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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282versão On-line ISSN 2175-3598

J. Hum. Growth Dev. vol.32 no.2 Santo André maio/ago. 2022

http://dx.doi.org/10.36311/JHGD.V32.13321 

ARTIGO ORIGINAL

 

Fatores associados à prática de lazer de indivíduos em hemodiálise

 

 

Alexandre Cardoso da CunhaI; Edson Theodoro dos Santos NetoII; Monica CattafestaIII; Luciane Bresciani SalaroliIV

IUniversidade Federal do Espírito Santo, Centro de Ciências da Saúde, Departamento de Terapia Ocupacional
IIUniversidade Federal do Espírito Santo, Centro de Ciências da Saúde, Departamento de Medicina Social, Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva
IIIUniversidade Federal do Espírito Santo, Centro de Ciências da Saúde, Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva
IVUniversidade Federal do Espírito Santo, Centro de Ciências da Saúde, Departamento de Educação Integrada em Saúde, Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: práticas de lazer são atividades complexas envolvendo várias dimensões da vida humana como social, cultural e de saúde. Utilizá-las para aumentar o bem-estar e em situações de doenças crônicas ajudar na adaptação à doença
OBJETIVO: este estudo analisou fatores associados à prática de lazer em indivíduos em hemodiálise
MÉTODO: dados coletados por entrevista durante as sessões de hemodiálise em corte transversal, censitário, com 1024 indivíduos. Fatores socioeconômicos, hábitos de vida, características clínicas e de tratamento, foram associados às práticas de lazer e suas magnitudes foram avaliadas por regressão logística binária
RESULTADOS: identificou-se que ter 40 anos ou menos aumentou a chance de praticar mais lazer em 5,26 vezes (IC95% = 3,86-10,15), nunca ter fumado aumentou em 2,12 as chances de praticar mais lazer (IC95% = 1,04-4,30). Entretanto, aqueles que tinham oito anos ou menos de estudo apresentaram 71,1% menos chances de praticar mais lazer (OR = 0,289, IC95% = 0,17-0,49
CONCLUSÃO: os fatores associados com as maiores práticas de lazer de usuários de hemodiálise são menor idade, maior escolaridade e ausência de tabagismo demonstrando a necessidade de implementar políticas públicas para diminuir as inequidades em saúde e aumento das práticas de lazer

Palavras-chave: Atividades de Lazer; Diálise Renal; Determinantes Sociais da Saúde; Doenças não Transmissíveis; Insuficiência Renal Crônica.


 

 

Síntese dos autores

Por que este estudo foi feito?

As práticas de lazer são atividades complexas que envolvem diversas dimensões da vida humana, como social, cultural e de saúde. Realizá-las aumenta o bem-estar e em situações de doença crônica ajuda na adaptação à doença. O indivíduo com doença renal crônica que precisa realizar hemodiálise tem sua vida impactada em diversos fatores sociais, culturais e nas atividades de lazer. Este estudo foi realizado para analisar os fatores associados à prática de lazer em indivíduos em hemodiálise.

O que os pesquisadores fizeram e encontraram?

Autores entrevistaram 1024 indíviduos durante as sessões de hemodiálise e associaram fatores socioeconômicos, hábitos de vida, características clínicas e de tratamento às práticas de lazer. Suas magnitudes foram avaliadas por regressão logística binária e encontraram que as maiores práticas de lazer de usuários de hemodiálise são menor idade, maior escolaridade e ausência de tabagismo.

O que essas descobertas significam?

Os principais fatores associados à práticas de lazer são os sócioeconômicos e que as rotinas que a hemodiálise impõe não impedem a realização de atividades de lazer. É necessário Implementar políticas públicas para reduzir as iniquidades em saúde e aumentar as práticas de lazer e melhorar o bem-estar dessa população.

 

INTRODUÇÃO

A Doença Renal Crônica (DRC) é um importante problema de saúde pública e contribui significativamente na carga global de doenças1. Estima-se que em 2017 havia 700 milhões de pessoas diagnosticadas com DRC no mundo2. No Brasil, em 2019, a prevalência estimada era de 218 pessoas por milhão, enquanto a incidência estimada era de 139.691 pessoas. No mesmo ano 93,2% de toda a população que se encontrava em tratamento dialítico faziam hemodiálise3. Este tratamento interfere em fatores sociais e culturais dos usuários de maneira tão importante que influencia a adesão ao tratamento4 e nas atividades de lazer.

O lazer engloba atividades complexas com diferentes dimensões da vida humana como a saúde, fatores sociais e também culturais. Esta relação é descrita como de caráter complexo abrangendo questões socioeconômicas e políticas5 a ponto de diminui desigualdades socioeconômicas na saúde6. Podem incluir uma variada oportunidade de opções, tais como atividades físicas e esportivas, teatro, atividades expressivas e criativas, além de diversos hobbies e nesta relação podem ser usadas para beneficiar várias dimensões da saúde6,7. Em situações de doenças crônicas, o lazer é uma maneira de melhorar a adaptação à doença e aumentar o bem-estar8.

A associação entre lazer, fatores sociais e saúde é conhecida9, mas as pesquisas a respeito do lazer não costumam utilizar um instrumento que valorize todas as possibilidades de atividades e também o engajamento das pessoas. Há pesquisas que avaliam apenas a prevalência das atividades físicas10, há as que especificam a quantidade de tempo dispendido nas atividades para estudar a motivação das pessoas, mas não o engajamento11 e também as que pesquisam o lazer a partir de metodologias qualitativas12.

A associação positiva entre práticas de lazer e qualidade de vida já é conhecida13 mas, na literatura científica há poucas investigações que avaliem se alguma característica do tratamento de hemodiálise pode ter relação com a frequência de práticas de lazer. As pesquisas encontradas concentram-se em investigar apenas as atividades físicas no lazer13,14, dos indivíduos em hemodiálise, avaliar a qualidade de vida apenas pelas atividades sociais e artísticas13 e avaliar se o lazer é um instrumento que pode ajudar a melhorar a satisfação do usuário com serviço de hemodiálise15.

São escassos os trabalhos que avaliam as práticas de lazer em toda as suas dimensões, em especial de indivíduos em hemodiálise. Essa avaliação poderá abarcar aspectos subjetivos das preferências de atividades, mantendo a características de liberdade de escolha que o lazer tem em sua concepção. Nesse contexto descreveremos quais fatores socioeconômicos, de estilo de vida e quais características clínicas e de tratamento se associam às práticas de lazer em indivíduos em hemodiálise. Assim, o objetivo deste trabalho é analisar os fatores associados à prática de lazer em indivíduos em hemodiálise.

 

MÉTODO

Tipo de Estudo e População

Trata-se de um estudo epidemiológico, transversal e censitário. A população do estudo consistiu em indivíduos em hemodiálise da Região Metropolitana da Grande Vitória, Espírito Santo, Brasil (RMGV-ES). Participaram da pesquisa todos os usuários de serviços de hemodiálise nas entidades públicas, filantrópicas, hospitais e em clínicas privadas conveniadas da RMGV-ES de ambos os sexos, maiores de 18 anos e em terapia renal substitutive hemodialítica entre os meses de fevereiro e setembro de 2019. Foram excluídos da pesquisa indivíduos com precaução de contato, que não residiam nos municípios da RMGV-ES, que foram transferidos para outra unidade hospitalar, e/ou que possuiam limitações de entendimento ou responder as questões apresentavam limitações de compreensão ou de responder as perguntas devido a alguma condição aguda ou crônica.

Instrumentos

Dados de características socioeconômicas, hábitos de vida, características de tratamento e clínicas foram coletados. Os dados foram categorizados da seguinte maneira:

(1) Características socioeconômicas: sexo ("feminino"/ "masculino"); faixa etária ("18 a 39 anos", "40 a 59 anos" e "60 anos ou mais"); raça/cor autorreferida (branca/preta e parda)16; escolaridade em anos de estudo ("menos de oito anos", "nove a 11 anos" e "mais de 11 anos"); renda em salário mínimo (SM) ("menos de um SM", "um a menos de dois SM", "dois a menos de cinco SM" e "cinco ou mais SM"); Situação conjugal ("com companheiro"/ "sem companheiro").

(2) Características de hábitos de vida: Hábito de consumir bebida alcóolica ("sim"/ "não"); Fumante ("não, nunca fumei"/ "não, fumei no passado, mas parei de fumar"/ "sim, regularmente").

(3) Características clínicas e de tratamento: Doenças autorreferidas ("duas ou menos"/ "três ou mais"); medicamentos utilizados ("menos de cinco"/ "cinco ou mais"); Complicações intradialíticas autorreferidas ("nenhuma"/ "uma a três"/ "três ou mais"); Tempo de doença renal crônica ("menos de cinco anos"/ "cinco anos ou mais"); Tempo de HD ("menos de dois anos"/ "dois anos ou mais"); Cidade de tratamento e de residência ("mesma cidade"/ "outra cidade"); Modalidade de Assistência ("público"/ "privado"/ "misto"); Turno que realiza HD ("manhã"/ "tarde"/ "noite").

Para medir a variável dependente, Práticas de Lazer, foi utilizada a Escala de Práticas no Lazer17. É uma escala tipo Likert que avalia oito domínios do lazer: artístico (ir ao cinema, teatro, shows musicais, participar de grupos de coral etc), manual (jardinagem, cozinhar, fazer artesanato, marcenaria etc;), físico-esportivo (ir à academia, jogar bola, caminhadas etc), intelectual (participar de cursos, ler, ouvir ou compor músicas etc), social (ir à igreja, sair com amigos, ir à festas, visitar familiars etc), turismo (viajar, participar de excursões, realizar passeios etc), virtual (navegar na internet, usar redes sociais, jogar vídeo game), ócio e contemplação (apreciar a natureza, o pôr-do-sol, meditar etc) com 11 pontos (de zero a dez, sendo que zero significa que o usuário nunca pratica e dez que sempre pratica). As respostas dos oito domínios foram somadas para se ter o resultado da escala de práticas de lazer, que pode variar de zero a 80 pontos e dicotomizada em "igual ou abaixo da mediana" / "acima da mediana" que foram, respectivamente, denominados como "menos lazer" e "mais lazer".

Coleta de Dados

A coleta de dados ocorreu entre os meses de fevereiro e setembro de 2019, nas dependências das unidades de hemodiálise, durante o período de permanência do indivíduo no serviço de saúde.

Um teste piloto foi realizado no formato de teste e re-teste, em um intervalo de 15 dias, com a finalidade de avaliar a confiabilidade e a reprodutibilidade do instrumento de coleta de dados. Participaram 58 indivíduos portadores de DRC em tratamento de hemodiálise em Colatina que é município com mais de 100 mil habitantes localizada fora da RMGV-ES (e não incluídos na amostra da pesquisa). Foram realizadas estatísticas de teste de Kappa e McNemar. Os valores de Kappa ajustado para as variáveis do instrumento variaram entre 0,89 a 0,99, o que expressa uma concordância quase perfeita e nos testes de McNemar nenhuma variável demonstrou tendência significativa de discordância ao nível p-valor <5%.

Análise de Dados

A normalidade das variáveis foi avaliada utilizando-se o teste de Kolmogorov-Smirnov. A análise descritiva foi apresentada em frequências absolutas e relativas. O teste Qui-quadrado de Pearson foi utilizado para calcular a diferença entre as proporções da prática de lazer (menos lazer e mais lazer) e as demais variáveis. Para o cálculo da razão de chances, utilizou-se o modelo de regressão logística binomial. Foram incluídas as com significância estatística de até 5% no teste de associação e que não apresentaram colinearidade. O nível de significância foi fixado em 5% e o intervalo de 95% de confiança (IC95%). Os dados foram analisados usando o IBM SPSS Statistic22.

Aspectos Éticos e Legais da Pesquisa

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Centro de Ciências da Saúde (CCS) da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), sob o número 3.002.709 e CAAE 68528817.4.0000.5060 e atendeu aos critérios da Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde. Os indivíduos em hemodiálise que concordaram em participar da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) antes de responderem o questionário.

 

RESULTADOS

Foram identificados 1351 usuários nas unidades de HD da RMGV-ES. Destes, 215 foram excluídos (137 por se encontrarem em precaução de contato e 78 com limitações de compreensão ou para responder ao questionário) também houve 89 perdas (67 por estarem internados em outras unidades hospitalares, além de 15 que foram à óbito e sete que foram transferidos de Unidade de hemodiálise antes da coleta de dados). Dos 1047 indivíduos elegíveis 23 (2,2%) se recusaram a participar. A população deste estudo foi constituída, assim, por 1024 indivíduos em hemodiálise.

Nas análises bivariadas, podemos observar as práticas de lazer foram associadas à algumas variáveis socioeconômicas. O maior envolvimento nas práticas de lazer foi associada a ter de 18 a 40 anos (p<0,001), ter 11 anos ou mais de estudo (p<0,001) e receber mais que dois até cinco salários mínimos (p<0,001) (tabela 1).

Para os indivíduos em hemodiálise foi observada associação de maiores práticas de lazer com o consumo de bebida alcóolica (p=0,005) e com nunca ter fumado (p<0,001) (tabela 2).

Foram observadas maiores práticas de lazer entre os indivíduos em hemodiálise que auto referiram menos doenças (p=0,008), que usavam a modalidade o sistema privado de tratamento (p<0,001) e as que faziam hemodiálise nos turnos da manhã ou à noite (p=0,002) (tabela 2).

A tabela 3 apresenta a regressão com as variáveis que apresentaram um p-valor menor que 0,05 na análise bivariada. Permaneceram associadas à práticas de lazer a faixa etária, escolaridade, fumo.

A regressão logística binária mostrou que ter menos de 40 anos aumenta em 6,26 vezes as chances (IC95%= 3,413-9,252) e ter entre 40 e menos de 59 anos aumenta em 2,44 vezes as chances (IC95%= 1,748-3,412) de praticar mais lazer quando comparado aos indivíduos com 60 anos ou mais. Os indivíduos em hemodiálise que tinham menos de oito anos de estudo apresentaram 71,1% menos chances (IC95%= 0,166 - 0,493) e os com mais de oito até 11 anos de estudo apresentam 55,7% menos chances (IC95%= 0,267-0,736) de estarem no grupo que praticam mais lazer quando comparados com os indivíduos com 8 anos ou menos de estudo.

Para as variáveis de estilo de vida, os usuários que relataram nunca terem fumado têm 2,8 vezes mais chances (IC95%= 1,301-6,051) de praticar lazer acima da mediana. Nenhuma variável entre as que configuram as características clínicas e de tratamento foram significativas após ajuste.

 

DISCUSSÃO

Este trabalho foi organizado para identificar e analisar os fatores associados à prática de lazer em indivíduos em hemodiálise. Desta forma, elementos ligados ao cotidiano do tratamento hemodialítico, características clínicas, hábitos de vida e socioeconômicos foram investigados.

O lazer é descrito na literatura como capaz de auxiliar na saúde, na adaptação à doenças crônicas e no bem-estar. Utilizar um instrumento que aborde as 8 dimensões do lazer em pesquisa com usuários de hemodiálise é inédito e contribui para explicar a contradição que a literatura aponta a respeito da frequência de práticas de lazer desta população. Deve-se ressaltar que apresentar associações das características clínicas e de tratamento desta população também é inédito e contribui para que as equipes de serviços de hemodiálise orientem seus usuários com base na literatura científica.

Os resultados mostram que os fatores associados a mais práticas de lazer de indivíduos em hemodiálise são a idade, o nível de escolaridade e o hábito de fumar, sendo, então, os grupos que mais praticam atividades de lazer os de adultos jovens, com maiores níveis de escolaridade e que não fumavam. No entanto é importante ressaltar que este estudo utilizou um instrumento para avaliar as práticas de lazer nunca utilizado antes com a população do estudo, o que aponta para uma maior cautela na comparação de resultados para análise.

O principal achado deste trabalho é que os resultados do modelo final ajustado indicam que as características clínicas e de tratamento não afetam as práticas de lazer dos indivíduos em hemodiálise em seus diferentes contextos. Apesar de não encontrarmos na literatura pesquisas que investiguem especificamente esta relação, há artigos que utilizam o impacto destas características de tratamento na vida dos pacientes para justificar a realização de estudos sobre o estilo de vida18. As desigualdades socioeconômicas prejudicam mais a realização de práticas de lazer que a rotina do tratamento, o que dá indícios que se o sujeito tem condições de se organizar para desfrutar de momentos de lazer, a pesada rotina que um tratamento hemodialítico impõe poderá ser superada.

No presente estudo menores níveis de escolaridade estão relacionados com menores níveis de práticas de lazer. Esta associação também é encontrada em estudos que investigaram apenas idosos19 ou somente adultos20. A baixa escolaridade, além de ser uma barreira para o lazer18 é associada a menores níveis cognitivos e prejuízo nas funções sociais de usuários de hemodiálise21, o que pode fazer com que os usuários tenham menos recursos internos para lidar/praticar mais domínios do lazer e ajustá-los à realidade que vivem após a doença ter sido diagnosticada e o tratamento ter iniciado.

Apesar de alguns estudos apontarem que a baixa renda é um limitador para acesso ao lazer18, não foi verificada associação da frequência de práticas de lazer com a renda. As atividades manuais, sociais e virtuais serem mais praticadas por pessoas com menor renda e menor escolaridade, e por outro lado, as atividades artísticas serem realizadas pelas pessoas com maior nível de escolaridade, assim como as turísticas são mais praticadas pelas pessoas com maior renda22. A somatória das respostas de todos os domínios pode ter mascarado as relações de cada domínio com a renda, o que pode explicar o resultado encontrado.

Os achados corroboram com a literatura científica, as pessoas com mais idade têm menos práticas de lazer. O aumento da idade é um fator que diminui as chances de se realizar lazer do tipo físico-esportivo23 e aumenta o tempo de lazer sedentário4. Também é importante considerar que o processo de senescência aumenta a possibilidade de sarcopenia, e em indivíduos em hemodiálise, esse é um importante limitador funcional24. As alterações que o corpo apresenta no processo de senescência, somadas às proporcionadas pela DRC e ao efeito psicológico dos longos períodos em um ambiente de tratamento, muitas vezes reforçam apenas um novo lugar no mundo: o de doente. O processo de adoecimento tem muita dor, sofrimentos, dúvidas a respeito do diagnóstico25. Esse quadro associado com a definição de preferência por certos domínios do lazer pode ter impacto na diminuição das práticas de lazer por pessoas com mais idade.

O lazer pode ser um elemento de auxílio na mudança desse quadro, pois ele é um processo fundamental que colabora na construção de significados da "arte da vida"26 e pode ajudar a pessoa a não apenas a vivenciar/estar no cotidiano, mas superar o sentir-se doente pela esperança no futuro e também de renovar o sentido de sua existência27, proporcionando melhor qualidade de vida8.

Nunca ter fumado foi associado positivamente com as maiores práticas de lazer neste estudo. Apesar do hábito de fumar é associado ao lazer sedentário28, há muitas outras atividades que se abrem como possibilidades de lazer. Tal resultado pode ser explicado por que usuários de serviços de hemodiálise, devido à doença renal crônica, são expostos a várias informações e orientações de alimentação e hábitos saudáveis e pessoas que não fumam tem mais chances de aderirem a padrões alimentares saudáveis29, o que pode aumentar a sensação de bem-estar e disposição para variados atividades de lazer.

Nesse sentido, nota-se que as práticas de lazer dos indivíduos em hemodiálise precisam de mais atenção por parte dos profissionais de saúde. A hemodiálise gera mudanças importantes na vida das pessoas, no cotidiano, no trabalho/estudo e na alimentação. É importante que nas equipes dos serviços de hemodiálise existam profissionais que entendam a importância de atividades de lazer e de seu potencial para facilitar o manejo dos sintomas, da melhoria do bem-estar e da adaptação da vida com uma doença crônica.

Como principal limitação desse estudo podemos apontar a dificuldade de estudar características comportamentais de maneira quantitativa, porém, ganha importância por se tratar de uma pesquisa inédita na literatura, sendo uma das poucas pesquisas que investigam o lazer de indivíduos em hemodiálise com um instrumento com os 8 domínios de práticas de lazer. Outra limitação é, em um estudo transversal, estabelecer a causalidade temporal entre as associações. Também entendemos que ao utilizarmos a Escala de Práticas no Lazer considerando a totalidade dos 8 domínios, diminuiu-se a possibilidade de discussão das características diferentes de cada um dos oito domínios do lazer e suas associações com as variáveis estudadas. Entretanto, a forma de análise adotada valoriza a variedade de práticas de lazer, considerando-as como escolha pessoal (ou coletiva), livre e que gera prazer.

 

CONCLUSÃO

Este trabalho procurou estudar a associação de fatores socioeconômicos, de hábitos de vida, características clínicas e de tratamento hemodialítico às práticas de lazer de indivíduos em hemodiálise. Todos os indivíduos em tratamento na RMGV, no período de fevereiro à setembro de 2019, foram entrevistados e com base no resultado do Qui-quadrado de Pearson foi montado o modelo de regressão logística binomial para estimar a razão de chances de cada fator nas práticas de lazer.

Com base nos resultados, é possível inferir que os fatores associados com as maiores práticas de lazer de indivíduos em hemodiálise são fatores socioeconômicos. Ter menos de 40 anos e não ainda não vivenciar a queda de funcionalidade do corpo que a senescência produz é um dos fatores que contribui para maiores práticas de lazer. Outro fator identificado pela pesquisa é o maior nível de escolaridade que é associada com menores níveis cognitivos e prejuízo nas funções sociais como limitadores de tais práticas.

Outro fator associado às maiores práticas de lazer foi o hábito de não fumar. A exposição às diversas orientações e recomendações de hábitos saudáveis e cuidados em relação à DRC que o indivíduo em hemodiálise recebe. Isso pode aumentar os períodos de sensação de bem-estar que facilitam as práticas de lazer.

O principal achado é que, diferentemente da hipótese inicial da pesquisa, as características clínicas e tratamento não foram associadas às práticas de lazer do indivíduo em hemodiálise. Apesar da constante rotina de tratamento os indivíduos em hemodiálise encontram meios para participar de atividades de lazer e viver uma vida que não se centre apenas doença. Estes achados indicam a importância de haver políticas públicas que favoreçam a diminuição das iniquidades sociais, na saúde e voltadas para promover práticas de lazer desta população. Também aponta para que as equipes dos serviços de hemodiálise tenham profissionais que consigam realizar intervenções no sentido de ampliar tais práticas e favoreçam o aumento do bem-estar das pessoas que estão em tratamento.

Contribuições dos Autores

Concepção, A.C.C.; Metodologia, A.C.C., L.B.S. e E.T.S.N.; Análise formal, A.C.C.; Redação - escrita do manuscrito, A.C.C.; Escrita - revisão e edição, L.B.S., E.T.S.N. e M.C.; Supervisão, L.B.S. e E.T.S.N.; Administração do Projeto, L.B.S.; Aquisição do Financiamento, L.B.S. e E.T.S.N. Todos os autores leram e concordaram com a versão publicada do manuscrito.

Financiamento

Esta pesquisa foi financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Espírito Santo (FAPES), número 83164324.

Conflitos de Interesse

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

 

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Endereço para correspondência:
Alexandre Cardoso da Cunha
accunhato@gmail.com

Manuscrito recebido: maio 2021
Manuscrito aceito: dezembro 2021
Versão online: junho 2022

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