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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282versão On-line ISSN 2175-3598

J. Hum. Growth Dev. vol.32 no.2 Santo André maio/ago. 2022

http://dx.doi.org/10.36311/jhgd.v32.13312 

ARTIGO ORIGINAL

 

Endometriose profunda: achados clínicos e epidemiológicos de mulheres diagnosticadas segundo critérios do International Deep Endometriosis Analysis Group (IDEA)

 

 

Cicília Fraga Rocha PontesI, II; Luciana Pardini ChamiéIII, IV; Mauro Monteiro de AguiarV; Eduardo Just da Costa e SilvaVI; Debora Farias Batista LeiteVII; Simone Angélica Leite de Carvalho SilvaVIII; José Luiz FigueiredoIX

IPrograma de Pós-Graduação em cirurgia, Universidade Federal de Pernambuco/Pesquisa e Extensão EBSERH, Recife-PE, Brasil
IIMedere, Medicina Diagnóstica Especializada, Recife (PE) Brasil
IIIDepartamento de diagnóstico por imagem, Fleury Medicina e Saúde, São Paulo (SP), Brasil
IVDepartamento de diagnóstico por imagem, Chamié Imagem da Mulher, São Paulo (SP), Brasil
VDepartamento de ginecologia, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE 50670-901, Brasil
VIDepartamento de Radiologia, Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira, Recife, PE, 50070-550, Brasil - Departamento de Radiologia, do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE 50670-901, Brasil
VIIÁrea Acadêmica de Ginecologia e Obstetrícia do Centro de Ciências Médicas da Universidade Federal de Pernambuco; Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, Brasil
VIIIUniversidade de Pernambuco, UPE, Recife, PE, Brasil
IXDepartamento de Cirurgia, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE 50670-901, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: endometriose ocorre quando o tecido semelhante ao endométrio acomete o peritônio, podendo infiltrar estruturas e órgãos como o intestino, o ureter, a bexiga ou a vagina e geralmente está acompanhado de processo inflamatório. Estima-se que a doença acometa 6 a 10% das mulheres em idade reprodutiva e mais de 50% das mulheres inférteis. Os dados clínicos e epidemiológicos das pacientes com endometriose profunda (EP) disponíveis na literatura são provenientes de estudos cujas mulheres foram selecionadas por cirurgia, portanto passíveis de vieses de seleção. A ultrassonografia pélvica endovaginal com preparo intestinal (USGTVP) tem valores de especificidade e sensibilidade elevados
OBJETIVO: analisar o perfil clínico e epidemiológico das pacientes portadoras de EP diagnosticadas através da USGTVP
MÉTODO: estudo transversal, que analisou 227 pacientes com diagnóstico ultrassonográfico de endometriose profunda
RESULTADOS: infertilidade acometeu 43,8% das mulheres. Sintomas álgicos considerados como moderado ou grave (escala visual analógica, EVA, >3) apresentaram respectivamente a seguinte prevalência e valores médios na escala de EVA: dismenorreia em 84,7% (6,9), dispareunia em 69,1%, (4,5) disquezia menstrual em 60,7% (4,3) e disúria menstrual em 35,7% das pacientes. Antecedente de múltiplas cirurgias ocorreu em 10,4 % e apenas 6,8 % das portadoras haviam realizado fisioterapia para assoalho pélvico
CONCLUSÃO: a população portadora de EP apresentou alta prevalência de infertilidade e sintomas á
lgicos, achados que refletem o impacto social na qualidade de vida e no planejamento familiar dessas mulheres. A alta frequência de antecedentes de múltiplas abordagens cirúrgicas e a baixa incidência de antecedente de realização de fisioterapia pélvica na população com EP, contrariando as recomendações de tratamento ideal atualmente já estabelecidas, sinalizam a dificuldade de acesso das portadoras a centros especializados

Palavras-chave: endometriose, epidemiologia, ultrassonografia, dismenorreia, dispereunia, dor pélvica, infertilidade.


 

 

Síntese dos autores

Por que este estudo foi feito?

O estudo foi realizado para caracterização da população com endometriose profunda (EP), uma doença de alta prevalência e de impacto social e econômico importante em todo o mundo. Os estudos que caracterizam a população com EP foram extraídos de mulheres submetidas a procedimentos cirúrgicos (laparoscopia ou laparotomia). Caracterizar uma população com EP com critérios de ultrassonografia bem estabelecidos possibilita conhecer mulheres afetadas e que não necessitaram de cirurgias. Conhecer as características das portadoras de endometriose profunda poderá colaborar para construção de estratégias de organização de rede especializada na saúde pública e, assim, otimizar os recursos financeiros. Além disso, poderá gerar informações que possam contribuir para alertar os profissionais da área de saúde que tratam pacientes com endometriose profunda.

O que os pesquisadores fizeram e encontraram?

Coletamos dados de mulheres com endometriose profunda diagnosticadas por ultrassonografia cuja técnica seguiu o protocolo internacional mais atualizado (IDEA Group, 2016) para aumentar a especificidade da seleção da amostra estudada. Encontramos alta prevalência de sintomas álgicos e infertilidade. O estudo revelou antecedente cirurgia prévia para tratamento de endometriose em 29,5 % das pacientes. Antecedente de múltiplas abordagens (2 ou mais) em 10,7% das pacientes. Apenas 6,8% das portadoras de endometriose profunda haviam realizado fisioterapia para assoalho pélvico.

O que essas descobertas significam?

A alta prevalência de pacientes com múltiplas abordagens cirúrgicas e a baixa prevalência de antecedente de fisioterapia pélvica (em contraste com a alta prevalência de sintomas álgicos) sinaliza falha na abordagem terapêutica inicial atualmente recomendada, traduzindo a necessidade de conscientização dos profissionais da área e incentivo à organização de centros de referência. Alguns dados revelam o impacto social da EP e servem de alerta para o efeito negativo que a doença pode causar na vida reprodutiva das portadoras de EP, reforçando a importância do cuidado multidisciplinar.

 

INTRODUÇÃO

A endometriose é definida pela presença de epitélio e/ou estroma semelhante ao endométrio, fora do útero, geralmente associado a processo inflamatório, podendo infiltrar órgãos como o intestino, a vagina e a bexiga1. É uma doença crônica, progressiva e complexa, acometendo cerca de 10% das mulheres em idade reprodutiva e mais de 50% das pacientes inférteis2,3.

As mulheres, no clássico quadro clínico de endometriose profunda (EP), podem apresentar dismenorreia progressiva, disquezia menstrual, disúria menstrual, dispareunia, dor pélvica crônica, infertilidade, dentre outros sintomas urinários e gastrointestinais4,5. Porém o diagnóstico clínico é desafiador, pois além de algumas mulheres serem assintomáticas, a endometriose profunda também pode apresentar sintomas inespecíficos4,6.

A EP deve ser considerada um problema de saúde pública, pois os sintomas levam à perda da produtividade do trabalho, causando um grande ônus econômico, com custos semelhantes a outras doenças crônicas para tratar os problemas álgicos e de infertilidade. Além disso, a EP também prejudica a qualidade de vida das pacientes com consequências negativas na função sexual e relacionamentos pessoais6,7.

Apesar da evolução no diagnóstico, que atualmente pode ser feito com alta acurácia pela ultrassonografia transvaginal8,9, cuja técnica pode ser otimizada quando realizada após preparo intestinal10-12, o conhecimento acerca das características clínicas e epidemiológicas das mulheres que convivem com EP são provenientes de estudos cuja amostra foi selecionada em mulheres diagnosticadas durante um procedimento cirúrgico13-18, sendo, portanto, passível de vieses de seleção.

Assim, o objetivo desta pesquisa é analisar características epidemiológicas e clínicas de mulheres que convivem com endometriose profunda diagnosticadas de forma não invasiva, por ultrassonografia transvaginal.

 

MÉTODO

Desenho do estudo e participantes

Este foi um estudo de transversal, desenvolvido em Recife, Pernambuco, Brasil, entre maio de 2019 e maio de 2021, aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (Parecer nº 4.883.90).

Foram elegíveis as mulheres com suspeita de endometriose e que realizaram ultrassonografia transvaginal após preparo intestinal (USTVP) para pesquisa de EP em um serviço público universitário e duas clínicas privadas da cidade do Recife. Elas foram consecutivamente convidadas por conveniência antes da realização do procedimento por um assistente do pesquisador. Os critérios de inclusão foram pacientes que realizaram ultrassonografia transvaginal com protocolo de preparo intestinal completo e responderam ao questionário clínico. Os critérios de exclusão foram: história ou suspeita de neoplasia pélvica e cujo resultado do exame ultrassonográfico foi negativo, ou seja, sem critérios específicos para endometriose profunda. Apenas mulheres com endometriose profunda diagnosticadas por ultrassom transvaginal permaneceram na amostra final.

Procedimentos

As participantes elegíveis preencheram um questionário sobre aspectos clínicos e epidemiológicos construídos para esta pesquisa. O instrumento abordou queixas álgicas com base na escala visual analógica de dor (EVA) internacional19,20, numerada de 0 a 10 (como dor geral no período menstrual, dismenorreia, dispareunia, disúria menstrual e disquezia mensrual), história clínica (tempo dos sintomas, tempo até o diagnóstico), antecedentes obstétricos e cirúrgicos, bem como história de medicação passada e atual. Em relação aos sintomas álgicos, as mulheres foram orientadas a considerar a sintomatologia previamente ao uso de bloqueio hormonal, caso estivessem fazendo uso de tratamento clínico no momento do exame.

Cada exame foi realizado e interpretado em tempo real pela mesma radiologista (C.P), que tem experiência em ultrassonografia ginecológica há nove anos e em pesquisa de endometriose há cinco anos (no início do estudo). Os exames foram realizados com uma sonda de 5-9 MHz (Logic E9 e Voluson E8, GE Healthcare®, Milwaukee, WIS).

As participantes utilizaram duas doses de laxativo oral na véspera do exame (Bisacodil, às 8h00 e 14h00), dieta com poucos resíduos por 24 horas antes do teste e um enema retal uma hora antes21.

Todos os participantes foram avaliados de acordo com o protocolo do International Deep Endometriosis Analysis Group, IDEA GROUP22.

Análise estatística

Os dados foram digitados numa planilha do Excel 2010 e foram transferidos para o software SPSS 13.0 (Statistical Package for the Social Sciences) para análise estatística. As variáveis foram representadas pelas medidas de tendência central e de dispersão adequadas.

 

RESULTADOS

Neste estudo, recrutamos 398 mulheres. Destas, 171 foram excluídas (figura 1). Nossa amostra final foi composta por 227 mulheres com endometriose profunda.

 

 

As características clínicas e epidemiológicas quantitativas foram resumidas na tabela 1.

A idade média foi de 35,8 anos (80% das pacientes apresentavam mais de 30 anos no momento do exame). A mediana dos tempos de doença e de atraso para o diagnóstico foram respectivamente de cinco e dois anos.

O nível médio de Dor Geral no período menstrual pela escala de EVA foi de 7,1. Os sintomas álgicos obtiveram as seguintes pontuações médias: 6,9 para dismenorreia; 4,3 para disquezia mestrual, 4,5 para dispareunia. A disúria menstrual não apresentou distribuição linear.

Os sintomas álgicos considerados como moderado ou grave apresentaram a seguinte prevalência decrescente: dismenorreia em 84,7%, dispareunia em 69,1%, disquezia menstrual em 60,7% e disúria menstrual em 35,7% das pacientes.

As características qualitativas foram resumidas na tabela 2.

Em relação aos antecedentes de tratamento, 29,5% das pacientes já haviam realizado tratamento cirúrgico para endometriose, sendo que dentre estas, 10,7% (24 das 224) apresentavam história de 2 ou mais cirurgias para EP. Tratamento medicamentoso com anticoncepcional oral ou bloqueio estrogênico já havia sido realizado em 60,2% das pacientes e 61% estavam usando no momento do exame. Em relação à fisioterapia prévia para alívio dos sintomas, apenas 6,8% pacientes haviam realizado.

Sobre os antecedentes clínico-obstétricos, 49,3% das pacientes não tinham filhos, 63,6% apresentavam desejo de gestar, 4,6% apresentavam história de abortamento de repetição (2 ou mais abortos prévios) e 12,3 % apresentavam antecedente de doença inflamatória pélvica.

Em relação à qualidade de vida, 44,9% classificaram como regular, 42,7% como boa e 12,3% como ruim. A respeito dos sintomas clássicos, a infertilidade ocorreu em 43,8 % das mulheres e os sintomas álgicos foram subclassificados em ausente (EVA 0), leve (EVA 1,2), moderado (EVA 3,4,5,6, 7) e grave (EVA 9 e 10).

Os sintomas álgicos considerados como moderado ou grave apresentaram a seguinte prevalência decrescente: Dismenorreia (DM) em 84,7%, Dispareunia (DP) em 69,1%, Disquezia menstrual (DQm) em 60,7% e Disúria menstrual (DSm) em 35,7% das pacientes.

 

DISCUSSÃO

Esta pesquisa demonstrou, numa população portadora de EP em cidade do nordeste do Brasil, alta prevalência de infertilidade e sintomas álgicos (principalmente dismenorreia, dispareunia e a disquezia menstrual), exibindo particularidades quando comparada a pesquisas realizadas em outros países10,15,18,23,24.

A idade média das pacientes foi de 35,8 anos, semelhante a outros estudos24-26. Apesar de tipicamente a doença ser diagnosticada nessa faixa etária, provavelmente quando existem sintomas que causam repercussão ou essas pacientes vão em busca de investigação diagnóstica, muitos estudos já mostram que o início da EP é precoce, desde a adolescência27.

A infertilidade ocorreu em 43,8% das pacientes deste estudo, número maior que o encontrado por Leonardi et al.24 (20,9% em tal país), Bazot et al.28, (22,85, em tal país), ou Morgan-Ortiz et al.26 (26%, tal país). A maior prevalência de infertilidade deste estudo deve ser decorrente da seleção da nossa amostra. Nessa pesquisa, foram selecionadas pacientes ainda em busca de investigação diagnóstica (seja por dor, infertilidade ou achados alterados em exames de rotina). É esperado que nosso número seja maior quando comparado a tais pesquisas que estudaram exclusivamente pacientes operadas e possivelmente excluíram aquelas com infertilidade encaminhadas para terapia de reprodução assistida.

O tempo de atraso entre o início dos sintomas e o momento do diagnóstico deste estudo (2,0 anos) foi menor que o valor encontrado por pesquisadores europeus (que variou entre 4 e 10 anos)29-31. Destaca-se que existe uma diferença de metodologia entre esse manuscrito e pesquisadores pregressos, os quais avaliaram prontuários de pacientes em centros terciários ou entrevistaram mulheres submetidas a laparoscopia. É esperado, portanto, um tempo naturalmente maior de demora na indicação de uma laparoscopia que na solicitação de uma USG, em virtude de caráter invasivo da primeira. Outra questão é o fato da maior parte da amostra desse estudo ter sido coletada em clínicas privadas (91,6%), cujo tempo de acesso a exame de investigação diagnóstica deve ser bem menor quando comparadas a pacientes do sistema público de saúde, como já demonstrado por Nnoaham em, 201131.

Apesar disso, o fato de que 60,2% das pacientes já terem usado ACO ou bloqueio estrogênico nos faz acreditar que provavelmente, muitas pacientes desse estudo já apresentavam a doença assintomática e a percepção do início dos sintomas pode ter ocorrido quando as pacientes interromperam o uso do contraceptivo para tentar engravidar. Inclusive, já está bem estabelecido o conceito de que a história pregressa do uso de anticoncepcionais oral está associada a casos mais graves de endometriose, possivelmente mascarando os sintomas, porém sem impedir a progressão da doença nessas pacientes32,33.

As pacientes desse estudo demostraram sintomas álgicos com pontuação média de 6,9 para dismenorréia e 4,3 para disquezia menstrual (outros pesquisadores encontraram valores que variaram entre 6.9 e 7.7 para a primeira e 6,6 para a última23,32,34). Os valores um pouco maiores em estudos previamente publicados na literatura podem ser justificados por tais autores considerarem apenas pacientes com indicação cirúrgica, portanto potencialmente mais graves que as desta pesquisa.

A alta prevalência de sintomas álgicos moderados ou graves (>85%) e infertilidade (43,8%) devem ser alguns dos motivos para 57,2% das pacientes incluídas no estudo considerarem a qualidade de vida como moderada ou ruim.

Em contrapartida, algumas pacientes com níveis de dor na escala de EVA moderados ou graves, porém responsivas ao tratamento clínico, justifiquem os quase 43% de pacientes que julgaram a qualidade de vida como boa. Estudos futuros (com questionários específicos e validados) que investiguem a correlação entre a intensidade da dor e o uso prolongado de contraceptivos, os quais poderiam interferir na percepção da qualidade de vida, podem ser úteis.

Nossos dados refletem dificuldades que as mulheres enfrentam em ter acesso a tratamento especializado. É importante destacar que 29,5% das pacientes com EP apresentavam de 1 a 4 cirurgias prévias para tratamento de endometriose16,23, sendo que, dentre estas, 10,7% (24 das 224) apresentavam história de 2 ou mais cirurgias para EP, porém persistiam com achados ultrassonográficos compatíveis com doença. Uma vez que essas mulheres costumam ser atendidas por ginecologistas generalistas e ter indicação cirúrgica precoce, sem estadiamento prévio por método imagem adequado, há um prejuízo ao planejamento de equipe cirúrgica ideal e, portanto, aumento da taxa de doença residual. O conceito atual de boas práticas busca um menor número de abordagens, sendo ideal a cirurgia única e completa, como defendido por Chapron et al6.

Ainda sobre o tratamento da EP, apenas 6,6% das participantes deste estudo já haviam realizado fisioterapia pélvica. O papel da fisioterapia pélvica na avaliação e no tratamento dos distúrbios musculares que envolvem o assoalho pélvico, com consequente melhora dos sintomas álgicos e da qualidade de vida das portadoras de EP, já é bem estabelecido6,35. Nossos achados servem de alerta e revelam como este método vem sendo pouco utilizado em Pernambuco.

A difusão do conhecimento entre ginecologistas generalistas sobre os novos conceitos de tratamento e métodos diagnósticos ideais, assim como a criação de centros de referência de endometriose como profissionais especialistas, são as possíveis estratégias de política pública com impacto positivo sobre a população afetada.

Alguns números desse estudo revelam o impacto social da EP e servem de alerta para o efeito negativo que a doença pode causar na vida reprodutiva das portadoras de EP: 80% das pacientes estudadas apresentavam mais de 30 anos de idade no momento do diagnóstico, 62,4% apresentavam desejo de gestar, 43,8% já preenchiam critérios de infertilidade e 69,1% queixavam-se de dispareunia profunda (moderada e grave). Esses dados, em conjunto, reforçam a importância do cuidado multidisciplinar, de um olhar mais amplo sobre essas pacientes e seus cônjuges, os quais precisam gerenciar muitas questões decorrentes dos impactos emocionais e financeiros associados à infertilidade6,7.

Entretanto, algumas limitações desse estudo devem ser consideradas. Primeiramente, a amostra é passível de viés de seleção (uma vez que as mulheres foram selecionadas em centros especializados). Em contrapartida, destaca-se que nossa análise é menos susceptível aos vieses de seleção apresentados pela maioria dos pesquisadores pregressos cujas amostras foram selecionadas por indicação de tratamento cirúrgico, afastando mais ainda os dados encontrados da população geral7,32.

Outro fator a ser considerado é que os questionários clínicos foram respondidos pelas próprias participantes, as quais podem ter apresentado dificuldade de interpretação dos termos utilizados. Reiteramos que o instrumento de pesquisa foi construído com linguagem para leigos e, assim, acreditamos termos reduzido o viés da interferência do entrevistador.

Em contrapartida, o nosso principal ponto forte é que a amostra selecionada foi proveniente de pacientes que obtiveram o diagnóstico em centros de referência, por método não invasivo, seguindo critérios internacionais, o que tornou baixa a chance de falso positivo (IDEA, 2016).

 

CONCLUSÃO

A população portadora de EP apresentou alta prA população portadora de EP apresentou alta prevalência de infertilidade e sintomas álgicos (principalmente dismenorreia, dispareunia e a disquezia menstrual), achados que refletem o impacto social na qualidade de vida e no planejamento familiar dessas mulheres. A alta frequência de antecedentes de múltiplas abordagens cirúrgicas e a baixa incidência de antecedente de fisioterapia pélvica na população com EP, contrariando as recomendações de tratamento ideal, sinalizam a dificuldade de acesso das portadoras a centros especializados. Este estudo, ao selecionar a amostra estudada com base em critérios diagnósticos ultrassonográficos, abre horizonte para uma nova forma de metodologia de análise das pacientes com EP, capaz de aproximá-la da população geral.

Contribuições dos autores

Cicília: autora principal, escrita do texto; Cicília, Mauro, Simone: idealização e elaboração dos questionários; Cicília, Mauro, Luciana, E. Just, Débora Leite e Jóse Luíz: revisão do texto.

 

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Endereço para correspondência:
Cicília Fraga Rocha Pontes
ciciliapontesradiologia@gmail.com

Manuscrito recebido: maio 2021
Manuscrito aceito: dezembro 2021
Versão online: junho 2022

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