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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282versão On-line ISSN 2175-3598

J. Hum. Growth Dev. vol.32 no.1 Santo André jan./abr. 2022

http://dx.doi.org/10.36311/jhgd.v32.12675 

ARTIGO ORIGINAL

 

Aprendizagem motora em indivíduos com deficiência visual em uma tarefa de timing coincident em realidade virtual não imersiva

 

 

Mariana Caramore FavaI; Maria Georgina Marques TonelloII; Renata Martins RosaII; Tania Brusque CrocettaII; Íbis Ariana Peña de MoraesII; Carlos Bandeira de Mello MonteiroII; Talita Dias da SilvaII; Daniel dos SantosI

IPrograma de Graduação em Promoção da Saúde da Universidade de Franca, São Paulo, Brasil
IIEscola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP), São Paulo, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: A realidade virtual (RV) é usada atualmente como ferramenta de avaliação e intervenção na reabilitação. Uma das tarefas motoras possíveis de verificar desempenho por meio da RV é o timing coincidente (habilidade perceptivo-motora de executar uma resposta motora em sincronia com um estímulo externo). Essa sincronização de movimentos com estímulos externos é importante para pessoas com deficiência visual (DV) nas tarefas diárias e de lazer
OBJETIVO: Investigar o desempenho de indivíduos com DV em uma tarefa de timing coincident em RV não imersiva
MÉTODO: Participaram deste estudo 60 indivíduos maiores de 18 anos: 20 com DV, 20 sem DV mas vendados e 20 indivíduos sem DV que utilizaram feedback visual (não vendado). Foi utilizada entrevista semiestruturada e uma tarefa de timing coincident no computador
RESULTADOS: O grupo DV iniciou a tarefa com o pior desempenho (erro absoluto = grupo DV 945ms x grupo vendado 591ms x grupo não vendado 557ms), mas melhoraram ao longo da tarefa. Apesar da dificuldade inicial do grupo com DV, todos os grupos reduziram o número de erros (erro absoluto médio = 698ms para 408ms). Além disso, todos os grupos aumentaram a precisão da tarefa (erro variável médio = último bloco de aquisição 408 ms x transferência imediata 227 ms x transferência tardia 247 ms
CONCLUSÃO: Indivíduos com DV apresentaram dificuldades no início da tarefa proposta mas com a prática conseguiram se adaptar a tarefa com melhora no desempenho (observado pela diminuição no tempo de erro). Ou seja, o feedback auditivo foi suficiente para possibilitar adaptação à tarefa e melhora de desempenho dos participantes com DV

Palavras-chave: aprendizagem, deficiência visual, realidade virtual.


 

 

Síntese dos autores

Por que este estudo foi feito?

Considerando a realidade virtual como uma possibilidade de intervenção em indivíduos com deficiência. Este estudo verificou se uma tarefa virtual não imersiva de timing coincident , utilizando feedback auditivo, é adaptável para pessoas com deficiência visual (DV).

O que os pesquisadores fizeram e encontraram?

Este estudo foi desenvolvido em São Paulo, Brasil, com 60 participantes: 20 com deficiência visual que utilizaram apenas o feedback auditivo e 40 indivíduos sem deficiência visual como grupo controle (20 vendados durante a tarefa e 20 sem venda que puderam utilizar o sistema auditivo e visual). Foi utilizada uma entrevista semiestruturada e uma tarefa de timing coincident em realidade virtual não imersiva. Embora o grupo com DV tenha iniciado com pior desempenho, todos os grupos melhoraram com a prática da tarefa.

O que essas descobertas significam?

Mesmo com dificuldades no início do protocolo, os indivíduos com DV adaptaram-se à tarefa com feedback auditivo e melhoraram seu desempenho com a prática. Esses achados mostram que a utilização de uma tarefa de realidade virtual não imersiva com feedback auditivo é uma possibilidade de intervenção para indivíduos com DV.

 

INTRODUÇÃO

De acordo com a Organização Mundial da Saúde, a Deficiência Visual (DV) é caracterizada por baixa visão ou cegueira e por uma deficiência sensorial, que inclui pessoas cegas e com baixa visão. Estima-se que aproximadamente 2,2 bilhões de pessoas tenham perda severa ou moderada de visão, sendo 90% desses indivíduos em países em desenvolvimento1.

Tseng e colaboradores2 afirma que a DV afeta tanto as atividades cotidianas quanto a motricidade do indivíduo que, portanto, apresenta dificuldades em praticamente todas as tarefas de participação social. Por outro lado, Götzelmann e colaboradores3 mencionam que as pessoas com DV devem vivenciar o ambiente por meio de habilidades auditivas e táteis, o que lhes permite "compensar" a deficiência e ter uma boa qualidade de vida.

Justamente para permitir que uma pessoa com DV alcance mais funcionalidade nas tarefas diárias, é fundamental que haja estudos que investiguem novas possibilidades funcionais considerando as necessidades e especificidades da deficiência, e uma possibilidade promissora é o uso da tecnologia por meio de tarefas computacionais.

Considerando os avanços tecnológicos, uma possibilidade de intervenção computacional nas deficiências é o uso da Realidade Virtual (RV) para melhorar a inclusão social. O uso da RV na reabilitação é um conceito moderno de tratamento baseado no uso de jogos e tarefas em ambientes virtuais para estimular funções físicas e cognitivas em pessoas com diferentes tipos de deficiência4, em que o usuário interage com o ambiente por meio de controle remoto, dispositivos, como teclado ou mouse, ou por dispositivos mais avançados, como câmera, óculos e/ou luvas especiais5. A RV é um recurso que passou a ser utilizado como ferramenta de avaliação e intervenção para pessoas com deficiência, principalmente considerando sua boa aceitação, acessibilidade, segurança e eficiência5.

Além de seu alto nível de acessibilidade, as atividades de lazer em RV também oferecem uma maneira segura e inovadora de se divertir, não limitada pelo clima ou pela falta de parceiros de atividades, incentivando a participação. É também uma forma eficaz de praticar exercício físico, auxiliando na promoção da saúde física dos praticantes6.

É importante ressaltar que a principal característica de um ambiente virtual é o estímulo visual. No entanto, pessoas com DV, e mesmo com cegueira completa, também devem ter a oportunidade de vivenciar e se beneficiar dos avanços tecnológicos e adaptações em tarefas virtuais, principalmente utilizando estímulos táteis e sonoros. O uso da RV baseado em jogos táteis e auditivos é uma estratégia eficiente de treinamento de habilidades para pessoas com DV, pois o desenvolvimento de habilidades de navegação é baseado em modalidades sensoriais remanescentes, como capacidade de ouvir e tocar7.

Ainda, considerando o uso de RV para pessoas com DV, Lahav e colaboradores8 e Merabet e colaboradores9 verificaram benefícios na orientação espacial e mobilidade utilizando simuladores de ambiente virtual, enquanto Morin-Parent e colaboradores10, utilizando estímulos sonoros, observaram diferenças no tempo de reação. Balan, Moldoveanu e Moldoveanu7, por meio da análise de jogos de navegação baseados em áudio, afirmaram que a RV desempenha um papel importante no desenvolvimento das estruturas mentais de pessoas com DV, pois aumenta o aprendizado, auxilia na resolução de problemas de comunicação e estimula a motivação, além de melhorar a criatividade, orientação, mobilidade e habilidades de resolução de problemas.

Considerando as novas possibilidades tecnológicas e a necessidade de verificar se os ambientes virtuais são adaptáveis para pessoas com DV, este trabalho tem como objetivo avaliar o desempenho de pessoas com DV durante a prática de uma tarefa em ambiente virtual e comparar seu desempenho com pessoas sem deficiência visual divididas em dois grupos: um grupo de pessoas sem DV praticou a tarefa com os estímulos visuais, táteis e sonoros característicos do ambiente virtual, e outro grupo de pessoas sem DV praticaram a tarefa de olhos vendados (sem estímulos visuais). Este protocolo tem como objetivo verificar se pessoas com DV foram capazes de utilizar estímulos auditivos para ter o mesmo desempenho de pessoas sem DV em uma tarefa virtual.

Assim, os participantes praticaram um protocolo de aprendizagem motora em uma tarefa de timing coincident (TC) em um computador, onde uma esfera caia em direção a um alvo pré-determinado e o participante deveria pressionar o teclado do computador no exato momento em que a esfera atingisse esse alvo (o jogo fornece feedback visual e auditivo de erros e acertos). Optamos por uma tarefa de TC, pois ações motoras que exigem que o executor produza movimentos que coincidem com um objeto ou evento externo em movimento11, 12 são observadas em várias atividades diárias e esportivas11, 12.

Alguns estudos para avaliar o desempenho em uma tarefa de TC em ambiente virtual foram realizados e houve melhora no desempenho com a prática em indivíduos com Síndrome de Down e Paralisia Cerebral13-15. No entanto, não foram encontrados estudos sobre TC em pessoas com DV e, em geral, não há muitos estudos organizados para entender como o comportamento de pessoas com DV em tarefas motoras influencia no desempenho16.

Considerando as deliberações acima, é possível levantar a hipótese de que todos os grupos melhorarão o desempenho com a prática, mas o grupo de pessoas sem DV (com possibilidade de visualização da tarefa) terá melhor desempenho durante todo o protocolo. Também levantamos a hipótese de que o pior desempenho será do grupo sem alteração visual, mas que praticou a tarefa com os olhos vendados ou seja, esse grupo não deve ter o benefício do feedback visual praticando uma tarefa virtual e também não tem a experiência de pessoas com DV para se adaptar ao ambiente.

 

MÉTODO

Aspectos éticos e legais da pesquisa.

Este estudo foi devidamente registrado no "Registro Brasileiro de Ensaios Clínicos" e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob o número 3.397.895.

Local do estudo

O estudo foi desenvolvido em uma Instituição de Instrução e Trabalho para Cegos de uma cidade de São Paulo e no Laboratório de Estudos em Lazer, Educação e Estilo de Vida Ativo para Pessoas com Deficiência (ProLeva) da Universidade de Franca, São Paulo, Brasil.

População do estudo e critérios de elegibilidade

Esta pesquisa caracteriza-se por uma amostra de conveniência. Participaram deste estudo 20 pessoas com DV de ambos os sexos, que frequentam uma instituição para pessoas com DV. Essas pessoas foram convidadas pela coordenação da instituição via telefone ou pessoalmente e foram selecionadas com base nos critérios de elegibilidade, que serão descritos a seguir. Todas as pessoas com DV eram cegas, embora tenham sido solicitados a usar uma venda nos olhos ao realizar a tarefa.

Também participaram 40 pessoas sem deficiência, convidadas por meio das redes sociais e selecionadas a partir do pareamento com cada participante do grupo com DV, ou seja, para cada pessoa com DV, dois sem DV foram pareados pelo mesmo sexo e idade. Um participante do grupo controle (sem deficiência visual) foi alocado para o grupo que utilizou a venda e o outro para o grupo controle que realizou a tarefa sem venda. Assim, entre as pessoas sem DV (grupo controle), 20 usaram venda nos olhos ao participar da coleta (somente com feedback auditivo) e 20 praticaram a tarefa com feedback visual e auditivo. Todos os participantes foram conduzidos individualmente a uma sala onde realizaram o protocolo. Para a realização deste estudo, foram utilizados um notebook e um software de avaliação de TC.

Os critérios para participação na pesquisa foram: concordância em participar da pesquisa; idade superior a 18 anos; assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, ter diagnóstico de DV (no caso de participantes com DV) e entender a tarefa virtual. Os critérios para não inclusão no estudo compreendem desistência durante o protocolo e deficiências funcionais e cognitivas que impediram a realização da tarefa virtual.

Protocolo de avaliação

Para caracterizar a amostra, foi realizada uma entrevista semiestruturada, com questões como idade, sexo, tempo de perda da visão, classificação do nível de perda visual, profissão e contato prévio com tecnologia.

Tarefa: tempo coincidente

Para a coleta de dados, utilizou-se um jogo de software criado pelo Departamento de Sistemas de Informação da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo4. Esta é uma tarefa de sincronização de timing coincident baseada no Bassin Anticipation Timer que visa analisar a aprendizagem motora por meio do desempenho verificado pelos erros constante, absoluto e variável17-19.

O jogo (Figura 1) oferece uma tarefa de TC na qual os participantes foram instruídos a "interceptar" uma esfera virtual caindo em direção a um alvo pré-determinado. Os participantes tinham como meta pressionar o botão de espaço do teclado do computador quando a esfera atingisse o alvo (ou seja, o jogo apresentava uma sequência de 10 espaços até atingir o alvo posicionado no último espaço). A magnitude e a direção do erro de cada participante em antecipar ou atrasar a chegada da esfera no alvo foram registradas pelo software em milissegundos. O objetivo foi avaliar a diferença de tempo entre a execução da resposta do participante, a chegada da bolha no alvo e a precisão temporal global, portanto, a capacidade de antecipação20-22

 

 

Protocolo

Foi utilizado um protocolo de aprendizagem motora20, 21, 23-25 organizado por meio de blocos de 5 tentativas. Todos os participantes realizaram duas etapas do protocolo: na primeira etapa foram utilizadas 30 tentativas divididas em 20 tentativas de aquisição (prática da tarefa), 5 tentativas de retenção (retenção imediata - Ri), realizadas após 5 minutos sem contato com a tarefa e 5 tentativas de transferência (transferência imediata - Ti) realizadas com aumento da velocidade. Para a segunda etapa, após 24 horas sem contato com a tarefa, os participantes realizaram novamente as fases de retenção (retenção tardia - Rt) e transferência (transferência tardia - Tt), totalizando mais 10 repetições (Figura 2). Desta forma, cada participante realizou 40 repetições no total.

 

 

Análise de dados

As variáveis dependentes utilizadas foram os erros temporais: erro constante (EC), erro absoluto (EA) e erro variável (EV). O erro foi definido como a diferença de tempo entre o momento em que a esfera alvo deveria ser atingida (hora de chegada) e o momento em que o toque no botão do teclado foi registrado. As variáveis dependentes foram submetidas a uma MANOVA com 3 fatores (Grupos: com DV, sem DV vendado, sem DV não vendado) por 2 (Blocos) com medidas repetidas (MR) no último fator (Blocos). Para o fator Blocos, foram feitas comparações separadas para aquisição (primeiro bloco de aquisição A1 versus bloco de aquisição final A4), retenção imediata e tardia (A4 versus bloco de retenção imediata - Ri; e A4 versus bloco de retenção tardia - Rt) e transferência imediata e tardia (A4 versus bloco de transferência imediata- Ti; e A4 versus bloco de transferência tardia - Tt). Em seguida, o eta square (Ƞp2) foi usado para calcular o tamanho do efeito, onde Ƞp2 = 0,01 foi considerado um efeito pequeno, Ƞp2 = 0,06 moderado e Ƞp2 = 0,14 grande (Lakens, 2013). O poder observado (po) também foi relatado. As comparações post hoc foram realizadas usando o teste de Least Significance Difference - LSD.

Para saber se a idade e o sexo poderiam influenciar os resultados, foi realizada regressão linear, utilizando como variável dependente a diferença entre o último e o primeiro bloco da fase de aquisição (A4 - A1). Valores de p < 0,05 foram considerados significativos. O pacote estatístico utilizado foi o Statistical Package for the Social Sciences (SPSS; IBM, Chicago, Illinois, EUA), versão 26.0.

 

RESULTADOS

Resultados sociodemográficos

Os grupos foram pareados e não houve diferença entre eles, quanto à idade e sexo. A idade variou entre 18 e 67 anos, e havia 15 homens e 5 mulheres participando de cada grupo. As causas da perda visual variaram entre: compressão/atrofia do nervo óptico, infecção ocular, retinite pigmentosa, distrofia retiniana, glaucoma, stargardt, toxoplasmose, comprometimento da retina durante o período de incubação e acidente domiciliar.

 

Tabela 1

 

Resultados da análise de dados

Erro Constante - EC

A Figura 3 apresenta os ECs durante a aquisição, e demonstra que todos os participantes tenderam a antecipar o movimento em todas as fases do protocolo. Não houve efeitos ou interações significativas para Grupos e Blocos.

Aquisição

As análises MANOVA revelaram efeitos significativos para os Grupos [Wilks' λ = 0,694, F6, 94 = 3,14, p = 0,008, Ƞp2 = 0,17, po = 0,90], Blocos [Wilks' λ = 0,410, F3, 47 = 22,5, p < 0,001 , Ƞp2 = 0,59, po = 1,00] e interação entre Grupos e Blocos [Wilks' λ = 0,680, F6, 94 = 3,33, p = 0,005, Ƞp2 = 0,18, po = 0,92]. As ANOVAs separadas serão descritas abaixo:

Erro absoluto - EA

O padrão de erros absolutos é ilustrado na Figura 4. Houve um efeito significativo para os Grupos [F2, 49 = 5,63, p = 0,006, Ƞp2 = 0,19, po = 0,83] e interação entre Blocos e Grupos [F2, 49 = 6,70, p = 0,003, Ƞp2 = 0,22, po = 0,90]. O teste post-hoc mostrou que o grupo DV apresentou maior EA (média = 945 ms) do que os outros dois grupos controle (com venda - média 591 ms, p = 0,002; e sem venda - média 557 ms, p = 0,003). Não houve diferença significativa entre os grupos controle com e sem venda, mas isso aconteceu apenas no primeiro bloco de aquisição (A1), enquanto no último bloco de aquisição não houve diferença significativa entre os três grupos.

Efeito para Blocos [F1, 49 = 39,5, p <0,001, Ƞp2 = 0,45, po = 1,00] também foi encontrado. Esse resultado significa que todos os participantes diminuíram o EA (melhora de desempenho) do primeiro para o último bloco de aquisição (média = 698 ms a 408 ms, respectivamente).

Erro variável - EV

O erro variável durante a aquisição está ilustrado na Figura 5. Houve efeito para os Grupos [F2, 49 = 4,85, p < 0,001, Ƞp2 = 0,17, po = 0,78] e, embora a ANOVA não tenha mostrado interação significativa, o teste post-hoc mostrou que, semelhante ao EA, o grupo DV apresentou maior EV (média = 867 ms) do que os outros dois grupos controle (com venda - média 396 ms, p = 0,009; e sem venda - média de 484 ms, p = 0,050), não havendo diferença significativa entre os grupos controle com e sem venda, mas esse resultado ocorreu apenas para o primeiro bloco de aquisição (A1), não havendo diferença significativa entre os três grupos no último bloco ( A4).

Também houve efeito significativo para os Blocos [F1, 49 = 33,0, p <0,001, Ƞp2 = 0,40, po = 1,00], que mostrou que todos os participantes diminuíram seu EV de A1 (média = 583 ms ) para A4 (média = 119 ms).

Retenção

Retenção imediata (Ri) e tardia (Rt - após 24h)

As Figuras 3, 4 e 5 também mostram erros de tempo durante a retenção. Tanto para retenção imediata (Ri) quanto tardia (Rt - após 24 horas) não houve diferença nos erros. Consequentemente, MANOVA e ANOVAs não revelaram nenhum efeito principal significativo ou interação para Blocos ao comparar o bloco de aquisição final (A4) e os blocos de retenção imediata (Ri) e tardia (Rt) para erros constantes, absolutos e variáveis, mostrando que o desempenho adquirido no último bloco de aquisição foi mantido durante os dois testes de retenção.

Transferência

Transferência imediata (Ti) e tardia (Tt - após 24h)

Para ambas as transferências imediatas e tardias, a MANOVA encontrou um efeito significativo para Blocos [Ti: Wilks' λ = 0,315, F3, 47 = 33,9, p <0,001, Ƞp2 = 0,69, po = 1,00; Tt: Wilks' λ = 0,284, F3, 42 = 35,3, p <0,001, Ƞp2 = 0,72, po = 1,00] sem efeito para Grupos, ou interações. As ANOVAs serão mostradas separadas apenas para os erros absolutos na próxima seção, pois o erro constante apresentou o mesmo padrão de antecipação das fases de aquisição e retenção, não sendo encontrados efeitos ou interações para o erro variável.

Erro absoluto - EA

Foram encontrados efeitos significativos para Blocos na transferência imediata [F1, 49 = 60,8, p <0,001, Ƞp2 = 0,55, po = 1,00] e transferência tardia [F1, 44 = 63,8 p <0,001, Ƞp2 = 0,59, po = 1,00]. Esses resultados mostraram que para a fase de transferência com aumento de velocidade, os participantes melhoraram seu desempenho, ou seja, diminuíram o EA do último bloco de aquisição (média = 408 ms) para o bloco de transferência imediata (média = 227 ms) e também para o bloco de transferência tardia (média = 247 ms). Veja as figuras 3, 4 e 5.

Análise de Regressão

Verificou-se que a idade influenciou na melhora do desempenho durante a fase de aquisição: quanto maior a melhora no desempenho, menor a idade [r2 = 0,14, F = 7,79, p = 0,007, beta = -8,4]. O sexo não influenciou o desempenho.

 

DISCUSSÃO

O objetivo do presente estudo foi avaliar o desempenho em uma tarefa de timing coincident por meio de ambiente virtual não imersivo em indivíduos com DV. Nossa hipótese de que todos os grupos melhorariam o desempenho com a prática e indivíduos sem DV que tivessem feedback visual e auditivo teriam melhor desempenho foi parcialmente confirmada.

Em relação a capacidade dos indivíduos com DV de se adaptar ao ambiente utilizando a audição 3, 16, levantamos a hipótese de que o uso da audição proporcionaria melhor desempenho quando comparado aos indivíduos vendados (privados da visão no momento da tarefa). No entanto, observamos que o grupo com pior desempenho foi o de indivíduos com DV.

Ou seja, o grupo com DV iniciou a tarefa com mais erros absoluto e variável do que os demais grupos. Este é um resultado interessante, pois a capacidade de realizar todas as tarefas do dia a dia sem a visão não proporcionou nenhuma vantagem para os indivíduos com DV durante uma tarefa de RV não imersiva no computador, mesmo comparando com o grupo sem alteração visual, mas que praticou a tarefa com os olhos vendados.

Embora o grupo com DV tenha apresentado desempenho inferior, é importante ressaltar que essa diferença aparece apenas no primeiro bloco de aquisição (ou seja, no início da prática). Assim, após 5 tentativas (primeiro bloco) o grupo com DV conseguiu se adaptar à tarefa e teve o mesmo desempenho em relação aos demais grupos. Podemos apenas especular que o feedback auditivo gerado automaticamente pelo computador quando o participante acerta ou erra o alvo foi responsável pelo menor desempenho no primeiro bloco para o grupo DV. Os feedbacks auditivos positivos e negativos têm influência no desempenho da tarefa26 e os participantes do grupo DV tiveram que prestar atenção para identificar o feedback do computador, causando mais dificuldade de adaptação, o que provavelmente prejudicou o desempenho durante o início da prática.

Além disso, todos os grupos mostraram tendência a antecipar o movimento e as primeiras tentativas foram as mais distantes do marco zero, mas melhoraram ao longo da prática. Podemos associar esta informação com as características da aprendizagem, evidenciando melhora na tarefa com a prática, potencializando o desempenho27.

Outro aspecto importante da aprendizagem motora é a retenção e transferência, que acontece quando o desempenho de uma determinada habilidade motora adquirida pode ser verificado em momentos posteriores ou em novas situações ou contextos28. Nas fases de retenção (após 5 minutos sem contato com a tarefa) e de transferência (com aumento da velocidade da tarefa). Segundo Oppici e colaboradores29, Monteiro e colaboradores20, 21, a prática não visa apenas facilitar o desempenho, mas propiciar um aprendizado duradouro observável nas fases de retenção e transferência.

Nos resultados, observou-se que todos os participantes mantiveram seu desempenho na aquisição nas fases de retenção e transferência o que permite inferir aprendizagem motora. Martins e colaboradores25 e Monteiro e colaboradores20, que utilizaram tarefa semelhante em crianças com Paralisia Cerebral, e Prumes e colaboradores30, em pessoas com Distrofia Muscular, também obtiveram resultados com melhora de desempenho, enfatizando que tarefa computacional com RV não imersiva é uma possibilidade para aprendizagem motora.

Apesar deste trabalho ser considerado como uma proposta inicial para o uso da RV em indivíduos com DV algumas limitações devem ser apresentadas: 1- a tarefa utilizada foi em ambiente virtual não imersivo e ofereceu somente feedback auditivo para os participantes com DV, provavelmente a utilização de tarefa com feedback auditivo e tátil (vibração) poderia oferecer maior informação sensorial e propiciar benefício no desempenho; 2- um número maior de participantes e, principalmente, um maior tempo de prática (protocolo longitudinal) podem oferecer um melhor conhecimento do padrão de desempenho dos participantes; 3- foi utilizada uma tarefa virtual não imersiva desenvolvida para testes em laboratório, provavelmente um jogo com maiores possibilidades e mais dinâmico ofereça resultados que representem tarefas do dia a dia dos participantes.

 

CONCLUSÃO

Com base nos presentes achados, verificou-se que indivíduos com DV apresentaram dificuldades no início da tarefa proposta mas com a prática conseguiram se adaptar a tarefa com melhora no desempenho (observado pela diminuição nos erros). Ou seja, o feedback auditivo foi suficiente para possibilitar adaptação à tarefa e melhora de desempenho dos participantes com DV. Assim, a RV pode ser uma ferramenta utilizada para melhora de desempenho em pessoas com DV

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflito de interesse.

 

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Endereço para correspondência:
Renata Martins Rosa
renata.martinsr@hotmail.com

Manuscrito recebido: maio 2021
Manuscrito aceito: dezembro 2021
Versão online: janeiro 2022

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