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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282versão On-line ISSN 2175-3598

J. Hum. Growth Dev. vol.32 no.1 Santo André jan./abr. 2022

http://dx.doi.org/10.36311/jhgd.v32.11542 

ARTIGO ORIGINAL

 

Estabelecimento de uma tabela normativa para a classificação do percentual de gordura corporal em adolescentes

 

 

Regiane de Paula SenaI; Isabella Caroline SantosI, II, III; Fabiano Mendes de OliveiraI, II, III; Fábio Ricardo AcencioII, III; Carina Bertoldi FrancoI, II, IV; Braulio Henrique Magnani BrancoI, II, III, IV

IGrupo de Pesquisa em Educação Física, Fisioterapia, Esportes, Nutrição e Desempenho da Universidade Cesumar (GEFFEND/UniCesumar), Maringá, Brasil
IILaboratório Interdisciplinar de Intervenção e Promoção da Saúde (LIIPS/UniCesumar), Maringá, Brasil
IIIPrograma de Pós-Graduação em Promoção da Saúde (PPGPS/UniCesumar), Maringá, Brasil
IVFaculdade de Medicina - Unicesumar, Maringá, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda o uso do índice de massa corporal (IMC) como método custo-efetivo nível 1 para avaliar o estado nutricional na população. O aumento do IMC está associado a um maior risco de outras doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), particularmente a hipertensão arterial sistêmica (HAS), diabetes mellitus tipo 2 (DM2), dislipidemias e alguns tipos de cânceres. A prevalência da obesidade tem aumentado em todo o mundo e essa condição tem afetado dramaticamente crianças e adolescentes. A obesidade em jovens, por sua vez, aumenta as chances de obesidade grave e suas complicações em adultos
OBJETIVO: Este estudo teve como objetivo estabelecer pontos de corte para o percentual de gordura corporal em adolescentes do sexo masculino e feminino de 16 a 18 anos, utilizando a bioimpedância elétrica (InBody 570®
MÉTODO: Tabelas específicas para o sexo masculino e feminino foram propostas, com base nos percentis 3, 5, 10, 15, 25, 50, 75, 85, 95 e 97. Foram incluídos 546 adolescentes
RESULTADOS: Os pontos de corte do percentual de gordura corporal para o grupo masculino foram: P3 = 6,0-7,0%; P5 = 7,1-8,9%; P10 = 9,0-9,8%; P15 = 9,9-11,7%; P25 = 11,8-15,5%; P50 = 15,6-21,9%; P75 = 22,0-27,8%; P85 = 27,9-36,0%; P95 = 36,1-38,0% and P97
38,1%. Para as mulheres, os pontos de corte foram: P3 = 9,5-10,0%; P5 = 10,1-11,0%; P10 = 11,1-11,8%; P15 = 11,9-14,0%; P25 = 14,1-19,0%; P50 = 19,1-27,1%; P75 = 27,2-29,0%; P85 = 29,1-39,9%; P95 = 40,0-51,0% e P97 51,0%
CONCLUSÃO: O estabelecimento de pontos de corte para percentual de gordura corporal pode propiciar parâmetros para a melhoria da avaliação clínica, bem como para o tratamento da obesidade em adolescentes

Palavras-chave: adiposidade, bioimpedância elétrica, composição corporal, índice de massa corporal, saúde do adolescente.


 

 

Síntese dos autores

Por que este estudo foi feito?

Este estudo foi realizado a fim de desenvolver a possibilidade de classificar o percentual de gordura corporal em adolescentes brasileiros do sexo feminino e masculino..

O que os pesquisadores fizeram e encontraram?

Os pesquisadores identificaram pontos de corte específicos para o percentual de gordura corporal utilizando os percentis 3, 5, 10, 15, 25, 50, 75, 85, 95 e 97 em adolescentes brasileiros do sexo masculino e feminino. Além disso, os pesquisadores identificaram correlações moderadas, fortes e muito fortes entre o índice de massa corporal, percentual de gordura corporal, massa gorda, circunferência do pescoço e circunferência da cintura em adolescentes brasileiros do sexo feminino e masculino.

O que essas descobertas significam?

Esses achados podem ajudar médicos, nutricionistas, fisiologistas e outros profissionais de saúde a gerenciar o sobrepeso e a obesidade com parâmetros de composição corporal (por exemplo, percentual de gordura corporal) e não apenas, medidas antropométricas, como o índice de massa corporal.

 

INTRODUÇÃO

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda o uso do índice de massa corporal (IMC) como método custo-efetivo nível 1 para avaliar o estado nutricional na população1. O aumento do IMC está associado a um maior risco de outras doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), particularmente a hipertensão arterial sistêmica (HAS), diabetes mellitus tipo 2 (DM2), dislipidemias e alguns tipos de cânceres2. A prevalência da obesidade tem aumentado em todo o mundo e essa condição tem afetado dramaticamente crianças e adolescentes3,4. A obesidade em jovens, por sua vez, aumenta as chances de obesidade grave e suas complicações em adultos5. Portanto, ações de promoção da saúde para melhorar a qualidade de vida da população e promover a longevidade saudável, são desejáveis e indispensáveis.

Apesar da epidemia da obesidade impactar todo o mundo, segundo o conhecimento dos autores, não há um consenso internacional sobre os pontos de corte para o percentual de gordura corporal (PGC) em adolescentes brasileiros. Além disso, o IMC contém falhas significativas em nível individual, uma vez que o respectivo índice não identifica a composição corporal5. Por exemplo, o IMC não é um bom parâmetro para identificar os efeitos de programas combinados de atividade física e intervenções dietéticas6,7. A aplicação de atividade física, especialmente os exercícios resistidos, promove aumento da massa musculoesquelética (MME) e redução da massa de gordura corporal (MGC), porém sem alterações significativas para o IMC7. A consequente diminuição do PGC pode melhorar os parâmetros de saúde em adolescentes com sobrepeso ou obesidade, independentemente do IMC6,7. Assim, o IMC pode ser considerado um método não específico para avaliar as alterações induzidas por um programa de treinamento de força.

O sucesso de um programa de tratamento da obesidade em adolescentes pode ser medido avaliando a melhora da aptidão cardiorrespiratória, a redução da MG, a redução do escore-z do IMC, a melhoria dos escores de qualidade de vida relacionados à saúde (inferida via questionário de qualidade de vida relacionada à saúde), aumento da massa magra (MM) e redução da circunferência da cintura (CC)4. A OMS8 e a Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica9 sugerem que os percentis e o escore-z do IMC são os principais indicadores do estado nutricional de crianças e adolescentes. Por outro lado, Cole et al.10,11 apresentaram pontos de corte específicos para classificação do estado de saúde, com base no IMC de crianças e adolescentes. Entretanto, nenhuma medida supracitada leva em consideração o PGC, condição que pode classificar incorretamente alguns indivíduos.

Assim, um estudo que incluísse percentis para o PGC em adolescentes de ambos os sexos poderia auxiliar os profissionais de saúde envolvidos na avaliação nutricional de adolescentes. Uma vez que a maioria dos métodos utilizados na prática profissional são métodos duplamente indiretos, como por exemplo, a espessura de dobras cutâneas, análise da composição corporal via bioimpedância elétrica (BIA), e outros; por isso, a construção de uma tabela normativa com dados da BIA com alta reprodutibilidade, poderia melhorar a avaliação nutricional de adolescentes, na prática clínica2. Portanto, o presente estudo teve como objetivo desenvolver uma tabela normativa para a classificação do PGC em adolescentes.

 

MÉTODO

Participantes

Este estudo apresenta um delineamento transversal e observacional. Foram incluídos 546 adolescentes de 16 anos até 18 anos e 11 meses (16 anos, n= 75; 17 anos, n= 75; 18 anos, n= 148, totalizando 298 adolescentes do sexo feminino) e (16 anos, n= 62; 17 anos, n= 61; 18 anos, n= 123, totalizando 246 adolescentes do sexo masculino). Como critério de inclusão foram aceitos: (1) adolescentes entre 16-18 anos de idade; (2) residentes na região metropolitana de Maringa e (3) estudantes de escolas municipais ou estaduais, da cidade de Maringa. Como critérios de exclusão não foram elegíveis: (1) atletas adolescentes; (2) adolescentes do sexo feminino menstruadas; (3) adolescentes grávidas; (4) adolescentes matriculados em escolas privadas; (5) adolescentes que viviam fora da região metropolitana de Maringa; e (6) usuários de cadeira de rodas, pessoas com quadriplegia, pacientes com doenças musculoesqueléticas e doenças degenerativas, não foram aceitos neste estudo. Quanto ao estado nutricional, a amostra feminina apresentou: 65% dentro do padrão normal para o IMC, 23% com sobrepeso e 7%, com obesidade. Dos adolescentes do sexo masculino, 68% estavam dentro do padrão de normalidade do IMC, 24% tinham sobrepeso e 8% foram considerados obesos. A pesquisa seguiu todas as recomendações propostas na Resolução 466/2012 do Ministério da Saúde e da Declaração de Helsinque. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi assinado por todos os pais e os adolescentes assinaram o Termo de Assentimento (TA). Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa local sob o número 2.505.200/2018, aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade UniCesumar.

Coleta de dados

A coleta de dados ocorreu entre março/2019 até setembro/2019 e foi realizada em três escolas públicas de Maringá/PR. Em primeiro lugar, a direção da escola foi contatada. Após o contato, os pais ou responsáveis e os adolescentes foram informados sobre os objetivos do presente estudo. A avaliação médica foi realizada através de uma entrevista com histórico pessoal e familiar, doenças pré-existentes, nível de atividade física e condições gerais de saúde. Posteriormente, os adolescentes receberam uma pasta com informações sobre o desenvolvimento puberal e o protocolo da BIA. Vinte e quatro horas depois, os adolescentes realizaram as análises antropométricas e de composição corporal.

Antropometria

A estatura foi medida por meio do estadiômetro de parede (Padrão ES2030, São Paulo, Brasil), com campo de medição de 2,20 metros. Para tanto, cada avaliado permaneceu com os calcanhares juntos para a medição, com a coluna alinhada, e os calcanhares, nádegas, ombros e cabeça encostados na parede e alinhados ao plano de Frankfurt12. O peso corporal foi medido por meio da BIA de oito pontos táteis (modelo 570, In Body, Seul, Coreia). Cada adolescente foi orientado a permanecer descalço, distribuindo o peso corporal igualmente em ambos os pés e vestindo roupas leves para pesagem, como shorts e camiseta. O IMC foi calculado dividindo o peso corporal em quilogramas pela estatura em metros quadrados, de acordo com a OMS1. A circunferência do pescoço (CP) e a CC foram medidas seguindo as indicações de Heyward13. Foram utilizados PGC, MG e IMC dos resultados da BIA. Todos os adolescentes e responsáveis foram informados sobre os procedimentos necessários para a avaliação da composição corporal pela BIA: (a) jejum de 4 horas, sem consumir qualquer alimento sólido ou líquido; (b) evacuação antes da avaliação; (c) não praticar atividade física moderada ou vigorosa 24 horas antes da medição; (d) não tomar diuréticos sete dias antes da medição; (e) não ingerir cafeína 24 horas antes da medição; (f) não ter um marcapasso instalado; (g) adolescentes do sexo feminino menstruadas foram convidadas a avaliar após o período menstrual e (h) adolescentes grávidas foram excluídas do presente estudo2.

Escala de Tanner

A Escala de Tanner foi aplicada para identificar a puberdade de adolescentes do sexo masculino e feminino. Essa escala é dividida em cinco classificações, seguindo o desenvolvimento pubertal14. Os adolescentes receberam uma pasta com fotos do desenvolvimento puberal e, nos dias seguintes, eles informaram os pesquisadores sobre seus respectivos estágios puberais.

Análises estatísticas

Após a tabulação dos dados, foram calculados os percentis: P3, P5, P10, P15, P25, P50, P75, P85, P95 e P97. Os pontos de corte adaptados da OMS12 foram utilizados para classificar percentis em adolescentes, utilizando uma proposta prévia adaptada para a classificação do PGC elaborada por Branco et al.2. Os participantes foram incluídos nas análises estatísticas e separados por idade e sexo, segundo Cintra et al.15. Além disso, a normalidade dos dados foi testada utilizando-se o teste de Kolmogorov-Smirnov. Após a confirmação da normalidade, o IMC, MGC, PGC, CP e CC foram correlacionados utilizando-se a correlação de Pearson, assumindo um p 0,05. As correlações foram classificadas: 0,00-0,10 [correlação insignificante]; >0,10 a 0,39 [correlação fraca]; 0,40 a 0,69 [correlação moderada]; 0,70 a 0,89 [correlação forte] e 0,90 a 1,00 [correlação muito forte]; em conformidade com Schober et al.16. Todas as análises foram realizadas utilizando o programa Statistica 12.0 (TIBCO, Palo Alto, CA, EUA).

 

RESULTADOS

75% das adolescentes do sexo feminino foram classificadas no quinto estágio e 25% estavam no quarto estágio de desenvolvimento puberal. 68% dos adolescentes do sexo masculino foram classificados no quinto estágio e 32% estavam no quarto estágio de desenvolvimento puberal. A Tabela 1 apresenta os pontos de corte para o PGC em adolescentes do sexo feminino de 16 a 18 anos (n= 298) na BIA.

A Tabela 2 apresenta os pontos de corte para PGC em adolescentes do sexo masculino de 16 a 18 anos (n= 246) na BIA.

A Tabela 3 apresenta a matriz de correlação entre IMC, massa gorda em kg, PGC, CP e CC em adolescentes do sexo feminino (n = 298) de 16 a 18 anos.

A Tabela 4 apresenta a matriz de correlação entre IMC, massa de gordura corporal, PMG, CP e CC em adolescentes do sexo masculino (n = 246) de 16 a 18 anos.

 

DISCUSSÃO

Dada a necessidade de determinar pontos de corte para a classificação da PGC em adolescentes do sexo masculino e feminino entre 16 e 18 anos, a BIA foi utilizada utilizando uma proposição de 10 pontos de corte, com base em percentis já utilizados em estudos anteriores com adolescentes15 e adultos2. De acordo com o conhecimento dos autores, a aplicabilidade do estabelecimento de pontos de corte via BIA é altamente relevante, uma vez que a literatura ainda é incipiente quanto à aplicação de pontos de corte para a classificação do PGC em adolescentes do sexo masculino e feminino, nas faixas etárias em questão2. O ponto de corte do percentil 3, representa valores baixos e por outro lado, o ponto de corte do percentil 97, indicam valores muito altos para o PGC. Ressalta-se ainda que a proposta de classificação do PGC é recomendada para adolescentes sedentários e fisicamente ativos. Na amostra utilizada, não foram incluídos adolescentes atletas.

O IMC tem sido utilizado mundialmente para classificar o estado nutricional, assim como para identificar possíveis riscos à saúde de adolescentes14, uma vez que a obesidade está associada a um maior risco de DM2, dislipidemias e HAS17. No entanto, Nuttal5 conclui que o IMC é um baixo indicador para quantificar o PGC, uma vez que o IMC não distingue a composição corporal em diferentes regiões do corpo. Portanto, em uma análise individual, o PGC tem sido defendido para reduzir o diagnóstico de falsos positivos e negativos, uma vez que o IMC pode superestimar ou subestimar o PGC, em alguns casos. Para minimizar eventuais erros de diagnóstico, recomenda-se a utilização de diferentes índices antropométricos, com o intuito de verificar a obesidade geral e central de adolescentes, uma vez que as correlações observadas apresentaram forte correlação entre PGC e IMC, MGC, CP e CC, em adolescentes do sexo feminino e masculino. Esta condição sugere que diversas variáveis antropométricas estão correlacionadas com o excesso de adiposidade.

Por outro lado, Pelegrini et al.18 apontam que o IMC, a razão cintura-estatura (RCE) e a CC podem ser bons indicadores antropométricos para quantificar a obesidade em adolescentes. No entanto, os mesmos autores argumentam que a avaliação da composição corporal por meio de dobras cutâneas é mais precisa do que a utilização das circunferências para o diagnóstico da adiposidade. Deve-se lembrar que a limitação significativa das dobras cutâneas é que esse método depende do treinamento do avaliador para fornecer parâmetros precisos19. Em geral, a BIA parece ser uma ferramenta relevante, uma vez que a padronização necessária para avaliar com precisão a composição corporal requer apenas a realização do protocolo de preparo do avaliado2,13.

O IMC não pode identificar alterações significativas na composição corporal causadas por intervenções nutricionais e de exercício físico. Essa questão é particularmente evidente com programas de exercícios de treinamento de força que aumentam a MME e reduzem a MGC, em adolescentes6,7. Consequentemente, nem o peso corporal nem o IMC podem apresentar redução significativa apesar de haver hipoteticamente um aumento da MME e uma diminuição da MGC e como consequência, uma diminuição considerável do PGC6,7. Assim, o PGC é um método mais preciso para determinar as alterações na composição corporal do que o IMC. A maioria dos estudos que mediram o PGC em adolescentes brasileiros utilizou diferentes métodos para avaliar a composição corporal. Em vista disso, em conformidade com o conhecimento dos autores, nosso estudo foi o primeiro a propor pontos de corte via PGC, nesta população, utilizando a BIA. Em comparação com outros estudos brasileiros utilizando dobras cutâneas20 e com a absortometria de raio-x de dupla energia (DXA)21, os adolescentes do presente estudo apresentam PGC semelhante ao percentil 5020, mas muito maior que os percentis 87 e 97. Essa condição pode ser explicada pelas diferentes metodologias e populações incluídas.

O estudo de Escobar-Cardoso et al.22 objetivou estabelecer pontos de corte para PBF em adolescentes colombianos medidos via BIA (modelo BF-689, Tanita, Tóquio, Japão). Os autores citados determinaram o percentil 90, equivalente a 23,4-28,3% de PGC, como o limiar de risco cardiovascular para crianças e adolescentes do sexo masculino. O valor de corte para alto risco cardiovascular oscilou entre 31,0 a 34,1% para crianças e adolescentes, do sexo feminino. Em nosso estudo, os valores absolutos do percentil 90 dos adolescentes foram maiores do que aqueles observados no percentil 85. Essas divergências podem referir-se ao equipamento utilizado e às características específicas da amostra. Corroborando os pontos acima indicados, a literatura aponta que os vários tipos de equipamentos BIA podem diferir entre si, fator que pode estar relacionado às frequências do equipamento (monofrequencial e multifrequencial, com alguns dispositivos, fazendo apenas uma leitura extracelular, enquanto outros fazem ambas); as leituras (extra e intracelular) e o número de pólos: bipolar ou tetrapolar, com 2 a 8 pontos táteis23-25.

Ressalta-se também que os pontos de corte propostos no estudo de Branco et al.2 para a classificação do PGC, com adultos jovens brasileiros, sugeriram que o percentil 50 é equivalente à faixa de sobrepeso à obesidade de classe I. Essa questão reflete as últimas estimativas populacionais do governo brasileiro, que mostram que mais de 50% da população adulta brasileira apresenta sobrepeso ou obesidade26. Em concordância com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística27, valores superiores ao percentil 85 e inferiores ao percentil 97 são classificados como excesso de peso. Em contraste, valores acima do percentil 97 são categorizados como obesos para crianças e adolescentes. Portanto, devido à amostra que analisou adolescentes dentro dos padrões normais de IMC - mesmo aqueles classificados como com sobrepeso ou obesidade dentro dos percentis estabelecidos pela OMS18 - identifica-se que os estados com sobrepeso e obesidade aumentaram sua prevalência na população brasileira29.

Por fim, consideramos os seguintes pontos fortes em nossa pesquisa: (1) a possibilidade de classificar adolescentes do sexo feminino e masculino por meio do PGC e, não apenas, pela classificação do IMC; (2) a possibilidade de analisar o comportamento do PGC durante intervenções nutricionais e de exercícios resistidos. Entretanto, nosso estudo apresenta algumas limitações: (1) nossa amostra não representa toda a população brasileira, etnicamente mista, que varia em diferentes regiões; (2) incluímos apenas uma faixa etária estreita; e (3) não temos outros parâmetros de saúde para identificar o PGC associada a maiores riscos metabólicos, embora tais pontos sejam muito debatidos na literatura científica2,6,7. Devido à relevância da obesidade em idades jovens no Brasil, sugerimos a realização de um estudo multicêntrico com metodologia semelhante para estabelecer pontos de corte para o PGC. O risco de complicações relacionadas ao excesso de PGC é aumentado. A definição desse limiar de PGC melhoraria significativamente a assistência à saúde de crianças e adolescentes e poderia prevenir DCNT´s a longo prazo.

 

CONCLUSÃO

Com base nas respostas do presente estudo, os pontos de corte do PGC diferem entre adolescentes do sexo feminino e masculino. Médicos, nutricionistas, fisiologistas e outros profissionais de saúde precisam considerar as diferenças fisiológicas. O estabelecimento de pontos de corte para percentual de gordura corporal podem melhorar a avaliação clínica e o manejo dos adolescentes com sobrepeso e obesidade.

 

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Endereço para correspondência:
Isabella Caroline Santos
isabellacaroline_@hotmail.com

Manuscrito recebido: maio 2021
Manuscrito aceito: dezembro 2021
Versão online: janeiro 2022

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