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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282versão On-line ISSN 2175-3598

J. Hum. Growth Dev. vol.32 no.2 Santo André maio/ago. 2022

http://dx.doi.org/10.36311/jhgd.v32.11909 

ARTIGO ORIGINAL

 

Autocompaixão e afetos positivos e negativos de estudantes de medicina durante a pandemia de COVID-19

 

 

Camila de Franco TobarI; Maikon MichelsII; Selma Cristina FrancoIII

IEstudante do quinto ano do Curso de Psicologia da Universidade da Região de Joinville -UNIVILLE - Joinville - SC - Brasil - camilatobar@yahoo.com.br
IIDocente do curso de Psicologia da Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE - Joinville - SC - Brasil
IIIDocente do curso de Medicina da Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE - Joinville - SC - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: estudos apontam maior índice de sintomas de ansiedade, depressão e estresse entre estudantes de Medicina quando comparados à população geral. O contexto da pandemia pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2) gerou uma carga adicional de estresse a estes estudantes
OBJETIVO: o presente artigo objetivou avaliar a saúde emocional de estudantes de medicina durante a pandemia
MÉTODO: participaram 437 estudantes, aos quais foi administrado um questionário sociodemográfico, a Escala de Afetos Positivos e Afetos Negativos (PANAS) e a Escala de Autocompaixão - Brasil
RESULTADOS: a maioria (69%) é do sexo feminino, 63% reside com a família, 35% possui financiamento estudantil, 59% pratica alguma religião, 45% relatou diagnóstico de transtorno psicológico, 27% faz uso de medicamento psiquiátrico e 9% faz uso de substâncias psicoativas. Mais de 72% das mulheres e 58% dos homens apresentaram escores de afetos positivos (AP), afetos negativos (AN) e autocompaixão (AC) abaixo da média populacional. O relato de transtorno psicológico e uso de medicamentos psiquiátricos demonstrou-se significativamente associado a menores índices de AP (respectivamente, p<0,0001 e p=0,030) e AC (p<0,001 em ambos) e maiores índices de AN (p<0,001 em ambos
CONCLUSÃO: os resultados apontam maior vulnerabilidade da saúde psicológica dos estudantes de Medicina durante a pandemia e indicam a importância da adoção de medidas que visem o bem-estar emocional no âmbito institucional

Palavras-chave: COVID-19, estudantes de medicina, saúde mental, compaixão.


 

 

Síntese dos autores

Por que este estudo foi feito?

Características da formação médica geram uma forte carga de estresse que pode contribuir para o adoecimento físico e psicológico dos estudantes, sendo agravados pelo contexto de pandemia pelo Covid-19. Considerando que os futuros profissionais, em breve, irão cuidar da população, o conhecimento da saúde emocional dos estudantes de Medicina poderá subsidiar as instituições formadoras na implantação de projetos para mitigar tais problemas.

O que os pesquisadores fizeram e encontraram?

Realizou-se um estudo descritivo e exploratório entre 437 estudantes de Medicina de uma instituição comunitária com a aplicação de um questionário sociodemográfico, Escala de Afetos Positivos e Afetos Negativos (PANAS) e Escala de Autocompaixão - Brasil. Os estudantes apresentaram escores de afetos positivos (AP), afetos negativos (AN) e autocompaixão (AC) inferiores à média populacional, indicativo de dificuldades para enfrentar situações geradoras de estresse e menor capacidade de resiliência. Também observou-se associação entre os índices analisados e o relato de transtorno psicológico e o uso de medicamentos psiquiátricos dos estudantes.

O que essas descobertas significam?

Os escores de AP, AN e AC inferiores à média populacional apontam maior vulnerabilidade da saúde psicológica dos estudantes de Medicina durante a pandemia e indicam a importância da adoção de medidas que visem o bem-estar emocional no âmbito institucional

 

INTRODUÇÃO

O curso de Medicina é uma das formações mais procuradas e concorridas e também uma das graduações mais exigentes. Além da alta carga horária acadêmica, a formação exige dedicação em tempo integral considerando as jornadas de estudo, estágios e atividades extracurriculares. Esses fatores, somados à crescente conscientização dos problemas existentes na profissão médica, um ambiente competitivo entre colegas, preocupações financeiras e toda a rotina envolvida, geram uma forte carga de estresse que podem contribuir para o adoecimento físico e psicológico dos alunos1,2.

Estudos apontam maior índice de sintomas de ansiedade e depressão entre estudantes de Medicina quando comparados à população em geral2-5. Ademais, pesquisas no Brasil e EUA, apontam que as peculiaridades dos cursos de Medicina favorecem o desenvolvimento da síndrome de burnout6,7. Um agravante para esta situação é o uso de substâncias psicoativas, que se mostra maior entre os acadêmicos de Medicina quando comparado a estudantes de outros cursos da saúde e à população geral8-10.

Estes aspectos, somados ao contexto atual da pandemia pelo novo Coronavírus (SARS-CoV-2) geram uma carga adicional de ansiedade e estresse. O conhecimento científico ainda incipiente sobre o vírus e sobre as formas de combatê-lo é um dos maiores desafios mundiais atuais.

A necessidade de isolamento ou distanciamento social e adesão às práticas de quarentena tem gerado impactos econômicos, sociais e psicológicos. Os inúmeros fatores de risco relacionados à infecção pelo vírus, vão desde morbidades até questões sociais e familiares11. A incerteza sobre o futuro e o luto pelas perdas envolvidas, seja pelo enfrentamento da morte de entes queridos ou mesmo pela perda da liberdade, estão gerando impactos emocionais em grande escala. Estudos já apontam aumento de relato de sentimentos de raiva, medo, frustração, tédio e confusão12.

Neste contexto, alunos de Medicina nas fases iniciais do curso devem lidar com longas horas em aulas virtuais, pouco contato e interação com colegas e professores. Os alunos em fase pré-clínica foram precocemente envolvidos no atendimento à população em triagens telefônicas/centros de triagens e aqueles em internato passaram a atender pacientes, seguindo todo um protocolo de biossegurança.

A preocupação com o bem estar emocional dos estudantes torna-se mais relevante neste cenário. Uma forma de medir a dimensão emocional do bem estar subjetivo é através dos afetos positivos e afetos negativos. Os afetos positivos (AP) consistem em estados de envolvimento agradável e refletem o quanto uma pessoa se sente entusiasmada, ativa e alerta. Seu baixo nível indicaria estados de tristeza e letargia13. Os afetos negativos (AN), refletem um estado de angústia e envolvimento desagradável, incluindo uma variedade de estados de humor aversivos, tais como raiva, medo e nervosismo. Um baixo nível de AN seria indicativo de tranquilidade e serenidade13.

Estes construtos de bem estar subjetivo também estão relacionados à autocompaixão (AC)14. Estudos apontam que a AC é positivamente relacionada a afetos positivos e negativamente relacionada a afetos negativos14-17 e está associada à saúde psicológica e bem estar emocional18.

A autocompaixão pode ser definida de várias formas. Neff19 define a autocompaixão com base em três elementos: 1) autobondade, que envolve experimentar sentimentos de cuidado e bondade consigo, de forma compreensiva e com uma atitude imparcial em relação às próprias inadequações e falhas; 2) humanidade compartilhada, na qual reconhecemos que as experiências individuais são parte de experiências comuns a todos os seres humanos; e 3) mindfulness, que envolve estar aberto e nos mobilizarmos com nosso próprio sofrimento de forma clara e equilibrada.

A compaixão em sua essência envolve uma motivação para o cuidado, a habilidade de tolerar emoções desagradáveis, a capacidade para a compreensão empática sem julgar ou condenar20.

A autocompaixão é especialmente importante em situações desafiadoras e desagradáveis, uma vez que ela está associada à resiliência e regulação do estresse21. Indivíduos mais autocompassivos respondem melhor a emoções desagradáveis adotando uma atitude bondosa e aberta, bem como entendendo que imperfeições e experiências difíceis fazem parte da vida14.

Considerando o contexto da pandemia pelo COVID-19 e as características do curso médico, verificou-se, a importância de avaliar a reação emocional de acadêmicos de Medicina em relação a este cenário, bem como a forma como eles lidam com suas necessidades emocionais em situações estressoras.

 

MÉTODO

Trata-se de um estudo descritivo e exploratório, realizado em uma universidade comunitária em Santa Catarina.

A participação na pesquisa compreendeu estudantes de Medicina do 1º ao 12º semestre, regularmente matriculados no curso, totalizando 580 acadêmicos, dos quais 63,6% eram do sexo feminino. Os critérios de exclusão compreenderam acadêmicos com idade inferior a 18 anos de idade, aqueles que não desejaram participar ou estiveram ausentes na sala de aula no dia da coleta de dados.

A investigação foi realizada por meio de questionário estruturado de autopreenchimento aplicado coletivamente em ambiente de aula virtual via GoogleForms. O instrumento de coleta era composto de duas partes: um questionário sociodemográfico (semestre do curso, sexo, idade, residência com familiares, financiamento estudantil, prática de religião, diagnóstico de transtorno psicológico, uso de medicamentos psiquiátricos e uso de substâncias psicoativas), seguido das escalas psicológicas, a Escala de Afetos Positivos e Afetos Negativos e a Escala de Autocompaixão.

A Escala de Afetos Positivos e Afetos Negativos (PANAS) em sua versão adaptada para o Brasil22 é uma escala de autorrelato que avalia a frequência e intensidade com que as pessoas vivenciam esses afetos. Ela é composta por 10 itens que avaliam AP e 10 itens que avaliam AN. Os itens são constituídos por adjetivos que representam os afetos avaliados junto a uma escala Likert de cinco pontos, que varia de "nem um pouco" a "extremamente". Os respondentes devem assinalar o número que indica o quanto eles sentem os afetos descritos pelos adjetivos22. A PANAS demonstrou resultados estáveis, confiabilidade e validade, considerando um intervalo de 8 semanas13.

A Escala de Autocompaixão (EAC), desenvolvida por Neff23, é uma escala de autorrelato composta por 26 itens que representam o construto Autocompaixão. Para cada uma de suas 26 frases ou itens, o respondente deve marcar como se sente em relação ao que lê, indicando sua preferência com base em uma escala Likert de cinco pontos, variando de "quase nunca" a "quase sempre". A escala visa avaliar seis elementos: autobondade, mindfulness, humanidade compartilhada, autocrítica, isolamento e sobre-identificação24.

Para preservar o anonimato, os questionários foram identificados apenas com os números de matrícula dos acadêmicos, sem os nomes. Tal identificação se fez necessária para viabilizar um feedback posterior aos acadêmicos e tornar possível eventual intervenção em nível individual em situações especiais identificadas pelos psicólogos pesquisadores. Todos os alunos presentes em aula no dia da aplicação do questionário foram convidados a respondê-lo. As aplicações ocorreram de 11 a 19 de maio de 2020, por turma, e tiveram duração aproximada de 20 minutos cada. Após a concordância dos professores, foi feita uma escala de horários para cada turma durante as aulas. Nessa ocasião, as aulas estavam acontecendo apenas de forma virtual há dois meses em virtude da pandemia de COVID-19. Ao clicar no link da pesquisa, o participante era levado para a página do TCLE. Como critério de inclusão para o estudo foi estabelecido que o indivíduo estivesse regularmente matriculado no curso e desejasse participar da pesquisa, neste caso ele deveria clicar em "Sim, sou maior de 18 anos e concordo em participar da pesquisa". Caso o respondente selecionasse a opção "sou menor de 18 anos" ou "não desejo participar da pesquisa", ele era automaticamente levado para a mensagem de agradecimento, finalizando o formulário.

Quanto aos aspectos éticos, o estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da universidade (CAAE 24711019.2.0000.5366), a coordenação do curso assinou o Termo de Anuência e os participantes do estudo deram aceite no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) que constava na página inicial do formulário online GoogleForms.

A análise dos dados foi realizada com auxílio do programa Microsoft Excel 2013. Primeiro, foram geradas estatísticas descritivas simples. Usou-se o teste do qui-quadrado para comparação de participantes em relação ao sexo. Em seguida, correlações de Pearson foram obtidas entre as medidas de AP, AN e AC. O terceiro passo da análise envolveu cálculos de testes f para verificação de semelhança entre variâncias, seguidos de testes t para comparações de grupos conforme as características sociodemográficas e psicológicas (sexo, residir com a família, possuir financiamento estudantil, prática de religião, diagnóstico de transtorno psicológico, uso de medicamentos psiquiátricos e uso de substâncias psicoativas). Foram consideradas três fases no curso de Medicina, básico, pré-clínico e internato, cada qual compreendendo 4 semestres sequencialmente. Os níveis de AP, AN e AC foram classificados como abaixo da média (percentil 0-39), na média (percentil 40-60) e acima da média (61-100). O nível de significância adotado foi de 0,05. O tamanho do efeito via d de Cohen foi calculado para as comparações de grupos. Valores superiores ou iguais a 0,8 representam tamanho de efeito grande; entre 0,8 a 0,2 são considerados médios e inferiores a 0,2 pequenos. Segundo o Manual de Publicação da Associação Americana de Psicologia25, recomenda-se medir o tamanho de efeito junto aos resultados de valor p, uma vez que estes não indicam a importância de uma diferença entre grupos, mas apenas testam dados contra a hipótese nula. O tamanho de efeito dá significado aos testes estatísticos, e mede a força da evidência contra a hipótese nula, assim reduzindo o risco de falhas de interpretação. Finalmente, foi realizada análise de variância com fator único (ANOVA) para afetos positivos (AP), afetos negativos (AN) e autocompaixão (AC) para comparar as fases do curso.

 

RESULTADOS

Dos 580 estudantes do curso, 135 estavam ausentes na aula no dia da coleta de dados ou não acessaram o formulário. Dentre os presentes, 4 foram excluídos da pesquisa por serem menores de idade e 4 que não quiseram participar da mesma, o que totalizou 437 respondentes (75% dos alunos do curso). A faixa etária variou de 18 a 42 anos, com média de 22,92 (DP = 3,78). Dos respondentes 69% (n=300) eram do sexo feminino e 31% (n=137) do sexo masculino. A proporção de participação na pesquisa foi maior entre as mulheres (81%) do que entre os homens (65%) com diferença significativa (p<0,0001).

Considerando os dados sócio demográficos, verificou-se que: 275 (63%) residem com a família; 151 (35%) possuem financiamento estudantil; 256 (59%) praticam alguma religião; 196 (45%) relataram terem diagnóstico de transtorno psicológico, sendo 80 (18%) com mais de um transtorno; 117 (27%) fazem uso de medicamento psiquiátrico; e 40 (9%) fazem uso de substâncias psicoativas, sendo que 19 (4%) preferiram não responder à pergunta.

A distribuição dos estudantes por percentil em relação aos AP pode ser observada no Gráfico 1. Os resultados apontam que 75% dos estudantes situam-se em percentis considerados médio-baixo ou muito baixo para AP pela tabela normativa da população brasileira22, estando esses elevados percentuais já presentes desde os primeiros semestres do curso.

 

 

As comparações de grupos ANOVA com relação às fases do curso mostram oscilações nas médias de AP para as três fases, ensino básico (2,70), pré-clínico (2,66) e internato (2,98), indicando que após a entrada no curso há uma queda dos AP seguida de um aumento dos mesmos durante a prática clínica. Nas mulheres, as médias dos AP das mulheres foram mais elevadas na fase pré-clínica (p=0,006). Já, entre os homens, não se verificou tal diferença (p=0,070). As comparações para afetos negativos e autocompaixão nas três fases do curso não mostraram diferenças estatisticamente significativas em ambos os sexos.

Considerando a média de alunos classificados nos percentis considerados médio-alto ou alto para AN quando comparados com a população geral, observou-se que 53% apresentaram AN acima da normativa populacional22, com algumas oscilações, não significativas, em cada semestre para sexo feminino (p=0,089) e masculino (p=0,745) (gráfico 2).

 

 

Para a autocompaixão, 39% dos alunos se encontram nos percentis muito baixo ou médio baixo, 29% na média e 32% nos percentis médio alto e alto, conforme a normativa populacional24 (gráfico 3). As oscilações verificadas ao longo dos semestres não é significativa para sexo feminino (p=0,293) e masculino (p=0,082).

 

 

As correlações encontradas entre as escalas aplicadas para a população feminina foram: AP com AN a r = -0,45 e com autocompaixão a r = 0,47; e afetos negativos com autocompaixão a r = -0,60. Para a população masculina as correlações encontradas foram: afetos positivos com afetos negativos a r = -0,46 e com autocompaixão a r = 0,49; e afetos negativos com autocompaixão a r = -0,63. Segundo Cohen26, são correlações moderadas (0,30 r 0,49) e fortes (r 0,50).

Foram conduzidas comparações de grupos com relação às médias dos AP, AN e AC. A comparação quanto ao sexo, mostrou diferenças significativas das médias de AP (p=0,022) e AC (p=0,007) que foram maiores entre os homens e as de AN (p<0,001) entre as mulheres (tabela 1).

As comparações de médias para AP, AN e AC para o sexo masculino em relação às características sociais demonstram haver associação entre o relato de transtorno psicológico e uso de medicamentos psiquiátricos com os AN (respectivamente p<0,001 e p=0,006). Não se identificou associação destes fatores com AP e AC. Neste grupo, observou-se ainda associação significativa da prática de religião com os AP (p=0,002) (tabela 2).

Para o sexo feminino, observou-se associação significativa do não relato de transtorno psicológico e não uso de medicamentos psiquiátricos com os AP (respectivamente, p<0,001 e p=0,030) e a AC (p<0,001 em ambos). Também identificou-se associação entre o relato de transtorno psicológico e uso de medicamentos psiquiátricos com os AN (p<0,001 em ambos), conforme tabela 3.

 

DISCUSSÃO

A comparação entre acadêmicos matriculados e participantes da pesquisa mostrou maior proporção de mulheres e menor de homens. Estudos utilizando entrevistas virtuais entre universitários mostram maior participação do sexo feminino27, sendo uma das explicações para isso ser devido às mulheres serem socializadas mais em relação à conexão com outros, o que as levaria serem mais conectadas emocionalmente, enquanto homens seriam socializados com termos de separação e teriam um perfil mais individualista28.

O fato da maioria dos estudantes residirem com suas famílias e praticarem alguma religião é positivo, já que são fatores considerados protetores para uma boa saúde mental. Ter uma crença religiosa pode levar a uma postura mais adaptativa quando se lida com eventos estressores, reduzindo o impacto negativo dos mesmos. Adicionalmente, a religião pode proporcionar um sentimento de controle, conforto, conexão a outras pessoas e proximidade a uma força maior29.

O elevado percentual de estudantes com relato de diagnóstico de transtorno psicológico (45%) indica que a saúde emocional destes alunos está prejudicada quando comparada à população geral. No Brasil, o transtorno de ansiedade está presente em 9,3% da população geral30 e a prevalência de depressão ao longo da vida está em torno de 15,5% no país31.

Muitos estudos realizados em estudantes de Medicina no Brasil e em outros países têm reportado elevados índices de transtornos psicológicos2-7, uso de medicamentos8,10,32 e de substâncias psicoativas8-10,33, que somados às características próprias do curso que exige grande dedicação e comprometimento dos estudantes produz um ambiente estressor capaz de agravar a saúde mental dos mesmos1,2.

Essa situação não é atenuada após a graduação, já que o exercício da profissão médica é estressante, devido a longas jornadas, privação do sono, ambientes insalubres, e por lidar com a doença, o sofrimento e a morte, além de envolver grande visibilidade e responsabilidade social34. Em decorrência disso, observa-se taxas de transtornos psiquiátricos e suicídio maiores do que as da população geral35.

O achado de que 75% dos estudantes situam-se em percentis considerados médio-baixo ou muito baixo para AP quando comparados com a população geral pela tabela normativa da escala PANAS22 é indicativo de um prejuízo na capacidade de envolvimento agradável. Ao separar-se por semestres, verifica-se que os estudantes já iniciam o curso com índices baixos de AP, havendo uma piora nos semestres intermediários e melhora nos semestres finais (gráfico 1). Esses achados estão de acordo com outros estudos4,5 que demonstram maiores índices de depressão em alunos dos anos intermediários do curso médico.

Alguns autores29 apontam, ainda, que no decorrer do curso de Medicina, há um aumento no uso de tranquilizantes, tabaco e outros36, com a mesma tendência para o consumo de bebidas alcoólicas. Os autores sugerem que estes achados podem estar relacionados ao fato de as atividades práticas iniciadas no quinto ano do curso serem geradoras de ansiedade33. Esse período final é considerado o mais difícil, uma vez que obriga o estudante a dedicar-se integralmente à formação, além de gerar expectativas acerca dos deveres e responsabilidades que acompanham o título de médico33. Os piores resultados de AP na fase pré-clínica são preocupantes uma vez que estes estudantes ainda não iniciaram o internato e já se mostram mais vulneráveis do ponto de vista de saúde psicológica.

Ao se analisar os AN, observa-se que 53% dos alunos demonstraram um estado de angústia e envolvimento desagradável acima da normativa populacional22. Esses resultados de AP e AN preocupam, pois mostram uma maior fragilidade da saúde emocional dos futuros profissionais da saúde, podendo inclusive provocar o desequilíbrio psicológico, que seria prejudicial ao desempenho de seu trabalho37.

Os níveis de autocompaixão seguem a mesma tendência dos AP, sendo possível constatar melhores resultados nos últimos semestres. Tal achado é indicativo de que esses alunos estão mais engajados em autocuidado e na habilidade de tolerar emoções desagradáveis20, aspectos que facilitariam a transição para a atuação profissional do ponto de vista da saúde emocional.

As correlações encontradas entre as três escalas aplicadas para a população feminina e masculina indicam que melhorando os estados de envolvimento agradáveis, pelo aumento de AP, haveria reflexos nos estados de humor aversivos, reduzindo os AN, e impactaria na autocompaixão na medida em que ela se associa à saúde psicológica e bem estar emocional18.

As diferenças entre os sexos encontradas em nossa pesquisa em relação às médias dos AP, AN e AC, mostrando níveis maiores de AP e AC entre homens e de AN maiores entre as mulheres, refletem questões de gênero já apontadas em outros estudos38,39.

Nesse sentido, os papéis sociais dos gêneros e as normas sociais de masculinidade e feminilidade atuam definindo comportamentos pré-estabelecidos, nos quais o homem busca suprir uma expectativa social sobre o papel que exerce, demonstrando força e segurança. Opostamente, a mulher, pode externar seu sofrimento e vulnerabilidade. Dessa forma, características comumente ligadas ao feminino, incluem sensibilidade, emotividade e auto sacrifício, enquanto as ligadas ao masculino incluem força, pragmatismo e independência40. Estudo de Nevid e Rathus em aponta que mulheres que adotam um papel mais feminino, tendem a vivenciar situações estressantes de forma mais aversiva e demonstram capacidade reduzida de superação, o que as levaria a estados de maior angústia e engajamentos desagradáveis40.

Crawford e Henry39 indicam que baixos índices de AP estão ligados a estados depressivos e altos índices de AN estão relacionados tanto a estados depressivos, como a quadros de ansiedade. Os achados de nosso estudo encontraram entre os estudantes de Medicina de ambos os sexos médias de AP abaixo da média da população geral e de AN acima da média populacional, evidenciando situação de maior vulnerabilidade psicológica para o desenvolvimento de transtornos psicológicos1,2.

A questão de gênero também permeou os resultados referentes aos transtornos psicológicos e uso de medicamentos psiquiátricos. Em nossa pesquisa encontramos associação entre esses 2 fatores e os AN nos estudantes do sexo masculino e os AP e AC nas estudantes do sexo feminino.

Esta relação entre AP e AN com transtornos psicológicos foi identificada no estudo de Hofmann, Sawyer, Fang, & Asnaani41. Segundo os autores, um nível acentuado de AN e reduzido de AP foi associado a transtornos do humor, como a depressão e quadros de ansiedade. Adicionalmente, Barnard e Curry42 indicam que a literatura é consistente na afirmação de que a AC é inversamente relacionada a psicopatologias, sendo que o desenvolvimento da mesma reduz quadros de depressão e ansiedade43. A AC promove AP, melhorando a saúde mental e reduzindo depressão, ansiedade e estresse44.

Tendo em vista que quadros depressivos, ansiosos e o estresse crônico levam a alterações no eixo hipotálamo-hipófise-adrenal45, as consequências fisiológicas podem ocasionar prejuízos da cognição. Autores46,47 apontam que o cansaço, a dificuldade de atenção, concentração e memória, levam a uma queda de produtividade, irritabilidade, agressividade, apatia, isolamento, queda da autoestima, entre outros, de forma que estes estudantes podem apresentar um prejuízo funcional, que por sua vez pode resultar em dificuldades de aprendizado.

Quando somamos essa queda de rendimento a fatores que fazem parte da formação médica, como competitividade, pressão constante, elevadas cargas de horário de estudo/trabalho, isso se retroalimenta em um ciclo vicioso aumentando a vulnerabilidade para transtornos de humor2,48 e os levam a usarem mecanismos de compensação inadequados, tais como evitação ou busca de alívio, por uso de substâncias ou medicamentos8-10.

Os semestres em que se observa uma piora da saúde emocional merecem uma atenção especial do ponto de vista pedagógico. Deve-se avaliar o que pode estar desencadeando esse tipo de situação, se é a falta de tempo ou momentos de lazer, se é a relação com os professores, se é a própria carga de atividades e tarefas, entre outros.

Entre os homens, observou-se ainda associação significativa da prática de religião com os AP (tabela 2), o que apoia a ideia de que a religião pode gerar e/ou sustentar estados de emoções positivas e pode ser um fator protetivo da saúde mental. Embora não tenham sido detectadas diferenças significativas entre os homens praticantes ou não de religião para os AN e AC, nem para as mulheres praticantes ou não de religião para os três construtos, o tamanho de efeito entre os grupos foi fraco, o que pode indicar que os resultados são inconclusivos.

Estudo de Lavrič e Flere49 aponta diferenças culturais na associação entre religiosidade e AP e AN e concluem que não há um padrão de relação entre eles. Desta forma, recomenda-se que mais estudos sejam realizados para avaliar a relação entre religiosidade, AP, AN e AC na população brasileira.

As comparações entre AP, AN e AC para variáveis consideradas protetoras da saúde psicológica, tais como residir com a família, possuir financiamento estudantil e fazer uso de substâncias psicoativas, não identificaram associação em nossa pesquisa, o que merece novas investigações para se elucidar se o perfil socioeconômico dos estudantes pode ter interferido nos resultados.

Este estudo é inédito por investigar a saúde emocional de estudantes de Medicina durante a pandemia de COVID-19 e abrangendo tanto indivíduos em isolamento com aulas a distância, quanto os que estavam atuando na linha de frente em hospitais e postos de saúde. Mesmo com uma grande adesão dos alunos do curso (75%), uma limitação do estudo é o baixo percentual de participantes do sexo masculino. Outra limitação refere-se ao uso de escalas de autorrelato que consideram a percepção individual de cada respondente e, portanto, não são tão precisas quanto uma avaliação clínica.

 

CONCLUSÃO

O presente estudo avaliou os níveis de afetos positivos (AP) e negativos (AN), bem como o nível de autocompaixão (AC) dos acadêmicos do curso de Medicina de uma universidade comunitária. Pode-se concluir que independente da fase do curso, os estudantes apresentaram menores índices de saúde emocional e maior prevalência de transtornos de humor, se comparados à população geral.

Pode-se observar também que os alunos com maiores índices de autocompaixão, também tiveram resultados mais saudáveis de AP e AN, o que seria indicativo de possuírem maior habilidade de tolerar emoções desagradáveis, tendem a ser mais resilientes e terem um melhor equilíbrio emocional.

Observou-se que os estudantes já chegam no primeiro semestre com índices altos de AN e baixos de AP, e que ao longo dos 12 semestres do curso não há uma piora destes índices, mas oscilações entre os semestres. Tal achado, sem um padrão claro, permite concluir que na casuística estudada, o curso não parece estar contribuindo para a deterioração da saúde mental dos estudantes. Entretanto, cabe aqui observar a necessidade de se repetir as avaliações nos estudantes ao longo dos anos para se ter um acompanhamento longitudinal que permita realizar afirmações mais robustas. O fato de ter sido realizado na fase inicial da pandemia pelo COVID-19 pode ter sido um fator externo que pode ter afetado os resultados encontrados.

Recomenda-se cautela aos professores e coordenação do curso ao abordar essa temática com os alunos principalmente pelo estigma acerca de doenças psicológicas. A auto percepção sobre sentimentos de depressão ou ansiedade está associada a fraqueza e vergonha, que por sua vez exacerbam a experiência de AN.

A instituição de ensino e a coordenação do curso de Medicina devem estar atentos e preparados para oferecer suporte e auxílio com o gerenciamento do estresse, redução de sintomas de ansiedade e depressão, e desenvolvimento de habilidades de competências necessárias para o desenvolvimento de uma maior resiliência. Sugere-se focar em ações que busquem a humanização no ambiente institucional e nos serviços de saúde onde os estudantes atuam, com acolhimento das necessidades e um olhar mais atento aos estudantes.

A comunicação aberta acerca da saúde mental, bem como práticas visando o autocuidado, a prevenção de transtornos mentais e a escuta dos alunos são importantes para a identificação precoce de sintomas de estresse crônico, ansiedade ou depressão.

 

REFERÊNCIAS

 

 

Endereço para correspondência:
Camila de Franco Tobar
camilatobar@yahoo.com.br

Manuscrito recebido: maio 2021
Manuscrito aceito: dezembro 2021
Versão online: junho 2022

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ARTIGO ORIGINAL

 

Autocompaixão e afetos positivos e negativos de estudantes de medicina durante a pandemia de COVID-19

 

 

Camila de Franco TobarI; Maikon MichelsII; Selma Cristina FrancoIII

IEstudante do quinto ano do Curso de Psicologia da Universidade da Região de Joinville -UNIVILLE - Joinville - SC - Brasil - camilatobar@yahoo.com.br
IIDocente do curso de Psicologia da Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE - Joinville - SC - Brasil
IIIDocente do curso de Medicina da Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE - Joinville - SC - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: estudos apontam maior índice de sintomas de ansiedade, depressão e estresse entre estudantes de Medicina quando comparados à população geral. O contexto da pandemia pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2) gerou uma carga adicional de estresse a estes estudantes
OBJETIVO: o presente artigo objetivou avaliar a saúde emocional de estudantes de medicina durante a pandemia
MÉTODO: participaram 437 estudantes, aos quais foi administrado um questionário sociodemográfico, a Escala de Afetos Positivos e Afetos Negativos (PANAS) e a Escala de Autocompaixão - Brasil
RESULTADOS: a maioria (69%) é do sexo feminino, 63% reside com a família, 35% possui financiamento estudantil, 59% pratica alguma religião, 45% relatou diagnóstico de transtorno psicológico, 27% faz uso de medicamento psiquiátrico e 9% faz uso de substâncias psicoativas. Mais de 72% das mulheres e 58% dos homens apresentaram escores de afetos positivos (AP), afetos negativos (AN) e autocompaixão (AC) abaixo da média populacional. O relato de transtorno psicológico e uso de medicamentos psiquiátricos demonstrou-se significativamente associado a menores índices de AP (respectivamente, p<0,0001 e p=0,030) e AC (p<0,001 em ambos) e maiores índices de AN (p<0,001 em ambos
CONCLUSÃO: os resultados apontam maior vulnerabilidade da saúde psicológica dos estudantes de Medicina durante a pandemia e indicam a importância da adoção de medidas que visem o bem-estar emocional no âmbito institucional

Palavras-chave: COVID-19, estudantes de medicina, saúde mental, compaixão.


 

 

Síntese dos autores

Por que este estudo foi feito?

Características da formação médica geram uma forte carga de estresse que pode contribuir para o adoecimento físico e psicológico dos estudantes, sendo agravados pelo contexto de pandemia pelo Covid-19. Considerando que os futuros profissionais, em breve, irão cuidar da população, o conhecimento da saúde emocional dos estudantes de Medicina poderá subsidiar as instituições formadoras na implantação de projetos para mitigar tais problemas.

O que os pesquisadores fizeram e encontraram?

Realizou-se um estudo descritivo e exploratório entre 437 estudantes de Medicina de uma instituição comunitária com a aplicação de um questionário sociodemográfico, Escala de Afetos Positivos e Afetos Negativos (PANAS) e Escala de Autocompaixão - Brasil. Os estudantes apresentaram escores de afetos positivos (AP), afetos negativos (AN) e autocompaixão (AC) inferiores à média populacional, indicativo de dificuldades para enfrentar situações geradoras de estresse e menor capacidade de resiliência. Também observou-se associação entre os índices analisados e o relato de transtorno psicológico e o uso de medicamentos psiquiátricos dos estudantes.

O que essas descobertas significam?

Os escores de AP, AN e AC inferiores à média populacional apontam maior vulnerabilidade da saúde psicológica dos estudantes de Medicina durante a pandemia e indicam a importância da adoção de medidas que visem o bem-estar emocional no âmbito institucional

 

INTRODUÇÃO

O curso de Medicina é uma das formações mais procuradas e concorridas e também uma das graduações mais exigentes. Além da alta carga horária acadêmica, a formação exige dedicação em tempo integral considerando as jornadas de estudo, estágios e atividades extracurriculares. Esses fatores, somados à crescente conscientização dos problemas existentes na profissão médica, um ambiente competitivo entre colegas, preocupações financeiras e toda a rotina envolvida, geram uma forte carga de estresse que podem contribuir para o adoecimento físico e psicológico dos alunos1,2.

Estudos apontam maior índice de sintomas de ansiedade e depressão entre estudantes de Medicina quando comparados à população em geral2-5. Ademais, pesquisas no Brasil e EUA, apontam que as peculiaridades dos cursos de Medicina favorecem o desenvolvimento da síndrome de burnout6,7. Um agravante para esta situação é o uso de substâncias psicoativas, que se mostra maior entre os acadêmicos de Medicina quando comparado a estudantes de outros cursos da saúde e à população geral8-10.

Estes aspectos, somados ao contexto atual da pandemia pelo novo Coronavírus (SARS-CoV-2) geram uma carga adicional de ansiedade e estresse. O conhecimento científico ainda incipiente sobre o vírus e sobre as formas de combatê-lo é um dos maiores desafios mundiais atuais.

A necessidade de isolamento ou distanciamento social e adesão às práticas de quarentena tem gerado impactos econômicos, sociais e psicológicos. Os inúmeros fatores de risco relacionados à infecção pelo vírus, vão desde morbidades até questões sociais e familiares11. A incerteza sobre o futuro e o luto pelas perdas envolvidas, seja pelo enfrentamento da morte de entes queridos ou mesmo pela perda da liberdade, estão gerando impactos emocionais em grande escala. Estudos já apontam aumento de relato de sentimentos de raiva, medo, frustração, tédio e confusão12.

Neste contexto, alunos de Medicina nas fases iniciais do curso devem lidar com longas horas em aulas virtuais, pouco contato e interação com colegas e professores. Os alunos em fase pré-clínica foram precocemente envolvidos no atendimento à população em triagens telefônicas/centros de triagens e aqueles em internato passaram a atender pacientes, seguindo todo um protocolo de biossegurança.

A preocupação com o bem estar emocional dos estudantes torna-se mais relevante neste cenário. Uma forma de medir a dimensão emocional do bem estar subjetivo é através dos afetos positivos e afetos negativos. Os afetos positivos (AP) consistem em estados de envolvimento agradável e refletem o quanto uma pessoa se sente entusiasmada, ativa e alerta. Seu baixo nível indicaria estados de tristeza e letargia13. Os afetos negativos (AN), refletem um estado de angústia e envolvimento desagradável, incluindo uma variedade de estados de humor aversivos, tais como raiva, medo e nervosismo. Um baixo nível de AN seria indicativo de tranquilidade e serenidade13.

Estes construtos de bem estar subjetivo também estão relacionados à autocompaixão (AC)14. Estudos apontam que a AC é positivamente relacionada a afetos positivos e negativamente relacionada a afetos negativos14-17 e está associada à saúde psicológica e bem estar emocional18.

A autocompaixão pode ser definida de várias formas. Neff19 define a autocompaixão com base em três elementos: 1) autobondade, que envolve experimentar sentimentos de cuidado e bondade consigo, de forma compreensiva e com uma atitude imparcial em relação às próprias inadequações e falhas; 2) humanidade compartilhada, na qual reconhecemos que as experiências individuais são parte de experiências comuns a todos os seres humanos; e 3) mindfulness, que envolve estar aberto e nos mobilizarmos com nosso próprio sofrimento de forma clara e equilibrada.

A compaixão em sua essência envolve uma motivação para o cuidado, a habilidade de tolerar emoções desagradáveis, a capacidade para a compreensão empática sem julgar ou condenar20.

A autocompaixão é especialmente importante em situações desafiadoras e desagradáveis, uma vez que ela está associada à resiliência e regulação do estresse21. Indivíduos mais autocompassivos respondem melhor a emoções desagradáveis adotando uma atitude bondosa e aberta, bem como entendendo que imperfeições e experiências difíceis fazem parte da vida14.

Considerando o contexto da pandemia pelo COVID-19 e as características do curso médico, verificou-se, a importância de avaliar a reação emocional de acadêmicos de Medicina em relação a este cenário, bem como a forma como eles lidam com suas necessidades emocionais em situações estressoras.

 

MÉTODO

Trata-se de um estudo descritivo e exploratório, realizado em uma universidade comunitária em Santa Catarina.

A participação na pesquisa compreendeu estudantes de Medicina do 1º ao 12º semestre, regularmente matriculados no curso, totalizando 580 acadêmicos, dos quais 63,6% eram do sexo feminino. Os critérios de exclusão compreenderam acadêmicos com idade inferior a 18 anos de idade, aqueles que não desejaram participar ou estiveram ausentes na sala de aula no dia da coleta de dados.

A investigação foi realizada por meio de questionário estruturado de autopreenchimento aplicado coletivamente em ambiente de aula virtual via GoogleForms. O instrumento de coleta era composto de duas partes: um questionário sociodemográfico (semestre do curso, sexo, idade, residência com familiares, financiamento estudantil, prática de religião, diagnóstico de transtorno psicológico, uso de medicamentos psiquiátricos e uso de substâncias psicoativas), seguido das escalas psicológicas, a Escala de Afetos Positivos e Afetos Negativos e a Escala de Autocompaixão.

A Escala de Afetos Positivos e Afetos Negativos (PANAS) em sua versão adaptada para o Brasil22 é uma escala de autorrelato que avalia a frequência e intensidade com que as pessoas vivenciam esses afetos. Ela é composta por 10 itens que avaliam AP e 10 itens que avaliam AN. Os itens são constituídos por adjetivos que representam os afetos avaliados junto a uma escala Likert de cinco pontos, que varia de "nem um pouco" a "extremamente". Os respondentes devem assinalar o número que indica o quanto eles sentem os afetos descritos pelos adjetivos22. A PANAS demonstrou resultados estáveis, confiabilidade e validade, considerando um intervalo de 8 semanas13.

A Escala de Autocompaixão (EAC), desenvolvida por Neff23, é uma escala de autorrelato composta por 26 itens que representam o construto Autocompaixão. Para cada uma de suas 26 frases ou itens, o respondente deve marcar como se sente em relação ao que lê, indicando sua preferência com base em uma escala Likert de cinco pontos, variando de "quase nunca" a "quase sempre". A escala visa avaliar seis elementos: autobondade, mindfulness, humanidade compartilhada, autocrítica, isolamento e sobre-identificação24.

Para preservar o anonimato, os questionários foram identificados apenas com os números de matrícula dos acadêmicos, sem os nomes. Tal identificação se fez necessária para viabilizar um feedback posterior aos acadêmicos e tornar possível eventual intervenção em nível individual em situações especiais identificadas pelos psicólogos pesquisadores. Todos os alunos presentes em aula no dia da aplicação do questionário foram convidados a respondê-lo. As aplicações ocorreram de 11 a 19 de maio de 2020, por turma, e tiveram duração aproximada de 20 minutos cada. Após a concordância dos professores, foi feita uma escala de horários para cada turma durante as aulas. Nessa ocasião, as aulas estavam acontecendo apenas de forma virtual há dois meses em virtude da pandemia de COVID-19. Ao clicar no link da pesquisa, o participante era levado para a página do TCLE. Como critério de inclusão para o estudo foi estabelecido que o indivíduo estivesse regularmente matriculado no curso e desejasse participar da pesquisa, neste caso ele deveria clicar em "Sim, sou maior de 18 anos e concordo em participar da pesquisa". Caso o respondente selecionasse a opção "sou menor de 18 anos" ou "não desejo participar da pesquisa", ele era automaticamente levado para a mensagem de agradecimento, finalizando o formulário.

Quanto aos aspectos éticos, o estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da universidade (CAAE 24711019.2.0000.5366), a coordenação do curso assinou o Termo de Anuência e os participantes do estudo deram aceite no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) que constava na página inicial do formulário online GoogleForms.

A análise dos dados foi realizada com auxílio do programa Microsoft Excel 2013. Primeiro, foram geradas estatísticas descritivas simples. Usou-se o teste do qui-quadrado para comparação de participantes em relação ao sexo. Em seguida, correlações de Pearson foram obtidas entre as medidas de AP, AN e AC. O terceiro passo da análise envolveu cálculos de testes f para verificação de semelhança entre variâncias, seguidos de testes t para comparações de grupos conforme as características sociodemográficas e psicológicas (sexo, residir com a família, possuir financiamento estudantil, prática de religião, diagnóstico de transtorno psicológico, uso de medicamentos psiquiátricos e uso de substâncias psicoativas). Foram consideradas três fases no curso de Medicina, básico, pré-clínico e internato, cada qual compreendendo 4 semestres sequencialmente. Os níveis de AP, AN e AC foram classificados como abaixo da média (percentil 0-39), na média (percentil 40-60) e acima da média (61-100). O nível de significância adotado foi de 0,05. O tamanho do efeito via d de Cohen foi calculado para as comparações de grupos. Valores superiores ou iguais a 0,8 representam tamanho de efeito grande; entre 0,8 a 0,2 são considerados médios e inferiores a 0,2 pequenos. Segundo o Manual de Publicação da Associação Americana de Psicologia25, recomenda-se medir o tamanho de efeito junto aos resultados de valor p, uma vez que estes não indicam a importância de uma diferença entre grupos, mas apenas testam dados contra a hipótese nula. O tamanho de efeito dá significado aos testes estatísticos, e mede a força da evidência contra a hipótese nula, assim reduzindo o risco de falhas de interpretação. Finalmente, foi realizada análise de variância com fator único (ANOVA) para afetos positivos (AP), afetos negativos (AN) e autocompaixão (AC) para comparar as fases do curso.

 

RESULTADOS

Dos 580 estudantes do curso, 135 estavam ausentes na aula no dia da coleta de dados ou não acessaram o formulário. Dentre os presentes, 4 foram excluídos da pesquisa por serem menores de idade e 4 que não quiseram participar da mesma, o que totalizou 437 respondentes (75% dos alunos do curso). A faixa etária variou de 18 a 42 anos, com média de 22,92 (DP = 3,78). Dos respondentes 69% (n=300) eram do sexo feminino e 31% (n=137) do sexo masculino. A proporção de participação na pesquisa foi maior entre as mulheres (81%) do que entre os homens (65%) com diferença significativa (p<0,0001).

Considerando os dados sócio demográficos, verificou-se que: 275 (63%) residem com a família; 151 (35%) possuem financiamento estudantil; 256 (59%) praticam alguma religião; 196 (45%) relataram terem diagnóstico de transtorno psicológico, sendo 80 (18%) com mais de um transtorno; 117 (27%) fazem uso de medicamento psiquiátrico; e 40 (9%) fazem uso de substâncias psicoativas, sendo que 19 (4%) preferiram não responder à pergunta.

A distribuição dos estudantes por percentil em relação aos AP pode ser observada no Gráfico 1. Os resultados apontam que 75% dos estudantes situam-se em percentis considerados médio-baixo ou muito baixo para AP pela tabela normativa da população brasileira22, estando esses elevados percentuais já presentes desde os primeiros semestres do curso.

 

 

As comparações de grupos ANOVA com relação às fases do curso mostram oscilações nas médias de AP para as três fases, ensino básico (2,70), pré-clínico (2,66) e internato (2,98), indicando que após a entrada no curso há uma queda dos AP seguida de um aumento dos mesmos durante a prática clínica. Nas mulheres, as médias dos AP das mulheres foram mais elevadas na fase pré-clínica (p=0,006). Já, entre os homens, não se verificou tal diferença (p=0,070). As comparações para afetos negativos e autocompaixão nas três fases do curso não mostraram diferenças estatisticamente significativas em ambos os sexos.

Considerando a média de alunos classificados nos percentis considerados médio-alto ou alto para AN quando comparados com a população geral, observou-se que 53% apresentaram AN acima da normativa populacional22, com algumas oscilações, não significativas, em cada semestre para sexo feminino (p=0,089) e masculino (p=0,745) (gráfico 2).

 

 

Para a autocompaixão, 39% dos alunos se encontram nos percentis muito baixo ou médio baixo, 29% na média e 32% nos percentis médio alto e alto, conforme a normativa populacional24 (gráfico 3). As oscilações verificadas ao longo dos semestres não é significativa para sexo feminino (p=0,293) e masculino (p=0,082).

 

 

As correlações encontradas entre as escalas aplicadas para a população feminina foram: AP com AN a r = -0,45 e com autocompaixão a r = 0,47; e afetos negativos com autocompaixão a r = -0,60. Para a população masculina as correlações encontradas foram: afetos positivos com afetos negativos a r = -0,46 e com autocompaixão a r = 0,49; e afetos negativos com autocompaixão a r = -0,63. Segundo Cohen26, são correlações moderadas (0,30 r 0,49) e fortes (r 0,50).

Foram conduzidas comparações de grupos com relação às médias dos AP, AN e AC. A comparação quanto ao sexo, mostrou diferenças significativas das médias de AP (p=0,022) e AC (p=0,007) que foram maiores entre os homens e as de AN (p<0,001) entre as mulheres (tabela 1).

As comparações de médias para AP, AN e AC para o sexo masculino em relação às características sociais demonstram haver associação entre o relato de transtorno psicológico e uso de medicamentos psiquiátricos com os AN (respectivamente p<0,001 e p=0,006). Não se identificou associação destes fatores com AP e AC. Neste grupo, observou-se ainda associação significativa da prática de religião com os AP (p=0,002) (tabela 2).

Para o sexo feminino, observou-se associação significativa do não relato de transtorno psicológico e não uso de medicamentos psiquiátricos com os AP (respectivamente, p<0,001 e p=0,030) e a AC (p<0,001 em ambos). Também identificou-se associação entre o relato de transtorno psicológico e uso de medicamentos psiquiátricos com os AN (p<0,001 em ambos), conforme tabela 3.

 

DISCUSSÃO

A comparação entre acadêmicos matriculados e participantes da pesquisa mostrou maior proporção de mulheres e menor de homens. Estudos utilizando entrevistas virtuais entre universitários mostram maior participação do sexo feminino27, sendo uma das explicações para isso ser devido às mulheres serem socializadas mais em relação à conexão com outros, o que as levaria serem mais conectadas emocionalmente, enquanto homens seriam socializados com termos de separação e teriam um perfil mais individualista28.

O fato da maioria dos estudantes residirem com suas famílias e praticarem alguma religião é positivo, já que são fatores considerados protetores para uma boa saúde mental. Ter uma crença religiosa pode levar a uma postura mais adaptativa quando se lida com eventos estressores, reduzindo o impacto negativo dos mesmos. Adicionalmente, a religião pode proporcionar um sentimento de controle, conforto, conexão a outras pessoas e proximidade a uma força maior29.

O elevado percentual de estudantes com relato de diagnóstico de transtorno psicológico (45%) indica que a saúde emocional destes alunos está prejudicada quando comparada à população geral. No Brasil, o transtorno de ansiedade está presente em 9,3% da população geral30 e a prevalência de depressão ao longo da vida está em torno de 15,5% no país31.

Muitos estudos realizados em estudantes de Medicina no Brasil e em outros países têm reportado elevados índices de transtornos psicológicos2-7, uso de medicamentos8,10,32 e de substâncias psicoativas8-10,33, que somados às características próprias do curso que exige grande dedicação e comprometimento dos estudantes produz um ambiente estressor capaz de agravar a saúde mental dos mesmos1,2.

Essa situação não é atenuada após a graduação, já que o exercício da profissão médica é estressante, devido a longas jornadas, privação do sono, ambientes insalubres, e por lidar com a doença, o sofrimento e a morte, além de envolver grande visibilidade e responsabilidade social34. Em decorrência disso, observa-se taxas de transtornos psiquiátricos e suicídio maiores do que as da população geral35.

O achado de que 75% dos estudantes situam-se em percentis considerados médio-baixo ou muito baixo para AP quando comparados com a população geral pela tabela normativa da escala PANAS22 é indicativo de um prejuízo na capacidade de envolvimento agradável. Ao separar-se por semestres, verifica-se que os estudantes já iniciam o curso com índices baixos de AP, havendo uma piora nos semestres intermediários e melhora nos semestres finais (gráfico 1). Esses achados estão de acordo com outros estudos4,5 que demonstram maiores índices de depressão em alunos dos anos intermediários do curso médico.

Alguns autores29 apontam, ainda, que no decorrer do curso de Medicina, há um aumento no uso de tranquilizantes, tabaco e outros36, com a mesma tendência para o consumo de bebidas alcoólicas. Os autores sugerem que estes achados podem estar relacionados ao fato de as atividades práticas iniciadas no quinto ano do curso serem geradoras de ansiedade33. Esse período final é considerado o mais difícil, uma vez que obriga o estudante a dedicar-se integralmente à formação, além de gerar expectativas acerca dos deveres e responsabilidades que acompanham o título de médico33. Os piores resultados de AP na fase pré-clínica são preocupantes uma vez que estes estudantes ainda não iniciaram o internato e já se mostram mais vulneráveis do ponto de vista de saúde psicológica.

Ao se analisar os AN, observa-se que 53% dos alunos demonstraram um estado de angústia e envolvimento desagradável acima da normativa populacional22. Esses resultados de AP e AN preocupam, pois mostram uma maior fragilidade da saúde emocional dos futuros profissionais da saúde, podendo inclusive provocar o desequilíbrio psicológico, que seria prejudicial ao desempenho de seu trabalho37.

Os níveis de autocompaixão seguem a mesma tendência dos AP, sendo possível constatar melhores resultados nos últimos semestres. Tal achado é indicativo de que esses alunos estão mais engajados em autocuidado e na habilidade de tolerar emoções desagradáveis20, aspectos que facilitariam a transição para a atuação profissional do ponto de vista da saúde emocional.

As correlações encontradas entre as três escalas aplicadas para a população feminina e masculina indicam que melhorando os estados de envolvimento agradáveis, pelo aumento de AP, haveria reflexos nos estados de humor aversivos, reduzindo os AN, e impactaria na autocompaixão na medida em que ela se associa à saúde psicológica e bem estar emocional18.

As diferenças entre os sexos encontradas em nossa pesquisa em relação às médias dos AP, AN e AC, mostrando níveis maiores de AP e AC entre homens e de AN maiores entre as mulheres, refletem questões de gênero já apontadas em outros estudos38,39.

Nesse sentido, os papéis sociais dos gêneros e as normas sociais de masculinidade e feminilidade atuam definindo comportamentos pré-estabelecidos, nos quais o homem busca suprir uma expectativa social sobre o papel que exerce, demonstrando força e segurança. Opostamente, a mulher, pode externar seu sofrimento e vulnerabilidade. Dessa forma, características comumente ligadas ao feminino, incluem sensibilidade, emotividade e auto sacrifício, enquanto as ligadas ao masculino incluem força, pragmatismo e independência40. Estudo de Nevid e Rathus em aponta que mulheres que adotam um papel mais feminino, tendem a vivenciar situações estressantes de forma mais aversiva e demonstram capacidade reduzida de superação, o que as levaria a estados de maior angústia e engajamentos desagradáveis40.

Crawford e Henry39 indicam que baixos índices de AP estão ligados a estados depressivos e altos índices de AN estão relacionados tanto a estados depressivos, como a quadros de ansiedade. Os achados de nosso estudo encontraram entre os estudantes de Medicina de ambos os sexos médias de AP abaixo da média da população geral e de AN acima da média populacional, evidenciando situação de maior vulnerabilidade psicológica para o desenvolvimento de transtornos psicológicos1,2.

A questão de gênero também permeou os resultados referentes aos transtornos psicológicos e uso de medicamentos psiquiátricos. Em nossa pesquisa encontramos associação entre esses 2 fatores e os AN nos estudantes do sexo masculino e os AP e AC nas estudantes do sexo feminino.

Esta relação entre AP e AN com transtornos psicológicos foi identificada no estudo de Hofmann, Sawyer, Fang, & Asnaani41. Segundo os autores, um nível acentuado de AN e reduzido de AP foi associado a transtornos do humor, como a depressão e quadros de ansiedade. Adicionalmente, Barnard e Curry42 indicam que a literatura é consistente na afirmação de que a AC é inversamente relacionada a psicopatologias, sendo que o desenvolvimento da mesma reduz quadros de depressão e ansiedade43. A AC promove AP, melhorando a saúde mental e reduzindo depressão, ansiedade e estresse44.

Tendo em vista que quadros depressivos, ansiosos e o estresse crônico levam a alterações no eixo hipotálamo-hipófise-adrenal45, as consequências fisiológicas podem ocasionar prejuízos da cognição. Autores46,47 apontam que o cansaço, a dificuldade de atenção, concentração e memória, levam a uma queda de produtividade, irritabilidade, agressividade, apatia, isolamento, queda da autoestima, entre outros, de forma que estes estudantes podem apresentar um prejuízo funcional, que por sua vez pode resultar em dificuldades de aprendizado.

Quando somamos essa queda de rendimento a fatores que fazem parte da formação médica, como competitividade, pressão constante, elevadas cargas de horário de estudo/trabalho, isso se retroalimenta em um ciclo vicioso aumentando a vulnerabilidade para transtornos de humor2,48 e os levam a usarem mecanismos de compensação inadequados, tais como evitação ou busca de alívio, por uso de substâncias ou medicamentos8-10.

Os semestres em que se observa uma piora da saúde emocional merecem uma atenção especial do ponto de vista pedagógico. Deve-se avaliar o que pode estar desencadeando esse tipo de situação, se é a falta de tempo ou momentos de lazer, se é a relação com os professores, se é a própria carga de atividades e tarefas, entre outros.

Entre os homens, observou-se ainda associação significativa da prática de religião com os AP (tabela 2), o que apoia a ideia de que a religião pode gerar e/ou sustentar estados de emoções positivas e pode ser um fator protetivo da saúde mental. Embora não tenham sido detectadas diferenças significativas entre os homens praticantes ou não de religião para os AN e AC, nem para as mulheres praticantes ou não de religião para os três construtos, o tamanho de efeito entre os grupos foi fraco, o que pode indicar que os resultados são inconclusivos.

Estudo de Lavrič e Flere49 aponta diferenças culturais na associação entre religiosidade e AP e AN e concluem que não há um padrão de relação entre eles. Desta forma, recomenda-se que mais estudos sejam realizados para avaliar a relação entre religiosidade, AP, AN e AC na população brasileira.

As comparações entre AP, AN e AC para variáveis consideradas protetoras da saúde psicológica, tais como residir com a família, possuir financiamento estudantil e fazer uso de substâncias psicoativas, não identificaram associação em nossa pesquisa, o que merece novas investigações para se elucidar se o perfil socioeconômico dos estudantes pode ter interferido nos resultados.

Este estudo é inédito por investigar a saúde emocional de estudantes de Medicina durante a pandemia de COVID-19 e abrangendo tanto indivíduos em isolamento com aulas a distância, quanto os que estavam atuando na linha de frente em hospitais e postos de saúde. Mesmo com uma grande adesão dos alunos do curso (75%), uma limitação do estudo é o baixo percentual de participantes do sexo masculino. Outra limitação refere-se ao uso de escalas de autorrelato que consideram a percepção individual de cada respondente e, portanto, não são tão precisas quanto uma avaliação clínica.

 

CONCLUSÃO

O presente estudo avaliou os níveis de afetos positivos (AP) e negativos (AN), bem como o nível de autocompaixão (AC) dos acadêmicos do curso de Medicina de uma universidade comunitária. Pode-se concluir que independente da fase do curso, os estudantes apresentaram menores índices de saúde emocional e maior prevalência de transtornos de humor, se comparados à população geral.

Pode-se observar também que os alunos com maiores índices de autocompaixão, também tiveram resultados mais saudáveis de AP e AN, o que seria indicativo de possuírem maior habilidade de tolerar emoções desagradáveis, tendem a ser mais resilientes e terem um melhor equilíbrio emocional.

Observou-se que os estudantes já chegam no primeiro semestre com índices altos de AN e baixos de AP, e que ao longo dos 12 semestres do curso não há uma piora destes índices, mas oscilações entre os semestres. Tal achado, sem um padrão claro, permite concluir que na casuística estudada, o curso não parece estar contribuindo para a deterioração da saúde mental dos estudantes. Entretanto, cabe aqui observar a necessidade de se repetir as avaliações nos estudantes ao longo dos anos para se ter um acompanhamento longitudinal que permita realizar afirmações mais robustas. O fato de ter sido realizado na fase inicial da pandemia pelo COVID-19 pode ter sido um fator externo que pode ter afetado os resultados encontrados.

Recomenda-se cautela aos professores e coordenação do curso ao abordar essa temática com os alunos principalmente pelo estigma acerca de doenças psicológicas. A auto percepção sobre sentimentos de depressão ou ansiedade está associada a fraqueza e vergonha, que por sua vez exacerbam a experiência de AN.

A instituição de ensino e a coordenação do curso de Medicina devem estar atentos e preparados para oferecer suporte e auxílio com o gerenciamento do estresse, redução de sintomas de ansiedade e depressão, e desenvolvimento de habilidades de competências necessárias para o desenvolvimento de uma maior resiliência. Sugere-se focar em ações que busquem a humanização no ambiente institucional e nos serviços de saúde onde os estudantes atuam, com acolhimento das necessidades e um olhar mais atento aos estudantes.

A comunicação aberta acerca da saúde mental, bem como práticas visando o autocuidado, a prevenção de transtornos mentais e a escuta dos alunos são importantes para a identificação precoce de sintomas de estresse crônico, ansiedade ou depressão.

 

REFERÊNCIAS

 

 

Endereço para correspondência:
Camila de Franco Tobar
camilatobar@yahoo.com.br

Manuscrito recebido: maio 2021
Manuscrito aceito: dezembro 2021
Versão online: junho 2022

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