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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282versão On-line ISSN 2175-3598

J. Hum. Growth Dev. vol.32 no.1 Santo André jan./abr. 2022

http://dx.doi.org/10.36311/jhgd.v32.12513 

ARTIGO ORIGINAL

 

Sífilis congênita: análise epidemiológica e evento sentinela da qualidade da assistência ao binômio mãe/recém-nascido

 

 

Mara Rejane Barroso BarcelosI; Eliane de Fátima Almeida LimaII; Arlete Frank DutraIII; Tatiane ComerioIII; Cândida Caniçali PrimoII

IDepartamento de Ginecologia e Obstetrícia Universidade Federal do Espírito Santo. Av. Mal. Campos, 1468 - Maruípe, Vitória - ES, 29047-105
IIDepartamento de Enfermagem, Universidade Federal do Espírito Santo. Av. Mal. Campos, 1468 - Maruípe, Vitória - ES, 29047-105
IIIGerência de Vigilância em Saúde, Secretaria Municipal de Saúde de Vitória

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: a sífilis congênita continua sendo um grave problema de saúde pública no Brasil e no mundo, sendo as infecções fetais antenatais as principais causas de morbidade e mortalidade global
OBJETIVO: analisar os casos de sífilis congênita e um indicador de resultado da qualidade da assistência ao binômio mãe/recém nascido em Vitória (ES), no quadriênio 2016-2019
MÉTODO: estudo de abordagem quantitativa, que avaliou o indicador "seguimento da sífilis congênita". Os dados foram coletados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), referentes ao período de 1.º de janeiro de 2016 a 31 de dezembro de 2019. As informações referentes ao seguimento dos RN com SC ocorreram mediante busca em prontuário eletrônico, no período de 1.º de agosto de 2020 a 31 de março de 2021
RESULTADOS: no quadriênio 2016-2019, o município de Vitória teve 169 casos de sífilis congênita, pelo critério ano de diagnóstico. Esse indicador foi decrescente ao longo do quadriênio: 64 casos em 2016 (37,9%), 43 em 2017 (25,4%), 37 em 2018 (21,9%) e 25 em 2019 (14,8%). O teste não treponêmico foi reagente em 62,7% dos casos. Em 10,7%, houve alterações na análise laboratorial do líquor; 3%, alteração no exame de ossos longos; 5,3%, teste não treponêmico reagente no líquor; e 11,8% apresentaram-se sintomáticos ao nascimento. A taxa de incidência sífilis congênita, que em 2016 se encontrava em 14,65/1000 nascidos vivos, chegou a 5,58/1000 nascidos vivos em 2019. O indicador de seguimento dos casos de sífilis congênita que nasceram vivos foi de 69,8% em 2016, 79,5% em 2017, 84,4% em 2018 e 85,7% em 2019
CONCLUSÃO: houve significativa redução do número de casos de sífilis congênita, da taxa de incidência da doença e melhoria progressiva do seguimento da sífilis congênita, tendo, como diretriz, o Plano de Enfrentamento da Sífilis

Palavras-chave: sífilis congênita, transmissão vertical de doença infecciosa, monitoramento epidemiológico, avaliação em saúde.


 

 

Síntese dos autores

Por que este estudo foi feito?

Este estudo trata da análise dos casos de sífilis congênita do município de Vitória (ES), capital do sudeste brasileiro, no quadriênio 2016-2019. Em 2016, o município reformulou o Plano de Enfrentamento da Sífilis, no intuito de realizar melhorias no combate à doença. Foi realizado para estudo epidemiológico dos casos e aferição de um indicador da qualidade da assistência ao binômio mãe/recém nascido em Vitória (ES), no quadriênio 2016-2019. A sífilis é uma doença milenar que tem se perpetuado como problema de saúde pública no Brasil e no mundo. Achados recentes sobre o enfrentamento da doença são fundamentais para o campo da gestão, assistência, ensino e pesquisa. Assim, os autores querem saber o perfil epidemiológico dos casos de sífilis em gestantes e um indicador de resultado da qualidade da assistência ao binômio mãe/recém nascido em Vitória (ES), no quadriênio 2016-2019.

O que os pesquisadores fizeram e encontraram?

Trata-se de um estudo inédito, que concluiu que o município de Vitória apresentou significativa redução do número de casos de sífilis congênita e da taxa de incidência dessa doença, com melhorias no indicador de seguimento da sífilis congênita, a partir da implementação de diversas ações para o enfrentamento da doença. No entanto, o não tratamento, o tratamento inadequado da gestante dentre as que realizaram pré-natal e a reinfecção foram os principais fatores que influenciaram o surgimento dos casos de SC.

O que essas descobertas significam?

Mesmo que tenham ocorrido melhorias ao longo do quadriênio, os resultados apontam para a necessidade de avanços na qualidade do pré-natal.

 

INTRODUÇÃO

A sífilis é uma das infecções sexualmente transmissíveis (IST) mais frequentes no mundo e responsável por 6 milhões de novos casos a cada ano, sendo a sífilis congênita a segunda principal causa de morte evitável1. A transmissão vertical ocorre, mais frequentemente, intraútero ou na presença de lesão ativa, na passagem do feto pelo canal do parto. Pode ser antenatal, perinatal ou pós-natal. As infecções fetais antenatais são as principais causas de morbidade e mortalidade global2.

A probabilidade da ocorrência de sífilis congênita (SC) é influenciada pelo estágio da sífilis na mãe e pela duração da exposição fetal, sendo em torno de 70% a 100% quando a gestante apresenta sífilis primária ou secundária3.O Brasil tem uma prevalência de sífilis de 0,85%4. Em 2015, não cumpriu a meta de reduzir a incidência de SC para 0,5 casos por 1.000 nascidos vivos5.

Em 2016, a sífilis foi declarada um grave problema de saúde pública, pelo Ministério da Saúde, e o enfrentamento da sua transmissão vertical é previsto no Plano Plurianual (PPA) como prioridade. O combate à sífilis faz parte dos principais instrumentos de gestão de estados, Distrito Federal e municípios6.

O município é o principal espaço para implementar as políticas de saúde, a partir da descentralização do Sistema Único de Saúde (SUS)7.

O município de Vitória, no estado do Espírito Santo, construiu um programa instrumentalizado pelo "Plano de Enfrentamento Vitória contra a Sífilis", no ano de 2016, visando monitorar e avaliar o enfrentamento da doença8.

Esse plano é composto por oito eixos: captação precoce da gestante com sífilis; acompanhamento do pré-natal de todas as gestantes; oferta de tratamento adequado para a sífilis; monitoramento dos casos de sífilis na população geral; monitoramento das gestantes com sífilis e seus parceiros; monitoramento do plano; realização de ações preventivas para a sífilis (população geral e gestantes); e seguimento da sífilis congênita8.

O Plano de Enfrentamento da Sífilis do município passa por avaliação periódica dos seus eixos, por meio do acompanhamento de indicadores8. A construção e a utilização de indicadores de resultados na avaliação de programas têm sido abordadas no campo do planejamento e avaliação em saúde9. O enfoque quantitativo, permite revelar aspectos gerais do fenômeno avaliado10 e possibilita respostas parciais às perguntas avaliativas11.

Consideram-se os indicadores como variáveis que visam fornecer a melhor imagem possível de um objeto, e a escolha desses indicadores, uma tarefa crítica do avaliador9,12.

Buscar estimativas em nível nacional, regional e local permite a orientação das capacidades dos sistemas de saúde para o fortalecimento da prevenção, detecção, vigilância e tratamento da doença1. Ao analisarem-se os dados das fichas de notificação de um período, adquire-se melhor conhecimento do problema, além de se refletir sobre as políticas públicas de saúde adotadas, que visam implementar melhorias na atenção pré-natal e na prevenção da transmissão vertical (TV) da sífilis13.

Para realizar-se a seleção da literatura científica, utilizou-se os critérios de relevância, acessibilidade e atualidade.

Este estudo teve como objetivo analisar os casos de sífilis congênita e um indicador de resultado da qualidade da assistência ao binômio mãe/recém nascido em Vitória (ES), no quadriênio 2016-2019.

 

MÉTODO

Trata-se de um estudo de abordagem quantitativa, que avaliou o indicador "seguimento da sífilis congênita". Os dados foram coletados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), referentes ao período de 1.º de janeiro de 2016 a 31 de dezembro de 2019. E as informações referentes ao seguimento dos RN com SC ocorreu por meio de busca em prontuário eletrônico, no período de 1.º de agosto de 2020 a 31 de março de 202114.

A revisão das notificações ocorreu de acordo com os critérios de definição de caso de SC do Ministério da Saúde (MS), vigente ao período 2016 a 20193,15-16.

As variáveis estudadas foram distribuídas conforme as seguintes características sociodemográficas da mãe: faixa etária; escolaridade; se realizou pré-natal; município de realização do pré-natal; momento do diagnóstico de sífilis materna; realização do teste não treponêmico (VDRL) da gestante; teste treponêmico da gestante no parto/curetagem; esquema de tratamento das mães; tratamento parceiro da mãe; município de nascimento/aborto/natimorto; locais de nascimento/aborto/natimorto.

Foram analisadas as características sociodemográficas (sexo, idade, raça/cor), clínicas e laboratoriais das crianças (teste treponêmico, teste não treponêmico, análise laboratorial do líquor, raio X de ossos longos, diagnóstico clínico, sinais e sintomas apresentados e evolução dos casos). As variáveis categóricas foram expressas como frequências absoluta e relativa.

Para o ano de 2016 até a data de 12 de outubro de 2017, o tratamento adequado era aquele realizado somente com penicilina, completo, na dose e no tempo adequados, segundo a fase clínica da doença, tendo finalização do tratamento em até 30 dias antes do parto15.

A partir de 13 de outubro de 2017, a Nota Informativa n.º 2-SEI/, de 2017, estabeleceu uma mudança nos critérios de adequação do tratamento, passando a considerar a administração de penicilina benzatínica, com início do tratamento até 30 dias antes do parto, esquema terapêutico consoante o estágio clínico da sífilis, respeito ao intervalo recomendado das doses, que é de 7 dias a, no máximo, 14 dias16.

Além disso, calculou-se a taxa de incidência de sífilis congênita para cada mil nascidos vivos (n. v.), obtida pela divisão do número de casos com sífilis congênita de determinado ano pela quantidade de nascidos vivos no mesmo ano e multiplicação por 1000.

A análise dos dados do SINAN foi realizada por meio do pacote estatístico PSPP, no período de janeiro a maio de 2020.

Esta pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde, da Universidade Federal do Espírito Santo, e aprovada pelo Parecer n.º 3.787.294, de 20 de dezembro de 2019, CAAE 25982319.6.0000.5060.

 

RESULTADOS

Caracterização das mães dos casos notificados de sífilis congênita no quadriênio 2016-2019

As mães apresentaram a faixa etária predominante de 20 a 29 anos (44,5%); e as demais faixas foram as seguintes: 10 a 19 anos (24,9%), 30 a 39 anos (21,9%) e 40 a 49 anos (3,0%). A raça/cor predominante foi a parda (74,6%). Do total de mães, 17,2% possuíam ensino fundamental incompleto; 10,1%, ensino médio completo; 9,5%, ensino fundamental completo; 7,7%, ensino médio incompleto, caracterizando a predominância de baixa escolaridade (Tabela 1).

Dentre as mães, 72,2% realizaram o pré-natal. Quanto ao município de realização, 91,8% ocorreram em Vitória (ES) (dados não apresentados em tabela).

O diagnóstico da sífilis materna foi verificado no pré-natal em 54,4%, e no momento do parto/curetagem em 34,9%. Quanto à realização do teste não treponêmico da gestante no parto/curetagem, foi reagente em 89,9% (Tabela 1). Relativos aos seus resultados, 63,2% tiveram teste com resultado menor ou igual a 1/8, e 36,8%, resultado maior que 1/8 (dados não apresentados em tabela).

Considerando o teste treponêmico da gestante no parto/curetagem, 57,4% apresentaram teste reagente. O esquema de tratamento das mães foi considerado adequado em apenas 4,7% (Tabela 1).

Em relação aos parceiros dessas mulheres, 71,0% não foram tratados concomitantemente às gestantes (Tabela 1).

No que tange ao município de nascimento/aborto/natimorto, 91,1% ocorreram em Vitória (ES) (dados não apresentados em tabela).

Caracterização das crianças notificadas com sífilis congênita no quadriênio 2016-2019

No quadriênio 2016-2019, o município de Vitória apresentou 169 casos de sífilis congênita, pelo critério ano de diagnóstico, tendo sido decrescente esse número ao longo dos 4 anos: 64 casos em 2016 (37,9%), 43 em 2017 (25,4%), 37 em 2018 (21,9%) e 25 em 2019 (14,8%). Dentre os casos, 45,3% foram do sexo masculino e 43,8% do sexo feminino. A quase totalidade dos casos foi constituída por menores de 1 ano e apenas 1 caso (0,6%) foi de 1 ano de idade. A raça/cor predominante foi a parda (64,5%), seguida pela branca (10,1%) e a preta (2,4%) (Tabela 2).

O teste não treponêmico foi reagente no sangue periférico em 62,7%. Dentre os pacientes com teste não treponêmico reagente, 53,2% tiveram titulação maior que 1/8, e 46,2%, titulação menor ou igual a 1/8 (Tabela 3).

No tocante aos casos de sífilis congênita, 68,6% dos pacientes apresentaram teste treponêmico não reagente no líquor, e 5,3%, teste reagente. Acerca dos 9 casos com teste não treponêmico reativo no líquor, 77,8% (7 casos) tiveram titulação maior que 1/8, e 22,2% (2 casos), titulação menor que 1/8. Considerando a análise laboratorial do líquor, 60,9% não apresentaram alterações. Alteração no exame de ossos longos foi encontrada em 5 casos (3%) (Tabela 3).

Quanto ao diagnóstico clínico, 74,6% dos casos foram assintomáticos e 11,8%, sintomáticos. Dentre os sinais e sintomas apresentados, os mais frequentes foram: icterícia, anemia, hepatomegalia e esplenomegalia (Tabela 3).

Com relação ao esquema de tratamento dispensado, 30,2% dos pacientes receberam Penicilina G Cristalina 100.000 a 150.000 UI Kg/dia/10 dias; 14,8%, Penicilina G Benzatina 50.000 UI/Kg/dia/dose única; 5,9%, Penicilina G Procaína 50.000 UI/Kg/dia/10 dias; 36,1%, outro esquema.

Relativamente à evolução dos casos referentes aos neonatos, apresentaram-se os seguintes dados: 143 (84,6%) permaneceram vivos; 3 (1,8%) tiveram óbito por sífilis congênita; 3 (1,8%), óbito por outras causas; 11 (6,5%) evoluíram para aborto; 5, (3%), para natimortalidade; e, em 4 casos (2,4%), a evolução foi informada como ignorada.

O indicador de seguimento dos casos de sífilis congênita de neonatos que nasceram vivos foi de 69,8% em 2016, 79,5% em 2017, 84,4% em 2018 e 85,7% em 2019.

Analisando comparativamente as taxas de incidência da sífilis congênita no Brasil, na Região Sudeste, no estado do Espírito Santo e em Vitória, verificou-se acentuado e constante aumento entre os anos de 2010 e 2016 exceto no ano de 2014, em Vitória. No entanto, Vitória apresentou expressiva redução dessa taxa de 2016 para 2017, o que não foi observado no estado do Espírito Santo, na região Sudeste e no Brasil. Considerando o quadriênio 2016-2019, Vitória apresentou importante redução da taxa de incidência de sífilis congênita, de 14,65/1000 nascidos vivos, chegando a 5,20/1000 nascidos vivos (n.v) em 2019 (Figura 1).

 

DISCUSSÃO

Em 2016, Vitória (ES), capital do sudeste brasileiro, implementou o "Plano de Enfrentamento Vitória contra a Sífilis", cuja execução de seus oito eixos tem sido realizada com foco na melhoria do enfrentamento da doença8.

Há uma série de razões para que a sífilis congênita continue a ocorrer. Todas envolvem, principalmente, as populações com recursos mais limitados. Dentre elas, citam-se: consultas pré-natais tardias ou não realizadas, não oferta do teste ou não busca do resultado; após resultados dos testes, tratamento indisponível; mulheres tratadas, podem ser infectadas novamente, por parceiros sexuais não tratados17. Estudo realizado em Fortaleza, com 478 casos de sífilis congênita, encontrou desfecho de prematuridade em 15,3% dos casos. Os fatores associados à prematuridade foram o tratamento da sífilis em gestante com outra droga diferente da Penicilina Benzatina/não tratamento (fator com maior chance), seguido pelo VDRL com titulação > 1/818.

No quadriênio 2016-2019, o número de casos de sífilis congênita apresentou redução expressiva em Vitória (ES), variando de 64 casos, em 2016, para 25 casos em 2019. Encontra-se estabelecido na literatura que as crianças acometidas podem ter falhas no crescimento ou permanecerem assintomáticas por anos, apresentando complicações neurológicas, que se tornam aparentes mais tarde na vida19. Por isso, a necessidade de seguimento, previsto no Programa de Enfrentamento da Sífilis8.

A faixa etária predominante das mães foi a jovem 44,5% com idade entre 20 e 29 anos , corroborando estudo realizado em Fortaleza (CE), que também constatou a ocorrência da sífilis em mulheres jovens13. Além disso, observou-se um total de 42 mães com idade entre 10 e 19 anos, percentual de 24,9% do total, o que nos fez refletir sobre a gravidade do casamento infantil e suas consequências, tendo em vista tratar-se de uma violação dos direitos humanos. O Brasil é o quarto país do mundo em casamento infantil, atingindo principalmente as meninas, sendo um problema ainda relativamente invisível à sociedade brasileira20.

A raça/cor predominante nas mães foi a parda, seguida pela negra e a branca. Em Nova York, no período de 2010 a 2016, das 68 mulheres que deram à luz a um bebê com sífilis congênita, 77,9% tinham entre 20 e 29 anos, eram negras, 55,4% nascidas fora dos Estados Unidos21.

Apesar de a variável escolaridade materna ter uma expressiva incompletude, dentre o total informado, as mães possuíam baixa escolaridade, principalmente ensino fundamental, semelhante ao estudo realizado em Recife22.

A maioria das mães informou ter realizado pré-natal (72,2%), predominantemente no município de Vitória. Em 54,4% das mães, o diagnóstico de sífilis ocorreu no próprio pré-natal. Esses dados trazem, à reflexão, a questão da qualidade do pré-natal. Estudos afirmam que a eliminação da transmissão materno-infantil da sífilis somente se tornará realidade, nas Américas, por meio de serviços de saúde com pré-natal de alta qualidade17,23.

Neste estudo, do total de mães notificadas com sífilis na gestação, 57,4% apresentaram teste treponêmico reativo. No Brasil, embora a oferta de teste rápido de sífilis esteja sendo crescente, sua utilização e cobertura na Atenção Básica ainda não têm sido satisfatórias24.

Das mães que realizaram o teste não treponêmico, 89,9% apresentaram exame reagente. Na maioria das vezes (63,2%), a titulação do teste não treponêmico foi menor ou igual a 1/8. No entanto, 51,5% não realizaram tratamento e 42,6% realizaram tratamento inadequado. Estudo desenvolvido em Fortaleza-CE encontrou mais de 85,0% de tratamentos inadequados13.

Em Vitória, é recomendado que a gestante se submeta à testagem com teste não treponêmico em pelo menos quatro momentos: no primeiro trimestre (primeira consulta), no segundo trimestre, no início do terceiro trimestre (a partir da 28ª semana) de gestação e no momento do parto. Considerando que, a pessoa pode se reinfectar cada vez que for exposta, justifica-se o rastreamento mais frequente da doença, durante a gestação3.

Quanto aos parceiros dessas mães, 71% não fizeram tratamento concomitante a elas. Estudo realizado em Fortaleza (CE) relatou 62,9% dos parceiros sexuais não tratados19. No Brasil, a sífilis adquirida vem atingindo os segmentos mais jovens da população - principalmente homens -, requerendo promoção de saúde integral do homem, por meio de estratégias intersetoriais, incluindo ações de prevenção nas escolas e nas redes de interação juvenil9.

Eventualmente, o tratamento dessas mães deixou de ser realizado, em função das baixas titulações. Em algumas situações, profissionais de saúde não realizaram tratamento por acreditarem tratar-se de memória imunológica. Visando evitar essas condutas, notas técnicas têm sido disponibilizadas a todos os profissionais, ao longo dos últimos anos, alertando sobre o cuidado referente à presunção da memória imunológica, sem adequada comprovação de tratamento prévio, registrado em prontuário25.

Os casos de SC foram predominantemente de raça/cor parda, seguida pela branca e preta; e a frequência do sexo masculino foi próxima à do sexo feminino. Ao somar-se os percentuais de raça/cor parda e preta, obteve-se 66,9%. Ainda há muitas barreiras enfrentadas pela população negra no acesso à saúde, que precisam ser superadas25.

Quanto aos exames dos casos de SC, o teste não treponêmico do sangue periférico foi reagente em 62,7% e teve titulação maior que 1/8 em 53,2% dos casos. Os resultados negativos do teste não treponêmico no sangue periférico, no momento do parto, podem se tornar positivos posteriormente, sendo imprescindível o seguimento de cada caso13.

Realizou-se o teste não treponêmico do líquor em 73,9% dos casos, e em 5,3% o resultado desse exame foi reativo. Estudo em Fortaleza-CE encontrou percentuais elevados de não realização dos exames para a investigação de SC nas crianças26.

No quadriênio 2016-2019, o raio X de ossos longos foi realizado em 62,8% dos casos e apresentou alteração em 3% dos casos. Em estudo realizado na cidade de Fortaleza-CE, o diagnóstico radiológico foi realizado em 60,4 % dos casos e, destes, 5,9% apresentaram alteração27.

Neste estudo, apenas 11,8% dos casos de SC foram sintomáticos; alguns deles apresentaram mais de um sinal, sendo a icterícia mais frequente. Dentre as consequências da SC nos recém-nascidos, estão o baixo peso ao nascer, a anemia grave, a icterícia, e a hepatoesplenomegalia19.

A Penicilina G Procaína ou a G Benzatina, em seus vários esquemas, têm sido o tratamento de escolha para sífilis congênita em Vitória, sendo considerada altamente efetiva, em todos os estágios da sífilis, não tendo sido observada resistência do T. pallidum 28. Estudos têm identificado oportunidades perdidas para tratamento da SC no Brasil13 e no mundo20,29.

Quanto à evolução dos casos no quadriênio, o maior percentual de perdas foi por aborto, e, em seguida, por natimortalidade. Segundo dados da literatura, 40% dos bebês nascidos de mulheres com sífilis não tratadas são natimortos19.

Considerando o seguimento dos casos de SC, observa-se que esse indicador apresentou melhoria progressiva no quadriênio. No entanto, visto que o ideal é o alcance de 100% de seguimento, há alguns entraves que ainda precisam ser superados, para que todas as informações do seguimento dos casos estejam disponíveis nos prontuários eletrônicos das crianças, principalmente daquelas acompanhados fora da Rede Municipal de Saúde.

Em relação à taxa de incidência da sífilis congênita no município de Vitória, variou de 14,65 casos por 1000 n. v., em 2016, para 5,20 casos por 1000 n. v., em 2019. Em 2016, Vitória teve a menor taxa de natalidade da série histórica; acredita-se que em razão da epidemia do vírus Zika, ocorrida a partir de abril de 2015. Tal fato exerceu influência sobre a taxa de incidência da doença em 2016, quando essa taxa foi a maior de toda a série histórica, paralelamente com a elevação dessa taxa em todo o país6.

Ao longo do quadriênio 2016-2019, foram disponibilizados diversos treinamentos aos servidores, na abordagem à prevenção, tratamento e controle da sífilis. Além disso, o Sistema de Gestão Informatizado Rede Bem-Estar (SGIRBE) permitiu que a ferramenta Telessaúde tivesse acesso e utilização pelos profissionais de saúde, em todas unidades de saúde, prontos- atendimentos, farmácias, serviços odontológicos, serviços laboratoriais, centros de referência e de especialidades14.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) vem, desde 2014, conduzindo um processo de validação da eliminação da transmissão vertical do HIV e da sífilis pelos países, com diretrizes pautadas nos direitos humanos, igualdade de gênero e envolvimento comunitário30.

Foi uma limitação deste estudo o fato de ter analisado dados secundários, estando sujeito a falhas de preenchimento e/ou incompletude das informações. Além disso, como o indicador de seguimento de sífilis congênita se baseou em busca de registros em prontuário eletrônico, é possível que tenham ocorrido falhas de registro em prontuário. A falta de conexão das informações dos serviços externos com os serviços municipais pode ter contribuído para uma subestimativa desse indicador.

 

CONCLUSÃO

A análise dos casos do quadriênio permitiu concluir que o não tratamento, o tratamento inadequado da gestante dentre as que realizaram pré-natal e a reinfecção foram os principais fatores que influenciaram o surgimento dos casos de SC, sinalizando a necessidade de avanços na qualidade do pré-natal. A partir de diagnosticados, os neonatos devem ser imediatamente tratados, pois oportunidades perdidas de tratamento da sífilis congênita têm sido apontadas como importantes causas de mortalidade infantil13.

No quadriênio 2016-2019, o município de Vitória apresentou significativa redução do número de casos de sífilis congênita e da taxa de incidência dessa doença, com melhorias no indicador de seguimento da sífilis congênita, tendo como diretriz, para a realização das ações, o Plano de Enfrentamento da Sífilis.

 

 

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Endereço para correspondência:
Mara Rejane Barroso Barcelos
mararsb@gmail.com

Manuscrito recebido: maio 2021
Manuscrito aceito: dezembro 2021
Versão online: janeiro 2022

 

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