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Revista Brasileira de Psicodrama

versão On-line ISSN 2318-0498

Rev. bras. psicodrama vol.17 no.1 São Paulo  2009

 

SEÇÃO TEMÁTICA: A família na sociedade pós-moderna: o recorte psicodramático

 

Reconfiguração sociométrica da família na contemporaneidade: os desafios de crianças e adolescentes

 

The sociometric reconfiguration of the contemporary family: the challenges of children and adolescents

 

 

Rosalba Filipini*

Pontífica Universidade de São Paulo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo tem o objetivo de refletir sobre as transformações que ocorreram na família ao longo do tempo, abordando a história da família brasileira, o advento do divórcio e as novas formas de união conjugal. Apresenta aspectos das percepções e reações da criança na separação parental, bem como nas novas uniões. A multiplicidade de arranjos e demandas é o seu principal foco.

Palavras chave: Família, psicodrama com crianças e adolescentes, conjugalidade, divórcio, recasamento, sociometria familiar.


ABSTRACT

This article aims to reflect on the transformations that have occurred within the family over time, looking at the history of the Brazilian family, the emergence of divorce, and the more recent forms of conjugal partnerships. It presents children's perceptions of and reactions to the separation of their parents, as well as to their new partnerships. In the main focus of this paper is the multiplicity of arrangements and demands.

Keywords: Family; psychodrama with children and adolescents; conjugal partnerships; divorce; re-marriage; family sociometry.


 

 

Introdução

Novas configurações na sociometria familiar constituem hoje uma das marcas da contemporaneidade. As possibilidades de arranjos são tantas que a literatura chega a uma matemática quase absurda de vinte e quatro maneiras de se constituir uma família. Isso pode significar: eu, meu pai, sua mulher e seus filhos; ou eu, minha mãe, seu marido e filhos; ou eu, meu irmão, meu meio-irmão, co-irmão e assim por diante. Enquanto tínhamos décadas atrás o modelo da família nuclear, após o advento do divórcio a diversidade é a sua característica mais premente. Não é raro encontrar artigos e pesquisas que buscam os malefícios de se viver numa família não-tradicional. Dessa forma, procuro refletir nesse artigo sobre as mudanças que ocorreram na família baseada em minha experiência clínica, de vida, bem como na literatura e em trabalho de promoção de saúde realizado em uma escola.

Tive o privilégio de nascer numa família composta por um casal que se amava o suficiente para fazer Bodas de Ouro. Cinquenta anos juntos é raro. O que garantiu meu privilégio não foi a duração dessa união e, sim, a vida harmônica e de respeito que eles instituíram. A despeito disso, tanto minha família nuclear quanto a extensa não foram isentas de alguns conflitos, característica central das relações humanas. Tive avós que brigaram e não se falaram por anos devido ao futebol, quase como as famílias rivais Montagues e Capulet da obra de Shakespeare; no entanto, apesar da mesma paixão, foi bem menos elegante. Na verdade foi igual ao filme de Bruno Barreto, O Casamento de Romeu e Julieta, em que as famílias brigam em nome do Palmeiras e do Corinthians. Também havia preconceitos: uma prima loiríssima casou-se com um negro e passados anos de ele mostrar-se a contento da família, ouvi dizer que ele era um homem tão bom, mas tão bom, que os outros nem se lembravam que ele era negro! A homossexualidade tentou aparecer, mas, salvo pequena exceção, continuou no armário da nossa família tradicional. Casamentos devido à gravidez também ocorreram e aos poucos algumas separações e viuvez foram acontecendo, seguidas de novos casamentos e novos filhos. Assim, o tradicionalismo da minha família foi lentamente incorporando alguma diversidade, provavelmente tal qual a família do leitor.

Transformações, mudanças são sempre difíceis de serem vividas e também de serem compreendidas e qualificadas. Reli recentemente um daqueles e-mails que dizem mais ou menos assim: Você que cresceu nas décadas de 60, 70 e não usava cinto-de-segurança no carro, nem capacete ou joelheiras para andar de bicicleta, corria com carrinhos de rolimã, lavava o cachorro no quintal com esguicho, tomava água do filtro de barro, etc, etc, etc, sobreviveu e foi feliz! E hoje essa infinidade de cuidados e tecnologia... Ora, parece que há alguma coisa errada na atualidade. Realmente posso dizer que minha infância nas décadas de 60 e 70 foi muito feliz, brincava descalça no quintal ou na rua com uma turma e fiz tudo o que se esperava que crianças fizessem. Mas, apesar dos escassos brinquedos industrializados da época, lembro-me de minha mãe contando que, quando ela era criança, seus brinquedos eram caquinhos de vidro colecionados numa latinha que viravam de tudo na imaginação infantil. Talvez para alguns, as crianças do meu tempo tinham muitas coisas e menos imaginação que as das gerações anteriores, e assim sucessivamente. Pode ficar a ideia de que estamos caminhando para eliminar a harmonia e a criatividade humana com tanta mudança, cuidado e oferta.

Moreno (1975) brincava de ser Deus no século retrasado, minha mãe fazia suas histórias com os caquinhos de vidro no início do século passado e eu, também no século passado, fazia teatro atrás da casa com minhas irmãs na nossa mais intensa brincadeira de Os elefantes chegaram!, uma emocionante história que exigia imaginação e habilidade para subir no parapeito da parede para fugir dos pesados animais. Hoje, século XXI, vejo meus filhos e clientes fazerem histórias tão emocionantes quanto as nossas. A espontaneidade e criatividade sobrevivem à tecnologia e às mudanças. No entanto, há uma necessidade de adaptação e incorporação das novas situações às ofertas tecnológicas e configurações familiares. Os pesquisadores e psicoterapeutas de forma geral são unânimes em afirmar que são os conflitos e a falta de perspectiva de solucioná-los os grandes dificultadores das relações humanas. Isso não significa que ficamos isentos de dor e sofrimento quando passamos pelas transições.

Há pouco tempo, minha filha de treze anos contou-me que uma amiga tinha convidado-a para passarem o fim de semana juntas. Os pais da garota eram separados e elas iriam para a casa do pai dela. Havia algo mais a dizer: ela e a amiga tinham combinado de ir ao cinema na tarde de sábado com a ex-namorada do pai! Achei curioso e perguntei se o pai não tinha outra namorada – ele tinha, mas a sua amiga não gostava dela, gostava era da outra...

Bem, essa história é um exemplo do cotidiano de uma família não-tradicional. Além dos diferentes arranjos, temos demandas diversas. Quem, de gerações passadas, passou por uma situação semelhante a esta? Nesse caso, a amiga de minha filha vivia um conflito não porque os pais se separaram – esse ela já superou anos atrás – mas, sim, porque estava difícil para ela se separar da namorada anterior do pai, com a qual havia construído um vínculo muito bom, bem como estabelecer um novo vínculo com a atual.

Lidar com essas questões é um dos grandes desafios das crianças e adolescentes que vivem nas famílias atuais. Dessa forma, o trabalho psicodramático pode ter uma grande participação nesses processos de transição e transformação familiar, por meio de intervenções, seja no âmbito privado ou institucional.

 

FAMÍLIA CONTEMPORÂNEA E A HISTÓRIA DA FAMÍLIA BRASILEIRA

Conhecer os aspectos de transformação da família e como eles agem no imaginário e comportamento dos indivíduos é de suma importância para a construção do papel profissional dos que trabalham especialmente nas áreas de saúde e educação. Uma das características e diferencial do psicodrama é que o processo de mudança ou cura do indivíduo ou grupo é sempre co-construído, dessa forma, a postura, os valores e considerações do profissional sobre os mais diversos conceitos permeiam toda relação estabelecida.

As condições de mudança da família ocorridas ao longo dos séculos são de ordem demográfica, ideológica, legal e econômica. Todos esses aspectos têm suas especificidades e foram contribuindo ao longo da história para a transformação do que chamamos de família tradicional, a composta por pai, mãe e filhos, sendo o pai o provedor e a mãe a responsável maior pela rotina doméstica e cuidados aos filhos. Essa família nuclear é geralmente associada a nossa matriz de identidade, que é formada por uma multiplicidade de papéis que nos cercam nos primeiros anos de vida. Isso significa que nossa matriz de identidade pode ser composta por mais indivíduos além do pai, mãe e irmãos.

Por muito tempo na história da família brasileira tivemos os papéis familiares cerceados por estereótipos e aprisionamentos, o que favorecia a manutenção de uma cultura colonialista e patriarcal. No Brasil Colônia dos séculos XVI e XVII a composição familiar se destacava pelo poder dos donos das terras, que compunham uma família de numerosos filhos, grande parte delas localizadas no Nordeste, no cultivo da cana-de-açúcar. Segundo a pesquisadora Samara (1987), esse era um período no qual a organização familial era um belo exemplo da complexidade da época, marcada pelos senhores e escravos. Isso tudo formava um conjunto de categorias que definiam as relações e as vivências do quadro social de então. Havia as esposas e as amantes, normalmente escravas, os filhos de dentro e fora do casamento, porém, eram herdeiros apenas os que nasciam dentro da legalidade matrimonial. Na nossa história, bem como na de outros povos, o lugar da mulher no âmbito conjugal e familiar foi se transformando aos poucos, e é também em função dessas mudanças que observamos a transformação da família. Nos séculos XVII e XVIII, o Brasil se destacava pela exploração mineral e economia mercantil do sul sudeste. As mulheres entraram para a atividade mercantil nesta época e, em 1603, tivemos a promulgação de uma Lei, a das Ordenações Filipinas, que definia o pátrio poder como a pedra angular da família, emanando do matrimônio. Era mais uma forma de cercear o poder feminino, restringindo- o às obrigações conjugais.

No século XIX o Império não modificou a legislação sobre a família, mesmo que a estrutura das famílias e domicílios de São Paulo em 1836 tenha sido caracterizada como: singular, desconexa, nuclear, extensa e aumentada. Com essa classificação podemos observar que já nessa época havia um número considerável de arranjos sociométricos diferenciados, porém, essas famílias formavam uma pequena minoria e eram pouco consideradas. O Código Civil de 1916 reconheceu e legitimou a supremacia masculina limitando o acesso feminino ao emprego e à propriedade. As mulheres casadas ainda eram legalmente incapacitadas e apenas na ausência do marido podiam responder pela família.

Um outro evento histórico que marcou a história da família brasileira foi o direito a voto, que só foi conseguido pelas mulheres em 1932 e vinculado ao consentimento do marido. As mulheres solteiras e viúvas só podiam votar se comprovassem renda própria. Outros fatores que marcaram a diferença entre homens e mulheres foram, em primeiro lugar, a criação do salário mínimo instituído em 1940, com a mulher ganhando 10% menos. Em 1943 tivemos a criação da Consolidação das Leis Trabalhistas. Com a CLT, a mulher tinha autorização de trabalhar duas horas a mais, por exemplo, mediante atestado de bons antecedentes, o que não ocorria com as horas extras dos homens. O Estatuto da Mulher Casada foi promulgado em 1962 e, paradoxalmente, foi nesse período também que tivemos a revolução sexual que modificou o comportamento social e sexual feminino em todo o mundo, gerando grandes transformações na constituição e estrutura conjugal e familiar.

Quando pensamos especificamente no casamento, a literatura (Féres- Carneiro, 1998) diz que no início do século XX o objetivo do casal era o de constituir família; já no século XXI, é a "comunhão plena de vida", com direitos iguais para os cônjuges. No código de 1916, a "família legítima" era aquela formada pelo casamento formal. Em 1988 a Constituição da República destituiu a existência do pátrio poder, igualando os direitos entre homens e mulheres e entre cônjuges. No código de 2003, "família" abrange as unidades familiares formadas por casamento, união estável ou comunidade de qualquer genitor e seus descendentes (artigo 226, § 4º). A igualdade adquirida com a destituição do pátrio poder foi o início de uma luta pela igualdade ou equidade de gênero, cujo lema é "tratar desigualmente os desiguais" – todos são diferentes. E com tantas mudanças presentes não há hoje um modelo padrão de relação ou de família, já sabemos grande parte do que não nos serve mais, mas não tudo o que queremos. Os papéis de esposa e esposo são construídos e desconstruídos, padrastos, madrastas e enteados ainda desenvolvem seus papéis e buscam em cada relação familiar a melhor forma de desempenharem seus papéis.

As condições de mudança, como mencionado anteriormente, são de ordem demográfica, por meio do controle de natalidade (em 1960 – 6,28 filhos por mulher e atualmente, 1,7); legais, com leis que privilegiam a igualdade entre homens e mulheres e a lei do divórcio; econômicas, com a economia de serviços; e político-ideológica, com a contra-cultura, o feminismo, as minorias e o desenvolvimento pessoal.

Hoje encontramos os chamados "novos" relacionamentos familiares constituídos pelas famílias não-tradicionais ou convencionais, famílias modernas ou pós-modernas que se caracterizam, dentre outras coisas, por uma cultura mais individualista e pela prevalência da ideia de que o amor/satisfação é condição fundamental para a permanência da conjugalidade (Féres-Carneiro, 1998). Há também uma tendência de não diferenciação de funções por sexo nas relações amorosas e conjugais, com uma maior participação do homem nas atividades do cotidiano doméstico e nos cuidados com os filhos – essa ampliação do papel masculino é ora bem-vinda, ora recusada pelo âmbito feminino. Outra questão presente é a substituição da educação "retificadora" por uma "pedagogia da nego ciação" com os filhos. Logicamente todos estes itens considerados mais modernos estão entrelaçados com alguns valores anteriores, que continuam arraigados no nosso imaginário e cultura familiar.

Famílias homoafetivas ainda sofrem discriminação e lutam pela igualdade de direitos. As crianças pertencentes a essas famílias podem crescer saudáveis tais como as outras que cresceram com pais heterossexuais, porém carregam uma visibilidade que as outras não possuem. Isso muitas vezes é um dificultador para transitar nas adversidades da infância e adolescência, e não é incomum encontrar observações do tipo: Está indo mal na escola porque sua mãe é lésbica; Brigou porque o pai é homossexual; Fumou maconha porque vive numa família esquisita; e assim por diante.

Mas a despeito de tudo isso as pessoas continuam se casando e mantendo os mesmos rituais das cerimônias anteriores, seja numa união hétero ou homoafetiva. Elas se casam porque querem, mas assim permanecem se, dentre outras coisas, os seus projetos pessoais e satisfações forem supridos. Com essa nova característica, temos um casamento que busca uma equivalência de gênero e uma cultura mais individualista. Diante dessa nova perspectiva conjugal e com o advento do divórcio, que teve o seu auge no Brasil na década de 80, iniciaram-se estudos mais específicos com os chamados filhos do divórcio. Primeiramente esses estudos eram mais voltados às consequências e aspectos deletérios da separação parental para os filhos. Depois desses, alguns autores investigaram as relações e os conflitos familiares, trazendo outras contribuições para o tema, tendo como perspectiva os fatores de risco e de proteção (Hetherington, 1999, Souza, 1999, Filipini, 2003). Partem do pressuposto de que existem atitudes e situações que favorecem o ajustamento da criança e outras, que a prejudicam.

 

A CRIANÇA E O DIVÓRCIO

A separação e o divórcio são considerados, hoje, um período de transição familiar que, apesar de muito comum, constitui uma situação estressante e difícil para a criança e seus pais, exigindo de cada um de seus membros respostas adequadas a esse momento. Com o foco nas percepções e reações das crianças e os cuidados parentais necessários nesse período, muitos autores desenvolveram suas pesquisas (Kurdek, 1987; Delaney, 1995).

Os psicoterapeutas de crianças e família, em especial, têm hoje uma demanda considerável de clientes que buscam ajuda no período de separação. É uma fase de confusão e dor tanto para os pais quanto para os filhos. As circunstâncias do divórcio incluem uma diminuição do conflito familiar a priori e um declínio da qualidade de interação entre a criança e o pai que detém a guarda (normalmente a mãe); um decréscimo na frequência de contato com o pai que não tem a guarda (geralmente o pai); um rebaixamento dos recursos econômicos e outros eventos estressantes que podem ocorrer (mudanças de casa/bairro, escola e outros serviços); e um novo casamento parental, ao que muitas crianças resistem.

Mavis Hetherington (1999), grande estudiosa desse tema, investigou o processo de ajuste familiar à separação e constatou que o desequilíbrio da família como um todo tende a se pronunciar um ano antes do rompimento do casal e que leva cerca de mais um ou dois (no máximo seis anos) para a família encontrar um novo padrão de funcionamento. Isso significa que durante esse período de vida da família as crianças apresentam alguns comportamentos que podem ser mais ou menos adaptativos. Dependerá da idade, do sexo, do nível de conflito parental, dos arranjos de cuidados alternativos dos quais a família dispõe, da personalidade da criança, da sua competência individual, das redes de apoio disponíveis e do seu nível de desenvolvimento cognitivo.

Considerando que são diversos fatores que contribuem para como a criança pode perceber e reagir à separação dos pais, Kurdek (1987) pesquisou sobre a percepção da criança acerca do divórcio e a descreveu de forma cronológica e didática nas mais diferentes idades:

Entre 3-5 anos: Acha que a separação é temporária e a define e compreende pela ausência de um dos pais em casa; é comum se culparem pelo divórcio; ficam confusas pelos sentimentos positivos e negativos entre os pais; confusas pela não garantia de residência dos pais, de amor e planos concretos de mudar de casa.

Entre 6-8 anos: Divórcio interpretado pessoal, egocentricamente e em termos de separação física; aumento da consciência da incompatibilidade dos pais e dos conflitos como razões para o divórcio; não se culpa, mas se preocupa se o seu comportamento possa ter contribuído para a tensão parental; é comum culpar o outro pai pelo divórcio; deseja a reconciliação, mas não acredita que irá ocorrer; visão de redução do conflito como um benefício para o pós-divórcio.

Entre 9-12 anos: Compreensão do divórcio em termos psicológicos, incompatibilidade parental; pode ver o divórcio da perspectiva dos pais; não acredita que a reconciliação possa ocorrer; ambivalência para ambos os pais; sente raiva pelos conflitos de lealdade; percebe o ambiente (casa) de modo negativo; reconhece que alguém pode ter sentimentos conflituosos pela mesma pessoa.

Entre 13-19 anos: Compreensão sobre o divórcio se faz de forma abstrata e diferencialmente, reconhecendo aspectos positivos e negativos do divórcio; raiva verdadeira no relacionamento pais-filhos, em especial nos baixos níveis de contato com o pai.

Esses dados foram refletidos por pais num trabalho de intervenção de promoção de saúde que desenvolvi numa escola (Filipini, 2003). Tratou-se de um grupo de apoio para crianças em situação de divórcio ou separação parental. As crianças tiveram dez encontros nos quais, por meio de sociodramas temáticos, puderam reconhecer e desenvolver recursos para lidar com os sentimentos que foram originados pelo divórcio dos pais. Esse trabalho já foi descrito num outro texto (Filipini, 2005). Os sentimentos mais comuns nessa época são a tristeza, a raiva e o medo, que, não sendo claramente elucidados pela criança e seus pais, criam confusão ainda maior.

As diversas reações que as crianças podem apresentar na situação de divórcio parental foram estudadas por outros pesquisadores em população clínica. Delaney (1995), citando estes autores, descreve as reações mais comuns apresentadas, tendo a idade como um dos critérios de diferenciação:

Bebês recém-nascidos até 6 meses: choro excessivo, irritação; distúrbios de sono, alimentação e digestão; apatia, letargia; e falha no ganho de peso e no desenvolvimento geral.

Crianças de 6 a 18 meses: (todos os itens anteriores, e também) sinais de problemas de apego, como reação de medo ou desconfiança do/a pai/mãe; desenvolvimento motor ou de linguagem lentificados; terrores noturnos*; comportamentos regredidos*; *podem estar relacionados com a percepção de abandono pela criança por um dos pais ao qual tinha apego.

Crianças de 18 meses a 3 anos: regressão; falhas no desenvolvimento (linguagem, brincar e aptidões motoras); medos severos e persistentes de separação; masturbação excessiva; brincadeiras agressivas; e mauhumor frequente e severo;

Pré-escolares de 3 a 5 anos: distúrbios de alimentação, sono; isolamento, fuga, depressão; choro angustiado prolongado após deixar o/a pai/mãe (medo de serem abandonados); treino de esfincter lentificado, resistência ao treinamento do controle esfincteriano; regressão, extrema dependência; medos intensificados; excessivamente obedientes; e irritabilidade, insegurança., medo do futuro e sentimento de rejeição.

Escolares de 6 a 8 anos: preocupação e desejo de aproximação com o pai ausente; medos deslocados; fantasias de reconciliação; deterioração dos trabalhos escolares; conflitos em relação à lealdade; e dificuldades de aprendizagem da leitura e da escrita.

Crianças de 8 a 12 anos: aumento da tristeza, agressão, mau humor e depressão, ansiedade, agitação, hiperatividade; performance escolar diminuída; deterioração das relações interpessoais; negação de problemas; raiva excessiva a um dos pais (tipicamente dirigido ao pai/mãe que é "culpado" pelo divórcio); super opressão – ser o confidente do(s) pai(s); vulnerável por coerção para participar dos conflitos maritais; tendência a se machucar, reação emocional severa para pequenos machucados ou frágil na resposta à dor; e delinquência.

Adolescentes de 12 a 18 anos: muito vulnerável; raiva incontrolada, violência dirigida ao pai/mãe; sensação de perda intensamente mantida, baixa auto-estima, fragilidade, depressão; ideias, sentimentos suicidas; promiscuidade; abuso de substâncias químicas; isolamento ou fuga da família, ligados a atividades anti-sociais/envolvimento ou isolamento social; baixa performance escolar, faltas; dispor um dos pais contra o outro; crítica sobre os comportamentos e as ações dos pais; delinquência; ansiedade sobre o futuro, preocupação com o próprio potencial para a falha marital; e positivo: impressionante habilidade para crescer em maturidade e independência.

É importante ressaltar que todos os itens anteriores foram coletados em população clínica em intervenções psicoterápicas. No entanto, o ajustamento infantil ao divórcio depende de fatores que incluem a quantidade e a qualidade do contato com a figura parental que não detém a guarda, o ajustamento psicológico da figura parental que detém a guarda. Além de sua capacidade de cuidado, o nível de conflito entre os pais após o divórcio, das dificuldades socioeconômicas e do número de eventos estressores adicionais que incidiram na vida familiar. Todos esses fatores podem levar a criança à necessidade de uma psicoterapia ou a um ajustamento positivo sem qualquer intervenção, desde que ela encontre apoio e facilitação de enfrentamento.

Conhecer o que ocorre com a criança auxilia na relação dos cuidadores (profissionais ou não) com as mesmas, favorecendo com que transitem pelo processo de mudança da melhor forma possível. Com os pais do Grupo de Apoio foram realizados dois encontros e os materiais acima citados foram recurso para a compreensão da percepção e algumas das reações de seus filhos – inverter papéis, pensar e sentir tal como o outro é sempre a melhor forma de estabelecer uma boa relação. Algumas orientações foram discutidas e refletidas com o grupo. Essas mesmas orientações, divididas em cinco tópicos, relato abaixo:

1. Sobre a dor da separação:

• É sempre mais recomendável que as crianças sejam comunicadas e esclarecidas sobre o que está acontecendo com o casal. A verdade pode causar dor, mas é menos maléfica que o silêncio.

• Vocês podem pensar que os filhos não percebem o que está acontecendo. Tentar poupar os filhos dessa situação é subestimar a criança e a sensibilidade que ela tem para perceber as situações que a cercam.

• Você tem razão em pensar que seu filho vai sofrer, mas acredite, com o tempo, vai passar e ele compreenderá.

• Encontre um modo de se comunicar com seu filho sobre a separação e conversar com ele sobre o assunto. Claro que isso não quer dizer contar para ele o que está acontecendo usando linguagem adulta, ou expor a criança a sentimentos que ela não tem condições de entender ou situações em que ela não pode interferir. Lembre-se de que a decisão ou não do divórcio é sempre do casal.

2. Algumas atenções especiais aos pequenos:

• Não se esqueça de que quanto menor é a criança, mais difícil é para ela compreender que o casamento acabou, mas que vocês continuam sendo os pais dela.

• Neste momento de crise familiar todos estão sofrendo e é comum cada pessoa ficar consigo mesma; lembre-se de que seu filho pode estar precisando de ajuda para compartilhar seus sentimentos.

• Mesmo que você esteja sofrendo, é preciso suportar o sofrimento dos filhos nesse momento tão delicado de suas vidas.

3. Relacionamento dos pais após o divórcio:

• É importante lembrar que já está mais do que comprovado que o que mais faz uma criança sofrer são os conflitos parentais. Se estes conflitos permanecem após a separação, o ajustamento da criança a essa nova situação familiar torna-se muito difícil.

• Solicitar lealdade da criança só lhe traz confusão e ambivalência de sentimentos.

• Bons acordos sobre pensão e visitas beneficiam a todos.

4. Nenhuma criança é igual à outra:

• Seu filho poderá manifestar diversos sentimentos em relação a vocês: pode ir desde compaixão, raiva, medo... Tenha paciência, ele está sofrendo e confuso neste momento, mas isto se modificará com o tempo.

• Cada criança reage de um modo à separação. Estejam atentos para saber como e quando intervir, se necessário. Mesmo sabendo que ela está sofrendo, não relevem determinados comportamentos, ajudem- na.

5. Importância dos pais para o bem-estar de seus filhos:

• Seu filho depende de você para continuar aprendendo a viver, a suportar as frustrações que a vida lhe apresenta e a enfrentar as perdas indesejadas.

• Um novo relacionamento pode surgir com os filhos depois de uma separação. Não se esqueça de que a sua maior tarefa continua: amar e educar.

• Quando os pais cumprem com sua obrigação aos filhos, amando-os e educando-os, as chances da criança se desenvolver de forma saudável e utilizando todo seu potencial são muito grandes.

As dores da separação são reconhecidas pelas crianças e é preciso tempo para que elas elaborem as perdas (Souza, 1999). Elas acreditam que os sentimentos podem se modificar com o tempo e é a segurança do amor e do afeto parental que auxilia muito em todo esse processo de transição, facilitando a inserção de novos parceiros na vida familiar. O fato de os pais ampliarem o seu conhecimento sobre a percepção e reação das crianças capacita-os não só a compreendê-las melhor como também a ajudá-las a elaborar os diferentes sentimentos presentes nesse período de transição familiar. As crianças também inverteram papel com seus pais e especialmente em um dos sociodramas dividiram-se entre filhos e pais e puderam lhes fazer perguntas de todos os tipos e ouvir suas respostas quanto a separação, amor, cuidados e os caminhos que a vida iria seguir dali para frente.

Crianças têm sua saúde mental associada ao bem-estar dos pais e à qualidade do relacionamento entre ambos e, assim, estarão sob risco quando crescerem numa família em que o casal esteja em conflito, quer vivam juntos ou não. A pesquisa de Hetherington (1999) mostra que 80% dos adultos e das crianças envolvidos na separação se adaptam muito bem à nova situação. O primeiro ano após a separação pode acumular uma série de reações, pois as crianças sentem raiva, ficam confusas e apreensivas. No entanto, os filhos de divorciados poderão ser competentes e bem ajustados quando a separação de fato der conta do conflito e proporcionar um ambiente de cuidado positivo. Quando isso ocorre, o relacionamento entre mães e filhas melhora e a cumplicidade aumenta.

A autora afirma ser curioso como as filhas de pais divorciados amadurecem mais rapidamente. Menstruam de quatro a nove meses mais cedo do que as das famílias em que não houve separação e iniciam a vida sexual precocemente. Na adolescência, os conflitos aumentam, se não houver uma disciplina firme em casa. Decorridos no mínimo dois e no máximo seis anos (sete anos quando há recasamento) depois do divórcio, a família conclui um novo padrão de funcionamento e a maioria leva uma vida normal. A pesquisa de Hetherington mostra que 75% dos filhos de famílias divorciadas já estão se saindo muito bem nessa fase. Os outros 25% enfrentam problemas emocionais, sociais e educacionais ou comportamentais. É mais que o dobro do que vemos nos filhos de famílias não divorciadas, mas muitos dos problemas observados nessas crianças já existiam antes da separação.

Diante dos estudos apresentados, concluiu-se que a criança reage diferentemente à variedade de acontecimentos na separação ou no divórcio parental. O estresse tem efeito não apenas como resultado do divórcio parental, mas também como resultado da continuidade do casamento dos pais. Dessa forma, crianças que vivem em lares com alto conflito conjugal apresentam muitos problemas como crianças de famílias divorciadas.

É interessante observar que a ideia do conflito associado ao bem-estar ou não da criança e adolescente na família foi advertida por Moreno quando trabalhava em Hudson, no final da década de 30 e início da de 40. Em seu livro Fundamentos de la Sociometria (1972) ele fala sobre a constituição da Família Sociométrica. Conta-nos que ele recebia, na comunidade de Hudson, jovens órfãs de todas as partes do estado de New York. A sua missão era encontrar mães adotivas para essas jovens e a preocupação maior era encontrar um meio de que essas mulheres e meninas não se relacionassem por mera obrigação e obediência às regras mecânicas. Assim, a espontaneidade foi o caminho, a escolha sociométrica. Moreno fez então um teste parental. Para isso solicitou que as mulheres e meninas conversassem livremente para que se conhecessem e realizassem a escolha da forma mais espontânea possível. E falou: "(...) Vocês sabem que uma família na qual reina a discórdia constitui uma grave desvantagem para a criança e que, pelo contrário, uma família harmoniosa, significa-lhe um maior benefício (...)" (p.311, trad. nossa). E assim Moreno prosseguiu com seu trabalho, possibilitando que as parcerias fossem mais recíprocas. Essa experiência referenda a ideia dos autores atuais que enfatizam a necessidade de se investir nas relações interpessoais, verificando que, quando há um clima afetivo favorável, a transição familiar e o ajustamento a essa nova configuração podem ocorrer de forma menos dolorosa para as crianças e adolescentes.

 

FAMÍLIAS DE SEGUNDA OU DEMAIS UNIÕES

Outras uniões conjugais ou o chamado recasamento tem sido um evento comum na vida das jovens famílias. É especialmente nesse momento que a família adquire novas configurações sociométricas. É provável a chegada de novos irmãos, os meio-irmãos, bem como a convivência com os filhos do padrasto ou madrasta que não têm uma nomeação clara e são muitas vezes conhecidos como os co-irmãos. Esses irmãos do segundo casamento nem sempre têm boa relação com os do primeiro. É comum haver uma diferença grande de idade, o que favorece um distanciamento maior, mas nem sempre é assim.

Quando um casal em que um ou ambos os cônjuges já têm filhos se casa, ele é forçado a funcionar como família imediatamente. Porém, construir um senso de família leva tempo, os limites familiares devem ser flexíveis para acomodar todos os membros (pai não-custódio e família extensa) e os padrastos não devem pretender tomar o lugar dos pais biológicos, necessitando desenvolver um papel específico.

Para as crianças, um outro casamento de um ou de ambos os pais pode ser inicialmente percebido como um evento traumático, estressante em termos de desenvolvimento, pois muda a configuração da família, ao adicionar um ou mais membros novos ao grupo familiar, na sua Matriz de Identidade. Moreno (1975) referiu que a Matriz de Identidade é o primeiro átomo social de um indivíduo e geralmente é composto pela família nuclear. Ao mesmo tempo um átomo social compõe-se de várias estruturas tele: as redes sociométricas, que podem se modificar no decorrer da vida. No caso de um novo casamento, é essa reconfiguração que ocorre, porém, para as crianças e adolescentes a entrada em sua família desses novos membros não foi uma escolha sua.

Acompanhei por um bom tempo uma garotinha de seis anos que chegou ao consultório porque seu pai havia falecido repentinamente e essa dor estava dificílima de ser elaborada. Dentre outras coisas ela tinha a fantasia de que era a causadora da morte do pai. Ele fora hospitalizado com uma forte dor abdominal e em dois dias faleceu, provavelmente acometido por algum tumor ou aneurisma. Ela, anteriormente, brincava com o pai de pular em sua barriga, cantarolando feliz e segura enquanto ele ficava deitado no sofá de casa. Após a sua morte, ela não teve dúvidas da causa da sua doença. Foram muitas e muitas sessões em que dramatizamos as suas brincadeiras com o pai, o seu enterro, a sua falta. A saudade era amenizada por histórias e brincadeiras que ela só realizava com ele. Poder entrar em contato com a figura paterna nas dramatizações, tomar o seu papel e atualizar emoções foi importante para que ela elaborasse sua perda. Tal como ela, sua mãe estava muito infeliz e, felizmente, logo conheceu um rapaz e os dois se apaixonaram. Ele também vinha de uma história triste porque tinha perdido um filho.

Em pouco tempo o casal começou a morar junto e mais uma vez a garotinha sofreu. Agora ela perdia a exclusividade, tinha que dividir a mãe com aquele até então estranho. O tempo foi passando e esse marido da mãe tornou-se mais que um padrasto, era literalmente o seu segundo pai. Por um tempo ela se confundia e ficava ansiosa em escolher a melhor forma de se referir a ele, depois relaxou, confiou e passou a chamá-lo de pai. Ela mencionava claramente que tinha dois pais e falava, papai A. e papai R. Era o papai R. agora que muitas vezes a acompanhava até as sessões de psicoterapia, ia às reuniões do colégio, participava das sessões de pais e a ajudava nas tarefas escolares. Porém, quando era hora de colocar algum limite ou dar uma 'bronca', ele era impedido pela mulher, que dizia que ele não era o pai dela. Nesse caso percebemos que a dificuldade maior em aceitar o novo e ressignificar as relações estava mais presente na mãe. A menina e seu padrasto viviam bem e eles encontraram nessa nova relação um jeito saudável de encaminhar as situações do cotidiano: cada um desenvolvia seu papel a contento. E nessa relação de papel e contra-papel, o luto foi sendo elaborado e a dor, amenizada. A vida deles prosseguiu tal qual a de tantas outras famílias, e o casamento, também.

A transição para um novo casamento pode ser mais difícil para os adolescentes jovens, talvez porque nessa fase eles tenham que renegociar seu papel junto aos pais, que inclui diminuição da proximidade, monitoramento e controle, busca de maior autonomia e consequente aumento de conflito. Essa autonomia pode ter sido conseguida na fase anterior, de família monoparental, ou na época do divórcio, quando os genitores, por estarem envolvidos com outras questões, muitas vezes deixam de monitorar de forma mais efetiva as atividades dos filhos. Outro dado apresentado é que, se a segunda união ocorre quando os filhos são adolescentes, filhos e filhas aceitam melhor o padrasto se o relacionamento conjugal for próximo. No ajustamento infantil, o processo familiar é mais importante do que o tipo de família em que ela está inserida.

Quanto à relação entre irmãos, observa-se que aumenta a rivalidade e conflito entre eles, à medida que competem pela pouca atenção que a mãe tem disponível, pois ela se envolve em outras relações no segundo casamento. Os irmãos precisam ficar mais juntos e dar apoio um ao outro, para se proteger dos relacionamentos adultos instáveis e não-confiáveis. Irmãos, ou meio-irmãos, com um irmão da nova união, são menos positivos e envolvidos, brigam mais e há mais rivalidade entre eles do que no primeiro casamento.

Trabalhei com uma garota de quinze anos que procurou por psicoterapia porque estava com vários sintomas psicossomáticos. Seus pais eram separados e até os treze anos ela era filha única. Após a separação e passado um tempo, cada um dos pais casou-se novamente e em seguida cada casal engravidou. A mãe teve gêmeas e o pai, um garoto. Sua vida mudou completamente. Toda a atenção e dedicação exclusivas acabaramse de uma hora para outra, agora ela tinha três irmãozinhos de dois anos que mexiam em e lambuzavam todas as suas coisas. Além disso, sua mãe engravidou novamente, e no final dessa gravidez é que fui procurada.

Gosto muito de trabalhar com a construção do átomo social nas primeiras sessões. Átomo social, como uma técnica de apresentação, diz que devemos localizar todas as pessoas com as quais estamos nos relacionando emocionalmente ou que, ao mesmo tempo, estão relacionadas conosco. É esta a matéria-prima do átomo social de determinada pessoa. Dessa garota foi muito interessante. Ela construiu o seu átomo colocando seus dois pais, uma avó e algumas amigas. Pedi que ela se afastasse um pouco e observasse o que tinha à sua frente. Demorados alguns segundos, sobressaltada, falou: Ah!, minhas irmãzinhas!!!, correu e colocou-as no seu átomo. Logo depois teve um outro sobressalto: Meu irmãozinho! E assim ela concluiu a construção. O padrasto e a madrasta, nem pensar... Ela vivia num conflito muito grande entre aceitar e achar os irmãos "engraçadinhos" e ao mesmo tempo morrer de ciúmes e raiva deles. Foi um longo trabalho, por meio de inversões de papel, para que ela discriminasse os afetos, espaços e cuidados que tinham se transformado e o seu lugar, dentro dessa nova sociometria.

Apesar das informações apresentadas parecerem um tanto quanto pessimistas, a experiência e as pesquisas atuais confirmam que a adaptação das crianças e adolescentes em famílias de segunda ou demais uniões também depende de todos os fatores já descritos anteriormente, ou seja, principalmente a qualidade da relação conjugal e parental, relacionamento com o pai que não detém a guarda, da capacidade afetiva e cognitiva da criança e/ou adolescente, arranjos de cuidados, rede de apoio etc.

Tanto o meu trabalho quanto as pesquisas que trouxe, para contribuir com o tema, mostram que as crianças, adolescentes e seus pais têm uma participação ativa no processo de construção do bem-estar geral. Não se trata de sobreviver às transformações familiares, mas, sim, viver com qualidade nas famílias atuais e, para isso, nós, psicodramatistas, somos co-responsáveis.

São várias observações e tarefas a serem cumpridas, porém, nada muito complicado nem excepcional, se houver esclarecimento e responsabilidade por parte de cada membro da família, dos educadores e profissionais. Para o psicodramatista fica o desafio de contribuir para essa ação transformadora na família contemporânea, propiciando o reconhecimento e apropriação das relações e vínculos que se estabelecem ou que se rompem.

Acredito que intervenções psicodramáticas, tanto no âmbito institucional quanto privado, em sociodramas ou psicodramas, trabalhos com grupos ou bi-pessoais, são caminhos para auxiliar os mais diversos arranjos familiares em suas necessidades. Como sabiamente previu Moreno, as redes sociométricas são mutáveis e podem se ampliar, dependendo do movimento relacional que cada um realiza. Hoje, a nossa capacidade de conhecer pessoas e nos relacionar aumentou muito. A internet acabou com a distância e permitiu que vínculos virtuais se tornassem reais, e algumas uniões têm essa história como o seu começo ou final. Novamente a tecnologia fazendo a sua parte no processo de transição e transformação das relações humanas. Mas, como todos os outros processos relacionais, o nosso potencial espontâneo e criativo pode imperar sobre as conservas e estabelecer novas e boas formas de vida afetiva.

 

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Endereço para correspondência
Rua Guaraná, 529 – G 65 Jardim Paulista
São Paulo – SP
EE-mail: rosalba.j@uol.com.br

 

 

* Psicóloga, psicodramatista, psicodramatista didata e supervisora pela Febrap, ombudsman da SOPSP (gestão 2007-2008), supervisora do atendimento de psicoterapia psicodramática com crianças no CAPSI da SOPSP, orientadora de monografia do curso de Formação em Psicodrama do Convênio SOPSP-PUC; mestre e doutoranda em psicologia clínica pela PUC-SP