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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282versão On-line ISSN 2175-3598

J. Hum. Growth Dev. vol.32 no.1 Santo André jan./abr. 2022

http://dx.doi.org/10.36311/jhgd.v32.11041 

ARTIGO ORIGINAL

 

A falta capacidade discriminatória em tarefas motoras do Movement Assessment Battery for Children - 2: O que a Teoria de Resposta ao Item revela?

 

 

Patrik Felipe NazarioI; Luciana FerreiraI; Nayara Malheiros CaruzzoI; Viviane Aparecida Pereira dos SantosII; José Luiz Lopes VieiraIII

IUniversidade Estadual de Maringá, Maringá, PR 87020-900, Brazil
IIFundação Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Mandaguari, Mandaguari, PR 86975-000, Brazil
IIIUniversidad Católica del Maule. Avenida San Miguel n 3605. Talca - Chile

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: a American Psychiatric Association revela que 6% das crianças em idade escolar apresentavam desordem coordenativa desenvolvimental
OBJETIVO: analisar a adequabilidade das tarefas propostas no instrumento de avaliação motora MABC-2 a partir da análise da teoria de resposta ao item
MÉTODO: participaram do estudo 582 crianças de 3 a 5 anos de idade, de ambos os sexos. A adequabilidade das tarefas motoras às crianças foi verificada por meio do modelo de resposta gradual, com método de estimação de máxima verossimilhança
RESULTADOS: os resultados evidenciaram a existência de apenas dois fatores, sendo que as tarefas relativas ao "Equilíbrio" e "Lançar e "Receber", das dimensões propostas no modelo original foi agrupado em uma dimensão. Além disso, a tarefa motora "Caminho da bicicleta" não apresentou bom ajuste ao modelo, sendo eliminada das análises. Com isto, o modelo final apresentou bons índices de ajuste, e os parâmetros relacionados à tarefa indicaram a falta de equivalência de dificuldade e capacidade discriminatória entre as tarefas motoras do instrumento
CONCLUSÃO: os achados indicam que existe a necessidade de rever a adequabilidade das tarefas motoras do MABC-2 no sentido de equiparar a dificuldade e a capacidade discriminatória das tarefas a fim de criar uma padronização mais adequada a realidade de crianças de diferentes populações

Palavras-chave: desempenho motor, avaliação motora, psicometria.


 

 

Síntese dos autores

Por que este estudo foi feito?

A Avaliação e classificação do desempenho motor da criança brasileira, tem sido realizada com base em escores padronizados oriundos de contextos sociais de outros países, tal fato, pode gerar um contrassenso literário, por correr o risco de julgar de maneira inadequada o desempenho motor das crianças e, por consequência, evidenciar possível atraso de desenvolvimento motor. Caso o paradigma maturacionista ainda fosse a referência para estudos dessa temática, talvez não houvesse necessidade de adequações contextuais. Porém, visto a fundamentação teórica vigente, a qual parte predominantemente de paradigmas contextualistas, se faz necessário estudos que adequem os modelos teóricos às demandas de cada contexto..

O que os pesquisadores fizeram e encontraram?

O objetivo do estudo foi investigar a adequabilidade do conjunto de tarefas motoras inclusas no instrumento de avaliação motora MABC-2 (Movement Assessment Battery for Children 2) a crianças brasileiras, determinando o grau de dificuldade e capacidade de discriminação de cada tarefa utilizando a teoria de resposta ao item como ferramenta estatística. Os achados sugerem que o ajustamento do instrumento MABC-2 ou a revisão da normatização dos itens, se faz necessário para melhorar a validade de construto do instrumento de avaliação motora, especificamente, sugere-se a retirada da tarefa motora "caminho da bicicleta" devido a fatores culturais e/ou falta de estímulo específico a esta tarefa.

O que essas descobertas significam?

1) a necessidade melhorar a validade construto do instrumento de avaliação motora MABC-2 para as crianças brasileiras; 2) a retirada da tarefa motora "caminho da bicicleta" do conjunto das tarefas motoras do teste e; 3) o ajuste da padronização dos escores para cada criança quando avaliada individualmente, ou para a amostra utilizada no caso de pesquisas. Estas descobertas possibilitam melhor classificar as crianças evitando os possíveis diagnósticos de falsos positivos de Desordem Coordenativa Desenvolvimental (DCD).

 

INTRODUÇÃO

Atualmente no Brasil, 92,4% das crianças entre 3 e 5 anos frequentam algum centro de educação infantil1. A American Psychiatric Association (APA)2 revela que 6% das crianças em idade escolar apresentavam desordem coordenativa desenvolvimental (DCD), e outros 15% estão em risco de desenvolver tal desordem. Assim, existe no Brasil mais de 1 milhão de crianças vulneráveis a alguma desordem durante seu desenvolvimento motor. Neste sentido, diagnosticar a DCD é uma tarefa primordial de professores nos anos escolares iniciais. Contudo, é preciso ter um método de diagnóstico válido, confiável e fidedigno para minimizar os erros na avaliação.

Por não ser um fenômeno passível de mensuração direta, a DCD é diagnosticada, dentre algumas maneiras, por meio do desempenho motor das crianças. Para tanto, é necessário uma bateria de testes que seja adequada à realidade destas crianças. Alguns autores3-5 sugerem que o instrumento Movement Assessment Battery for Children - Second Edition (MABC-2) é uma medida abrangente de habilidades motoras e seria o mais adequado para identificar crianças com DCD. Seguindo nesta linha, estudos no Brasil6-8 e na realidade internacional9-13 utilizaram o MABC-2 com a finalidade de identificar crianças com DCD.

Considerando as experiências motoras e diferenças culturais existentes entre crianças de diferentes partes do mundo, é prudente levar em conta estes aspectos antes de utilizar um instrumento criado e padronizado para uma população específica. Brown e Lalor14, após revisarem o MABC-2, argumentaram a existência de questões a serem tratadas com relação à cultura, tradução do instrumento, e a avaliação do instrumento por faixa etária, ao invés do instrumento como um todo. Nesta perspectiva, estudos na Europa13,15,16 e Ásia17, elucidaram problemas de adequabilidade das tarefas motoras para as crianças avaliadas, salientando a importância da adequação do instrumento de avaliação para cada contexto.

No Brasil, o MABC-2 passou por uma avaliação em um estudo18, apresentando bons índices de confiabilidade e discriminação para identificar crianças de 3 a 13 anos com DCD. Contudo, conforme salientado no estudo supracitado, se faz necessário investigar outros contextos no Brasil, visto a ampla diversidade cultural do país. A partir da perspectiva traçada, o presente estudo tem por objetivo analisar a adequabilidade das tarefas motoras do MABC-2, para crianças de 3 a 5 anos de idade, a partir da proposta de analise estatística Teoria de Resposta ao Item. Desta maneira, espera-se evidenciar o grau de dificuldade e capacidade discriminatória das tarefas motoras que compõem o instrumento de avaliação MABC-2.

 

MÉTODO

População e Amostra

A população do estudo foi representada por 6.278 crianças de 3 a 5 anos de idade, matriculadas e frequentando os Centros Municipais de Educação Infantil (CMEI). A fim de garantir a amostragem um erro amostral de 5% com intervalo de confiança de 95%, a amostra deveria ter 362 crianças. Contudo, 582 crianças com idade entre 36 e 71 meses (média = 50,0, dp = 9,3) foram selecionadas de maneira randômica, probabilística e não-intencional conforme apresentado na Tabela 1.

 

 

Instrumento

A Bateria de Avaliação do Movimento da Criança - Segunda Edição (MABC-2), proposta por Henderson, Sugden e Barnett19 foi utilizada para verificar o desempenho motor das crianças. As tarefas motoras são agrupadas nas seguintes categorias: (1) "Destreza Manual", na qual estão as atividades de colocar moedas no cofre, laçar cubos e caminho da bicicleta; (2) "Lançar e Receber", envolvendo atividades de agarrar um saco de feijão e lançar o saco de feijão em um alvo; (3) "Equilíbrio", com atividades de equilíbrio sobre uma perna, caminhar com os calcanhares elevados e saltar sobre tapetes. Para esse estudo, foi utilizado a Banda 1 do instrumento. Os dados brutos são mensurados em escala temporal ou número de erros/acertos.

Procedimento

A coleta de dados foi aprovada no Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo Seres Humanos da Universidade Estadual de Maringá (Protocolo 35712011). Após os preceitos éticos e o sorteio das escolas de cada região, foram agendadas as datas de coleta de dados nos CMEI selecionados. As crianças eram deslocadas da sala de aula ao local de avaliação e cada criança foi avaliada individualmente, por aproximadamente 20 minutos.

Para a coleta dos dados, as pesquisadoras foram treinadas duas vezes por semana durante trinta dias nos domínios do conjunto de tarefas motoras do MABC-2. A confiabilidade Intra e Inter avaliadores foi verificada para cada tarefa motora pelo Coeficiente de Correlação Intraclasse (CCI) com intervalo de confiança de 95%, sendo que os resultados evidenciaram correlações muito fortes (CCI: 0,910,99; P<0,001) e fortes (0,750,90; P<0,001) Intra ou Inter avaliadores.

Análise dos Dados

Para alinhar a classificação do desempenho motor em cada tarefa motora na lógica de que quanto maior o número bruto, menor o desempenho motor da criança, as tarefas motoras avaliadas por meio do número de acerto/erro foram tabuladas de acordo com o número de erros. Após este procedimento, os dados brutos foram transformados inicialmente em escores z, padronizando a métrica das tarefas motoras. Para transformar estes escores z em uma escala mais conveniente para análise, foi aplicada a fórmula abaixo para converter os dados em escores padrões com média 10 e desvio padrão de 3.

Novo Escore Padrão = (Escore Z)*(Novo DP) + Nova Média.

Esta manipulação segue os mesmos procedimentos realizados na padronização original do instrumento, no qual os escores variam de 1 a 19. A partir da padronização dos escores, uma escala politômica com 3 pontos foi criada, adotando os seguintes valores: a) "0" para escores de 1 a 6; b) "1" para escores de 7 a 12; c) "2" para escores de 13 a 19, sendo estes valores classificados arbitrariamente em "abaixo da média", "na média" e "acima da média", respectivamente.

Para identificação dos casos extremos multivariados, foi utilizada a distância de Mahalanobis, sendo excluídos os valores superiores ao nível de significância adotada, considerando os graus de liberdade do modelo (gl = 9). A confiabilidade do MABC-2 foi verificada por meio do coeficiente de alfa de Cronbach e confiabilidade compósita.

Teoria de Resposta ao Item (TRI)

O paradigma da TRI foi utilizado no intuito de analisar os itens (tarefas motoras) que compõem o instrumento de avaliação motora MABC-2. Cada dimensão do instrumento foi investigada separadamente, a fim de cumprir com o pressuposto da unidimensionalidade. Os modelos de TRI partem da suposição de que a probabilidade de um item (tarefa motora) está no mesmo nível do construto latente (por exemplo, destreza manual) pode ser modelada por meio de uma função matemática.

Os parâmetros do item incluem o desempenho motor apresentado pela criança e o parâmetro de discriminação, o qual determina quão bem o item captura o construto latente. Considerando o sistema de resposta adotado para o presente estudo (politômico), foi realizada uma análise usando o Modelo de Resposta Gradual20, com estimação utilizado no método de estimação de máxima verossimilhança. O parâmetro de dificuldade do item varia de -4 a 4 (escala padronizada), na métrica da dimensão latente, theta (Θ), representado no eixo x. O valor 0 (zero) indica a média do fenômeno representado na dimensão latente (ex.: habilidade de destreza manual).

Valores positivos indicam melhores desempenhos motores e, valores negativos, representam menor habilidade motora da criança. A qualidade do modelo foi verificada por meio dos índices de infit e outfit. Valores maiores de 1,3 indicam desajuste do modelo à amostra21.

A padronização criada para o presente estudo se adequa a uma escala do tipo likert de 3 pontos: 0 = abaixo da média; 1 = na média; e 2 = acima da média. Neste sentido, foi utilizado o modelo logístico de 2 Parâmetros (2PL), obtendo 2 parâmetros de dificuldade (b) e 1 parâmetro de inclinação (a), para cada item. Para condução das análises, foi utilizado o programa R Studio.

 

RESULTADOS

Após a verificação de outliers por meio da distância de mahalanobis, foram consideradas para as análises 516 crianças. A análise de confiabilidade interna (alfa de cronbach) e confiabilidade compósita apresentaram valores de 0,44 e 0,60, respectivamente. É importante salientar que se a tarefa motora "Caminho da Bicicleta" for retirada da análise, aumentaria o valor do alfa de Cronbach para 0,62; embora, os valores continuem abaixo de 0,7, valor este recomendado na literatura22.

 

Tabela 2

 

A Tabela 3 apresenta os resultados da estimação dos parâmetros (dificuldade e discriminação) para cada item do MABC-2. É importante salientar que as tarefas motoras do MABC-2 foram agrupadas em duas dimensões, conforme indícios levantados no estudo anterior23.

Os parâmetros b1 e b2 indicam o ponto a partir do qual existe uma maior probabilidade da criança ser classificada na categoria "na média" e "acima da média", respectivamente. A partir desta premissa, é possível perceber (Tabela 3) que uma criança com nível de desempenho motor de 1,82 tem uma chance de 50% de estar na classificação "acima da média" na tarefa colocar moedas com a mão dominante (it1a). De maneira similar, uma criança com o nível de habilidade motora na mesma tarefa supracitada de 0,56 tem 50% de chance de estar classificada "abaixo da média" ou "na média". Estes valores indicam os limiares entre as categorias de classificação. A tarefa motora com o maior grau de dificuldade é "Laçar Cubos" (it2), a qual exige maiores níveis de desempenho motor da criança do que qualquer outra tarefa, para uma probabilidade de 50% de ser classificada na categoria "acima da média". Em contrapartida, "Saltar sobre Tapetes" (it8) é a tarefa motora com menor grau de dificuldade, visto que mesmo crianças com habilidade de θ = -1,55 tem 50% de probabilidade de ser classificado "acima da média".

A Tabela 3 indica que os itens it1b e it1a possuem, respectivamente, os maiores poderes de discriminação (3,82 e 3,69) da habilidade motora destreza manual. Por outro lado, o it3 tem a menor capacidade de discriminar (-0,08) diferentes níveis de habilidade manual. A Figura 1 apresenta as Curvas Características dos Itens (CCI) e a Curva de Informação do Item (CII) do MABC-2. Ainda, os índices de ajustamento do modelo de Infit (m = 0,85 dp = 0,35) e outfit (m = 0,85 dp = 0,27), indicam um bom ajuste à amostra21.

A Figura 2 apresenta a distribuição item-mapa das tarefas motoras relacionadas a dimensão destreza manual e a dimensão lançar, receber e equilíbrio. Estes mapas informam como as crianças com diferentes níveis de habilidade motora se enquadram em cada tarefa motora do instrumento MABC-2.

 

DISCUSSÃO

A discriminação dos itens (a) variou de 3,82 a -0,08, na tarefa "Colocando Moedas - Mão não Dominante" e "Caminho da Bicicleta", respectivamente. Isto demonstra que esta última tarefa motora tem menor poder de discriminação do que o recomendado na literatura24, o que indica uma baixa qualidade de informação do item, possível de perceber na Figura 1. Esta evidencia corrobora com alguns estudos13,16,25,26 nos quais os autores salientaram que a tarefa motora "Caminho da Bicicleta" não se ajusta no modelo teórico testado nas amostras dos estudos, tanto nas análises fatoriais exploratórias quanto confirmatórias.

As tarefas motoras mais desafiadoras para as crianças foram Lançar Cubos (it2), Lançar o saco de feijão (it5) e Colocar Moedas (it1). Além disto, com base na Figura 2, é possível sintetizar algumas considerações acerca do nível de desempenho motor das crianças. Crianças com desempenho motor médio (θ = 0) tem maiores probabilidades de serem classificadas "na média" e "abaixo da média" nas tarefas motoras de Destreza Manual. Salienta-se que a tarefa motora Caminho da Bicicleta (it3) se demonstrou problemática e não adequada à amostra.

Na dimensão Lançar, Receber e Equilíbrio, crianças que conseguiram se enquadrar na classificação "acima da média" na tarefa Equilíbrio sobre a perna não dominante (it6b), podem ser classificadas na mesma categoria em todas as outras tarefas motoras, devido o alto grau de dificuldade requerido nesta tarefa. Em outras palavras, esta tarefa motora supracitada exige elevado desempenho motor. Em contrapartida, as tarefas motoras Saltar sobre tapetes (it8) e Receber o Saco de Feijão (it4) requerem níveis de desempenho motor abaixo da média para que as crianças sejam classificadas na categoria "acima da média", sendo tarefas com baixa capacidade de discriminação entre crianças de diferentes níveis de desempenho motor. Além disso, crianças com nível de desempenho motor θ = 0 tem 100% de probabilidade de serem classificadas "acima da média" nas tarefas motoras Receber o saco de feijão (it4) e Saltar sobre tapetes (it8).

Ressalta-se que as Curvas Características dos Itens (Figura 1) estão deslocadas à direita da referência média θ = 0, indicando grau de dificuldade maior do que o esperado para as crianças da amostra do presente estudo. Isto demonstra a importância de considerar os fatores culturais adjacentes ao processo de desenvolvimento motor das crianças. Uma possível explicação para o baixo desempenho motor das crianças de 3 anos de idade, segundo a APA2, pode ser encontrada nos fatores ambientais, como a falta de oportunidade para aprender e usar as habilidades motoras, por exemplo, no estudo de Chow et al.27 os autores especularam que a experiência com o uso de "pauzinhos (hashis)" com a mão dominante desde a primeira infância pode facilitar o desempenho da destreza manual de outros tipos, tarefa comum para crianças japonesas, em outro exemplo, Hirata et al.17 relatam que a experiência com o uso de meios de transporte público, podem estimular as habilidades de equilíbrio dinâmico, como pular de vários veículos como ônibus e trem, atividades estas que são necessárias para crianças pequenas naquela cultura.

Durante as coletas de dados e consequentes análises dos dados, foi possível perceber o baixo desempenho motor das crianças em atividades de destreza manual, principalmente na tarefa motora Caminho da bicicleta (it3). Bakke, Sarinho e Cattuzzo28 em seu estudo ao analisar a multidimensionalidade do MABC-2 para crianças de 7 a 10 anos apontaram problemas nas correlações das variáveis, exigindo a exclusão de três subtestes, entre eles o caminho da bicicleta para um modelo mais ajustado. Com resultados semelhantes Hua et al.25 concluíram que a exclusão de dois itens: "Caminho da bicicleta" e "Caminhar na ponta dos pés" resultou na maior consistência interna (os valores alfa aumentaram de 0,502 para 0,549 se os dois itens fossem excluídos). Também no estudo de Ellinoudis et al.29 foi demostrado que os valores de confiabilidade teste-reteste foram altos para todos os itens de teste, exceto para um achado moderado para a atividade do "caminho da bicicleta".

Psotta e Abdollahipour16 sugerem que a velocidade do desenho direcionado ao objetivo, em vez do que o número de erros, pode ser uma medida mais sensível da coordenação motora-visual fina. Uma vez que a velocidade de desenho e escrita é essencial para a educação continuada de uma criança, apesar do aumento moderno de outros métodos de comunicação escrita usando tecnologia da informação30.

Outra questão interessante revelada nos resultados foi a divergência entre as tarefas de "Receber o saco de feijão" (it4) e "Lançar o saco de Feijão" (it5). Ficou evidenciada maior facilidade para a criança receber o objeto do que lançar e acertar o objeto no alvo. A hipótese levantada para explicar a diferença de dificuldade entre as tarefas é de que a criança frequentemente brinca de lançar e receber objetos com adultos, os quais se adaptam às trajetórias do objeto para facilitar a continuidade da brincadeira. Este fato foi percebido também durante o processo de coleta de dados, e confirmado empiricamente por professores. Para Ellinoudis et al.29 o valor moderado, mas significativo para o domínio "Lançar e Receber" encontrado em seu estudo pode denotar um problema herdado do teste para lidar com o domínio específico.

Por fim, itens com maior capacidade de discriminação fornecem maiores informações sobre o nível de desempenho motor da criança do que aqueles itens com menor poder de discriminação. Neste sentido, a baixa capacidade discriminativa de alguns itens presentes no MABC-2, para a amostra do presente estudo, torna difícil assegurar a correta classificação do nível de desempenho motor geral da criança. Entretanto, é possível predizer a probabilidade que a criança tem de ser classificada em determinada categoria com base no escore padronizado alcançado em cada tarefa motora, sendo este o avanço do presente estudo na literatura. Estes resultados apoiam o uso do teste para examinar a eficácia dos programas de intervenção motora e mas sugerem que os profissionais sejam cuidados na avaliação final da criança.

As curvas de informação dos itens (Figura 1) indicam os itens que mais contribuem, dentro de cada dimensão, para melhor discriminar crianças de diferentes níveis de habilidade motora. A maioria dos itens tem baixa capacidade de discriminar as crianças do presente estudo, o que indica a necessidade de rever o grau de dificuldade destes itens ou até mesmo a padronização dos escores brutos. Além disto, uma padronização dos escores brutos mediada por uma ponderação com base no grau de dificuldade de cada item poderia melhorar o ajustamento do modelo para a amostra, sendo esta uma das limitações do estudo.

Outras limitações do estudo merecem destaque. Embora a amostra seja representativa para as idades em questão na cidade de coleta de dados, não foram considerados os fatores socioeconômicos na estratificação da amostra, conforme realizado no estudo de validação original. A necessidade de padronizar os escores brutos pode ter acarretado alguma perda de informação, ainda que, a padronização dos escores foi feita com base na proposta da versão original do instrumento de avaliação. Esta padronização foi realizada igualmente em todas as tarefas motoras, considerando que todas as tarefas motoras têm o mesmo peso/grau de importância. O resultado encontrado neste estudo não permite uma extrapolação deliberada para outras amostras, sendo necessária a realização de mais estudos para confrontar os resultados apresentados. Entretanto, esse estudo preliminar permite algumas inferências pertinentes com relação a qualidade do MABC-2, no tocante à dificuldade e capacidade discriminatória das tarefas motoras elencadas para explicar a variância de cada dimensão.

A partir dos graus de dificuldades evidenciados nas tarefas motoras do MABC-2, é possível pensar em estratégias pedagógicas para readequar o planejamento das atividades motoras ofertadas às crianças de 3 a 5 anos de idade. Nesta perspectiva, os resultados deste estudo auxiliam na compreensão das dificuldades encontradas pelas crianças na execução de determinadas tarefas motoras. Além disto, é possível, na prática, discriminar o nível de habilidade motora da criança a partir de algumas tarefas motoras, sem a necessidade de aplicação de todo o instrumento, o que facilita a sua aplicação e o trabalho dos professores de Educação Física no contexto escolar.

 

CONCLUSÃO

O uso da Teoria de Resposta ao Item revelou que as tarefas motoras do MABC-2 se mostraram adequadas a partir do modelo ajustado e calibrado para as crianças do estudo. Entretanto, a tarefa motora "Caminho da Bicicleta" apresentou problemas, o que demonstra que a mesma não parece estar adequada à realidade da amostra. As análises de TRI revelaram que certos itens do MABC-2 não funcionaram conforme previsto no modelo teórico proposto originalmente.

A curva de informação do item revelou que o instrumento fornece maior quantidade de informações para crianças com nível de desempenho motor (traço latente) entre 0 e 2. Isto implica que as tarefas motoras do MABC2 se adequam melhor às crianças com maiores níveis de habilidade motora. Esta revelação pode repercutir de maneira negativa na hora de utilizar o MABC-2 para diagnosticar crianças com DCD.

Ao final, a Teoria de Resposta ao Item revelou que considerar que todas as tarefas motoras do instrumento MABC-2 tenham o mesmo peso/impacto na avaliação do desempenho motor geral das crianças, pode tornar as avaliações/dados inconsistentes, visto que os resultados revelaram que cada tarefa motora tem seu próprio nível de dificuldade e capacidade de discriminação.

Conflitos de interesse

nada a declarar.

 

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Endereço para correspondência:
Luciana Ferreira
luferreira.ed@gmail.com

Manuscrito recebido: outubro 2020
Manuscrito aceito: outubro 2021
Versão online: janeiro 2022

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