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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282versão On-line ISSN 2175-3598

J. Hum. Growth Dev. vol.32 no.2 Santo André maio/ago. 2022

http://dx.doi.org/10.36311/jhgd.v32.13163 

ARTIGO ORIGINAL

 

Características infantis, maternas e socioeconômicas influenciam hábitos de higiene bucal em escolares

 

 

Maiara Paula Malacarne ZambaldiI; Maria del Camem Bisi MolinaII; Katrini Guidolini MartinelliIII; Edson Theodoro dos Santos-NetoIV

IPrograma de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Avenida Marechal Campos, 1468, Bonfim, Vitória, Espírito Santo, Brasil;
IIPrograma de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Avenida Marechal Campos, 1468, Bonfim, Vitória, Espírito Santo, Brasil
IIIDepartamento de Medicina Social, Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Avenida Marechal Campos, 1468, Bonfim, Vitória, Espírito Santo, Brasil
IVPrograma de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Avenida Marechal Campos, 1468, Bonfim, Vitória, Espírito Santo, Brasil

Correspondence

 

 


ABSTRACT

INTRODUÇÃO: a prevenção da cárie dentária é realizada basicamente pela escovação e uso do fio dental. A adoção desses hábitos, principalmente em crianças, é um processo complexo que depende de fatores relacionados a diferentes aspectos da vida
OBJETIVO: determinar a associação entre características infantis, maternas e socioeconômicas com hábitos de higiene bucal em escolares de 7 a 10 anos de Vitória, Espírito Santo, Brasil
MÉTODO: estudo transversal realizado com amostra probabilística em três estágios com população final do estudo de 1.282 alunos. Os dados foram coletados por meio de questionário aplicado às crianças e aos pais para preenchimento e devolução. O desfecho foi a variável resumo denominada;Práticas de Higiene Bucal; com três combinações possíveis: nível menos favorável, nível intermediário e nível mais favorável. As variáveis independentes foram características das crianças, maternas e socioeconômicas. A Análise de Regressão Multinomial foi realizada entre as variáveis independentes que apresentaram significância p-valor<0,10 na Análise Bivariada e a variável resumo. O nível de significância para as variáveis no modelo final foi de p-valor<0,05 e o nível menos favorável foi utilizado como referência
RESULTADOS: a maioria das crianças era do sexo feminino (58,0%), com idade entre 8 e 9 anos (56,1%) e matriculada em escolas públicas (82,8%). O nível de higiene bucal mais favorável apresentou a maior prevalência (78,0%) entre os escolares. Permaneceram associadas ao nível mais favorável no modelo final as variáveis: morar com pai e mãe no mesmo domicílio (OR=2,88; IC 95%=1,15-7,20), consulta odontológica (OR=3,01; IC 95%=1,32-6,85), experiência em cárie (OR=2,88; IC 95%=1,15-7,20) e possuir escova de dentes (OR=4,72; IC 95%=1,43 -15,66
CONCLUSÃO: os determinantes sociais têm forte influência na adoção de hábitos positivos. É necessário para a saúde pública uma abordagem mais abrangente na perspectiva das desigualdades em saúde para que o contexto familiar e social não seja negligenciado

Palavras-chave: higiene bucal, hábitos, criança, determinantes sociais da saúde.


 

 

Síntese dos autores

Por que este estudo foi feito?

É na infância que a criança tem maior facilidade de desenvolver os hábitos de higiene bucal e assimilar sua importância. Logo, é recomendável conhecer os fatores que influenciam a adoção de hábitos de higiene bucal mais favoráveis e o quanto estes fatores contribuem para a aquisição desses hábitos.

O que os pesquisadores fizeram e encontraram?

Foi executado um estudo transversal de base escolar com 1.282 escolares de 7 a 10 anos. O hábito de higiene bucal foi classificado em menos favorável, intermediário e mais favorável, segundo a frequência de escovação e uso de fio dental. Descobriu-se que posse de escova dental própria, a realização prévia de pelo menos uma consulta odontológica na vida, experiência prévia com cárie, peso ao nascer adequado e residir com pai e mãe foram fatores que contribuíram para que as crianças apresentassem hábitos de higiene bucal mais saudáveis.

O que essas descobertas significam?

Ter contato com o serviço odontológico na primeira infância é essencial para a criança adotar hábitos de higiene bucal mais favorável, seja por meio de uma consulta de rotina ou devido a necessidade ocasionada pela experiência de cárie na infância. Assim como fatores socioeconômicos, maternos e infantis devem ser considerados para atuação dos profissionais no âmbito da saúde bucal para a adoção de hábitos de higiene bucal mais favoráveis.

 

INTRODUÇÃO

A remoção do biofilme das superfícies dentárias ocorre principalmente por meio da escovação e da utilização do fio dental, o que contribui de maneira significativa para a prevenção das doenças bucais1. Apesar dos métodos de higiene bucal serem amplamente difundidos, a adoção, propriamente dita, dos comportamentos de saúde é um mecanismo bastante complexo2. Nesse contexto, os determinantes gerais de saúde relacionados ao ambiente físico, social, político, econômico e cultural em que os indivíduos habitam tornam-se protagonistas na adoção de hábitos referentes aos cuidados em saúde3.

As crianças são particularmente suscetíveis às condições a que são expostas de maneira que seus comportamentos em saúde estão constantemente sendo moldados pelo ambiente, pela história pregressa de vida e por experiências pessoais vivenciadas2. Sendo assim, alguns fatores irão contribuir para a adoção efetiva de seus hábitos de higiene bucal tais como: características individuais4,5; socioeconômicas relacionadas a renda familiar6,7, condições de moradia8, nível de escolaridade materna9-11 e características concernentes ao apoio social recebido por seus familiares e amigos5,10,12.

No Brasil, a população jovem é expressiva visto que em 2021 dos 213 milhões de brasileiros, cerca de 30 milhões estavam na faixa etária de 5 a 14 anos13 sendo que quase a totalidade destes pode ser encontrada no ambiente escolar. Além disso, a escola possui papel fundamental na formação de atitudes e valores ao reunir crianças em idades que favoreçam a assimilação de medidas preventivas, como hábitos de higiene que são formados na infância14. O ambiente escolar também influencia no processo de socialização infantil, pois as crianças ao conviverem com professores e amigos assimilam o comportamento dos mesmos e moldam atitudes e comportamentos referentes à sua própria saúde bucal2.

O presente estudo possui como cenário de pesquisa o município de Vitória-Espírito Santo (ES), Brasil, que se destaca entre as capitais brasileiras por apresentar características socioeconômicas favoráveis, tais como: o terceiro maior Produto Interno Bruto (PIB)15 per capita em 2019 e o melhor Índice de Desempenho do SUS (IDSUS) no ano de 201216. Diante dessas considerações, o objetivo deste estudo foi verificar a associação entre os fatores socioeconômicos, as características maternas e infantis e a realização de práticas de higiene bucal em escolares de 7 a 10 anos.

 

MÉTODO

Desenho do Estudo, Local e Período

Trata-se de um estudo seccional, com dados coletados entre os meses de maio a dezembro de 2007, como parte do Estudo: "Nutrição e Saúde dos escolares de 7 a 10 anos matriculados em escolas públicas e privadas de Vitória - ES, Brasil (SAÚDES)9.

População do Estudo e Critérios de Elegibilidade

Os participantes do estudo foram selecionados em um processo de amostragem probabilística por conglomerado de triplo estágio9 de modo que a cobertura espacial pudesse gerar uma amostra representativa da população da cidade, bem como uma proporção de representatividade dos sexos (feminino e masculino), idades (7, 8, 9 e 10 anos) e redes de ensino (pública e privada). Dessa maneira, a amostra final consistiu em 1.282 escolares.

Coleta de dados

A coleta dos dados foi realizada por meio de dois instrumentos: o primeiro aplicado às crianças por pesquisadores treinados para o esclarecimento de dúvidas e o segundo enviado aos responsáveis para o autopreenchimento. O formulário infantil abordava questões pertinentes a práticas de alimentação e saúde bucal, bem como dados antropométricos da criança. Já o questionário entregue aos responsáveis abrangia informações da mãe da criança, aspectos socioeconômicos e outras variáveis.

No presente estudo foram investigados os hábitos de higiene bucal das crianças e sua relação com características infantis, maternas e socioeconômicas. Desta maneira, as variáveis relacionadas à frequência de escovação diária e ao uso do fio dental foram sintetizadas em uma variável resumo denominada de "práticas de higiene bucal".

Para a obtenção da variável resumo, cada possibilidade de resposta foi pontuada de acordo com situação "mais favorável" para "menos favorável" de maneira que, a frequência de escovação de três ou mais vezes ao dia, foi classificada igual a +3 pontos, duas vezes ao dia igual a +2 pontos, uma vez ao dia igual a +1 ponto. Quando a escovação não ocorria durante o dia a pontuação considerada foi de -1 ponto. O uso do fio dental foi classificado em: às vezes (+1 ponto), sim (+2 pontos) e não (-1 ponto).

Para cada criança participante do estudo os pontos referentes à frequência de escovação e utilização de fio dental foram somados determinando três situações possíveis concernentes às práticas de higiene bucal: situação menos favorável (pontuação -2 e 0), situação intermediária (pontuação 1, 2 e 3), situação mais favorável (pontuação 4 e 5).

As variáveis independentes utilizadas foram agrupadas em características infantis, características maternas e características socioeconômicas. As características infantis incluíam: experiência de cárie, sexo, idade, tipo de escola, companhia no almoço, companhia no jantar, local do almoço, local do jantar e peso ao nascer. Já as características maternas foram relacionadas ao número de filhos; escolaridade; ocupação das mães das crianças participantes do estudo; e, as características socioeconômicas consideradas foram: residência conjunta pai e mãe, aglomeração humana domiciliar, escolaridade do chefe da residência, classe socioeconômica, consulta odontológica pelo menos uma vez na vida e posse de escova dental própria da criança.

Análise de dados

As análises estatísticas foram realizadas no programa SPSS for Windows 17.0. Inicialmente, investigou-se a existência de associação entre as três situações possíveis da variável de práticas de saúde bucal e os fatores em estudo por meio das análises bivariadas exploratórias com o teste o Qui-quadrado de associação de Yates. A seguir, realizou-se a análise de Regressão Multinomial Multivariada entre a variável desfecho "Práticas de higiene bucal" e as variáveis independentes que demonstraram nível de significância menor ou igual a 0,10 na análise bivariada, de maneira que, para cada variável independente, foi obtido a razão de chances e o intervalo de confiança. A situação menos favorável foi utilizada como categoria de referência.

As variáveis relacionadas escolaridade do chefe da família e classe socioeconômica não foram incluídas no modelo de análise final por estarem fortemente associadas entre si e com escolaridade materna (p-valor<0,05). Porém, a escolaridade materna funcionou como variável de ajuste, assim como local do almoço. A estatística Pseudo-R2 (Cox & Snell e Nagelkerke) foi usada para escolher o melhor ajuste do modelo, cujo valor estava mais próximo de 1. O nível de significância adotado para as variáveis no modelo final foi de p<0,05.

Aspectos Éticos e Legais da Pesquisa

A pesquisa do qual o presente estudo se originou foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Biomédico da Universidade Federal do Espírito Santo em 26/10/06, sob número de registro no CEP/UFES 089/06. A realização do estudo nas escolas públicas foi autorizada oficialmente pela Secretaria Municipal de Educação do Município de Vitória e todas as crianças participantes da pesquisa possuíam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido assinado pelos responsáveis.

 

RESULTADOS

Dos 1.282 alunos participantes do estudo, a maioria era do sexo feminino (58,0%), matriculados em escolas públicas (82,8%) do município de Vitória- ES, com idade predominante de 8 e 9 anos. A maioria das crianças nasceu com peso normal (90,8%) possuía alguém da família como companhia durante a realização tanto do almoço (73,2%) quanto do jantar (81,7%) e almoçavam (59,1%) e jantavam (59,4%) assistindo televisão. Quanto às práticas de higiene bucal, as seguintes frequências foram identificadas: 3,5% das crianças possuíam uma prática de higiene bucal menos favorável, 15,5% uma prática intermediária e 81,0% possuíam uma prática de higiene bucal mais favorável. Além disso, 44,4% dos escolares relataram experiência de cárie (tabela 1).

Quanto às características das mães das crianças, os resultados apontaram que a maioria das mulheres havia estudado de 9 a 11 anos (41,3%), possuíam dois filhos (40,5%) e trabalhavam fora de casa e/ou eram profissionais liberais (62,4%). Em relação às variáveis socioeconômicas das famílias pesquisadas, houve uma predominância de menores que residiam com ambos os pais na mesma residência (66,3%), famílias com até cinco habitantes (80,8%), famílias pertencentes à classe socioeconômica D+E (41,6%) e famílias em que a escolaridade do chefe da residência era de 9 a 11 anos (36,0%). Além disso, 85,7% das crianças já haviam ido ao dentista em algum momento da vida e 97,7% possuíam escova dental própria (tabela 2).

As tabelas 3 e 4 apresentam os resultados das análises bivariadas relacionadas as características infantis, maternas e socioeconômicas e os três cenários possíveis de desfecho. Nessas análises, as práticas de higiene bucal associaram-se, considerando o nível de significância de 10%, com: pelo menos uma consulta odontológica na vida (p<0,001), escova dental própria (p<0,001), experiência de cárie (p<0,001), sexo (p=0,036), idade (p=0,003), companhia no jantar (p=0,084), local do almoço (p<0,001) e peso ao nascer (p=0,018).

Quanto às características maternas e socioeconômicas verificaram-se associação com o desfecho as variáveis: escolaridade materna (p=0,004); residência conjunta com pai e mãe (p<0,001); escolaridade do chefe (p=0,012) e classe socioeconômica (p=0,061).

Tendo como referência as práticas de higiene bucal no nível menos favorável, foram associadas ao nível intermediário: peso ao nascer (OR=3,69; IC 95%=1,15-11,88), residência conjunta pai e mãe (OR=3,09; IC 95%=1,29-7,43) e pelo menos uma consulta odontológica na vida (OR=2,52; IC 95%=1,02-6,27). Contudo, no nível mais favorável, outras duas variáveis apareceram significativamente associadas no modelo final: a experiência de cárie (OR=2,88; IC 95%=1,15-7,20) e a posse de escova dental própria (OR=4,72; IC 95%=1,43-15,66), além das variáveis: residência conjunta pai e mãe (OR=2,87; IC 95%=1,26-6,53) e pelo menos uma consulta odontológica na vida (OR=3,01; IC 95%=1,32- 6,85), conforme tabela 5.

 

DISCUSSÃO

A adoção de comportamentos positivos dos indivíduos sobre sua saúde bucal é influenciada por uma série de fatores externos, tais como: nível socioeconômico, renda, educação17, condições de moradia e habitação18, e principalmente por suas características individuais19. A saúde é, portanto, resultado dos diferentes modos de organização social20.

A variável posse de escova dental própria associou-se, com o desfecho no nível mais favorável, visto que as crianças que possuíam escova tinham quase cinco vezes a chance de terem uma prática de higiene bucal mais favorável, em relação a uma prática menos favorável, do que aquelas crianças que não possuíam escova dental ou compartilhavam em seu domicílio. Deve-se compreender que o acesso ao utensílio escova dental é o pressuposto inicial para a incorporação de hábito de higiene bucal pela criança21, porém não o único.

Tendo em vista que na infância, os pais e a família são a influência mais importante no desenvolvimento e formação de hábitos de saúde bucal por parte das crianças2,22,23, esse estudo também investigou aspectos concernentes ao ambiente familiar em que a criança estava inserida. Quanto aos aspectos familiares, os resultados apontaram uma associação positiva entre o fato de a criança residir na mesma casa com o pai e a mãe e as práticas de higiene bucal em nível intermediário e mais favorável, ao considerarmos a situação menos favorável como referência. Sendo assim, os escolares que residiam com o pai e a mãe na mesma casa apresentavam cerca de três vezes a chance de terem uma prática de higiene bucal intermediária ou mais favorável do que àquelas crianças que não possuem residência conjunta com ambos os pais. Baseado nessa evidência cientifica contata-se a importância da estrutura familiar nos comportamentos em saúde das crianças e que os pais em conjunto são os principais responsáveis pelos ensinamentos em saúde bucal aos menores24,25.

De maneira similar, outras investigações têm demonstrado resultados semelhantes aos encontrados no presente estudo, ao apontarem associação entre os hábitos e estilo de vida das famílias com a frequência de escovação por parte das crianças. Maes et al.26 evidenciaram que em crianças e adolescentes de 11 a 15 anos, que viviam com ambos os pais na mesma residência, possuíam maior probabilidade de escovarem os dentes mais de uma vez ao dia em relação aqueles que residiam com apenas um dos responsáveis.

Em outro estudo, realizado por Levin et al.5, com crianças na faixa etária de 11 a 15 anos, a chance de escovar os dentes duas vezes ao dia foi menor entre aqueles que viviam com apenas um dos pais em relação àqueles que viviam com ambos. Já em uma pesquisa conduzida em 32 países do mundo, com pais de crianças de 3 e 4 anos observou-se que quando os pais estimulam a escovação das crianças pelo menos duas vezes ao dia, isso é fundamental para que o hábito seja adquirido e perpetuado pelos menores26,27.

Além da influência que os pais possuem na frequência de realização de práticas de higiene bucal de seus filhos, observa-se também que famílias de pais divorciados/separados enfrentam situações que podem influenciar de maneira negativa a saúde física de seus membros28. A diminuição dos recursos econômicos disponíveis para suprir as necessidades familiares, baixos níveis de suporte social e as alterações na rotina proveniente da reestruturação familiar podem enfraquecer a qualidade da saúde física dos menores28, visto que a coesão familiar deficiente está relacionada diretamente a uma maior chance de baixa frequência de escovação diária pelas crianças e adolescentes11. Dessa maneira, pode-se inferir que a adoção de hábitos de higiene bucal mais favoráveis depende do ambiente familiar propício e que os pais influenciam de maneira determinante a saúde bucal de suas crianças.

Em relação às características dos responsáveis pelos menores, a escolaridade materna não se associou significativamente com a prática de higiene bucal nível mais favorável contrariando alguns estudos6,29,30. Porém, esse achado corrobora com o estudo de Casanova-Rosado et al.4 em que os níveis de escolaridade maternos e paternos não se mostraram diferentes entre os grupos de alta e baixa frequência de escovação. No entanto, para representar variáveis socioeconômicas: escolaridade do chefe e classe social, a mesma foi inserida como variável de ajuste ao modelo final.

Deve-se considerar que, apesar do conhecimento adquirido por meio da escolaridade possibilitar um maior acesso as informações de saúde, ao permitir que indivíduos tomem decisões mais positivas acerca dos cuidados em saúde e a perpetuem o cuidado em seu âmbito familiar31. Além disso, o ensino dos métodos de higiene bucal é bastante difundido na sociedade especialmente no meio escolar, o que pode contribuir para reduzir as desigualdades de informação que os diferentes níveis de escolaridade propiciam. O Programa Saúde na Escola (PSE) do governo brasileiro pode ser citado como exemplo. Ele vem sendo instituído nos municípios desde 2007, com a finalidade de promover a saúde geral e bucal dos alunos das instituições de ensino público. Entre as ações concernentes à saúde bucal estão: educação em saúde bucal, escovação supervisionada e aplicação tópica de flúor32. No caso específico de Vitória-ES, onde o presente estudo foi conduzido, as ações de saúde nas escolas têm sido realizadas de modo sistemático, mesmo antes do lançamento dessa política.

A associação das práticas de higiene bucal com a utilização dos serviços odontológicos também vem sendo relatado por diferentes pesquisas científicas17,33. Neste estudo, a consulta odontológica realizada pelo menos uma vez na vida associou-se de maneira significante com a variável "práticas de higiene bucal", demonstrando que quem realizou consulta odontológica tem aproximadamente três vezes a chance de ter uma prática mais favorável de higiene bucal do que aquelas crianças que nunca foram ao dentista.

Esses achados corroboram com a pesquisa conduzida por Casanova-Rosado et al.4, cujos resultados apontaram uma maior probabilidade (37%) de escovar os dentes, pelo menos uma vez ao dia, em crianças que já haviam ido ao dentista. De maneira similar, outros estudos30,17 vêm relatando uma frequência de escovação diária mais elevada em grupos que utilizam os serviços odontológicos com uma maior frequência. A associação da consulta odontológica com uma prática de higiene bucal mais favorável pode ocorrer devido à orientação de forma mais constante por um profissional treinado, sobre a importância dos hábitos de higiene na manutenção da saúde bucal, estimulando a criança a realizar a escovação e o uso do fio de maneira mais frequente. Além disso, a consulta parece estimular a higiene bucal quando comparada ao nível menos favorável. A literatura científica relata que crianças desenvolvem maior capacidade de incorporarem os cuidados ensinados por um profissional habilitado4.

O baixo peso ao nascer (<2500g) também se associou de maneira significante com o nível intermediário de prática de higiene bucal. Crianças com baixo peso ao nascer possuem um risco aumentado de paralisia cerebral, convulsões, retardo mental severo, infecções no trato respiratório, dentre outros riscos34. Na cavidade bucal também podem ocorrer alterações relacionadas a defeitos no esmalte dentário, alteração na cronologia de erupção dentária e predisposição de lesões de cárie dentária na dentição decídua além de disfunções no complexo craniofacial que podem ocasionar desvio do palato35.

Tendo em vista as intercorrências relacionadas, os resultados encontrados podem ser devido a associação entre os aspectos psicossociais e a adoção de hábitos positivos relacionados a saúde bucal. O estudo de Davlogio et al.10 demonstrou que aqueles adolescentes que não se sentiam discriminados e eram aceitos pelo seu grupo de convívio escovavam os dentes com maior frequência. Em outro estudo conduzido por Koerber et al.12 aquelas crianças que não possuíam problemas com sua aparência física também adotavam hábitos de higiene bucal mais favoráveis.

Dentre as doenças bucais, a cárie dentária é a principal enfermidade que acomete a cavidade bucal. Nesse sentido, a remoção do biofilme da superfície dental por meio da escovação por escolares contribui de maneira significativa para sua prevenção1. Os resultados do presente estudo apontaram uma associação entre a experiência de cárie positiva com o nível mais favorável de prática de higiene bucal contrariando alguns estudos4,36,37 que descreveram associação positiva entre maior frequência de escovação e uso do fio dental e menor incidência de cárie. Entretanto, os estudos apresentados4,36,37, considera a frequência de escovação limitada a uma vez ou duas vezes ao dia, sem considerar o uso do fio dental. Neste estudo, a avaliação dos níveis de práticas de higiene bucal foi mais rigorosa, porque a frequência de escovação, no nível mais favorável, por exemplo, considerou a realização da escovação pela criança, de duas ou mais vezes ao dia, vinculada à utilização do fio dental de modo esporádica ou frequente. Isso pode explicar a aparente contradição entre o presente estudo e a literatura científica consultada.

Além disso, a experiência pregressa de cárie pode ter influência positiva ao incentivar a adoção de hábitos de higiene mais frequentes já que as atitudes e comportamentos em saúde são afetados de maneira significativa por experiências de vida e histórias pessoais2.

O estudo possui como principal limitação o tempo decorrido desde a coleta de dados até a publicação (15 anos), entretanto por se tratar de um estudo de associação e não de prevalência os achados continuam sendo válidos. Outras limitações dizem respeito ao fato das informações obtidas com as crianças e no questionário dos responsáveis estarem sujeitas a viés de informação e memória. Além disso, as associações encontradas devem ser analisadas com cautela, visto que o estudo não pretende realizar inferências diretas entre causas e efeitos, mas sim avaliar a complexidade de elementos comportamentais e sociais envolvidos na prática da higiene bucal das crianças.

Apesar de se tratar de um estudo de base escolar, a inferência dos resultados para uma população de crianças não-escolares é contundente. Com a inclusão de escolares no delineamento obteve-se a quase totalidade das crianças da faixa etária de 7 a 10 anos visto que mais de 99%38 dos menores de 6 a 14 anos estão matriculados no sistema de ensino.

 

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Correspondence:
Edson Theodoro dos Santos-Neto
edsontheodoroneto@gmail.com

Manuscrito recebido: maio 2021
Manuscrito aceito: dezembro 2021
Versão online: Junho 2022

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