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Mudanças

versão impressa ISSN 0104-3269versão On-line ISSN 2176-1019

Mudanças vol.28 no.2 São Paulo jul./dez. 2020

 

REVISÃO DE LITERATURA

 

O diagnóstico de transtorno hipersexual sob (psic)análise

 

The diagnosis of hypersexual disorder under (psycho)analysis

 

 

Rômulo Mágnus de Castro SenaI; Deborah SteinbergII; Patrícia Rakel de Castro SenaIII; Ellany Gurgel Cosme do NascimentoIV; Eulália Maria Chaves MaiaV

IBacharel em Enfermagem pela FCM-CG, Mestre em Psicologia pela UFRN e Doutorando em Ciências Médicas, na área de concentração em Saúde Mental pela UNICAMP. Enfermeiro da Unidade de Internação Psiquiátrica do HC/UNICAMP
IIPsicóloga pela PUC Campinas, Mestra em Psicologia Clínica pela USP e Psicóloga do Ambulatório de Saúde Mental de Paulínia
IIIJornalista pela UFRN e Doutora em Comunicação pela UFPE. Profa. Adjunta de graduação e do Mestrado Profissional PPGCOM/PRO na UFMA
IVBacharel em Enfermagem pela UERN e Doutora pela UFRN. Profa. de Graduação e coordenadora do PPG em Saúde e Sociedade da FACS/UERN
VPsicóloga pelo Instituto Paraibanos de Educação, Mestrado em Psicologia pela PUCRGS e Doutorado pela USPSP. Profa. titular e bolsista de produtividade (CNPq)na UFRN

 

 


RESUMO

O presente artigo tem por finalidade discutir como concepções psicanalíticas podem fornecer subsídios à fundamentação clínica do transtorno hipersexual dentro do paradigma biomédico de atenção à saúde mental. Embora se reconheça que os campos de saberes da Psiquiatria e Psicanálise tenham entendimentos e abordagens muito distintas e próprias acerca de psicopatologia, para que o diálogo se tornasse profícuo, a lógica discursiva foi estruturada adotando-se uma equivalência semântica entre Parafilias e Perversões, e entre o Transtorno Hipersexual e a Compulsão Sexual. Ao que parece, o compulsivo sexual flerta com a morte, tendo em vista que sob a ilusão de alcançar uma satisfação plena, ele aceita o ônus da escoação de sua energia libidinal através do sexo, o qual passa a adquirir um caráter de necessidade e não mais de desejo.

Palavras-chave: Perversão; Compulsão Sexual; Princípio do Prazer-Desprazer.


ABSTRACT

This article aims to discuss how psychoanalytic conceptions can provide subsidies to clinical fundamentation of hypersexual disorder within biomedical paradigm of mental health care. Although its recognized that fields of knowledge of Psychiatry and Psychoanalysis have very different understandings and approaches about psychopathology, for the dialogue to become profitable, discursive logic was structured by adopting a semantic equivalence between Paraphrases and Perversions, and between Hypersexual Disorder and Sexual Compulsion. Apparently, the sexual compulsive flirts with death, considering that under the illusion of achieving full satisfaction, he accepts the burden of draining his libidinal energy through sex, which starts to acquire a character of need and not more of desire.

Key words: Perversion; Sexual Compulsion; Pleasure-Pain Principle.


 

 

Introdução

Dentre os manuais de classificação diagnóstica, o que mais recebe atenção dos pesquisadores no campo da saúde mental é o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders - DSM), editado pela Associação Americana de Psiquiatria (American Psychiatric Association - APA). Desde sua primeira versão e posteriores revisões, o DSM tem servido como instrumento de normatização das condutas humanas, nem sempre no sentido de sua patologização, mas de alguma forma exercendo controle sobre elas.

Tomando-se por base o exercício sexual, percebe-se que no século XIX a psiquiatria adota um discurso que se alinha as concepções teológicas e jurídicas, classificando como Perversão às práticas cujo fim não fosse à reprodução, tidas por isso como antinaturais. Posteriormente no século XX, o termo Parafilias vem a substituir o da perversão, ainda que para se referir ao mesmo conjunto de práticas sexuais (Alves & Souza, 2004).

Nessa perspectiva, a questão da Compulsão Sexual vai aparecer pela primeira vez como diagnóstico no DSM III sob a nomeação de Sexual-dependência, posteriormente na quarta edição sob o título de Transtorno Hipersexual, para enfim ser excluída na quinta edição. Com o objetivo de lançar alguma luz sobre essa (in)validação diagnóstica, a revisão narrativa que se segue foi norteada pela seguinte questão:

"Como o entendimento da psicanálise sobre a compulsão sexual pode fornecer subsídios que reafirmem à sua despatologização dentro do paradigma biomédico de atenção à saúde mental?"

 

O Transtorno Hipersexual sob a ótica da psicanálise

O DSM-IV considera o transtorno hipersexual como um importante transtorno psiquiátrico contemporâneo, o qual é definido em função dos prejuízos que o excesso de atuações e/ou fantasias sexuais possa causar na vida pessoal (infecções sexualmente transmissíveis - ISTs), laboral (pornografia no ambiente de trabalho) ou familiar (disfunções conjugais) do sujeito. O manual estabelece ainda critérios quantitativos para o diagnóstico, e de acordo com estes o dispêndio diário de 30 min a duas horas com fantasias ou sua realização (masturbando-se ou com parceiro), num intervalo semanal de dois a cinco dias, já fornecem elementos para a classificação moderada do referido transtorno (APA, 2000).

A fantasia guarda um registro simbólico prazeroso, que possibilita sua reprodução nos mais diferentes contextos e temporalidades, permitindo vivenciá-la no passado e sua atualização no presente. Daí que o clímax dessa situação imaginária ser acompanhado da satisfação decorrente da prática masturbatória. Inicialmente isso acontece de modo voluntário, entretanto, progressivamente vai aparecendo contra a vontade do sujeito, tomando os contornos de uma obsessão (Freud, 1919/1996).

Não obstante as diferentes nomenclaturas para se referir à compulsão sexual Freud (1905,1996) tentou lançar alguma compreensão sobre essa questão, a partir da reunião dos escritos de seus colegas sobre as tendências perversas, catalogadas como aberrações perturbadoras ao espírito humano. A análise desse material culminou na publicação dos "Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade", texto este que causou grande desconforto na sociedade moralista de Viena, haja vista, nele Freud defender que "a criança é um perverso polimorfo" (Alves & Sousa, 2004). Ao propor a tese de uma sexualidade infantil, ele rompe com a concepção até então predominante de que as crianças tinham uma vivência totalmente pura e inocente, cujo mundo interditado às fantasias e prazer sexual, favorecia ao distanciamento de quaisquer ideias, sentimentos ou afetos dessa natureza (Muribeca, 2009).

Ao contrário disso, na infância a sexualidade vai se constituir inicialmente como um estado livre e selvagem, no qual diferentes pulsões e zonas erógenas se ativam e se desenvolvem de maneira independente uma das outras. Aos poucos essas diferentes pulsões vão se concentrando em algumas zonas, formando verdadeiras ilhas, e promovendo um afluxo constante de prazer na criança (Monzani, 2014).

Inclusive, ao analisar a natureza das fantasias sexuais, Freud (1919,1996) vai situar a origem das perversões como nascida de forma acidental na primitiva infância, e retida com o propósito de satisfação auto-erótica. O mesmo autor continua explicando que se trata de um processo de fixação, o qual vai ocorrer mediante o desenvolvimento isolado de um dos componentes da função sexual, tornando-se primariamente independente, e, portanto, separado dos processos posteriores de desenvolvimento, assumindo assim uma constituição peculiar e anormal no sujeito. Todavia, ao ponderar sobre as saídas que tal fixação pode ter ao longo do desenvolvimento do sujeito, quais sejam: a repressão, e sua posterior substituição por um sintoma ou transformação pela sublimação; Freud ratifica que não se trata de uma experiência com resultados inescapáveis ao sujeito, mas que se aqueles deslocamentos não acontecerem, a perversão persistirá até a maturidade.

Nessa perspectiva, a noção de corpo introduzida por Freud e do qual a psicanálise vai se ater, trata-se de um corpo erógeno e pulsional atravessado pelas vicissitudes do desejo, e não como um arcabouço puramente biológico. Daí tem-se uma ampliação do entendimento da natureza da sexualidade humana, na qual a libido caminha do autoerotismo para os objetos de identificação ao longo da vida do sujeito. Logo, quando nos Três ensaios Freud coloca a figura do perverso polimorfo, ele está se referindo a essa capacidade de deslocamento da libido, às várias possibilidades de objetos de satisfação, e de uma maneira mais ampla, a ideia de que sexualidade e genitalidade não são equivalentes (Csillag, 2013).

No tocante a perversão, ela é entendida pela psicanálise como uma recusa do sujeito à experiência da castração e do reconhecimento da diferença sexual, ou seja, ele atualiza a sua relação narcísica com a mãe e destitui o valor simbólico da figura do pai, desafiando assim uma vivência edípica transgressora da lei. Logo, para além do ato sexual, o perverso impõe a sua própria lei, que não se estabelece pela angústia de castração e da ausência como causa do desejo, mas pela busca incessante daquilo que o faça gozar (Alves & Sousa, 2004).

Assim sendo, o gozo está para aquém da palavra e do sentido, situa-se ao lado do objeto e representa a experiência satisfação primeira do bebê, cuja inscrição psíquica é resgatada por traços de memórias dos fragmentos perceptuais; por isso ele é sentido diretamente pelo corpo. Já o desejo por sua vez, estando situado ao lado do Outro e sendo da ordem do inconsciente, tenta recompor de maneira frustrada àquela experiência de satisfação primordial, a qual por ser mítica jamais se repetirá, haja vista o seu objeto está para sempre perdido, só podendo se fazer presente no inconsciente pela reconstrução alucinatória dos seus restos perceptivos (Bittencourt & Fontenele, 2013).

Na lógica perversa, o gozo é regulado via anulação do campo simbólico enquanto produtor das diferenças, e o corpo do outro adquire apenas um valor fetichista balizador das relações sociais contemporâneas (Alves & Sousa, 2004).

Ao retomar sua descrição sobre o Fetichismo, Freud (1927, 1996) pondera que dada a atitude dividida que os fetichistas têm para com a castração feminina, tanto a recusa quanto a afirmação da castração encontram caminho na construção do fetiche. E essa atitude dividida vai aparecer exatamente naquilo que o fetichista faz com seu fetiche, seja em realidade ou em imaginação, ao reverenciá-lo e por vezes elevá-lo a um equivalente representativo da castração. Neste último caso, o indivíduo resgata e atualiza sua identificação com o pai numa tentativa de substituí-lo, já que o reconhece como o responsável pela castração de sua mãe, quando o sujeito ainda era uma criança.

Continuando a buscar clarificações acerca do funcionamento psíquico do sujeito compulsivo sexual, cabe aqui a referência ao texto "Além do Princípio de Prazer". Freud (1920, 1996) ratifica o princípio econômico de conservação da energia libidinal e a finalidade mortífera de sua satisfação pelo escoamento através do ato sexual:

O princípio de prazer, então, é uma tendência que opera a serviço de uma função, cuja missão é libertar inteiramente o aparelho mental de excitações, conservar a quantidade de excitação constante nele, ou mantê-la tão baixa quanto possível. Ainda não podemos decidir com certeza em favor de nenhum desses enunciados, mas é claro que a função estaria assim relacionada com o esforço mais fundamental de toda substância viva: o retorno à quiescência do mundo inorgânico. Todo nós já experimentamos como o maior prazer por nós atingível, o do ato sexual, acha-se associado à extinção momentânea altamente intensificada. A sujeição de um impulso instintual seria uma função preliminar, destinada a preparar a excitação para sua eliminação final no prazer da descarga (p. 41).

Corroborando essa perspectiva freudiana, Lacan (1969-1970/1992) situa o gozo para além do princípio do prazer, sendo impossível de ser atingido plenamente, pois estando a serviço da pulsão de morte, se levado às últimas consequências, implica na eliminação do desejo. Por isso, o gozo é um confronto permanente com a morte (Bittencourt & Fontenele, 2013).

Assim sendo, para que a vitalidade psíquica seja preservada, é necessário que um mínimo de tensão (energia ligada) seja mantido, de modo a evitar o completo escoamento da libido para o nada da excitação. Essa energia ligada está a serviço de Eros (pulsão de vida), cuja produção de toda sua obra, que é a cultura ou a civilização, resulta dessa constante capacidade de ligação direcionada à criação e manutenção de novas unidades (organizações estruturadas), que se sobrepõem aos indivíduos (Monzani, 2014).

Cabe aqui à fundamentação de um aspecto sine qua non para pensar a questão da compulsão sexual, que é a repetição. Laplanche e Pontalis (1983) esclarecem que se trata de um processo incontrolável que, pelo fato de sua origem ser inconsciente, o sujeito acaba se colocando em situações penosas, reproduzindo experiências passadas sem lembrar a real causa, mas ao contrário, atribuindo-lhes uma motivação centrada no tempo presente. Os mesmos autores retomando a concepção freudiana, colocam que a compulsão à repetição é um fator irredutível a uma dinâmica conflitual que opera na conjunção entre os princípios de prazer e de realidade.

A essa condição, o próprio Freud (1907, 1996) reflete que:

[...] a pessoa que obedece a uma compulsão, o faz sem compreender-lhe o sentido - ou, pelo menos, o sentido principal. É somente através dos esforços do tratamento psicanalítico que ela se torna consciente do sentido do seu ato obsessivo e, simultaneamente dos motivos que a compelem ao mesmo. Esse fato importante pode ser expresso da seguinte forma: o ato obsessivo serve para expressar motivos e ideias inconscientes. (p. 69).

É preciso, pois, diferenciar a natureza da compulsão nos atos obsessivos daquela que opera na compulsão sexual. No primeiro grupo, a compulsão à repetição ocorre no sentido de manter o desejo insatisfeito, pelo investimento libidinal em um objeto como forma de evitar o sexual; já no segundo grupo, a compulsão está a serviço do próprio gozo e, portanto, fora do campo do desejo, nesse caso a energia libidinal escoa pela via sexual.

No que concerne ao ato em si, a teoria freudiana explicita que o seu surgimento decorre da impotência do sujeito em dispor de objetos que lhe satisfaçam. Assim, inicialmente ele se vê impossibilitado de agir, posteriormente passa a um estado de descargas parciais da excitação, e por fim quando ou se entrar em análise, passa a manifestar uma ação no sentido de modificar seu exterior, colocando o sintoma em ato. Esse modo de agir durante a trajetória do sujeito, reflete o embate entre o ato e a palavra que se expressa na interdição à lembrança (Bittencourt & Fontenele, 2013).

Ao analisar homens que tinham suas escolhas objetal dominadas por um fetiche, Freud (1927,1996) se dá conta que essa não era a motivação que os levava à análise, porque embora eles reconhecem tal prática como desviante, muito raramente ela lhes causava algum sofrimento estruturante de um sintoma que justificasse seu acompanhamento. Ao contrário disso, o fetiche possibilitava uma máxima satisfação sexual assim como facilitava, também, a vivência erótica; logo só aparecia na análise como uma descoberta subjacente.

Quando colocada a questão da compulsão sexual na condição de sintoma, essa experiência de uma repetição compulsiva, e por vezes dolorosa, aparece na clínica descrita pelo sujeito como algo irrecusável. Há que se questionar a serviço de quê essa tendência à repetição está operando: se as tentativas do ego em controlar e depois ab-reagir às tensões excessivas; ou se a uma disposição para descarga absoluta do que há de mais pulsional e demoníaco, explicitada pela pulsão de morte (Laplanche & Pontalis, 1983).

Nesses casos, o analista deve direcionar seus esforços para que o paciente venha a substituir a esfera da ação pela da palavra. Pois, se o ato pode fornecer subsídios acerca de informações não sabidas e essenciais na relação transferencial, é esperado que o sujeito consiga traduzir e expressar pela via da fala aquilo que ele conseguir rememorar (Bittencourt & Fontenele, 2013).

Sobre o papel do analista na condução dos casos de compulsões em geral, Freud (1914,1996) adverte que embora o objetivo de fazer o paciente recordar seja legítimo à análise, talvez a abordagem clássica se mostre ineficaz para isso. Nesse sentido, é esperado que o analista desenvolva uma atuação mais continente junto ao paciente, para que este consiga manter na esfera psíquica os impulsos que ele gostaria de converter para a esfera motora. Só então, a mobilização de algo que o paciente desejaria descarregar em ação, poderá (ou não) ser redirecionando para o trabalho de recordar.

 

Considerações Finais

Partindo de um diagnóstico psiquiátrico estabelecido pela APA, o Transtorno Hipersexual, o presente texto se lançou a possibilidade de compreendê-lo a partir de uma perspectiva psicanalítica. Embora se reconheça que os dois campos de saberes têm entendimentos e abordagens muito distintas e próprias acerca da psicopatologia. Para que o diálogo se tornasse profícuo foi necessário estabelecer pontos de intersecção entre os dois para depois colocar em relevo as especificidades de cada um. É nesse sentido que se entendeu existir uma equivalência semântica entre Parafilias e Perversões, e entre o Transtorno Hipersexual e a Compulsão Sexual.

A bem da verdade, Parafilias e Perversões, são termos utilizados para se referirem ao mesmo grupo de práticas sexuais que a compulsão sexual/transtorno hipersexual integra, tais como: a masturbação, o voyeurismo, o exibicionismo, o sadismo, o masoquismo, a necrofilia, a pedofilia, dentre outras. Todavia, parece que o transtorno em análise escapa a esse único enquadre, se caracterizando também e talvez como um Transtorno do Controle de Impulsos.

Embora não se tenha discorrido detalhadamente sobre os critérios diagnósticos para o Transtorno Hipersexual, os aspectos quantitativos apontados parecem sugerir uma catalogação arbitrária de normatização de um padrão desejável. Por isso, cabe aqui, o aforismo de a clínica ser sempre soberana. Nesse sentido a mensuração quantitativa da ocorrência de quaisquer comportamentos, só faz sentido se o agir compulsivamente for referido como alguma forma de sofrimento por afetar o próprio paciente ou com quem ele se relaciona. Nesse caso é mais provável que se trata de atos obsessivos cuja finalidade é evitar o sexual. Pois, na lógica imperativa das perversões, o sujeito não apresenta uma neurose de angústia. Desse modo a compulsão sexual provavelmente só eclode na análise como algo adjacente ao motivo aparente que levara o sujeito a procurar um analista.

Ao que parece, o compulsivo sexual flerta com a morte, tendo em vista que sob a ilusão de alcançar uma satisfação plena, ele aceita o ônus da escoação de sua energia libidinal através do sexo, o qual passa a adquirir um caráter de necessidade e não mais de desejo.

Por fim, sobre as diretrizes para o tratamento, o sucesso deste parece depender de o analista conseguir acessar o conteúdo da fixação originário da perversão na primeira infância, bem como seu deslocamento pelas vias da repressão ao longo do desenvolvimento do indivíduo. Quanto ao analisando, ele pode ressignificar seu objeto de desejo. Idealmente isso aconteceria pelo reconhecimento da castração, de modo que a energia libidinal não escoe apenas pela via sexual; outras saídas possíveis a favor da pulsão de vida seriam a ab-reação e a sublimação.

Ao final coloca-se a seguinte questão: é possível garantir que a substituição do ato se dê realmente em função de um objeto de desejo e não por outro ato? Pois, dessa forma a análise estaria servindo apenas ao deslocamento do sintoma, e portanto, fadada ao fracasso.

 

Referências Bibliográficas

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Submetido em: 9-6-2020
Aceito em: 31-1-2021

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