas sociais e tem importância bidirecional como fator de risco para resultados ruins de saúde e como uma consideração pragmática para a provisão e planejamento de cuidados de saúde. Entretanto é importante destacar que não foram analisados dados para definição de um índice de vulnerabilidade a qual a população de pescadores artesanais aqui estudados estão expostos.

Aspectos éticos e legais da pesquisa

O projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa em Humanos (CAAE 50419215.5.0000.5516).

 

RESULTADOS

Foram contatados 175 pescadores artesanais cadastrados nas colônias estudadas, residentes dos municípios de Brejinho de Nazaré, Palmas e Miracema do Tocantins. No entanto, após o contato inicial, apenas 144 pescadores participaram da pesquisa.

Foram avaliados 144 pescadores artesanais, sendo a maioria homens (70,8%, n = 102), cônjuge (79,9%, n = 115) e classificação socioeconômica D ou E (46,0%; = 46). Em relação aos hábitos de vida, a maioria relatou consumir peixe 2 ou mais vezes por semana (85,4%; n = 123) e 39,4% (n = 56) eram fumantes. Os participantes tinham idade média de 50,1 (IC95%: 48,6; 51,58) anos, mediana (IC95%) de 4,0 (3,0; 4,0) crianças e nível médio de HDL-C de 145,0 (130,5, 165,0) (tabela 1).

Em relação aos componentes do distúrbio metabólico para a definição de SM de acordo com os critérios da IDF, o mais prevalente foi o perímetro abdominal elevado, observado em 62,5% dos participantes, que é um critério obrigatório, seguido de baixos níveis de HDL-C em 59,7% dos pacientes e altos níveis de triglicerídeos em 26,4% dos participantes (tabela 2).

A maioria dos pescadores trabalhava 12 horas por dia (67,4%, n = 97), com duas horas de descanso (68,8%, n = 99) e trabalhavam em apenas um local (60,4%, n = 87). A maioria dos pescadores relatou atuar na atividade há pelo menos 10 anos (53,5%, n = 77) (tabela 3).

Dos 144 pescadores, 46 apresentavam SM, e a taxa era 31,9. Das características sociodemográficas estudadas, apenas o número de filhos apresentou diferença estatisticamente significante, e os indivíduos que apresentaram síndrome metabólica apresentaram mediana 1 (variando de 0,52 a 1,47) mais crianças quando comparadas a indivíduos sem síndrome metabólica (p <0,001) (tabela 1). A variável não HDL-c apresentou diferença estatisticamente maior nos participantes com SM quando comparados aos participantes sem SM (p <0,001) (tabela 1).

Na análise multivariada ajustada por variáveis socioeconômicas e características ocupacionais, foram utilizados alguns modelos explicativos para analisar os fatores associados à SM.

No modelo 1, com capacidade explicativa de 6% (r2 = 0,06, p = 0,002), sexo (RP = 2,27, IC95%: 1,04, 4,92, p = 0,037), tabagismo (RP = 95, IC95% 1,33), 4,30, p = 0,003) e experiência de trabalho superior a 10 anos (RP = 2,07, IC 95% 1,06, 4,05, p = 0,033) foram associadas a maior prevalência de SM. Por outro lado, a classe econômica (RP = 0,63, IC 95%: 0,45, 0,88, p = 0,008) e o consumo semanal de peixes (> 500 g) foram correlacionados com uma menor prevalência de SM (RP = 54, IC 95%: 0,29, 0,98, p = 0,044) (tabela 4).

Por outro lado, quando indivíduos classificados na classe econômica A foram excluídos devido ao baixo tamanho amostral (modelo 2), observou-se maior prevalência de SM em pescadores que descansam no trabalho (RP = 2,42, IC 95%, 1,07, 5, 46, p = 0,033). Enquanto isso, observou-se menor prevalência de SM em pescadores classificados nas classes econômicas C, D e E (RP: 0,45, IC 95% 0,21, 0,96, p = 0,041 e RP = 0,23, IC 95%: 0,10, 0,53, p = 0,001).

Além disso, no modelo 3, após o ajuste por sexo, observou-se maior prevalência de SM em fumantes (RP: 1,87, IC 95%: 1,01, 3,48, p = 0,047) e menor prevalência em pescadores classificados em econômica. classes C, D e E com referência à classe B (RP = 0,48, IC 95%: 0,23, 0,99, p = 0,047) para indivíduos da classe C (RP = 0,39, variando de 0,19 a 0,60, p = 0,002 na classe C) (tabela 4).

Considerando a influência do status socioeconômico e do tabagismo na prevalência de SM nos pescadores, foi realizada uma análise de sensibilidade para identificar a associação entre essas características e a SM. Nesta análise, observou-se associação entre classe socioeconômica e tabagismo (p = 0,015). Ou seja, o maior número de fumantes foi observado nas classes sociais D e E (55,6%), seguido pelas classes C (33,3%) e B (22,7%). Não foram observados fumantes da classe A (Tabela 5).

 

DISCUSSÃO

Os principais achados deste estudo indicaram que os fatores associados foram tabagismo e nível socioeconômico e que aproximadamente 31,9% dos pescadores artesanais apresentaram SM, valor superior à taxa geral de prevalência (20% -25%)3. Além disso, a SM foi mais prevalente entre os participantes da classe B, contudo quanto menor o nível econômico dos pescadores, maior a prevalência de fumantes.

O presente estudo encontrou associação entre tabagismo e SM, e observou-se maior número de fumantes nas classes D e E, o que pode levar a uma alteração na prevalência de SM e classes econômicas, indicando que o principal fator de risco de SM é o uso de tabaco e não necessariamente classe econômica.

Observa-se um aumento de 26% no risco de SM em fumantes ativos do que em não fumantes18. Koster et al.19 encontraram forte associação entre tabagismo e deposição de gordura abdominal, além de um aumento de cinco vezes no risco de morte por doenças como câncer, doença coronariana, acidente vascular cerebral, diabetes mellitus, enfisema pulmonar e doença renal. Esses resultados reforçam que o tabagismo é um fator de risco para DCNT.

Quanto ao nivel socioenconomico observou-se menor prevalência de SM entre pescadores de classes sociais mais baixas, diferente do relatado na literatura, como no caso dos EUA em que baixo nível educacional e índice de renda / pobreza estão associados à presença de SM20. Além disso, Moreira et al.21 encontraram uma maior prevalência de SM em indivíduos de menor nível socioeconômico, embora o resultado não tenha sido estatisticamente significativo.

No que concerne ao valor encontrao para prevalência de SM, estudos realizados também com populações quilombolas no norte do país encontraram prevalências semelhantes, 32,1%22 e 33,3%23 respectivamente.

Os dados desse estudo também corroboram com encontrados em outros estudos, embora a prevalência possa variar de acordo com os critérios de definição utilizados, como nos EUA (34,2%)20 e na Nigéria (35,1%)19.

No entanto, é difícil realizar comparações entre a prevalência de SM devido aos diferentes critérios de definição com pontos de corte variáveis e poucos estudos em que se avaliam a SM em populações vulneráveis, como no casos dos pescadores artesanais.

A estratificação por sexo no estudo mostrou maior prevalência de SM entre mulheres, o que também foi encontrado em outros estudos20,25. Essa diferença pode ser atribuída aos diferentes pontos de corte para circunferência abdominal, dislipidemias atribuídas ao maior depósito de gordura corporal e redução dos níveis de estrogênio encontrados nas mulheres26.

Neste estudo, os componentes com maior prevalência foram circunferência abdominal aumentada, baixos níveis de HDL-C e altos níveis de triglicerídeos. Esse achado confirmou que a SM é um distúrbio que pode estar associado à obesidade.

Segundo a IDF, a presença de obesidade abdominal é o critério essencial para os riscos cardiometabólicos3. O aumento da obesidade pode ser entendido como um produto da maior urbanização, transição nutricional e redução da atividade física27, considerando sua crescente pandemia. Suas complicações afetam o perfil de morbimortalidade de todos os países.

Em um estudo de base populacional com uma amostra de 1.116 indivíduos em uma população urbana no sudoeste do país, usando os critérios NCEP ATP III e IDF, Gronner et al.25 descobriram que aproximadamente 72,6% dos indivíduos tiveram um aumento na circunferência da cintura de acordo com critérios semelhantes aos encontrados neste estudo.

O perfil lipídico é uma das ferramentas utilizadas para avaliar o risco de doença cardiovascular, seu controle e prognóstico, embora não faça parte dos critérios utilizados para o diagnóstico da SM, dados sobre baixo nível de não HDL-C podem contribuir significativamente para a interpretação das alterações metabólicas.

Este indicador foi utilizado como um marcador superior ao LDL-C para a definição de risco cardiovascular e eficácia terapêutica para casos de infarto do miocárdio, além do baixo custo para estimativa28. O NCEP ATP-III apresenta o baixo nível de não HDL-C como alvo secundário da terapia em indivíduos com níveis diminuídos de HDL-C associados a altos níveis de triglicerídeos (200-499 mg / dL) como estratégia para o tratamento específico das dislipidemias29.

Assim, em nosso estudo, foi observada diferença estatisticamente significante entre a variável não HDL-C e os participantes com SM, dos quais os participantes com SM apresentaram a maior variável 175,5 (148,4; 191,6) quando comparados os participantes sem SM, 145,0 (130,5;165,0). Nossos achados corroboram com os de um estudo realizado na Índia que teve como objetivo identificar a associação entre não HDL-C e SM em participantes com e sem doença coronariana, e os resultados mostraram uma associação significativa entre não HDL-C e SM30.

A prevalência de SM está associada a diversos fatores que impactam diretamente no desenvolvimento de DCNT em especial as doenças cardiovasculares e a diabetes mellitus e conhecer esses fatores determinantes principalmente em uma população vulnerável como os pescadores artesanais tornam-se se importante para se proporcionar ações de promoção à saúde que visem a adoção de um estilo de vida com alimentação saudável e prática de atividade física.

 

CONCLUSÃO

Há elevada prevalência de SM quando comparada a dados gerais, o que reforça que essa condição é um importante problema de saúde pública. O uso de tabaco aumenta os riscos de DCNT e a associação da SM ao tabagismo encontrada no estudo quando comparada também com a situação socioeconômica demonstra que os valores de prevalência de SM podem aumentar ao longo dos anos nesta população, uma vez que pode ocorrer o aumento da incidência de SM na população classificada economicamente como classe D-E.

Notavelmente, estudos futuros devem ser conduzidos para determinar a prevalência geral de SM entre a população brasileira e como os hábitos de vida podem influenciar o desenvolvimento dessa condição, além de fomentar a atenção dos gestores públicos para a formulação de políticas públicas que possam promover a população à mudança de hábitos para um estilo de vida mais saudável, uma vez que somente o acesso a informação não garante adesão a rotina de boas práticas de saúde.

Contribuição dos autores

MCR- responsável por todos os aspectos do texto principal do manuscrito e pela comunicação e gerenciamento da comunicação entre os coautores. ESM - contribuição na concepção, desenho, elaboração e revisão do conteúdo intelectual do manuscrito. FRPQ e LFCS- contribuições na concepção do manuscrito, auxilio na interpretação dos dados e na formulação da argumentação e revisão de toda a redação. LSP - contribuições à versão de revisão a ser publicada. FAA - contribuições à versão de revisão a ser publicada. FLAF - contribuições para a versão de revisão a ser publicada. FA - contribuições substanciais na revisão e aprovação final da versão a ser publicada. Todos os autores leram e aprovaram o manuscrito final.

Financiamento

A pesquisa foi financiada pelo Sistema de Gestão EMBRAPA (SEG), programa Macro 4, com o número MP4SEG 04.13.09.001.00. A EMBRAPA intermediou o acesso às colônias por intermédio com os líderes para que a pesquisa fosse apresentada e posteriormente realizada a coleta de dados. A empresa também colaborou com o transporte de pesquisadores para as colônias e com os materiais utilizados na coleta de dados. A empresa financiadora não participou da construção deste manuscrito, apenas na mediação para coleta de dados.

Agradecimentos

Agradecemos às colônias de pescadores pela confiança, apoio e participação neste projeto.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não ter conflitos de interesse com relação à autoria e / ou publicação deste artigo.

 

REFERÊNCIAS

 

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Endereço para correspondência:
Mayzza Campina Rodrigues
mayzza.rodrigues@gmail.com

Manuscrito recebido: Janeiro 2021
Manuscrito aceito: Maio 2021
Versão online: Julho 2021

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