SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.27 número2Adolescente em acolhimento institucional: um estudo de caso com GenogramaTrabalho noturno e seus efeitos na saúde dos trabalhadores da área de segurança índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Mudanças

versão impressa ISSN 0104-3269versão On-line ISSN 2176-1019

Mudanças vol.27 no.2 São Paulo jul./dez. 2019

 

ARTIGOS

 

Inventário de estilos parentais de Young: validação em crianças paraibanas

 

Inventory of parenting styles of Young: validation on childrens from Paraíba

 

 

Karla Carolina Silveira RibeiroI; Raiff Laurentino da CruzII

IDoutora em Psicologia Social pela UFP e Especialista em Neuropsicologia. Professora da Uninassau de Campina Grande
IIPsicólogo pela Uninassau de Campina Grande

 

 


RESUMO

A família é a instituição responsável pelo processo de socialização primária das crianças, especificamente os genitores efetuam a mediação entre os primeiros contatos da criança e o mundo externo, com diferentes maneiras de trocas intersubjetivas primordiais para o desenvolvimento. Nas últimas décadas, observa-se o crescimento de estudos sobre a família e sua influência no desenvolvimento normal e patológico da criança e do adolescente, mas nenhum modelo clínico de compreensão dos estilos parentais foi proposto anteriormente. Jeffrey Young, como pioneiro nos estudos voltados à Terapia Focada nos Esquemas, desenvolveu o Inventário de Estilos Parentais de Young (IEP). O objetivo dessa pesquisa foi de adaptar e analisar se o IEP apresenta validade psicométrica para aplicação com crianças paraibanas, inicialmente e especificamente na escala relacionada aos domínios esquemáticos maternos. Para o estudo empírico, contou-se com a participação de 646 crianças, do ensino fundamental, com idades entre 8 a 12 anos. Os dados foram coletados em 6 cidades da Paraíba. Todos os itens apresentaram cargas fatoriais acima de 0,3. Para a escala materna o índice KMO=0,900 e x2=7693,140 p<0,000 e o percentual de variância cumulativa foi 42%. A versão final para a escala materna foi composta pelos fatores: (I) Desconexão e Rejeição (0,864); (II) Limites Prejudicados e Inibição (0,804); (III) Hipervigilância (0,74); (IV) Orientação para o outro (0,74); (V) Superproteção e Autonomia Prejudicados (0,67). Conclui-se que a versão adaptada para crianças, na escala materna apresenta parâmetros psicométricos adequados. Ademais sugere-se a continuação dos estudos para validação da escala paterna.

Palavras chave: Estilos parentais; Jeffrey Young; validação;


ABSTRACT

The family is the institution responsible for the process of primary socialization of children, specifically the parents mediate between the child's first contacts and the external world, with different ways of intersubjective exchanges primordial for development. In the last decades, the growth of studies about family and their influence on the normal and pathological development of the child and the adolescent has been observed, but no clinical model of understanding the parental styles has been proposed previously. Jeffrey Young, as a pioneer in studies focused on Scheme-Focused Therapy, developed Young's Parenting Styles Inventory (IEP). The objective of this research was to adapt and analyze if the IEP has psychometric validity for application with children from Paraiba, initially and specifically in the scale related to maternal schematic domains. For the empirical study, we counted on the participation of 646 children, of primary education, between 8 and 12 years old. The data were collected in 6 cities of Paraíba. All items had factorial loads above 0.3. For the maternal scale, the KMO index = 0.900 and x2 = 7693.140 p <0.000 and the cumulative variance percentage was 42%. The final version for the maternal scale was composed by the following factors: (I) Disconnection and Rejection (0.864); (II) Impaired Limits and Inhibition (0.804); (III) Hypervigilance (0.74); (IV) Guidance for the other (0.74); (V) Overprotected and Autonomy Impaired (0.67). It is concluded that the adapted version for children, on the maternal scale, presents adequate psychometric parameters. In addition, it is suggested the continuation of the studies for validation of the paternal scale.

Keywords: Parental styles; Jeffrey Young; validation.


 

 

A família é considerada como o sistema mais primitivo que a pessoa vivencia e a resultante dessa traz um padrão de atividades, papéis e relações interpessoais indispensáveis para o indivíduo em desenvolvimento e tais trocas fundamentam o estudo de formação da espécie humana (Sigolo, 2004). Pode-se afirmar, então, que a família é a instituição responsável pelo processo de socialização primária das crianças e adolescentes (Schenker & Minayo, 2003). Nessa perspectiva, nas últimas décadas, observa-se o crescimento de estudos sobre a família e sua influência no desenvolvimento normal e patológico da criança e do adolescente (Cecconello, De Antoni & Koller, 2003; Spera, 2005).

Nos estudos com família, Darling e Steinberg (1993) destacam a relevância de manter essa diferenciação no que tange aspectos sobre práticas e estilos parentais, mesmo que alguns autores não derem a devida importância a tais conceitos. As práticas parentais referem-se aos comportamentos específicos dos pais, com foco na socialização da criança e do adolescente. Já os estilos parentais englobam, além das práticas parentais, outros aspectos da interação pais-filhos, especificamente como tom de voz, linguagem corporal e atenção (Darling & Steinberg, 1993).

A integração dos aspectos emocionais e comportamentais do processo de socialização a um sistema de estilos parentais, ancorado nas crenças dos pais foi feito por Baumrind (1997). Para essa autora, o controle parental diz respeito às tentativas de inserção da criança no ambiente familiar e na sociedade, e como resultado dessa ação criam-se modos, entre os pais, de expectativas de maturidade, confrontação direta, supervisão e disciplina.

Os modelos propostos de Darling e Steinberg (1993), e Baumrind (1997) deram base para vastas pesquisas experimentais, facilitando a identificação de diferentes aspectos dos padrões de comportamento e na concepção da gênese das psicopatologias. Apesar disso, não foram encontrados até a década de 1990, padrões de estudo que referenciassem num modelo clínico a compreensão dos estilos parentais (Valentini & Alchieri, 2009). Devido a essa inexistência, Young (2003) propôs uma construção teórica embasada nos estilos parentais abarcando aspectos psicopatológicos do ser. Esse modelo será discutido a seguir.

A Terapia do Esquemas (TE), ao enfatizar aspectos estruturais da personalidade, o que não ocorria com terapia cognitivo-comportamental (TCC), abre espaço para a discussão dos estilos parentais e sua relação com o desenvolvimento destas estruturas (Young, 2003). Essa nova modalidade de terapia é fundamentada na neurobiologia e nas neurociências cognitivas. Sendo assim, a aprendizagem emocional está ligada diretamente a forma como os processos mentais armazenam diferentes informações. Tais processos são reconhecidos por funcionamento concomitante de dois sistemas cerebrais, o hipocampo e a amígdala. Um está relacionado ao estado consciente do processamento, e o outro ao estado inconsciente de processamento de informação, respectivamente (Callegaro, 2005).

Dessa maneira LeDoux (1996) explicita que os mecanismos cerebrais que registram, armazenam e recuperam memórias da importância emocional de um evento traumático diferem dos mecanismos que processam memórias e cognições conscientes sobre o mesmo evento. A amigdala arquiva a memória emocional, enquanto o hipocampo e o neocórtex armazenam a memória cognitiva. Desse modo a resposta emocional é muito mais rápida, em torno de milissegundos, do que a manifestação das cognições referentes à ameaça. Por exemplo, um sinal de perigo atinge a amígdala antes de alcançar o córtex (LeDoux, 2003). Portanto, emoção e cognição são compreendidas como funções mentais distintas e esses dois sistemas estocam diferentes tipos de informações relacionados às experiências humanas.

Entretanto a interação dessas experiências humanas (influência dos cuidadores) com o temperamento emocional (geneticamente herdado), segundo Young, Klosko, & Weishaar (2008) resulta na formação de Esquemas Inicias Desadaptativos (EIDs) ou adaptativos. Eles definem um EID como um conjunto de memórias, emoções, sensações corporais e cognições que giram em torno de um tema de infância. Quando tais experiências são inadequadas e continuadas na família nuclear os EIDs são ativados. No momento que é ativado um EID, o indivíduo é inundado por emoções e sensações corporais inconscientes e ligadas a memória original ou primitiva.

Young, Klosko e Weishaar (2008) propõem a existência de 18 (dezoito) EIDs - distribuídos em cinco domínios, chamado de Domínios Esquemáticos (DEs) desadaptativos. Os DEs são intervalos temporais que vão do início da infância ao começo da adolescência que surgem em momentos críticos e específicos dessa fase (Wainer, Paim, Erdos & Andriola, 2016). Domínio 1: Desconexão e Rejeição; Domínio 2: Autonomia e Desempenho Prejudicados; Domínio 3: Limites Prejudicados; Domínio 4: Orientação para o outro; Domínio 5: Hipervigilância e Inibição. Conforme descrito a seguir:

A teoria de Young, Klosko e Weishaar (2008) preconiza que, quanto ao Domínio 1 - Desconexão e Rejeição, as famílias costumam apresentar instabilidade (abandono/instabilidade), abuso (desconfiança/abuso), frieza (privação emocional), rejeição (defectividade/vergonha) ou isolamento do mundo exterior (isolamento social/alienação). Para o Domínio 2 - Autonomia e Desempenho Prejudicados, as famílias têm característica de ser superprotetora (Dependência/incompetência), emaranhada (emaranhamento/self subdesenvolvido) e destruidora da confiança da criança (fracasso).

Em relação ao domínio 3 - Limites Prejudicados Young, Klosko e Weishaar (2008) afirmam que os pacientes não desenvolveram limites internos adequados e seus cuidadores têm como prática agir com permissividade (arrogo/grandiosidade) e falta de orientação à criança quanto ao que é certo e errado (Autocontrole/Autodisciplina insuficientes). No que tange ao domínio 4 - Orientação para o outro, Young, Klosko e Weishaar (2008) os pais têm o hábito de ter foco excessivo no desejo e respostas ao outro (Subjugação) (auto-sacrifício), a fim de obter amor e aprovação (busca de aprovação/busca de reconhecimento).

Finalmente, quanto ao domínio 5 - Supervigilância e inibição, a família geralmente é punitiva(Negativismo/pessimismo), perfeccionista (Padrões inflexíveis/postura crítica exagerada) e tende a evitar os "erros" decorrentes de atividades prazerosas(Inibição emocional) (Young, Klosko & Weishaar, 2008)

Uma vez identificados os EIDs e seu respectivo DE em questão, é possível realizar uma intervenção específica que atue sobre as distorções cognitivas produzidas pelo esquema (Duarte, Nunes & Kristensen, 2008). Assim para alcançar esta função e rastrear a origem desses esquemas e avaliar os aspectos familiares distribuídos em cinco domínios, foi desenvolvido o Inventário de Estilos Parentais de Young (Young Parental Inventory - YPI), propostos teoricamente por Jeffrey Young (1999; 2003). Valentini (2009) realizou estudo de adaptação e validação desse instrumento para o contexto brasileiro. No entanto alertou em pesquisa, que os resultados não podem ser generalizados para o restante da população, sendo assim, sugeriu novas pesquisas com amostras mais representativas da população. No tocante a esse contexto e devido a extensão do instrumento, o presente estudo teve como objetivo adaptar e analisar se o YPI apresenta validade psicométrica para aplicação com crianças paraibanas, inicialmente e especificamente na escala relacionada aos domínios esquemáticos maternos.

 

Método

Esta pesquisa foi de natureza básica e caracterizou-se por um estudo de campo de cunho transversal quantitativo e descritivo.

Campo de pesquisa

A pesquisa foi realizada com crianças do sexo masculino e feminino, com idade entre 8 a 12 anos, matriculados em escolas do ensino fundamental, públicas e privadas, abrangidas por cidades do território do estado da Paraíba. Entre os meses de maio a outubro de 2017. Visando os objetivos de validação do YPI, uma amostra representativa foi determinada através de estratificação por macrorregião geográfica do Estado da Paraíba (litoral, Borborema, Cariri, Curimataú e Sertão), abrangendo especificamente as cidades de João Pessoa, Campina Grande, Distrito de Galante, Queimadas, Nova Floresta, São João do Cariri e Sousa, respectivamente.

Participantes

Pasquali (1999) recomenda, no processo de validação de instrumentos, que pode ser utilizado como base uma amostra de 10 sujeitos para cada item do instrumento. Mas ainda salienta que uma análise com menos de 200 participantes se torna inadequada. Como também conforme Tabachnick & Fidell (2001) com menos de 300 sujeitos, uma análise fatorial fica prejudicada.

Sendo assim, a pesquisa foi aplicada num total de 646 estudantes, cumprindo-se apropriadamente tanto ao critério recomendado por Pasquali (1999) quanto ao recomendado por Tabachnick & Fidell (2001). O processo de amostragem foi por conveniência dos pesquisadores e estratificação das macrorregiões do Estado.

Instrumentos de Aplicação

Com finalidade de atender a um dos objetivos específicos desta pesquisa, visando o controle Sóciodemográfico, foi elaborado um questionário embasado em variáveis substanciais tais como sexo, idade, escolaridade, escola pública ou privada, e estrutura familiar (pais casados/separados, irmãos).

Inventário de Estilos Parentais de Young - YPI

Com foco na Terapia dos Esquemas (Young, 2003) o YPI foi concebido com o propósito de elucidar uma das causas do surgimento dos dezoito EIDs: os estilos parentais. Em sua versão original o instrumento investiga os dezoito estilos parentais referentes a mãe e o pai, divididos em cinco domínios, através de 72 itens. No decorrer de todo o questionário a pessoa é solicitada a dar um juízo de valor a cada afirmação descrevendo a mãe e o pai, isoladamente, durante a infância do participante. Esta atividade é realizada por intermédio de uma escala do tipo Likert de seis pontos (1= Muito Falso; 2= falso; 3=Mais ou Menos; 4=Pouco Verdadeiro; 5=verdadeiro; 6=Muito Verdadeiro). Por fim, os escores para cada uma das dezoito dimensões são gerados separadamente para os estilos paternos e os estilos maternos.

Procedimentos de Pesquisa

Inicialmente a pesquisa em questão foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual da Paraíba - UEPB, protocolo de número CAAC 73202017.0.0000.5187, no qual foram averiguados os parâmetros éticos. As aplicações foram coletivas e realizadas em salas de aula, após o consentimento dos professores, participantes e responsáveis, esclareceu-se o intuito da pesquisa e garantindo o anonimato e o sigilo das informações coletadas durante o transcorrer do estudo, deixando exposto que a participação é voluntária, seguindo diretrizes éticas da Resolução 466/12, do Conselho Nacional de Saúde (2012).

Antecedendo a coleta efetiva dos dados, procedeu-se o estudo piloto. Nesta etapa realizou-se a análise semântica e compreensão dos itens, por meio de um pesquisador previamente treinado, foi solicitado a 20 crianças, com idade entre 8 a 11 anos, lessem as frases do inventário e respondessem o que conseguiram entender ou não e se teriam alguma sugestão a fazer. Esta amostra foi composta de 10 pessoas do sexo masculino e 10 do sexo feminino; destes, com nível de escolaridade fundamental. Objetivou-se, nesta etapa, avaliar se o instrumento, composto pelos 72 itens, será compreensível em sua totalidade ou se será passivo de qualquer alteração visando a adequação psicométrica. Processo este foi primordial para adaptação e posterior validação (Fontenelles, Simões, Farias & Fontenelles, 2009).

Como este estudo visou adaptar o IPY para a realidade e linguagem da criança, para tanto um comitê composto por três juízes-avaliadores (Análise por Juízes), formado por pessoas que não participaram da fase piloto da coleta, mas possuíam domínio teórico, avaliaram as adaptações sugeridas pelas crianças (itens 3 - 5, 7 -10, 13 - 17, 19 - 22, 24 - 26, 29 - 33, 40, 42 - 45, 47, 48, 55 - 57, 65 - 68, 70, 71) e pelo pesquisador (itens 11, 12, 18, 23, 27, 28, 34 - 39, 41, 46, 49 - 54, 58, 59, 62, 64, 69, 72), verificando se os termos utilizados na fase da validação semântica possuíam o mesmo significado da versão original e, desta feita, consolidou-se uma versão preliminar. Segundo Pasquali (1999), devendo haver uma concordância mínima de 80% entre os juízes para servir de critério de decisão sobre os itens que serão mantidos e/ou alterados.

Dando continuidade, a versão preliminar foi aplicada por estudantes de psicologia, devidamente treinados. Paralelamente, foi administrado um questionário sociodemográfico. Com duração média de 25 minutos.

Análise dos Dados

O banco de dados foi construído a partir de digitação do instrumento com prévia codificação das respostas, utilizando o Software IBM SPSS for Windows - versão 22. Inicialmente, foram realizados procedimentos para análise exploratória de dados visando identificar eventuais omissões de respostas.

Em seguida, com a finalidade de se verificar a estrutura fatorial da medida foi feita uma Análise Fatorial exploratória. As extrações fatoriais foram realizadas através do método dos Componentes Principais, considerando-se os itens com cargas fatoriais iguais ou superiores a 0,30. O poder discriminativo dos itens foi verificado mediante o uso do Test t a partir do qual foram comparadas as médias para cada item com o objetivo de verificar o poder de discriminação entre os grupos através de critério da mediana. Para avaliar os índices de consistência interna dos fatores, foi utilizado o alfa de Cronbach.

 

Resultados

Dados Sociodemográficos

O instrumento-preliminar, resultante da fase piloto, foi aplicado em 646 crianças, estudantes do ensino fundamental, com idade média de 10,15 anos (DP= 1,076), do sexo masculino (48,8%) e feminino (51,2%), sendo a maioria do quinto ano do fundamental (41,7%), de escolas públicas (70,8%) e privadas (29,2%).

Uma parcela significativa desta amostra é representada por crianças com configuração familiar tradicional (60,9%), moram com Pai e Mãe (29,3%) e Pai, Mãe e irmãos (31,6%). E cerca de 24,1% da amostra apresenta configuração familiar mais dinâmica e diferenciada. A coleta de dados foi realizada em 6 cidades e um Distrito, abrangidas pelo território paraibano. Uma em João Pessoa, quatro em Campina Grande, uma Sousa, uma no Distrito de Galante, duas em Nova Floresta, e uma em São João do Cariri.

Validação do Instrumento

Inicialmente foram realizadas análises exploratórias e de distribuição de frequência, seguindo os princípios apresentados por Tabachnick & Fidell (2001) para examinar questões como normalidade, multicolinearidade ou singularidade e presença de outliers (valores claramente afastados dos demais e da média). Não foi observado nenhum caso de multicolinearidade ou singularidade, contudo foi identificada a presença de 20 outliers severos multivariados, tendo sido eliminados, ficando a amostra constituída por 626 participantes.

É necessário ressaltar que dos 72 itens trabalhados, 4 foram tratados de forma invertida, conforme recomenda Pasquali (2001) com fins de evitar erro da resposta estereotipada à esquerda ou à direita da escala de resposta. Portanto os itens invertidos foram: 3, 4, 5 e 15.

Verificação da fatorabilidade da matriz

Previamente à análise dos componentes principais, visando a melhor sondagem dos dados, foram observados alguns critérios a fim de se buscar um melhor aspecto metodológico em relação à validação psicométrica de instrumentos na área da psicologia. Seguindo os modelos de Freitas e Borges-Andrade (2004) e Albuquerque e Tróccoli (2004), os seguintes critérios foram analisados:

Tamanho da amostra - este item foi completamente atendido, tendo-se em vista a recomendação de teóricos de utilizar de sete a dez sujeitos por item. O total de sujeitos foi de 526, totalizando aproximadamente 9 sujeitos por item;

Medida de adequação da amostra Kaiser-MeyerOlkin (KMO) - o índice KMO alcançado foi de 0,900, considerado como muito válido (Pasquali, 2004). Este resultado mostra que os dados são aptos para tratamentos estatísticos;

Teste de esfericidade de Bartlett - considerado significativo (7693,140) indicando a possibilidade de avanço nas análises;

Após a análise dos resultados parciais obtidos, a matriz foi considerada fatorável. Assim, foi dado prosseguimento às análises de exploração, como será descrito a seguir.

Número de fatores

As extrações fatoriais foram realizadas primeiramente através do método de Análise dos Componentes Principais (PCA), considerando-se os itens com cargas fatoriais de comunalidades iguais ou superiores a 0,30.

Nesta primeira análise dos componentes principais, o critério utilizado foram os valores dos eigenvalues serem superiores ou iguais a um. Neste caso foram observados 5 fatores com este critério satisfeito. O resultado da análise dos componentes principais, pelo critério de Kaiser indica a extração de 5 componentes com valores próprios iguais ou superiores a 1, os quais explicam conjuntamente 42,28% da variância total, valor bastante significante com alto nível de variância cumulativa. No entanto, observa-se que, a partir do 5° componente, não há diferença significativa no tamanho do valor próprio (Critério de Cattell), o que justifica a fixação mínima dos componentes para este estudo em cinco fatores.

A última análise realizada foi baseada no scree plot obtido a partir do banco de dados. Este gráfico indicou a possível existência de cinco fatores. A consulta à teoria do construto reforçou a ideia de se continuar com esta hipótese, pelo menos até análises fatoriais mais aprofundadas.

 

 

Análise fatorial

Observados os critérios de fatorabilidade da matriz do IEP, análises fatoriais dos componentes principais (PC) foram conduzidas utilizando a rotação varimax, a qual se mostrou mais adequada. O percentual de variância explicada foi de 42,28% e a observação da matriz rotada indicou que os itens dificilmente se agrupavam em mais de um fator. Para extração dos fatores, a teoria original do YPI foi considerada. Pasquali, Laros e Figueiredo (2009) salientam que tal decisão é adequada e deveria ser estimulada, ainda que existam outros métodos. Dessa forma, as análises subsequentes foram realizadas a partir dos cinco domínios de estilos parentais propostas por Jeffrey Young, autor do inventário original.

Assumindo uma saturação mínima de 0,30 para o enquadramento de itens em um componente, a composição dos 5 fatores está descrita na tabela 1, destacando as cargas fatoriais e as comunalidades.

Após a confirmação do modelo, procedeu-se a interpretação dos fatores, considerando o conteúdo dos itens e a teoria de Young (2003). Os cinco fatores que compõem a escala estão descritos nas Tabelas 2, 3, 4, 5 e 6 que contém o item (frase) e os índices de carga fatorial de cada item em seu respectivo fator.

É composto por 16 itens, cujas saturações variaram de 0,394 (item 11) a 0,619 (item 51), com um índice de confiabilidade (alfa de Cronbach) de 0,867 e um percentual de variância de 22,564%. Considerando o conteúdo dos itens apresentados na Tabela 2, emerge a ideia de alguém que avalie sua mãe como defectiva, fria, abusadora e rejeitadora.

O Segundo fator da escala é composto por 9 itens com saturações vaiando de 0,384 (item 18) a 0,648 (item 8), com alfa de Cronbach de 0,804 e seu percentual de variância explicada foi de 6,825%. Este fator em relação ao seu conteúdo demonstra que as mães se caracterizam pela permissividade e falta de orientação à criança quanto ao que é certo e errado. Dois itens (5 e 3) possuíam vetores positivos e seus conteúdos apresentam ideias contrárias aos demais.

O terceiro fator é composto por 7 fatores com saturações variando de 0,424 a 0,674, seu percentual de variância explicada foi de 5,158%. Apresenta consistência boa interna (alfa de Cronbach = 0,72). Seus itens refletem a percepção das crianças com mães geralmente punitivas, perfeccionista, que tendem a evitar erros e excessiva preocupação se as coisas darem errado.

É composto por 6 itens, cujas saturações variaram de 0,428 (item 67) a 0,638 (item 68), com um índice de confiabilidade (alfa de Cronbach) de 0,73, considerado bom, e um percentual de variância de 4,161%. Nesse fator os itens refletem a mãe tendo como relacionamento com a criança baseado na aceitação condicional, foco excessivo no desejo e respostas ao outro, a fim de obter amor e aprovação. Neste fator o item 14 possui vetor positivo e seu conteúdo apresenta ideias contrárias as demais.

O quinto e último fator da escala pode ser observado na Tabela 6. Com saturações variando de 0,356 a 0,575 este fator ficou composto por apenas cinco itens, apresentou índice de confiabilidade considerado razoável (0,67). Seu percentual de variância explicada foi de 3,575%. Os itens desse fator demonstram que o estilo materno tende a ser caracterizado por uma postura superprotetora, emaranhada e destruidora da confiança da criança.

 

Discussão

Em virtude da quantidade de informações advindas após as análises estatísticas oriundas da construção e validação da escala, os resultados serão discutidos em três fases: as características psicométricas da escala, as possibilidades de aplicação e as limitações do estudo.

Características psicométricas da escala

A constituição dos fatores se deu baseada na proposta teórica de Young, Klosko e Weishaar (2008), cujo conceito preconiza cinco domínios esquemáticos, o que foi constatado a respeito da veracidade de tal informação na validação com crianças. A análise fatorial apontou para a existência também de cinco fatores confiáveis para medir o construto. Mas que alguns precisaram ser mais claramente reorganizados para ter coerência com os itens de cada fator, se comparados com a teoria. Como resultado o fator 1 contempla características referentes a mãe geralmente fria, rejeitadora, isoladora. O fator 2 caracteriza os estilos maternos predominantemente permissivos e carentes de orientação do que é certo e errado para a criança. O fator 3 se houver falha da vigilância, mães com comportamento punitivo severo a quem comete erros. O fator 4 mães com entrega excessiva de controle a outros, vontade dos outros em prol da própria e que almeja aprovação do outro para se sentir seguro. E por fim no fator 5 emerge da ideia de mães que protegem a criança em excesso.

A escala relacionada aos domínios esquemáticos maternos que foi o objeto de estudo dessa pesquisa pode ser considerada como psicometricamente adequada, pelo fato de quatro dos seus fatores apresentarem índices de confiabilidade acima de 0,70, apenas o fator 5, apresenta índice de 0,67. O alfa de Cronbach mede a possibilidade de um conjunto de itens ou variáveis estarem realmente relacionadas a um único fator, quando os itens estão estruturados em vários fatores o alfa de Cronbach geralmente é baixo. Contudo segundo Hair, Anderson, Tatham e Black (2005), são considerados valores adequados para o alfa de Cronbach, a partir de 0,60, porém como salienta Pasquali (2004), quando o número de itens é pequeno este dado deve ser relativizado, visto que neste caso o próprio item em análise afeta substancialmente o escore total a seu favor. Frente ao explicitado, este fato pode ser a explicação para que o fator 5 apresente um índice inferior aos demais fatores. Concluindo, o percentual de variância explicada pelo instrumento foi de aproximadamente 42%, índice este considerado como satisfatório no campo das ciências sociais e do comportamento.

Possibilidades de aplicação do Inventário

Pelo fato de esta escala mensurar um aspecto da cognição humana que é inato a todas as pessoas, as possibilidades de aplicação mostram-se bastante diversificadas. Mas pelo fato da escala original ser estritamente e linguisticamente relacionado à adultos, a adaptação a linguagem da criança se mostrou bastante relevante e pertinente.

Pesquisas de Bruno Neto (2007) salientam que nosso cérebro é uma "obra de arte" em constante construção, a cada nova aprendizagem, novos circuitos neuronais são ativados, novas sinapses são formadas, eis aí a plasticidade. Com o passar do tempo, faz-se o desligamento de alguns, para dar espaço para outros neurônios que estejam em constante uso poderem se desenvolver com maior eficiência. Partindo dessa perspectiva, uma das primeiras podas neuronais, se dá na primeira infância, ao nascer o cérebro desenvolve muitas ramificações neuronais afim de que a criança possa se desenvolver em toda e qualquer área, mas com o passar do tempo algumas ramificações são utilizadas mais que as outras, e assim as menos ou nunca utilizadas, passam pela primeira poda neuronal, o próprio cérebro descarta todos os neurônios que até então não foram utilizados de forma adequada. Outro período de poda neuronal se dá na adolescência e pode levar anos até se concretizar por completo (Bruno Neto, 2007)

Isto explica o fato que após adaptação e validação da esquala materna do inventário cerca de 26 itens foram excluídos, pois conforme já explanado a criança ainda não desenvolveu capacidade cognitiva suficiente para identificar aspectos mais específicos relacionados aos estilos parentais.

Limitações do estudo

Primeiramente, deve-se ressaltar que devido limitações de tempo e espaço dessa pesquisa não foi possível validar a escala de estilos paternos do inventário. Logo, estudos posteriores com uso o da mesma amostra serão utilizados para validação da escala paterna, chegando à finalização da validação de todo o inventário de estilos parentais para crianças paraibanas.

Outro aspecto a ser apontado é o fato de ainda não haver instrumentos semelhantes que possam medir o mesmo construto, ficando a etapa de validação convergente e de construto à mercê da literatura proposta sem comprovação empírica.

Para finalizar, é importante trazer à luz que no Brasil, o Inventário e a Teoria dos Estilos Parentais de Young ainda necessitam de mais aprofundamento e adaptação para as realidades das mais variadas idades e regiões do Brasil, um país com grandes diferenças regionais e linguísticas, tornam o processo de adaptação e validação de instrumentos necessário. Sendo imprescindível futuros estudos de adaptação e validação à realidade de outros Estados a fim de se buscar um maior amadurecimento teórico-metodológico.

 

Referências

Albuquerque, A. S., & Tróccoli, B. T. (2004). Desenvolvimento de uma Escala de Bem-Estar Subjetivo. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 20(2),153-164.         [ Links ]

Baumrind, D. (1997). The discipline encounter: Contemporary issues. Aggression and Violent Behavior, 321-335. Recuperado de https://doi.org/10.1016/S1359-1789(97)00018-9        [ Links ]

Bruno Neto, R., (2007). Neuropsicologa: o desenvolvimento da consciência, aprendizagem e transtornos, 14-22. Recuperado de http://dfs.vwi.com.br/pubicacao/download/id/1825        [ Links ]

Callegaro, M. M. (2005). A neurobiologia da terapia do esquema e o processamento inconsciente. Revista brasileira de terapias cognitivas [online]. 09-20. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-56872005000100002        [ Links ]

Cecconello, A. M., De Antoni, C. & Koller, S. H. (2003). Práticas educativas, estilos parentais e abuso físico no contexto familiar. Psicologia em Estudo, 45-54. Recuperado de http://www.scielo.br/pdf/pe/v8nspe/v8nesa07.pdf        [ Links ]

Conselho Nacional de Saúde. (2012) Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Resolução Nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Ministério da Saúde.         [ Links ]

Darling, N. & Steinberg, L. (1993). Parenting style as a context: an integrative model. Psychological Bulletin, 113, 487-496. Recuperado de http://www.oberlin.edu/faculty/ndarling/lab/psychbull.pdf        [ Links ]

Duarte, A.L.C., Nunes, M.L.T, & Kristensen, C. H., (2008) Esquemas desadaptativos: revisão sistemática qualitativa. Revista brasileira de terapias cognitivas.vol.4, n.1, 0-0. Recuperado em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-56872008000100004        [ Links ]

Fontenelles, M.J., Simões, M.G., Farias, S.H. & Fontenelles, R.G.S., (2009). Metodologia da pesquisa científica: diretrizes para a elaboração de um protocolo de pesquisa. Universidade Federal de Goiás-UFG. Recuperado de https://cienciassaude.medicina.ufg.br/up/150/o/Anexo_C8_NONAME.pdf        [ Links ]

Freitas, I. A., & Borges-Andrade, J. A. (2004). Construção e validação de Escalas de Crenças sobre o Sistema Treinamento. Estudos de Psicologia, 9(3),479-488.         [ Links ]

Hair, J. F., Anderson, R. E., Thatam, R. L., & Black, W. C. (2005). Multivariate data analysis. 5ªed. New Jersey: Prentice Hall.         [ Links ]

LeDoux, J. (1996). The emotional brain (pp. 239). New York: Simon & Schuster.         [ Links ]

LeDoux, J. (2003). The emotional brain, fear and amygdala. Celullar and molecular neurobiology, 23(4-5),727-738.         [ Links ]

Pasquali, L. (1999). Instrumentos psicológicos: manual prático de elaboração. Laboratório de Pesquisa em Avaliação e Medida (LabPAM)-Instituto de Psicologia. Brasília: Universidade de Brasília.         [ Links ]

______, L. (2001). Análise fatorial para pesquisadores. Laboratório de Pesquisa em Avaliação e Medida (LabPAM) - Instituto de Psicologia. Brasília: Universidade de Brasília.         [ Links ]

______, L. (2004). Análise fatorial para pesquisadores. Petrópolis: Vozes.         [ Links ]

Pasquali, L., Laros, J. A., & Figueiredo, V. L. M. (2009). Análise fatorial para pesquisadores. Brasília: LabPAM.         [ Links ]

Schenker, M. & Minayo, M. C. S. (2003). A implicação da família no uso abusivo de drogas: uma revisão crítica. Ciência & Saúde Coletiva, 8(1),707-717. Recuperado de http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232003000100022        [ Links ]

Sigolo, S. R. R. L. (2004). Favorecendo o desenvolvimento infantil: ênfase nas trocas interativas no contexto familiar. In E. G. Mendes, M. A. Almeida & L. C. A. Williams (Orgs.). Temas em Educação Especial: avanços recentes, 189-195. São Carlos: Edufscar. Recuperado de http://www.scielo.br/pdf/pusf/v8n2/v8n2a02.pdf        [ Links ]

Spera, C. (2005). A review of the relationship among parenting practices, parenting styles, and adolescent School achievement. Educational Psychology Review, 125-146. doi: 10.1007/s10648-005-3950-1        [ Links ]

Tabachnick, B; Fidell, L. S., (2001) Using multivariate statistics. 4th ed. San Francisco: Allyn & Bacon.         [ Links ]

Valentini, F. & Alchiere, J. (2009). Modelo clínico de estilos parentais de Jeffrey Young: revisão da literatura. Contextos Clínicos, 2(2):113-123, julho-dezembro. Unisinos. doi: 10.4013/ctc.2009.22.06        [ Links ]

Valentini, F. (2009). Estudo das propriedades psicométricas do Inventário de Estilos Parentais de Young no Brasil. Natal, RN. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN, 136 p. Recuperado de http://repositorio.ufrn.br:8080/jspui/handle/123456789/17441

Wainer, R., Paim, K., Erdos, R., Andriola, R., (2016). Terapia cognitiva focada em esquemas: integração em psicoterapia. Porto Alegre: Artmed.         [ Links ]

Young, J. (1990). Cognitive therapy for personality disorders: A schema-focused approach. Sarasota: Professional Resources Press.         [ Links ]

Young, J. (1999). Cognitive therapy for personality disorders: A schema-focused approach. (3rd ed.). Sarasota: Professional Resources Press.         [ Links ]

Young, J. (1999). Young Parenting Inventory (YPI). Recuperado de http://www.schematherapy.com        [ Links ]

Young, J. (2003). Terapia cognitiva para transtornos da personalidade: Uma abordagem focada em esquemas. 3ª ed., Porto Alegre, ArtMed, 88 p.         [ Links ]

Young, J., Klosko, J. S., & Weishaar, M. E. (2008). Terapia do esquema: Guia de Técnicas cognitivo-comportamentais inovadoras. Porto Alegre: Artmed.         [ Links ]

 

 

Submetido em: 12-4-2019
Aceito em: 22-2-2020

Creative Commons License