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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282versão On-line ISSN 2175-3598

J. Hum. Growth Dev. vol.32 no.2 Santo André maio/ago. 2022

http://dx.doi.org/10.36311/jhgd.v32.13313 

ARTIGO ORIGINAL

 

Os efeitos de intervenções baseadas em mindfulness em tempos da COVID-19: uma revisão sistemática

 

 

Dara Fernanda Brito DuarteI; Jaiany Rodrigues LibórioI; Giovana Macêdo Egídio CavalcanteI; Taysa Leite de AquinoI; Larissa de Carvalho BezerraI; Ana Luíza de Aguiar Rocha MartinI; João Victor Rodrigues de LacerdaII; Vitor FriaryIII; Juliane dos Anjos de PaulaI

IFaculdade de Medicina de Juazeiro do Norte - FMJ/ESTACIO, Juazeiro do Norte, Ceará, Brasil
IIResidente em Psiquiatria da Infância e Adolescência do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo - USP, São Paulo, Brasil
IIIPsicólogo Clínica Licenciado, Formador MBCT e Supervisor do Centro de Mindfulness no Brasil. Professor Convidado do Programa de Residência em Psiquiatria Geral do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, Rio de Janeiro, Brasil
IVProfessora do curso de medicina da Disciplina de Saúde Mental da Faculdade de Medicina de Juazeiro do Norte - FMJ/ESTACIO, Juazeiro do Norte, Ceará, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: a crise de saúde pública ocasionada pela COVID-19, doença causada pelo SARS-CoV-2, impôs ameaças físicas e sofrimento psíquico tanto aos pacientes infectados quanto aos indivíduos que vivenciam o isolamento social e as diversas restrições governamentais, propiciando o aparecimento de sintomas de ansiedade, depressão, além de insônia, estresse e alterações do ritmo biológico. Diante desse cenário estressor, as intervenções baseadas em atenção plena (MBIs), se mostraram ferramentas potencialmente adequadas na redução do sofrimento psicológico e na geração de bem-estar da população em geral
OBJETIVO: descrever os efeitos das intervenções baseadas em mindfulness em tempos da COVID-19
MÉTODO: foi realizada uma revisão sistemática da literatura sobre os efeitos da intervenção mindfulness em tempos da COVID-19. Os artigos foram pesquisados em quatro bases de dados (Pubmed, Embase, Scopus e Science direct) e o protocolo PRISMA foi utilizado para realização desta revisão. No total, quatorze artigos foram incluídos no estudo
RESULTADOS: a utilização de técnicas de mindfulness na população com prejuízos na saúde mental em consequência da pandemia da COVID-19 mostraram-se benéficas, ocorrendo melhora no escore de estresse emocional e redução dos sintomas de ansiedade, através de práticas formais de meditação tipo mindfulness, como respiração consciente, escaneamento corporal, e aplicação da estratégia de redução do estresse baseada em atenção plena (MBSR). Estratégias também foram aplicadas através de aplicativos de smartphone que tiveram o objetivo de promover o aumento da atenção plena e o desenvolvimento da aceitação, sem julgamentos, das experiências traumáticas já vividas, além de intervenção integrada na internet com o uso da atenção plena, treinamento de relaxamento respiratório, habilidades de refúgio e método do abraço de borboleta
CONCLUSÃO: com o perpassar da pandemia, ainda com elevada mortalidade, continuidade dos isolamentos sociais, e, consequentemente, intensificação do sofrimento psíquico na população e profissionais de saúde, as intervenções baseadas em atenção plena (MBIs) estão sendo eficazes para diminuir esse sofrimento, prevenir aparecimento de transtornos mentais crônicos e promover impactos positivos no bem-estar físico e mental

Palavras-chave: mindfulness, coronavirus infections, revisão sistemática


 

 

Síntese dos autores

Por que este estudo foi feito?

Diante da pandemia da COVID-19 e da grande necessidade de cuidados da população mundial quanto a saúde mental, a utilização das intervenções baseadas em mindfulness (MBIs) na população com prejuízos na saúde mental em consequência da mostraram-se benéficas, ocorrendo melhora no escore de estresse emocional e redução dos sintomas de ansiedade, através de práticas formais de meditação tipo mindfulness, como a redução do estresse baseada em atenção plena (MBSR), terapia cognitiva baseada em atenção plena (MBCT), terapia cognitiva baseada em mindfulness para a vida (MBCT-L) e meditação orientada à atenção plena (MOM) se mostraram promissoras para esse objetivo.

O que os pesquisadores fizeram e encontraram?

Realizou-se um estudo de revisão sistemática conduzido de acordo com as diretrizes de Itens de Relatório Preferenciais para Revisões Sistemáticas e Meta-Análise (PRISMA). A metodologia atualizada usada nesta revisão sistemática está de acordo com o Cochrane Handbook of Systematic Reviews of Interventions. Foram analisados quatorze artigos e as técnicas de mindfulness durante a pandemia se mostraram eficazes tanto para os profissionais de saúde quanto para a população em geral.

O que essas descobertas significam?

As técnicas de mindfulness durante a pandemia se mostraram eficazes tanto para os profissionais de saúde quanto para a população em geral na promoção do bem-estar, redução do sofrimento psicológico e na melhora da função imunológica, além de reduzir o desenvolvimento de sintomas psicopatológicos pós-traumáticos e prevenir o aparecimento de transtornos mentais crônicos. A implementação das MBIs através de meios tecnológicos se mostrou uma alternativa eficaz na expansão da acessibilidade para a população em geral diante do contexto de isolamento social.

 

INTRODUÇÃO

A crise de saúde pública ocasionada pela COVID-19, doença causada pelo novo Coronavírus, o SARS-CoV-2, apresenta um espectro clínico variando entre quadros assintomáticos até quadros graves1. Teve início em dezembro de 2019 e foi declarada como pandemia em março de 2020 devido a sua rápida distribuição mundial, contabilizando 118 mil casos em 114 países nesta data2. Atualmente, a incidência e o número de óbitos decorrentes da infecção pelo novo Coronavírus ainda tem aumentado de forma significativa e alcançado números alarmantes. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), em abril de 2021, foram contabilizados mais de 131 milhões de casos da COVID-19 em todo o mundo, com mais de dois milhões e meio de mortes3.

Esse contexto traumático de rápida expansão do vírus impõe ameaças físicas e sofrimento psíquico tanto aos pacientes infectados quanto aos indivíduos que vivenciam a pandemia4,5. Com o intuito de conter a proliferação do vírus e reduzir o aumento exponencial de novos casos, os países aderiram ao isolamento social e decretaram diversas restrições governamentais. Contudo, o impacto do confinamento junto à veiculação de informações inadequadas e ausência de interações sociais, provocaram prejuízos à saúde mental dos indivíduos, os quais passaram a manifestar sintomas de ansiedade e depressão, além de insônia, estresse e alterações do ritmo biológico1,2,4,6-9.

Os primeiros relatórios emergentes na literatura mostraram que entre 40% e 50% dos adultos experimentaram sofrimento psicológico após o surto da COVID-19 e que 30% dos adultos e crianças têm risco de estresse pós-traumático. Tendo em vista que esse sofrimento psicológico desenvolvido na pandemia pode gerar alterações negativas à saúde mental dos indivíduos ao longo da vida, intervenções se tornam necessárias para promover um apoio psicológico efetivo. Diante desse cenário estressor, as intervenções baseadas em atenção plena (MBIs) se mostraram ferramentas potencialmente adequadas na redução do sofrimento psicológico e na geração de bem-estar da população em geral5,10,11.

As MBIs são vinculadas às práticas de meditação mindfulness, adaptadas da tradição budista e inseridas a programas contemporâneos de orientação psicológica, sendo consideradas como métodos atuais de psicoterapias emergentes relacionadas a qualidades específicas de atenção e consciência. O mindfulness é definido como um modo do indivíduo prestar a atenção de uma maneira particular, com consciência e propósito na experiência atual, um estado de estar ciente e atento com o objetivo de enxergar a realidade com uma experiência aberta, tolerante e sem julgamentos, modificando o relacionamento com a experiência, vivenciando como ela é, com generosidade e gentileza5,6,10.

O treinamento mental baseado nas técnicas de atenção plena apresenta eficácia para conter o desenvolvimento de sintomas psicopatológicos pós-traumáticos e prevenir o surgimento de transtornos mentais crônicos, além de ser eficaz no aumento da função imunológica. Essa técnica pode ativar a região do córtex cingulado anterior, área responsável por regular funções autonômicas e cognitivas, como a emoção e o aprendizado. Essas regiões são fundamentais para o treinamento do mindfulness, tendo em vista a influência positiva dessa técnica na saúde mental, memória, resiliência cognitiva, equilíbrio emocional e qualidade do sono. Na maioria das vezes, essa técnica habilita os indivíduos no reconhecimento de emoções desconfortáveis apenas como sensações, aumentando, assim, o que chamamos de descentramento ou decentering, isto é, o indivíduo consegue se distanciar desses estados, aliviando, assim, o medo, a ansiedade e o estresse causados pela pandemia, de modo a promover uma melhoria tanto na saúde física quanto na mental12,13.

As habilidades desse método podem ajudar os pacientes a observar as experiências psicológicas que provocam angústia interna, apenas como eventos passageiros, ao invés de experiências que precisam ser controladas ou evitadas, com o foco da consciência no momento presente. Contudo, a execução do método diante da situação de isolamento social vigente, torna-se de difícil acesso e, nesse cenário, a tecnologia se apresenta como alternativa eficaz no aumento da acessibilidade à técnica mindfulness pela população em geral. Este acesso é uma ferramenta importante para a redução dos sofrimentos psicológicos, cognitivos e organizacionais dos indivíduos, sendo eficaz durante esse período de isolamento social da COVID-19, auxiliando no enfrentamento e no desenvolvimento de comportamentos positivos diante do novo cenário imposto pela pandemia5,6,10,13.

De acordo com o apresentado, o objetivo deste artigo é descrever os efeitos da intervenção mindfulness em tempos da COVID-19, baseada no acrônimo PICO, o qual apresenta os seguintes correspondentes, P: população do estudo - sujeitos que realizaram mindfulness durante a pandemia da COVID-19; I: intervenção - demonstrar os efeitos da intervenção com mindfulness em tempos da COVID-19; C: controle - sujeitos que não realizaram intervenções baseadas em mindfulness durante a pandemia da COVID-19; O: desfecho - sujeitos que se submeteram a MBIs diminuíram a quantidade de estresse, ansiedade e depressão, com melhora na qualidade de vida. Esta questão obteve maior impacto no último ano devido à infecção do novo Coronavírus, visto que o número de indivíduos que apresentam alterações na saúde mental como ansiedade, depressão, transtorno pós-traumático e insônia aumentou durante o período de isolamento social devido a pandemia. Assim, este estudo tem como objetivo realizar uma revisão de literatura sobre os efeitos da intervenção mindfulness em tempos da COVID-19.

 

MÉTODO

Esta revisão sistemática foi realizada tomando como base as diretrizes de Itens de Relatório Preferenciais para Revisões Sistemáticas e Meta-Análise (PRISMA). A metodologia atualizada nesta revisão sistemática foi de acordo com o Cochrane Handbook of Systematic Reviews of Interventions.

Estratégia de busca e critérios de seleção eletrônica

Um especialista em informação pesquisou o Cochrane Central Register of Controlled Trials (CENTRAL) na Biblioteca Cochrane, Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE Ovid), banco de dados Excerpta Médica (Embase Ovid), Science Citation Index Expanded (SCI-EXPANDED; Web of Science), Conference Proceedings Citation Index - Science (CPCI-S; Web of Science), BIOSIS (Web of Science), Scopus e Embase Database para identificar estudos relevantes. Os estudos foram pesquisados em todos os bancos de dados desde o início até abril de 2021. Os ensaios foram incluídos independentemente do idioma, status de publicação e tipo de publicação. Para as estratégias de pesquisa detalhadas para todas as pesquisas eletrônicas, foi usado o S2 Text.

As referências recuperadas pela pesquisa foram rastreadas, os estudos selecionados e os dados extraídos usando uma planilha de extração de dados predefinida incluindo os seguintes dados: Métodos: primeiro autor ou sigla, ano de publicação e desenho do estudo. Participantes: tamanho da amostra, gravidade da doença e ambiente. Intervenções: duração das intervenções e seguimento. Resultados: eventos adversos e eventos adversos graves. Desfechos adicionais: pacientes em tratamento e tempo de tratamento.

Qualquer incerteza quanto à elegibilidade do estudo e extração de dados foi discutida até que o consenso fosse alcançado; os conflitos de opinião foram resolvidos com outros membros da equipe de revisão. O risco de viés dos estudos incluídos foi avaliado com a ferramenta Cochrane. Foi usada a abordagem de Avaliação, Desenvolvimento e Avaliação da Classificação de Recomendações (GRADE), por meio do Software Confidence in Network Meta-Analysis. Foi usada a abordagem GRADE, avaliando cada estimativa da rede de acordo com os seguintes critérios: limitação do estudo, indiretamente, inconsistência, imprecisão e viés de publicação. O julgamento geral da certeza da evidência foi atingido considerando os domínios como um todo e rebaixando a evidência em um se um domínio foi classificado como "algumas preocupações" e em dois se um domínio foi classificado como "preocupações principais". Finalmente, sendo atribuído a cada comparação um julgamento qualitativo geral baseado em quatro níveis de certeza de evidência: alto, moderado, baixo e muito baixo.

Síntese de Dados

A certeza das evidências foi extraída de acordo com a abordagem GRADE. A abordagem GRADE também foi usada para apresentar o resumo dos achados das evidências. A síntese narrativa foi a melhor escolha para resumir a inferência sistemática sobre vários resultados dos estudos incluídos. Também foram descritos os dados em formato tabular.

Extração e gerenciamento de dados

Foram selecionados os títulos e resumos, recuperados os artigos publicados em texto completo e extraídos os dados com base no algoritmo PICO. Assim, foram extraídos dados sobre a população / pacientes, intervenções / indicadores, comparadores, resultados e período / tipo de estudo dos artigos incluídos.

A avaliação do risco de viés dos estudos incluiu: Dois revisores independentes avaliaram criticamente os artigos usando um método padrão de avaliação de revisões sistemáticas. Aderente à abordagem GRADE, foram rastreadas as evidências válidas entre os artigos recuperados de diferentes bases de dados. A taxa de concordância na avaliação crítica dos artigos foi de 94% (p <0,005), e as discordâncias foram resolvidas por consenso. As revisões sistemáticas de ensaios clínicos foram avaliadas criticamente com base na avaliação do método no Cochrane Handbook for Systematic Reviews of Interventions e na diretriz GRADE.

Tipos de intervenções: mindfulness na população exposta pela COVID-19, incluindo intervenções psiquiátricas

Tipos de resultados: o resultado de interesse foi a eficácia das intervenções nas intervenções baseadas em mindfulness

Critérios de inclusão e exclusão

Os critérios de inclusão para esse estudo foram: a) artigos que apresentavam relação com o tema proposto; b) artigos originais: estudos prospectivos ou retrospectivos de caráter observacional (analíticos ou descritivos, exceto relato de caso), experimental ou quase-experimental. Foram excluídos: a) outros desenhos de estudo, como relatos de casos, série de casos, revisão de literatura; b) comments, editoriais, leituras, resenhas e cartas ao leitor; c) artigos não condizentes com o tema.

 

RESULTADOS

De 272 referências rastreadas, 36 foram aceitas para leitura do título e resumo. 19 artigos foram lidos na íntegra, restando um total de 14 artigos que foram incluídos na análise. (figura 1).

Um total de 272 artigos foram encontrados. Cinco pesquisadores independentes avaliaram os títulos e os resumos dos artigos, 36 estudos foram pré-selecionados por apresentarem potencial de elegibilidade ao tema. As características de todos os estudos incluídos são apresentadas na tabela 1. A maioria dos estudos foram retrospectivos. Sete estudos relataram dados multicêntricos, enquanto o restante relatou dados de centro único. A definição de COVID-19 grave foi heterogênea em todos os estudos incluídos. A definição mais comum de mindfulness foi baseada em critérios clínicos (n = 14). Todos os estudos foram publicados como um manuscrito completo. No geral, quatorze estudos foram considerados de alta qualidade, enquanto os demais foram considerados de média qualidade. Foram incluídos três estudos extras que foram considerados relevantes para este artigo3,8,9.

 

DISCUSSÃO

O contexto atual da pandemia da COVID-19 é caracterizado pelo isolamento social imposto pelas autoridades estatais com o intuito de conter a proliferação do vírus. Esta conduta reduziu as interações sociais e tem intensificado os sentimentos de medo, tédio e estresse na população em geral, além de promover alterações psíquicas com a manifestação de sintomas depressivos e de ansiedade1,4,5. Diante desse cenário, diversos pesquisadores relataram a necessidade em fornecer apoio psicológico às pessoas afetadas pela pandemia com o intuito de minimizar os prejuízos causados à saúde mental dos indivíduos. Em alguns estudos, as MBIs, como a redução do estresse baseada em atenção plena (MBSR), terapia cognitiva baseada em atenção plena (MBCT), terapia cognitiva baseada em mindfulness para a vida (MBCT-L) e meditação orientada à atenção plena (MOM) se mostraram promissoras para o objetivo supracitado1,5,13,14.

O uso de técnicas de mindfulness vem mostrando benefícios, pois é capaz de influenciar de forma positiva a saúde mental, se for praticada de forma adequada e contínua. Em contrapartida, indivíduos com baixa disposição de atenção plena são mais vulneráveis em apresentar pensamentos e ações experimentais irresistíveis, mas de cunho indesejado12. O treinamento de mindfulness consegue alterar a atividade cerebral relacionada às emoções e melhorar o desenvolvimento da saúde mental. Além da ativação do córtex cingulado anterior, foi analisado, por meio de uma meta-análise, áreas importantes do cérebro que são responsáveis por processos cognitivos e emocionais relevantes para a intervenção com atenção plena: os gânglios da base, os quais são capazes de inibir pensamentos irrelevantes, o córtex entorrinal que atua no controle do estado mental e o córtex pré-frontal medial que contribui para o senso aprimorado de autoconsciência emocional. Assim, essas regiões são importantes para a experiência da meditação e fundamentais para os exercícios de mindfulness7,13.

Em um estudo realizado por um grupo de professoras submetidas à prática de meditação orientada à atenção plena (MOM) durante um período antes da pandemia e após a instalação do isolamento social decorrente da COVID-19. As práticas tiveram duração de 8 semanas e foram realizadas virtualmente, facilitando o acesso dos participantes à execução adequada da técnica. Os indivíduos avaliados apresentaram melhora no escore de estresse emocional, além da redução dos sintomas de ansiedade que ou surgiram ou foram intensificados pelo contexto de confinamento da pandemia. Todavia, o estudo concluiu que para maior eficácia da MOM, a prática do método deve ser contínua, conclusão essa que se mostra concordante com outro estudo, o qual afirmou que os efeitos desempenhados pela técnica de atenção plena na saúde mental dos indivíduos são habilidades adquiridas com a prática frequente. Ademais, no primeiro estudo supracitado, a resiliência foi destacada como um sentimento bastante importante, tendo em vista a influência positiva que o sentimento exerce no desenvolvimento da atenção plena e do bem-estar psicológico1,5.

Na pandemia atual, um dos sintomas psicológicos mais frequentes nos confinados é a ansiedade, a qual é caracterizada por um estado de tensão, agitação ou apreensão que aumenta a atividade do sistema nervoso autônomo simpático. Nesse contexto, foi observado que participantes do estudo realizado já eram preocupados antes da pandemia, identificados por meio da escala de índice de sensibilidade à ansiedade-3 (ASI-3), tiveram um maior escore na escala ASI-3 durante a pandemia. Estes também apresentaram sinais de descontrole cognitivo, identificado através de relatos como: "preocupo-me que eu possa estar enlouquecendo", corroborando, assim, para diagnósticos de transtorno de ansiedade generalizada e transtorno do pânico. Diante disso, as intervenções baseadas em atenção plena, como a redução do estresse baseada em atenção plena e terapia cognitiva baseada em atenção plena, são técnicas que podem reduzir os sintomas de ansiedade através da ativação do sistema nervoso autônomo parassimpático, tendo em vista a suas ações na melhoria da capacidade de focar a atenção, diminuição do estresse e a conscientização no momento presente1,6.

Diante desse cenário atual de isolamento e redução do contato interpessoal, o acesso a psicólogos ou psiquiatras se tornou mais difícil, sendo necessário a implementação de intervenções que torne mais acessível o alcance a esses profissionais1. A internet se mostrou um meio promissor para este fim através de aplicativos de smartphone que têm como objetivo promover, mesmo que a distância, o aumento da atenção plena e o desenvolvimento da aceitação, sem julgamentos, das experiências traumáticas já vividas, gerando maior bem estar. A terapia online está sendo bem aceita, tendo em vista que possui vantagens como fácil acesso, independência de tempo e lugar, custos mais baixos e uso flexível. Além disso, é capaz de evitar o contato e, assim, a transmissão do SARS-CoV-2, reduzindo o risco de infecção tanto para os pacientes quanto para os profissionais de saúde mental10,13.

À vista disso, algumas pesquisas foram capazes de associar a experiência da mindfulness com a tecnologia. Um dos estudos mostra uma terapia comportamental cognitiva através de uma Intervenção Integrada na Internet que é composta por quatro componentes de autoajuda: atenção plena (escaneamento corporal), treinamento de relaxamento respiratório, habilidades de refúgio e método do abraço de borboleta. Essas técnicas são usadas por terapeutas para auxiliar os pacientes na elaboração de suas memórias traumáticas, que devido a pandemia foram utilizadas de forma online. Para avaliar os sintomas de depressão e ansiedade nos pacientes da pesquisa, foram utilizados a Escala de Depressão de Hamilton de 17 itens (17-HAMD) e a Escala de Ansiedade de Hamilton (HAMA). Os pacientes que utilizaram estes quatro componentes, que foram instruídos por meio de áudios com durações diárias de 50 minutos por 2 semanas, apresentaram níveis reduzidos de sintomas de depressão e ansiedade, segundo as escalas utilizadas, quando comparados ao grupo controle, indicando que essa intervenção é eficaz para melhora no distúrbio de humor e deve ser utilizada no tratamento de sintomas psicológicos em pacientes com COVID-194.

Além disso, foi visto a eficácia de um aplicativo com áudio para MBSR, o qual apresenta exercícios básicos de atenção plena, como respiração consciente, meditações diversas, escaneamento corporal, treinamento dos cincos sentidos, entre outros, com no mínimo 13 sessões de duração de oito a dez minutos. A redução de estresse baseada em mindfulness já é uma intervenção bastante utilizada nos últimos anos em pacientes com transtorno do estresse pós-traumático, pois é capaz de promover uma meditação consciente associada com treinamentos para aliviar o estresse individual e regular emoções. No caso deste estudo, o público-alvo dessas mídias foram as equipes de saúde as quais relataram que os áudios diários foram capazes de ajudá-las no processo de relaxamento e redução dos picos de estresse, demonstrando assim, a eficácia dos aplicativos para essa população da linha de frente durante esse período conturbado da pandemia13.

Outro estudo com experiência tecnológica foi realizado, durante 14 dias, com o aplicativo espanhol Aire Fresco (Fresh Air), fornecedor de práticas formais de mindfulness guiadas para estudantes universitários espanhóis dos cursos de educação social e enfermagem, apresentando aumento dos níveis gerais do traço de atenção plena e a maioria das suas dimensões como, observar, descrever e agir com consciência e sem julgamento, observados através do questionário de consciência plena de cinco facetas (FFMQ). Além disso, por meio do uso desse aplicativo, foi observado melhoras significativas dos níveis de satisfação com a vida, das forças intelectuais e interpessoais, do perdão geral e consigo mesmo, com simultânea redução do afeto negativo, evidenciadas pelas escalas de satisfação com a vida, escala de força breve, escala de perdão heartland, escala de afeto positivo e negativo, respectivamente15. Assim, percebeu-se que os exercícios online atuam de forma eficaz e essas intervenções podem ser aplicadas no tratamento do sofrimento psicológico nesse período de incertezas que se vive com a COVID-194.

Pesquisas avaliaram os efeitos psicológicos em circunstâncias semelhantes a quarentena durantes outros surtos virais como Ebola e Influenza e foram observados alguns sintomas de angústia: receio de se infectar e transmitir para pessoas que se convive, sentimento de frustração e tédio. Em situações de isolamentos mais longos, os profissionais de saúde apresentam uma maior sintomatologia do transtorno de estresse pós-traumático e maior exaustão emocional10. Uma intervenção realizada com enfermeiros chefes teve como objetivo promover saúde, bem-estar e reduzir os sintomas de ansiedade desses profissionais através da realização de dez sessões com práticas de atenção plena diárias. Esta intervenção promoveu redução dos marcadores de fisiologia e estresse psicológico, observados através de um inventário e de um questionário desenvolvidos pela equipe de pesquisa, evidenciando a eficácia do método em reduzir a exaustão dos profissionais de saúde, além de diminuir de forma significativa os sintomas de ansiedade e motivar os profissionais para prática contínua da atenção plena16.

Outrossim, em pesquisa realizada em Harbin, China, para investigação do estado psicológico da exposição ocupacional de cirurgiões, enfermeiros e anestesiologistas que trabalham em centro cirúrgico, foi constatado a partir da escala de autoavaliação(SAS) e escala de percepção de pressão (PSS-14) que a equipe médica estava sob ansiedade e estresse relacionados, principalmente, com uma possível contaminação com o novo Coronavírus devido à exposição à fumaça de instrumentos cirúrgicos, ao contato com sangue de pacientes e lesão aguda por instrumentos contaminados. Nesse contexto, o problema de saúde mental desses profissionais não deve ser subestimado, tendo em vista que a pandemia da COVID-19 é considerada um evento traumático totalmente repentino, tanto para a população em geral quanto para a equipe médica, e esta é essencial na prevenção e tratamento eficazes da COVID-19 e outras patologias, sendo as técnicas da MBSR, como respiração consciente e escaneamento corporal, uma solução para reduzir o estresse e garantir uma boa saúde física e mental ao profissionais de saúde13,17.

Ademais, foi observado em estudo realizado antes da pandemia que a MBCT-L, desenvolvida para pessoas com histórico de depressão recorrente em risco de recaída depressiva, é uma maneira eficaz de reduzir o estresse e a saúde mental precária, podendo ser realizada nos profissionais de saúde que estão expostos ao novo Coronavírus com o intuito de melhorar o bem-estar e a qualidade de vida. A pesquisa foi realizada com 15 profissionais, por um período de oito semanas, em que cada sessão semanal apresentou duração de duas horas e ficava a cargo do participante a escolha da prática de atenção plena por quarenta minutos diários. Estes aprenderam a estabilizar a atenção, regular suas emoções e comportamento, além de aprimorar o autocuidado e transferir esse aprendizado para sua vida profissional e pessoal14. Logo, a prática da atenção plena é capaz de ajudar os indivíduos a transferir a atenção de memórias traumáticas para a experiência atual, promovendo a redução do sofrimento psicológico e colaborando de forma positiva para o enfrentamento da pandemia5,6,10,13.

Diante disso, percebe-se a necessidade de elaboração de projetos envolvendo práticas de atenção plena para alívio da sobrecarga imposta aos profissionais de saúde e a população durante a pandemia da COVID-19, visto que os profissionais de saúde desempenham um papel crítico na saúde de uma nação, mas as taxas de estresse desses profissionais são desproporcionalmente altas14.

 

CONCLUSÃO

As técnicas de mindfulness durante a pandemia mostraram-se eficazes tanto para os profissionais de saúde quanto para a população em geral na geração do bem-estar, redução do sofrimento psicológico e na melhora da função imunológica, além de reduzir o desenvolvimento de sintomas psicopatológicos pós-traumáticos e prevenir o aparecimento de transtornos mentais crônicos. Ademais, a implementação das MBIs através de meios tecnológicos mostrou-se uma alternativa eficaz na expansão da acessibilidade para a população em geral diante do contexto de isolamento social.

A prática de atenção plena é capaz de reduzir os sintomas de ansiedade, depressão e estresse tanto na população em geral quanto nos profissionais de saúde, promovendo, assim, impactos positivos na qualidade de vida desses indivíduos.

 

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Endereço para correspondência:
Juliane dos Anjos de Paula
julianepaula2@hotmail.com

Manuscrito recebido: maio 2021
Manuscrito aceito: dezembro 2021
Versão online: Junho 2022

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