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Journal of Human Growth and Development

versión impresa ISSN 0104-1282versión On-line ISSN 2175-3598

J. Hum. Growth Dev. vol.32 no.1 Santo André ene./abr. 2022

http://dx.doi.org/10.36311/jhgd.v32.12616 

ARTIGO ORIGINAL

 

Medida Epidemiológica de Mulheres Reclusas na Amazônia Ocidental, Brasil

 

 

Vitor Djannaro Eliamen da CostaI; Italla Maria Pinheiro BezerraII; Carlos Eduardo SiqueiraIII; Francisco Naildo Cardoso LeitãoI; Leonardo Gomes da SilvaII; Blanca Elena Guerrero DaboinI; Khalifa ElmusharafIV; Luiz Carlos de AbreuI, IV

IPesquisador do Laboratório de Escrita Científica no Centro de Saúde da Universidade ABC, Santo André, São Paulo, Brasil
IIPesquisador da Escola Superior de Ciências de Santa Casa de Misericórdia de Vitória, ES - Brazil
IIIProfessor Associado na Escola para o Ambiente (SFE) na UMass Boston
IVProfessor Adjunto de Saúde Pública na Graduate Entry Medical School. Universidade de Limerick

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: o sistema prisional no estado brasileiro do Acre, localizado na região ocidental da Amazônia, é um ramo do sistema de justiça criminal que tem sofrido por situações como a superlotação e o crescimento do crime organizado interno. A prevalência destas questões afeta diretamente a ressocialização dos prisioneiros e inibe a preservação bem sucedida dos seus valores e crenças sociais
OBJETIVO: analisar o perfil epidemiológico das mulheres encarceradas no Estado do Acre, Brasil
MÉTODO: estudo descritivo transversal, sendo que 129 participantes foram recrutadas em penitenciárias femininas no Estado do Acre. Conduzidos entre agosto e dezembro de 2017, os dados foram recolhidos através de um questionário validado, dividido em módulos, utilizando tanto artigos abertos como fechados
RESULTADOS: verificamos que a maioria das mulheres que participaram no estudo eram solteiras (n = 86, 66,7%), tinham pele castanha (n = 93, 72,1%), tinham filhos (n = 102, 79,1%), residiam no estado do Acre (n = 117, 90,5%). A idade média da amostra foi de 27,69 anos. Entre os participantes que declararam ter parceiros (n = 40, 31%), descobrimos que metade tinha parceiros que também estavam encarcerados (n = 20, 50%). Os resultados do estudo indicam também que o tráfico de drogas (n = 86, 66,7%) foi a principal causa de encarceramento feminino, seguido do crime de homicídio (n = 16, 12,4%). Mais de metade dos participantes estiveram na prisão pela primeira vez (n = 75, 58,1%), com uma elevada taxa de reincidência observada na amostra total (n = 54, 41,9%). A maioria dos participantes (n = 97, 75,2%) manteve-se em contato com membros das suas famílias e uma parte menor (n = 15, 11,6%) recebeu visitas conjugais. No que respeita às atividades sociais, pouco mais de metade (n = 75, 58,1%) trabalhou e a maioria (n = 114, 88,4%) não estudou enquanto esteve presa
CONCLUSÃO: as dificuldades associadas ao acesso aos dados dos presos e a falta de estudos revistos por pares sobre a saúde dos presos no Brasil sugerem que as políticas públicas recomendadas pelo Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário - PNSSP e a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher - PNAISM devem ser reavaliadas

Palavras-chave: reclusas, perfil de saúde, Acre


 

 

Síntese dos autores

Por que este estudo foi feito?

Considerando a escassez de investigação sobre o tema das mulheres privadas da sua liberdade na Amazônia Ocidental e a importância destas descobertas para a saúde pública, os investigadores decidiram descrever o perfil epidemiológico desta população.

O que os pesquisadores fizeram e encontraram?

Foi realizado um estudo descritivo, transversal, com 129 mulheres privadas de liberdade nas três unidades prisionais femininas do estado do Acre. O estudo resultou numa predominância de mulheres solteiras, mães e com idade média de 27 anos. É de salientar que o crime de tráfico de drogas é o maior fator de encarceramento feminino, seguido do crime de homicídio.

O que essas descobertas significam?

Destaca uma realidade sem assistência de políticas públicas na eficácia das ações recomendadas na Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional, e por ser uma instituição com acesso restrito, a investigação sobre este tema é escassa.

 

INTRODUÇÃO

O sistema prisional no estado do Acre, Brasil, é um ramo do sistema de justiça criminal que tem sofrido com a superlotação e o crescimento do crime organizado dentro das prisões, impedindo assim a ressocialização dos reclusos. Esta é uma questão que se opõe à intenção da Lei de Execução Penal, que declara no artigo 14 que " A assistência à saúde do preso e do internado de caráter preventivo e curativo, compreenderá atendimento médico, farmacêutico e odontológico1.

Os reclusos estão expostos à uma série de riscos de saúde, exemplificados pela prevalência significativa de doenças sexualmente transmissíveis (DST), AIDS/DST, tuberculose, pneumonia, dermatite, perturbações mentais, hepatite, trauma, diarreia infecciosa, hipertensão e diabetes mellitus. Tendo isto em consideração, a necessidade de as populações carcerárias terem cuidados de saúde acessíveis é evidente. Isto poderia ser alcançado tanto através da implementação de cuidados básicos de saúde dentro das prisões, como de cuidados de média à alta complexidade, com a garantia de satisfazer as necessidades específicas das presas no âmbito do Sistema Único de Saúde2.

Em 2017, o Decreto Interministerial nº 1 instituiu a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP). O PNAISP rege os objetivos, orientações e responsabilidades do Ministério da Saúde, do Ministério da Justiça, dos Estados e do Distrito Federal representado pela Secretaria da Saúde, pela Secretaria da Justiça, e pelos Municípios1.

O PNAISP também estabeleceu alguns objetivos no que diz respeito à saúde da população prisional brasileira1. Estes objetivos visam promover o acesso das pessoas privadas de liberdade à rede de saúde, principalmente para a assistência integral; assegurar a autonomia dos profissionais da saúde para a assistência integral das pessoas privadas de liberdade; melhorar e humanizar a assistência sanitária no sistema prisional através de ações conjuntas com os setores da saúde e da justiça; promover as relações intersetoriais com direitos humanos básicos, políticas afirmativas e sociais, e justiça penal; e para fomentar e reforçar a participação e o controle social3.

As populações diretamente afetadas pelo PNAISP são aquelas que são protegidas pelo Estado no regime provisório, que sejam condenadas ou não, porém estejam reclusas dentro do sistema prisional. O artigo 8º do Decreto Interministerial nº 1, escrito em janeiro de 2014, estabelece que "os trabalhadores em serviços penais, os familiares e demais pessoas que se relacionam com as pessoas privadas de liberdade serão envolvidos em ações de promoção da saúde e de prevenção de agravos no âmbito da PNAISP1. Assim, para além das pessoas privadas da sua liberdade, seria também envolvida uma rede ampliada que auxilia na promoção da saúde e na prevenção das doenças desta população3.

Com o confinamento e a restrição da liberdade, o processo de adaptação à um ambiente prisional e os conflitos entre os diferentes fatores, há uma tendência dos funcionários para negligenciarem as questões relacionadas com a saúde. Isto vem do hábito de dar prioridade aos problemas relacionados com a segurança e a sobrevivência imediata dos guardas de segurança e dos prisioneiros4.

Além disso, as prisões e penitenciárias tornaram-se superlotadas em resultado de um aumento significativo da população prisional. Esta é uma tendência importante a considerar, uma vez que o crescimento da população feminina tem sido superior ao da população masculina, uma tendência que se manteve nos últimos quatro anos. A taxa de mulheres encarceradas é de cerca de 37,4%, o que representa uma taxa média de crescimento anual de aproximadamente 12%5.

Em comparação com outros países, o Brasil tem a quinta maior população feminina do mundo na prisão; uma estatística só superada pela Tailândia, Rússia, China e Estados Unidos. A maioria (68%) dos casos destas prisioneiras envolve o tráfico de drogas5.

As prisões brasileiras são um centro de exclusão social, tratando indivíduos desfavoravelmente vulneráveis em muitos espaços. Verificou-se que as unidades de mulheres abrigam mais violações dos direitos sexuais e reprodutivos, com falta de acesso à pessoal de saúde especializado, tais como ginecologistas, como uma das principais violações observadas6. Não existe praticamente qualquer possibilidade de as vítimas procurarem cuidados ou tratamento que seja oferecido fora do sistema de justiça criminal7.

Este estudo visa descrever o perfil epidemiológico das reclusas no Acre, Brasil, para comparar com as tendências observadas nas penitenciárias brasileiras.

 

MÉTODO

Este estudo utilizou um desenho transversal, quantitativo e descritivo para determinar o perfil epidemiológico das reclusas identificadas. O questionário foi realizado entre agosto e dezembro de 2017 com 129 das 305 mulheres reclusas no sistema prisional feminino que concordaram em participar da pesquisa. A amostra e a população alvo foram recrutadas sob autorização do Instituto de Administração Penitenciária (IAPEN/AC) no estado do Acre, Brasil.

Foi utilizado um questionário semiestruturado validado com perguntas fechadas e abertas para a recolha de dados. O questionário foi dividido em cinco seções diferentes: identificação, situação ocupacional, criminal, tabagismo, percepção de saúde e morbidade referida. O investigador que conduziu o estudo foi um funcionário do sistema prisional do Acre e devidamente autorizado pelo Instituto de Administração Penitenciária, que é o órgão governamental que gere o sistema prisional no estado do Acre.

Os critérios de inclusão no estudo exigiam que os participantes fossem maiores de 18 anos, condenados ao sistema fechado e tivessem capacidades de comunicação que permitissem a administração do instrumento de questionário. Para serem excluídos do estudo, as mulheres deviam estar condenadas ao regime semiaberto, regime provisório ou serem monitorados eletronicamente.

As variáveis incluídas na pesquisa foram: epidemiologia, condições sociodemográficas e tipificação do crime. Para a construção do banco de dados foi realizada dupla digitação no programa Microsoft Excel 2016 e, para as análises estatísticas o software Statistical Package for Social Sciente (SPSS) versão 24, os quais foram apresentados através de representação tabular.

Todo o protocolo de investigação foi aprovado pelo Comitê de Ética na Investigação da Universidade de Juazeiro do Norte (FJN) em 31 de outubro de 2016, com o número 1.802.277. O estudo foi também conforme a resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) para salvaguardar o anonimato dos participantes. Os indivíduos eram livres de participar e retirar-se do estudo em qualquer altura sem danos. O consentimento informado foi também obtido através de um formulário assinado por cada participante antes da sua inscrição no estudo.

 

RESULTADOS

A tabela 1 mostra que a maioria das reclusas eram solteiras (n = 86; 66,7%), tinham pele castanha (n = 93; 72,1%) e tinham filhos (n = 102, 79,1%). A maioria delas eram do estado do Acre (n = 117, 90,5%), com uma idade média de 27,69 anos. Entre aqueles que declararam ter um parceiro (n = 40; 31%), metade declarou que o seu parceiro (n = 20; 50%) também se encontrava na prisão. Menos de metade dos participantes não terminou o ensino básico e apenas 15 prisioneiros (11,6%) concluíram o ensino médio. A maioria da amostra não recebeu quaisquer benefícios sociais (n = 101; 78,3%) e dos que tinham um rendimento (n = 28; 21,7), a maioria recebeu transferências monetárias do programa do governo federal chamado "Bolsa Família".

O tráfico de drogas (n= 86; 66,7%) foi considerado como a principal causa de encarceramento feminino. Isto pode provavelmente ser atribuído à localização geográfica do Acre, que partilha fronteiras internacionais com a Bolívia e o Peru. Esta fronteira é constituída por florestas, rios e riachos que tornam muito difícil o controle da atividade de tráfico. O tráfico de drogas é seguido de homicídio (n = 16, 12,4%) como as principais causas de encarceramento.

Pouco mais de metade das reclusas declararam estar na prisão pela primeira vez (n = 75; 58,1%); a taxa de reincidência (n = 54; 41,9%) foi elevada. A maioria dos participantes (n = 97, 75,2%) teve contatos com a sua família. As visitas conjuntas foram raras (n = 15, 11,6%), uma vez que muitos dos reclusos foram abandonados pelos seus parceiros masculinos após o encarceramento. Quanto às atividades de ressocialização, pouco mais de metade (n = 75, 58,1%) trabalhou e a maioria (n = 114, 88,4%) não estudou enquanto esteve na prisão.

A tabela 3 demonstra que mais de metade das detentas não fumava regularmente. No entanto, aproximadamente 80% dos participantes declararam ser fumadores passivos. 41,4% dos fumantes fumaram nos cinco minutos seguintes ao acordar e 89,7% reportaram ter tentado deixar de fumar. Menos de metade da amostra alegou que as fotos de aviso sobre os efeitos do tabagismo na saúde os incentivavam a deixar de fumar.

 

Table 2

 

A tabela 4 mostra que condições como a hipertensão (27,1%), perturbações mentais (17,8%), asma ou bronquite asmática (17,1%) e doenças da coluna vertebral ou das costas (26,4%) eram prevalecentes entre os reclusos. Outras doenças foram também relatadas, embora não tenham sido incluídas no questionário. Queremos enfatizar a prevalência da malária notificada pela amostra (n = 19, 14,7%), dada a localização geográfica do estado do Acre na Amazônia Ocidental, que tem um grande número de rios e igarapés.

 

DISCUSSÃO

As características sociodemográficas das reclusas no Acre indicam uma população jovem, sendo muitas delas mães solteiras. Um estudo realizado na Califórnia encontrou resultados semelhantes aos encontrados neste estudo, com uma amostra similar. No estudo californiano, os autores relataram que 64,5% dos participantes eram jovens, 41,3% eram solteiros, e 94,5% tinham filhos8. Houve, no entanto, níveis de educação diferentes entre os estudos. A amostra californiana tinha 37% dos seus participantes que relatavam ter concluído o ensino secundário, enquanto que a amostra do Acre tinha apenas 11,6% dos participantes que relatavam níveis de educação semelhantes.

Diniz e Paiva relataram de um inquérito realizado em 2012 na Penitenciária Federal do Distrito Federal (PDF) que 51% das mulheres entrevistadas tinham menos de 30 anos de idade, 67% eram negras ou castanhas, e 71% tinham um ensino elementar incompleto ou inferior ao ensino elementar do primeiro grau. 70% eram trabalhadores domésticos ou informais, 80% tinham pelo menos um filho, 52% tinham um parceiro que também foi preso, e 69% foram presos numa base casuística em resultado do tráfico de droga. Este perfil indica alguns determinantes importantes da exclusão social e do acesso a bens e serviços, tais como os serviços de saúde. Relativamente aos crimes cometidos pelas detentas, 66,7% dos crimes foram atribuídos ao tráfico de drogas. Esta foi a percentagem mais elevada, seguida de homicídio (12,4%)9.

Um estudo conduzido por Oliveira et al, no estado da Paraíba, concluiu que os crimes de tráfico de drogas foram cometidos por 28,4% dos participantes, enquanto que o homicídio teve uma taxa de 6,2% e foi a quarta causa principal de encarceramento. Embora o estudo de Oliveira tenha encontrado taxas diferentes para os tipos de crimes, ambos os estudos consideraram o tráfico de drogas como a causa mais prevalecente de encarceramento. Os autores também explicaram as razões para o envolvimento dessas mulheres no crime. A maioria dos participantes nesse estudo alegou ter sido principalmente afetada pelo encarceramento do seu parceiro, o que influenciou a sua escolha de se envolverem em atividades ilícitas como método de apoio às suas famílias. Esses delitos relacionados com drogas foram o que acabaram por levar à sua prisão10.

Algumas prisioneiras receberam assistência financeira, a maior parte da qual provém do Programa Bolsa Família. Os nossos dados são também apoiados pelo estudo Oliveira et al, que observaram a mesma situação financeira entre as reclusas e concluíram que a escolaridade mínima, bem como a falta de emprego contribuíram para o envolvimento dessas reclusas em atividades criminosas10.

Enquanto mais de metade das detentas eram delinquentes primários, havia alguns que eram reincidentes. Este padrão foi também relatado por Melo e Gauer, que notaram um aumento da criminalidade feminina durante as últimas décadas e uma elevada taxa de reincidência no sistema prisional11.

No que diz respeito à ressocialização, os nossos resultados mostram que uma minoria de participantes frequentou a escola enquanto se encontrava na prisão. Contudo, no que diz respeito ao trabalho, mais de metade dos reclusos estiveram envolvidos em algum tipo de trabalho, sendo o artesanato a atividade mais comum. A oferta de oportunidades concretas de reintegração social pode permitir um caminho para ressocialização das detentas, embora deva haver uma reavaliação dos objetivos de recuperação e reeducação da administração do sistema prisional12. No nosso caso, o sistema prisional ofereceu oportunidades de trabalho e/ou educação, mas não obrigou a participação dos reclusos nas mesmas. Esta flexibilidade contribuiu para o reduzido número de indivíduos envolvidos nestas atividades de ressocialização, enquanto outros relataram não poder estudar por falta de documentação pessoal.

Uma grande motivação para a ressocialização é o contato com membros da família, que serve de motivação para o recluso procurar um regresso à sociedade. Durante este estudo houve provas de grande participação familiar nos dias de visita familiar, embora alguns reclusos não tenham recebido visitas familiares devido ao fato de sua família viver a uma longa distância. As visitas conjugais, contudo, foram de baixa frequência, o que confirma o abandono por parte dos parceiros dos reclusos após o encarceramento. Um estudo separado mais relacionado, também encontrou o mesmo padrão nas prisões italianas, onde 85,5% das reclusas não praticavam atividade sexual13.

No nosso estudo, a maioria dos reclusos não fumava e muitos relataram que nunca tinham fumado. Em duas das três prisões femininas onde o estudo foi realizado, o fumo era proibido e obrigava as reclusas a deixar de fumar. Os participantes que ocasionalmente fumavam explicaram que um cigarro os acalmava e relaxava. No entanto, este resultado difere do estudo de Antonetti et al., que mostrou elevadas taxas de consumo de tabaco (87,3%) entre as reclusas nas prisões italianas, com uma média diária de 19 cigarros fumados pelos participantes13.

Spaulding et al, encontraram em um estudo por meta-análise que 60,9% das mulheres paquistanesas na prisão fumavam, e notaram que as mulheres daquela comunidade constituíam apenas 3,7% da população prisional14.

A maioria dos participantes referiu que não considerava a sua saúde como regular, boa ou excelente. Esta tendência foi também observada num estudo separado de 23 presos na Zâmbia, que mostrou que cada participante relatou ansiedade sobre o acesso à cuidados de saúde, enquanto 18 presos (78,3%) relataram ser soropositivos15.

A prestação de serviços de saúde dentro do sistema prisional do Acre garante que enquanto a maior prisão tem uma unidade de saúde dentro do complexo penitenciário do Estado, as mais pequenas têm um técnico de enfermagem que trabalha na unidade prisional controlando a distribuição de medicamentos e prestando o primeiro nível de cuidados. Quando necessário, os reclusos são encaminhados para os serviços públicos de saúde fora do perímetro prisional, devidamente escoltados por agentes prisionais. As campanhas de vacinação e de promoção da saúde são realizadas por gestores de saúde ou pelo Instituto de Administração Penitenciária (IAPEN), que trabalha diariamente para garantir todos os cuidados necessários.

Esta situação pode ser comparada a um estudo conduzido por Van Hout e Mhlanga-Gunda, que estabeleceu que a prestação de cuidados de saúde à mulheres encarceradas na África subsaariana era inadequada e não satisfazia as suas necessidades, sejam elas sexuais ou reprodutivas16. Isto não está de acordo com as exigências dos direitos humanos e as recomendações internacionais, contrastando assim com a situação encontrada no Acre.

No Brasil, a implementação do Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário (PNSSP) em 2003, garantiu os direitos de cidadania da população prisional, especialmente em áreas relacionadas com a saúde. As diretrizes do PNSSP foram: proporcionar cuidados contínuos e de boa qualidade, abrangentes à população prisional; contribuir para o controle e/ou redução de doenças frequentes que afetam a população prisional; e definir e implementar ações e serviços coerentes com os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS). Além disso, as diretrizes pretendem prever o estabelecimento de parcerias através do desenvolvimento de ações intersetoriais; contribuir para a democratização do conhecimento sobre o processo saúde/doença; organizar serviços e a produção social da saúde; promover o reconhecimento da saúde como um direito de cidadania, e estimular o exercício efetivo da participação social17.

A plena implementação dos princípios proclamados pelo PNSSP enfrenta certos impasses, tais como o financiamento, a dificuldade de tornar a segurança compatível com a saúde pública, e a contratação de todos os membros das equipes de saúde no sistema penitenciário. É importante salientar que a implementação de unidades de saúde prisionais deve satisfazer os critérios populacionais de uma unidade de saúde para cada 100 reclusos. Nas prisões onde este critério não tenha sido cumprido, os serviços de saúde devem ser prestados pelo SUS através das redes do Programa Estratégico de Saúde da Família20.

Em situações em que os problemas de saúde não são tratados ou são adiados, as patologias tendem a evoluir, exigindo tratamentos complexos que resultam em custos mais elevados, que poderiam ter sido minimizados se o tratamento fosse oferecido mais cedo18. Por conseguinte, é muito importante avaliar os serviços de saúde não só do ponto de vista dos utilizadores, mas também dos prestadores de cuidados, a fim de integrar os conhecimentos com melhores cuidados à população19.

Canazaro e Argimon, num estudo sobre a frequência e os fatores associados às perturbações mentais nos reclusos, concluíram que a prevalência era significativa devido a experiências relacionadas com a vida anterior dos reclusos e o afastamento dos membros da família. Os seus dados também destacaram as perturbações mentais, o que merece especial atenção20.

Um estudo na Inglaterra mostrou que as mulheres sofriam de problemas mentais e emocionais após terem sido privadas da sua liberdade, embora algumas sofressem de tais problemas antes de serem encarceradas. No entanto, a saúde mental destas mulheres foi gravemente afetada pela detenção. Após intervenções com plantas numa prisão de Iowa, nos Estados Unidos e análise dos resultados, os autores sugerem que as intervenções com elementos da natureza podem complementar as terapias tradicionais de saúde mental. Os resultados das intervenções foram associados ao fato de que as mulheres melhoraram as suas relações enquanto realizavam as atividades propostas para contribuir significativamente para o espaço prisional21.

As prisões podem oferecer programas educativos e de prevenção de doenças, concentrando-se na saúde mental, no abuso de substâncias e na ajuda aos reclusos que estão em desvantagem devido ao acesso limitado aos cuidados de saúde22. O acesso aos cuidados de saúde é um problema, evidenciado pela existência de apenas uma unidade de saúde no sistema prisional do Acre. Muitas vezes, os reclusos devem ser transferidos para uma unidade do SUS, o que requer uma logística e recursos humanos dedicados.

A fim de implementar políticas públicas nas prisões destinadas a prestar cuidados de saúde às pessoas privadas da sua liberdade, é necessário ultrapassar as dificuldades impostas pelo confinamento, o que dificulta o acesso aos serviços de saúde, especialmente às mulheres que exigem cuidados especializados devido às suas condições de vida e ambientes de construção. Muitas mulheres encarceradas recorreram à prostituição, sofreram vários tipos de violência e abusaram de drogas. Como resultado, elas carregam as repercussões físicas e psicológicas de uma vida exposta a múltiplos fatores de risco.

 

CONCLUSÃO

Há dificuldades no acesso aos dados dos reclusos e a falta de estudos revistos por pares sobre a saúde dos reclusos no Brasil sugere que as políticas públicas recomendadas pela Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher devam ser reavaliadas.

Financiamento

Esta pesquisa foi financiada pela Secretaria de Estado de Saúde do Acre (convênio nº 007/2015 - SESACRE / UFAC / FMABC).

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência:
Vitor Djannaro Eliamen da Costa
adm.vitor@outlook.com

Manuscrito recebido: dezembro 2020
Manuscrito aceito: maio 2021
Versão online: janeiro 2022

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